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LUÍS MIRA

“A agricultura não é uma prioridade para este Governo”

Luís Mira, membro do Comité Económico e Social Europeu, com funções na Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente (NAT) afirma que este Governo não dá valor à agricultura. Na Europa defende as características da agricultura mediterrânica e tenta mostrar que, por exemplo, a utilização de água é fundamental para fazer face às alterações climáticas.

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Sara Pelicano

AS TÉCNICAS E O CONHECIMENTO QUE EXISTEM NUMA PRODUÇÃO INTEGRADA E A FORMA COMO SE TRABALHA JÁ SE APROXIMA DA AGRICULTURA BIOLÓGICA E TEM NÍVEIS DE SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL BASTANTE GRANDES.

Agrotejo (AG): Quais os objetivos do Comité Económico e Social Europeu, nomeadamente a secção de agricultura? Luís Mira (LM): Bruxelas tem cinco órgãos institucionais: o Parlamento Europeu, com os eurodeputados; a Comissão Europeia, que é uma estrutura de funcionários, com o objetivo de defender os tratados que foram instituídos no início da União Europeia e tem também os comissários que são indicados pelos países. Depois há o Concelho Europeu que é constituído pelos ministros e ainda o Comitê Económico e Social Europeu, o CESE, que é a representação da sociedade civil organizada no processo comunitário. E aqui estão representados em três grupos: os empregadores, os trabalhadores e os interesses diversos. Ainda existe o Tribunal de Contas Europeu e o Tribunal de Justiça. Esta é a máquina europeia. O CESE, até à alteração do Estatuto do Parlamento Europeu há uns seis anos, emitia pareceres, mas não participava no processo decisório. O CESE faz pareceres a pedido da Comissão Europeia ou por iniciativa própria. Quando há uma legislação sobre um determinado assunto, a Comissão pede ao CESE, enquanto representante das empresas, dos trabalhadores e dos interesses gerais, que se pronuncie sobre aquela matéria. Muitos desses pareceres são tidos em conta pela Comissão e depois também há possibilidade do próprio Parlamento solicitar esse tipo de trabalho ou o CESE por iniciativa própria ser ele a fazer um parecer sobre um assunto que acha relevante. Eu, enquanto representante no CESE, tenho reuniões plenárias sobre vários temas. Por exemplo, recentemente fui a Bruxelas para participar na plenária e num grupo de trabalho sobre a utilização de adubos e a agricultura biológica e o impacto que isso tem. Portanto há aqui pareceres que, depois de elaborados, são enviados a essas instituições.

AG: Como é vista a agricultura portuguesa ao nível Europeu? LM: As intervenções que faço estão sempre relacionadas com a defesa das características mediterrânicas da nossa agricultura. É nesse prisma sempre que atuamos. Há sempre uma preocupação da minha parte em defender bem essas características porque muitas das questões colocadas adaptam-se mais à realidade do centro e norte da Europa, do que à realidade do sul. Questões como a seca, como a produção ao ar livre, como a defesa do solo ou mesmo daquilo que são as características do montado português, das frutícolas ou do olival e a vinha.

AG: A utilização da água e as barragens continua a ser mal interpretada na Europa? LM: Isso é uma questão que temos de continuar sempre a chamar a atenção porque há um grande estigma por parte de algumas correntes ambientalistas na utilização da água. É óbvio que aquilo que defendemos é uma utilização sustentável e eficiente da água, mas para as caraterísticas que nós temos e com as alterações climáticas a terem também um efeito cada vez mais notório, a água é um fator crítico para a produção no clima mediterrâneo. É óbvio que temos também que encontrar soluções para as zonas que não têm rega, nem nunca vão ter, mas fruto do conhecimento científico e fruto de algum apoio ao investimento que se possa fazer teremos que

INFELIZMENTE, NÃO TEMOS MAIS ‘GUADIANAS’ PARA FAZER ‘ALQUEVAS’, MAS EXISTE A POSSIBILIDADE DE TERMOS UMA ESTRATÉGIA PARA A ÁGUA QUE NÃO EXISTE, O PRÓPRIO GOVERNO NÃO TEM.

