O monstro do rio negro

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INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


JOテグ MARTINS DE ATHAYDE

O MONSTRO DO RIO NEGRO

1975



Há muitos homens no mundo Que dizem já ter lutado Com lobisomens valentes Que andam correndo fado E sempre, sempre nas lutas Vitoria tem alcançado Outros dizem com certeza Que tem lutado tambem Com muitas burras de padre E tem se saido bem Porem isto são bichinhos Que não espantam ninguem Eu quisera ouvir um homem Dizer-me que resistiu Ao monstro do Rio Negro E triunfante saiu Para lhe dizer na cara: Você desta vez mentiu


Porque o monstro que falo No mundo inda não nasceu Vivente que resistisse A força do corpo seu E quem com ele agarrar-se Pode jurar que perdeu O monstro do Rio Negro O seu pai foi um pajé Que viveu no Rio Negro Regendo a tribo Maué O Brasil ainda não era Uma nação como é

Já portanto é muito antiga O monstro de quem pretendo Contar nesses poucos versos O quanto ele é horrendo Para que todos conheçam O seu valor estupendo


Esse monstro em pequenino Era um indio até bonito Mas com dez anos de idade Tinha um gênio tão maldito Que fazia o tal pajé Viver tristonho e aflito E quando fez quinze anos Certo dia de manhã Assassinou um irmão E agarrou uma irmã Pelas pernas e rasgou-a Como se fosse uma rã

A mãe vendo aquele horror Mandou qu’ele fosse embora E ele já contra a mãe Investiu na mesma hora E duma grande dentada Arrancou-lhe o nariz fora


Afinal fez o que quis Pois tinha um genio demais E quando o pajé chegou Ele como satanaz Meteu-lhe com toda força Uma pedra por detraz

O pajé foi logo abaixo E quando se levantou Em vez de ficar zangado A ofensa desculpou Porem mais tarde um xarope, Para o dito preparou Esse xarope continha Baba de muitas serpentes E sangue de muitas feras Poderosas e valentes Escama de muitos peixes, E carne de outros viventes


Depois do xarope pronto O pajé muito sagaz, Com sua feitiçaria Pôde fazer o rapaz Tomar o xarope todo, E ficar pedindo mais

Com meia hora depois Mostrou-se o rapaz doente E o pajé lhe lançou A maldição de repente E mandou ele ir embora Por ser desobediente, O rapaz se retirou Para uma mata afastada, E com dois dias depois A cara estava enrugada Os olhos da cor de fogo E a língua esverdeada.


Quando completou um ano Começou nascer-lhe escamas E ele então começou Viver oculto nas lamas Lhe servindo de sustento Folhas das pontas das ramas

Com dez anos transformou-se Num grande monstro imortal Do feitio de um anfibio E assim descomunal Meteu-se no Rio Negro E começou a fazer mal. Seu corpo tem com certeza Dez metros de comprimento A barriga é encarnada E o lombo é pardecento, E tem quatro asas negras, Pra voar qualquer momento


Essas asas são de couro Porem de um couro tão forte Que não há dentes de bicho Que possam fazer-lhe corte E não há ponta de aço, Que nelas já não entorte Tem uma força assombrosa Capaz de erguer o mundo A fera que ele agarrar Perde a vida num segundo Que seja em cima da terra Ou dentro do mar profundo

Pois tem cem palmos ou mais A sua circunferencia O seu casco tem um metro De grossura, e a consistencia É de bronze: e já por isto, Ninguem lhe pôs resistencia


Tem um lôdo em todo corpo E o bicho que mordê-lo A lingua fica queimada Redonda como um novelo E os dentes se desmancham Já como bolas de gelo

Seus chifres são do tamanho Dos de um boi de carro Duro como diamantes E sujos da cor de barro As unhas são como chifres Dum veado ou dum chibarro Tem quatro unhas maiores Em cada pé possui uma Cujas unhas são de rosca Da forma de uma verruma E o bicho que ele furar Com elas, não se apruma.


