PAN REAL, Vila Real - Carta sobre o Patriomónio em Perigo

Associação de História e Arqueologia de Sabrosa

SOBRE A PAN REAL, a Panificadora de Vila Real

“Património Cultural”, ao que parece, é um conceito bastante abrangente e controverso. Os últimos tempos, difíceis por ventura, apresentam-se, stricto sensu, inovadores e, ao mesmo tempo, de difícil compreensão e estruturação. No entanto, como ocorreu, ao longo dos tempos, existem, hoje em dia, diversas perceções sobre os diversos fenómenos da sociedade. Importa, sem dúvida, e para que possam ficar bem esclarecidos, definir ou, pelo menos, enumerar as diversas perceções da realidade, do quotidiano e da mundividência.

Não é fácil e, em certos casos, talvez impossível, intentar explicar a complexidade de um determinado assunto a um indivíduo que se encontra bastante fora (inteligivelmente claro…) dos inúmeros conceitos e ideias, artificias ou não, criados ou elaborado por uma comunidade específica. Como pode, na sua perfeita felicidade, um cidadão do mundo, entender a complexidade de um sistema ideológico, técnico ou científico? Pior ainda, como pode esse indivíduo entender essa mesma complexidade se a sua essência sociocultural só conseguiria, no geral, determinar o que é bom e o que é mau, o bem o e mal, o útil e o inútil.

No entanto, a questão que se coloca prende-se, neste caso, em parte, com a necessidade de, para compreender as “situações”, ser fundamental ter algumas “informações” sobre as ditas “situações”.

Muito se tem falado, nos últimos “cento e vinte anos…” sobre a necessidade de preservar e salvaguardar a cultura e o património. Por um lado, verificamos que, em algumas situações, o humanismo consegue levar a sua avante, noutros casos, a ignorância e a falta de conhecimentos sobre os ditos “factos” que sustentam, empiricamente, os argumentos e as discussões são, eles próprios, leva, também, a sua avante. O que nos resta então? Escolher quais dos dois lados devemos “escolher”?

Pois bem, não se trata de escolher, mas sim de compreender e discutir, com justeza, as diversas questões que afetam a sociedade atual, isto é, afetam cada um de nós, no nosso passado, presente e futuro. No dia de ontem, por volta das 18:00 da tarde, começou a ser

demolido um edifício degradado nas proximidades do centro da cidade de Vila Real, o edifício da antiga panificadora de Vila Real, a PAN REAL.

O edifício, projetado por um arquiteto que, posteriormente, se notabilizou como pintor, Nadir Afonso, uma figura relevantíssima no panorama da arte contemporânea portuguesa e reconhecido, por sua vez, em várias partes do mundo, este mesmo edifício viu o início do seu fim estrutural no dia 17 de Fevereiro de 2020, com trabalhos de demolição levados a cabo já no ocaso, em momentos em que o sul se punha no horizonte. Verdade é que, durante mais de 20 anos, as preocupações sobre o estado de degradação do edifício não se fizeram ouvir com tanta força. No entanto, verdade é também que, apesar de degradado, nunca como agora pairava sobre o mesmo uma vontade enorme de lhe por fim.

O edifício foi planeado e estruturado conforme as ideias e os conceitos de Nadir Afonso a meio da década de 60, com formas e padrões inovadores para a altura, sobretudo se inserido no contexto cultural e geográfico respetivo. No entanto, isso pareceu pouco relevante para a opinião pública nestes últimos 20 a 30 anos… Mas o que fazer com as razões que a isto levaram?

O património cultural sobre de muitos problemas em Portugal e não só. Noutros países e regiões, em algumas situações “aparentemente” esporádicas, temos vindo a verificar o abandono e a degradação da memória física e não só de todos nós.

A “sepultura de minha avó” é um argumento ou uma ideia que, de certa forma, poderia colher alguns adeptos, sobretudo no âmbito do senso comum. O que interessa então o “nosso” património. Será que alguém do mundo comum admitiria, mesmo em teoria, que, apesar de não ter ido visitar a campa da sua própria avó ao longo de mais de 20 anos, que essa mesma campa fosse parcial ou totalmente destruída? Seria uma atitude tolerável e mais, aceitável?

Ou, tal vez, o que verdadeiramente interessa seja um determinado tipo de património?

Como se fosse fácil entender e gostar do património na sua totalidade e globalidade. Há, de facto, uma reflexão bastante séria e complexa a fazer sobre estas questões.

No entanto, o que ocorreu ontem com o edifício da PAN REAL em Vila Real não tem a ver com o estado de degradação do edifício, com o seu abandono, com a relevância ou não do Nadir Afonso, com a sua obra ou, simplesmente, com a postura de um grupo de pessoas, uma população civil que não estaria desperta para a relevância do assunto.

O LIDL, uma empresa alemã fundada, inicialmente, por Josef Schwarz (Südfrüchte Großhandlung Lidl & Co.), entre os anos 1930 e 1940, decide, em 2020 dar continuidade a um projeto de parque de estacionamento para compensar a falta de estacionamento da sua superfície comercial na Cidade de Vila Real. O novo parque de estacionamento, por coincidência ou por limitações de área, espaço contíguo ou outro, não teria outra área para se implantar que não fosse o atual espaço onde se edificaram tosas as estruturas concebidas por Nadir Afonso, ou seja, a PAN REAL.

Por este motivo, isto é, para criar condições para albergar mais automóveis e, por ventura, mais pessoas, o LIDL decide, não sabemos bem como, por que ou quem interveio na decisão, comprar o edifício da PAN REAL, o terreno e o projeto do parque de estacionamento e custear todas as obras. Em suma, paga, “do seu bolso”, a demolição total e completa de uma obra arquitetónica da segunda metade do século XX, uma obra produto das ideias e dos

preceitos artísticos de um artista e arquiteto reconhecido a agraciado pelo estado português e por outros estados e, reconhecido pelos seus pares.

A associação de História e Arqueologia de Sabrosa manifesta, desde já, a preocupação constante no que toca ao estado atual dos acontecimentos e ocorrências relativamente aos processos de preservação e conservação do património cultural em todos os seus domínios.

É com pesar que verificamos que, no geral, mais uma vez o património cultural, artístico e arquitetónico “RELEVANTE” e “relevantíssimo” vê o fim dos seus dias sobre a neblina e a névoa de um processo de demolição o qual se iniciou, lamentavelmente, num ambiente pouco claro. Este ambiente “pouco claro” deverá ser lido literalmente pois foi mesmo iniciado com pouca iluminação, já era ocaso, o sol já se punha no horizonte e as máquinas iniciaram a demolição às 18h de uma segunda feira pouco memorável para o património cultural português. No entanto, podemos sempre deleitarmos com as obras de Nadir Afonso no Espaço Miguel Torga, em S. Martinho de Anta, em Boticas, em Chaves e em tantas outras cidades e locais por este pais fora.

No âmbito da ocorrência de dia 17 de fevereiro de 2020, relativamente ao edifício da PAN REAL, em Vila Real, gostaríamos de convidar todas as entidades com responsabilidade na gestão, valorização, estudo, divulgação e do nosso património que manifestem a sua preocupação no âmbito deste atentado contra o nosso património.

Associação de História e Arqueologia de Sabrosa 18 de fevereiro de 2020