“(…) NESTE MOMENTO DO QUADRO 2013-2020 AINDA EXISTEM MAIS DE 900 MILHÕES DE EUROS POR PAGAR AOS AGRICULTORES.

proporcionar aos agricultores situações em que eles possam fazer mais reservas de água. Infelizmente, não temos mais ‘guadianas’ para fazer ‘alquevas’, mas existe a possibilidade de termos uma estratégia para a água que não existe, o próprio Governo não tem. Em Bruxelas, para ser aceite pela Comissão, terá de ser sempre justificada com uma necessidade para combate às alterações climáticas e não como uma necessidade para o aumento da capacidade produtiva, porque essa situação não é relevante para a Europa porque não tem falta de alimentos. Espanha, no passado, já reabilitou todo o seu regadio. O regadio não é só aquilo que temos, há muitas estruturas de distribuição de água que precisam de reparações e de manutenção. Só assim seria possível aumentarmos a nossa qualidade e garantirmos que no futuro esses agricultores podem continuar a produzir face áquilo que se prevê em termos de alterações climáticas.

AG: Não temos ‘guadianas’ mas temos por exemplo o rio Tejo e os seus afluentes… LM: Sim. Está estudado há mais de 50 anos. Estão identificados os pontos. Tem é de existir vontade política para que isso aconteça. Neste caso, os agricultores, as organizações dos agricultores, mas também o poder local têm de começar a colocar na ordem do dia essa situação porque o Tejo, no verão, tem limitações enormes. Deixa de existir praticamente água no Tejo. Há agricultores que se queixam que nem sequer água têm para regar. Não podemos continuar a dizer que a culpa é dos espanhóis porque somos nós, com soluções dentro dos afluentes do Tejo, que temos de encontrar a resolução dessa questão e não continuar a dizer que a culpa é dos espanhóis.

AG: Portugal defende bem a agricultura nas instâncias europeias? LM: Infelizmente a agricultura não é uma prioridade nem para este Governo, nem para outros. Acho que os políticos ainda não perceberam o peso que a agricultura tem. Costumo dar este exemplo: muitas vezes o têxtil e o calçado, juntos, não conseguem exportar tanto como o setor agroalimentar. Isto demonstra bem a importância que tem para o país, além de toda a sua ocupação territorial e todas as outras mais-valias que a agricultura produz. Noutro dia, perguntei ao presidente de um dos maiores partidos da oposição se nos últimos dez anos conhece alguma intervenção de um presidente do partido na Assembleia da República sobre agricultura e ele começou a pensar. Disse-lhe que não era necessário pensar muito porque não há. Acho que isto demonstra exatamente a pouca relevância que a agricultura tem para a política. O sistema democrático hoje penaliza muito o interior do país e o mundo rural. Estamos a ser governados por minorias que impõem a sua vontade porque o seu pequeno peso é importante para o Governo fechar o Orçamento do Estado. Isto é inaceitável e leva a que o mundo rural seja maltratado do ponto de vista democrático. O sistema de contagem de votos que Portugal tem penaliza as zonas

de baixa densidade territorial como as zonas rurais e isso é grave e penaliza também muito os agricultores.

AG: Há uns anos ouvimos muito dizer que a agricultura “estava na moda”, era “sexy”, parecia haver mais atenções voltadas para o setor. Isso refletiu-se em algo positivo? LM: Acho que essa questão tem a ver com a perceção das pessoas de que a agricultura não é aquela atividade física, de um trabalho árduo e de incerteza nos resultados. A agricultura moderna não é isso. A agricultura é praticada por empresários agrícolas com preparação técnica e com recurso a tecnologias. É uma atividade que requer uma gestão empresarial muito cuidada e exportação para ter uma evolução permanente. A agricultura de hoje é também cada vez mais exigente porque não tem só de produzir alimentos, tem também que combater as alterações climáticas, que promover a biodiversidade, proteger o solo, fazer uma gestão eficiente da água e cumprir um pilar social europeu. A agricultura teve uma grande revolução e está agora num momento em que vai caminhar no sentido da digitalização e da robotização, terá uma gestão de bases de dados, utilização da cloud, etc. São tudo tecnologias que já estão disponíveis e que alguns empresários já utilizam, mas que na próxima década será democratizada entre as empresas agrícolas.

AG: Existem algumas ideias pré-concebidas sobre este setor, como por exemplo de que utiliza descuidadamente a água ou fitofármacos, de que a agricultura intensiva é apenas nociva e de que a agricultura biológica é a única que faz bem ao ambiente, entre outras. Como será possível quebrar estes mitos? LM: Trata-se de uma questão ideológica. Por exemplo, este ataque às estufas em Odemira está relacionado com aquilo que é a ideologia de esquerda, contra tudo quanto seja empresarial. Essa é que é a razão. E quando há uma ideologia, as pessoas não querem ter explicações nem técnicas, nem científicas. Claro que, a pouco e pouco, a verdade virá ao de cima. As técnicas e o conhecimento que existem numa produção integrada e a forma como se trabalha já se aproxima da agricultura biológica e tem níveis de sustentabilidade ambiental bastante grandes. Não é por decreto que se impõe a cultura biológica. São os consumidores que a vão solicitar. A agricultura biológica precisa de adubo orgânico. Temos de perceber: onde é que a Europa tem adubo orgânico? Onde é que há as toneladas de adubo orgânico necessário para fazer face a uma ambição de 25% da superfície agrícola útil da Europa dedicada ao biológico? Não me parece que existam condições técnicas para conseguir produzir toda essa área. Além da quebra de produção que isso teria e numa situação em que a população mundial está a crescer, o caminho não é esse. O caminho é de uma sustentabilidade na produção, mas com recurso à intensificação e está provado cientificamente que isso é possível. É esse o caminho. O biológico terá a dimensão que o consumidor quiser.

AG: A desvalorização da agricultura leva a um desapego do mundo rural? LM: Recentemente, em plenário da Comissão Europeia, apresentei uma proposta da CAP que tem a ver com uma estratégia europeia que existe, o Digital Rural Act. Queremos garantir que o mundo rural tem cobertura de 5G, porque, do ponto de vista comercial, as zonas com baixa densidade populacional não são atrativas para os operadores colocarem essa tecnologia. Ora sem essa tecnologia não se consegue avançar no tipo de atividades e ações que se podem fazer. A União Europeia, e mesmo o Governo, tem esse chavão: não queremos deixar ninguém para trás. Mas o que é facto é que as zonas rurais ficam nestas matérias sempre para trás e era importante que a Comissão impusesse regras para que isso não aconteça. AS INTERVENÇÕES QUE FAÇO ESTÃO SEMPRE RELACIONADAS COM A DEFESA DAS CARACTERÍSTICAS MEDITERRÂNICAS DA NOSSA AGRICULTURA.

QUEREMOS GARANTIR QUE O MUNDO RURAL TEM COBERTURA DE 5G (…).

AG: O país está também atento ao Orçamento do Estado… LM: Exato. Está instalada a dúvida se o Partido Socialista sede ou não à pressão da Esquerda, mas mais uma vez o setor agrícola e toda a parte empresarial é esquecida do Orçamento do Estado, que é todo dedicado a satisfazer estes pedidos dos partidos de esquerda com questões ligadas ao código do trabalho e de outra ordem. O crescimento económico e as empresas ficam esquecidos. A Europa criou um mecanismo de recuperação e resiliência. Em Portugal, o primeiro-ministro chamou-lhe bazuca. Este mecanismo quase não chega às empresas e para o setor agrícola muito menos. É uma oportunidade perdida.

AG: O que é que o que é que a CAP gostaria que fosse contemplado neste Orçamento do Estado para a agricultura? LM: Gostaríamos que fosse garantida uma verba para fazer face àquilo que é a componente nacional dos programas comunitários agrícolas do PDR, que anda sempre atrasado. Essa é a principal razão para que neste momento do quadro 2013-2020 ainda existam mais de 900 milhões de euros por pagar aos agricultores. Situação que é completamente inaceitável e que mais uma vez não vem explicita neste Orçamento do Estado. A agricultura não é uma prioridade para este governo.

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Luís Vasconcellos e Souza PRESIDENTE DA DIREÇÃO DA AGROMAIS

A hora presente

“Sinto que estou a viver a época histórica mais interessante da minha vida. Nunca vivi nada parecido com o presente, nem 25 de abril, nem reforma agrária, nem entrada para a União Europeia, nem queda do muro de Berlim, nem mesmo a famosa globalização.” Na minha opinião o que agora estou/estamos a viver é nem mais nem menos do que a ressaca da integração vertiginosa que o nosso país e a Europa, primeiro, e depois todo o planeta, fizeram ao longo da minha geração. A isto somou-se a Covid-19 que descompensou aquele suposto equilíbrio que os defensores daquela lógica defendiam: - o primeiro mundo via na globalização uma grande oportunidade para aumentar os seus mercados, o segundo mundo

pub. via uma oportunidade para se desenvolver e ao terceiro mundo os outros dois mundos foram-lhe dizendo que para eles a globalização seria a melhor solução, ao baixar os preços mundiais e ao facilitar os seus acessos a determinados mercados. - a realidade veio mostrar que ninguém previu que a China fosse a grande, grande ganhadora daquela doutrina. O que assistimos agora é ao domínio quase total dos mercados pela potência asiática, que ao entrar nos mercados alimentares provoca sistematicamente subidas ou descidas fortes, por isso mesmo o sector agrícola também ele mudou totalmente e hoje em dia tem no seu seio agentes que se digladiam à procura do domínio total, na sua área de negócio, ao nível quer da sua zona, quer mesmo do planeta. Estas tensões afetam continuadamente os preços e logo os produtores. A vida dos produtores parece mais fácil, porque não há sofrimento físico associado à atividade, mas na minha opinião, a imprevisibilidade dos mercados de matérias-primas alimentares vai ser crescente, o que leva sempre, queiramos ou não, a um aumento do risco do seu negócio. Não se iludam aqueles que acham que já perceberam o funcionamento e a racionalidade dos mercados. Os tempos que aí vêm vão seguramente demonstrar que a única forma de melhorar o estado de “ressaca” é manterem-se unidos e solidários. A desunião seguramente que não faz a força! A união, essa sim, faz a força!

Projeto BPA.Eco: estruturas de foco ecológico com impactos positivos

O Projeto BPA.Eco estudou cinco tipos de sistemas produtivos com o objetivo de identificar os serviços de ecossistemas e de boas práticas agrícolas, avaliar o custo/benefício da sua implementação e identificar as medidas públicas para a promoção dessas mesmas boas práticas agrícolas. Os resultados deste estudo foram agora divulgados e conclui-se que a instalação de estruturas de foco ecológico têm impactos positivos na biodiversidade. O trabalho foi desenvolvido pela Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC) em parceria com o COTR, a FENAREG e o IPBeja e com o apoio da Consulai e da RRN. Saiba mais em www. bpaeco.com

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Nova portaria simplifica aquisição do estatuto de Agricultura Familiar

No passado dia 25 de outubro foi publicada, em Diário da República, a Portaria 228/2021 que vem alterar a Portaria 73/2019 que regulamenta a atribuição do estatuto de Agricultura Familiar. Esta alteração surge para “introduzir ajustamentos ao procedimento de atribuição por forma a tornálo mais ágil e menos burocrático, bem como a melhor adequá-lo ao universo de beneficiários verificado”, lê-se na portaria agora publicada. Mais se informa que “as alterações consistiram em definir como critério que o requerente seja beneficiário de um montante de apoio não superior a 5.000 euros – no âmbito das ajudas de Regime de Pagamento Base e Regime de Pequena Agricultura, da Política Agrícola Comum –, que o rendimento da atividade agrícola seja igual ou superior a 20% do total de rendimento coletável, que os prédios rústicos ou mistos sejam inscritos no sistema de identificação parcelar do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), a atribuição do título de reconhecimento apenas a pessoa singular titular da exploração agrícola e a renovação do título de três em três anos”.

ESTRATÉGIA EUROPEIA PARA AS FLORESTAS Setor florestal descontente

O setor florestal mostra desagrado com a Estratégia Europeia para as Florestas 2030 apresentada este ano. Consideram-na desadequada e poderá ter um impacto negativo.

Sara Pelicano

Adiversidade florestal portuguesa é grande e disseminada quer a sul, quer a norte do país. Tendo o rio Tejo como a linha que separa o país florestal, podemos dizer que a sul prevalece o montado de sobro e de azinho e o pinhal manso. A norte predomina o eucalipto e o pinheiro bravo. A sua importância ambiental é por diversas vezes referida, mas a floresta tem também um forte papel ao nível social e económico. O valor deste ativo é “incalculável, até porque a maioria dos serviços de ecossistema assegurados não correspondem a bens tangíveis, como a madeira, o pinhão, a castanha ou a cortiça, mas sim a serviços cuja valorização ainda não pode ser facilmente capitalizada em termos monetários, como é o caso do sequestro de carbono, da conservação dos solos, da proteção da biodiversidade, dos polinizadores, a regulação dos recursos hídricos ou simplesmente a paisagem”, explica Conceição Santos Silva, coordenadora I&D+i na UNAC – União da Floresta Mediterrânica. Do ponto de vista económico há, contudo, duas fileiras que se destacam: a da cortiça e a da pasta de papel. Francisco Gomes da Silva, diretor-geral da CELPA – Associação da Indústria Papeleira, acrescenta que “no que se refere ao valor ambiental, é importante ter presente que as florestas não se esgotam na sua capacidade para armazenar CO2. Essa é apenas uma das suas componentes. Além dessa, que é muito evidente, e para a qual a floresta de eucalipto contribui de forma ímpar com as suas elevadas taxas de cresci-

Conceição Santos Silva

Francisco Gomes da Silva Conceição Santos Silva, coordenadora I&D+i na UNAC – União da Floresta Mediterrânica comenta: “Tudo o que sejam medidas centradas na meta da neutralidade carbónica são as prioritárias ao nível nacional e internacional. Que se tenha conhecimento, não existe à data um pacote financeiro alocado à implementação da Estratégia Florestal europeia. Ao nível nacional está em elaboração o Plano Estratégico da PAC 2023/2027, cujas medidas de cariz florestal permitirão alavancar parte dos objetivos previstos na Estratégia europeia, nomeadamente a plantação de 3.000 milhões de árvores até 2030 ou a recuperação de ecossistemas degradados. Outros objetivos serão certamente apoiados no âmbito do Fundo Ambiental e do Plano de Recuperação e Resiliência. Porém, estes investimentos são sempre de longo prazo, porque a nossa floresta é maioritariamente constituída por espécies de crescimento lento onde os processos de recuperação, promoção da biodiversidade e conservação dos solos, são também eles muito lentos e portanto, apenas mensuráveis no médio a longo prazo”.

Francisco Gomes da Silva, diretor-geral da CELPA – Associação da Indústria Papeleira diz: “Este é um dos outros problemas a que estas estratégias já nos habituaram: não existe nenhum orçamento nem instrumento financeiro para apoiarem a sua concretização. Na estratégia, apenas é indicado que os fundos do Desenvolvimento Rural do 2.º pilar da PAC deverão contribuir para a prossecução desta estratégia. Ora, sabendo-se que a floresta não faz parte do tratado, sendo por isso matéria da responsabilidade de cada Estado-membro, e conhecendo a dimensão dos fundos em causa, fica bem claro que em matéria de fundos nada mais há do que uma mão cheia de nada. Quanto à primeira medida a tomar, sugiro que seja a revisão do texto que foi apresentado, adequando-o à floresta que existe na Europa e balanceando as diversas funções e objetivos que este importante ativo pode proporcionar. E fazendo-o reconhecendo as especificidades regionais que esta floresta apresenta, evitando soluções do género one fits all.”

mento anual, existem outras: a proteção dos solos, o contributo para a biodiversidade, a gestão da água, as amenidades paisagistas, etc. Não podemos descurar também a componente social, em que a geração de emprego é a parte mais visível. Ora, a floresta dita de produção (isto é, aquela que tem como objetivo a produção de madeira ou cortiça), além de gerar valor económico evidente, é também, desde que gerida de forma sustentável, geradora de valor ambiental e social. É o conjunto destes valores que é importante maximizar, e não apenas uma das suas componentes em prejuízo de todas as outras. E temos conhecimento e tecnologia que nos permitem fazer isso de forma equilibrada”.

ESTRATÉGIA EUROPEIA PARA A FLORESTA Todas estas valias têm de ser reconhecidas e valorizadas e, para esse efeito, é necessário uma estratégia que defenda a floresta, salvaguarde este património, mas assegure a sua viabilidade económica. A União Europeia (UE) criou uma Estratégia Europeia para as Florestas 2030, mas será que esta defende os interesses deste património? Este documento, apresentado em julho, “é absolutamente centrada na maximização do papel das florestas para a mitigação do processo das alterações climáticas, assumindo como seu o objetivo da Lei do Clima de promover a redução das emissões dos GEE [Gases com Efeito de Estufa] em pelo menos 55% até 2030. Adicionalmente, também com muito relevo, é assumido como essencial o contributo das florestas para reverter as perdas de biodiversidade”, explica Francisco Gomes da Silva. O diretor-geral da CELPA – Associação da Indústria Papeleira refere que a Estratégia agora apresentada é “muito pouco clara, e maioritariamente absentista, no reconhecimento de que um dos contributos essenciais da floresta para reverter a crise climática e a perda de biodiversidade é a capacidade que as fileiras de base florestal têm de conferir viabilidade económica à gestão florestal – isto é, a gestão sustentável das florestas consegue compatibilizar a geração de valor com o sequestro de CO2 e com o aumento dos níveis de biodiversidade. Existe, pois, um desequilíbrio evidente na forma como são balanceadas as diversas funções da floresta, bem como uma desvalorização da existência de diversos caminhos para alcançar objetivos semelhantes. Ou seja, é impensável e desnecessário termos toda a área florestal dedicada a primary and old-growth forests, ou seja, florestas primárias não intervencionadas pelo homem, uma vez que os objetivos essenciais em termos de clima e de biodiversidade podem ser alcançados por somatórios de áreas de florestas de produção geridas de forma sustentável”. Conceição Santos Silva alerta que o impacto desta Estratégia “pode ser muito negativo para a floresta nacional. Conceitos como a ‘silvicultura próxima da natureza’ ou a ‘renaturalização’ acarretam nos sistemas florestais mediterrânicos um enorme

risco de incêndio. A floresta nacional carece de gestão, entre outros objetivos, precisamente para diminuir o risco de incêndio. Quando se discutem modelos de gestão à escala da paisagem, como são as zonas de intervenção florestal, pretende-se adquirir dimensão para realizar uma gestão sustentável onde a gestão dos riscos, não só de incêndio, mas também de pragas e doenças possa ser realizada com sucesso. Por outro lado, a Estratégia prevê o desenvolvimento de novos sistemas de certificação, quando estão já implementados no terreno dois sistemas internacionais – FSC e PEFC – com provas dadas em termos de avaliação da gestão sustentável, credíveis e devidamente adaptados ao nosso contexto nacional”.

DESADEQUADA Os dois intervenientes consideram que esta Estratégia é desadequada à realidade portuguesa e europeia. Francisco Gomes da Silva relembra que “a estratégia não constitui, em si mesma, um documento com força normativa nem para a UE, nem para os Estados-membros, sendo apenas orientadora. Mas é extremamente prejudicial a mensagem que transmite. Aliás, o seu conteúdo foi fortemente criticado pelo Conselho bem como por diversas entidades ligadas aos produtores florestais ao nível europeu. No entanto, o documento propõe um caminho legislativo, que deverá ser percorrido quer pela UE, quer pelos Estados-membros.

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O impacto é também muito negativo pela mensagem que passa: uma mensagem que ignora a realidade da floresta europeia, e que não transmite nenhuma mensagem relevante sobre a importância da maior parte dessa floresta, que é uma floresta plantada, dedicada à produção. É confrangedor que uma Estratégia setorial como esta ignore por completo aquele que deverá ser o caminho desse tipo de floresta”. O mesmo responsável acrescenta que “nem Portugal, nem nenhum outro país da Europa, está preparado para implementar esta estratégia tal como é apresentada. E ainda bem, pois tal significaria provavelmente a destruição de uma parte muito significativa deste importante ativo que é a floresta”, acrescentando que “um dos problemas que o documento apresenta é exatamente o de pretender constituir-se como um caminho único para a enorme diversidade que está representada na floresta europeia. Este tipo de generalizações, focadas quase essencialmente em objetivos ambientais e que soam bem ao ouvido da opinião pública, são extremamente perigosos pelas expetativas que podem gerar”. Por seu turno, Conceição Santos Silva sublinha que “nos moldes propostos, a Estratégia Florestal Europeia é um risco para Portugal e para a Europa, como foi recentemente tornado público em Viena por um conjunto alargado de países e stakeholders. E este facto é também reconhecido

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pela autoridade florestal nacional, tendo o presidente do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas publicamente subscrito estas preocupações. O maior risco é a desadequação de conceitos e a aposta cega em soluções que não têm em consideração o equilíbrio entre os três pilares da sustentabilidade – económico, social e ambiental”. A coordenadora I&D+i na UNAC considera ainda que “as estratégias florestais têm sido promovidas e definidas principalmente dando resposta a uma Europa do Norte, focada na produção de material lenhoso (madeira), esquecendo na Europa mediterrânica a existência de vastos sistemas agroflorestais, onde as atividades florestal e agrícola se complementam para originar ecossistemas tão ricos e biodiversos como são, por exemplo, os montados de sobro e azinho. Muitas das áreas florestais do nosso país produzem essencialmente produtos florestais não lenhosos, como a cortiça, a bolota ou o pinhão, em sistemas que são altamente sustentáveis do ponto de vista ambiental e onde a agricultura, a pecuária e a floresta são interdependentes para garantir a provisão dos serviços de ecossistema. E, normalmente, estes sistemas são pouco considerados ao nível europeu, apesar do seu papel importantíssimo na economia rural, na fixação de emprego e população fora do contexto urbano”.

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Duarte Marques DEPUTADO

Novas oportunidades para a floresta

Quando muitos ficaram surpreendidos com a ferocidade e dimensão das, ainda recentes tragédias que ocorreram nas nossas florestas e principalmente no interior do país, outros, mais atentos às alterações no território e na paisagem florestal há muito avisavam que algo assim poderia acontecer. O êxodo rural tornou grande parte dos territórios de baixa densidade em verdadeiros barris de pólvora em virtude das alterações demográficas e do consequente abandono das terras. Muitas comunidades de aldeia deixaram de existir, muitos proprietários deixaram de viver perto das suas terras, as novas gerações procuraram novos desafios e a agricultura de subsistência deixou de ser uma realidade tão abrangente como antes. Verificou-se o colapso de todo um sistema agro-silvo-pastoril que existiu durante séculos. Enfrentar este desafio tem sido uma constante no discurso político, mas sem soluções ou uma disponibilidade clara das autoridades públicas e privadas para tal. Hoje é claro para todos nós que para tornar o território mais resiliente é preciso cuidar dele e para isso é preciso que seja rentável. Rentável do ponto de vista económico, social e ambiental. Hoje, ao contrário do passado encontramos um conjunto de condições favoráveis que há muito não existiam ou pelo menos não se conjugavam ou coexistiam de forma tão clara. É esse “momentum” que nos compete aproveitar. Em primeiro lugar, há uma consciência social e política que é necessário fazer uma mudança radical no território através de uma intervenção estrutural na paisagem, tornando-a mais resiliente, mais cuidada e mais ordenada e gerida de forma sustentável. Em segundo lugar, os proprietários de hoje começam a ser conscientes da necessidade de uma gestão partilhada dos seus recursos e das suas propriedades e estão prontos para delegar alguma da sua “soberania”. Em terceiro lugar, temos um conjunto de soluções e modelos pensados e criados ao longo dos últimos anos que permitem agregar e gerir um conjunto de terrenos e propriedades de forma coletiva, repartindo direitos e obrigações entre os membros. Daqui destaco as novas Unidades de Gestão Florestal e as Entidades de Gestão Florestal que vêm permitir uma gestão ambiciosa, mais profissional e mais eficiente destes territórios e sobretudo do interesse público. Em quarto lugar, e não menos importante, temos um conjunto de instrumentos de financiamento agora criados pelo Governo que, quer através do Fundo Ambiental quer através do Plano de Recuperação e Resiliência, poderão constituir o financiamento necessário e inédito para os investimentos e compensações que é preciso fazer para transformar a paisagem em regiões mais resilientes e mais sustentáveis. Perante estas oportunidades, vale a pena avaliar como podemos aproveitá-las e concretizar uma verdadeira aposta na floresta nacional e nos territórios rurais. Julgo que para tal é necessário ainda mais empenho político, e especialmente medidas mais direcionadas para o território, no sentido de envolver os agentes locais. Numa ótica botton up com as associações de proprietários e com o poder local. Só assim, será possível dinamizar os territórios, incentivando o sector produtivo da floresta e as suas multifunções ao nível do turismo, da preservação ambiental, da recuperação de aldeias e vilas. Hoje há condições, só é preciso fazer acontecer. Não há mais espaço para desculpas nem tolerância para falharmos.

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