Pois as unhas onde ferem Aparecem de repente, A grangrena com o tétano Portanto não há vivente Que possa ganhar vitória Com esse monstro valente

Seus olhos são côr de brasa Tendo o tamanho dum tacho Fitando para um vivente O vivente vai abaixo E com a lingua ele atrai Qualquer bicho femea ou macho Na ponta da cauda tem Um ferrão envenenado Do sistema de uma seta E quando ele está zangado Transpassa aço de mola Com ele de lado a lado


Tem mais em cima da testa Dois espigões de defesa Grossos e eletrizados Duma medonha dureza Com ele arrebenta pedras Já de qualquer natureza

Com esse dois espigões Ele não teme pôr guerra Aos fantasmas noturnos Pois a morada não erra Se errar, há com certeza Um grande tremor na terra

Ora o pajé quando soube Que o filho estava tornando Num monstro descomunal Ficou bastante assustado Pois agora como bicho Talvez fosse mais malvado.


Pensou bem porque o monstro Começou logo a matar Sem pena sem piedade Os indios do seu lugar E não escapava nada, Que ele podesse pegar.

Os indios devido a isto Começaram a persegui-lo Porem tudo foi debalde Porque o monstro tranquilo Comia a lingua de todos, Que procurava feri-lo.

Logo os Pajés feiticeiros Procuraram dar-lhe fim Então o monstro com isto Inda se fez mais ruim Matando todos os pajés, Que lhe vinham com pantim


De forma que até do pai Tirou os rins e comeu, E com essa operação O dito pajé morreu, Mas antes dele morreu, O monstro inda o roeu.

Quando completou um ano No Rio Negro não tinha, Um só pajé feiticeiro Nem para fazer meizinha E os indios se mudaram, Pois era o jeito que tinha.

O monstro se vendo só Entrou noutros afluentes, Do grande Rio Amazonas Matando todos viventes Que se botaram pra ele, Se fazendo de valentes


Percorreu o Juruá Tefé, Purus e Xingu, Iça, Javari e Madeira Tapajós, Jari, Peru O Caquetá e Trombetas, Como assim o Maicuru.

Percorreu o Jamundá Curná e outros mais Comendo por toda parte Poderosos animais Então dum Mantiguari, Cem léguas andava atrás,

Um dia no Rio Iça Encontrou duas serpentes, Que matavam com os olhos Aos bichos mais valentes E só com os bichos mais fortes É que usavam os dentes.


As serpentes embrulharam Com o monstro e procuraram Cravar-lhe os dentes no casco Mais seus dentes se quebraram E as serpentes com isto Ainda mais se assombraram Mas o monstro com as unhas Os espig천es e os dentes Matou antes dum minuto As duas grandes serpentes E delas comeu as linguas, Enquanto estavam quentes. Assim o monstro viveu No grande Rio Amazonas Como chefe muitos anos Dominando aquelas zonas Pois acabou todas feras Que do lugar eram donas.


De formas que era ele O vivente mais feroz, Do dito Rio Amazonas Do nascente atĂŠ a foz Pois nunca tinha se visto. Um monstro assim tĂŁo veloz

O monstro nagua ou no seco Se transporta num minuto Para o lugar que pretende Porem sempre o grande bruto Gosta mais de viver nagua Do que em lugar enxuto

Por isto muitas centenas De anos ele viveu, Nas aguas do Amazonas Lugar onde ele nasceu Depois sem se esperar, Dali desapareceu.


Certamente a agua doce Estava a ele ofendendo Por isto buscou o mar Onde vive combatendo Com os peixes mais ferozes, E assim sempre os vencendo Em muitas praias do Norte Ele tem aparecido Porem a cristão nenhum Inda não tem perseguido Certamente este direito, Nunca lhe foi permitido,

Porem a Pajés e indios Ele persegue demais Dum lobisomem valente Anda toda vida atrás Tambem as <<Burras de Padre>> Ele carinho não faz.


Ha cem anos no Ceará Na povoação Aurora, Apareceu uma burra Que fez o povo ir embora Da dita povoação, Que já fez-se vila agora.

Assim viveu esta burra Na povoação um ano Ofendendo a todo mundo Pois nunca encontrou humano Na dita povoação Que não fizesse um dano O monstro lá pelos mares Uma noite farejou Essa burra perigosa Pois em Aurora chegou Uma noite com a burra Numa luta se travou


O monstro com sua força Levou a bicha de arrojo E só com uma dentada Matou-a, mas teve nojo De comê-la pois a bruta Estava fazendo amojo

No outro dia encontraram A burra no chão sem vida Tinha cara duma negra Com uma tromba comprida O corpo era uma burra Muito grande e bem nutrida O monstro matando a burra Voou logo em direção Do estado da Paraiba Pois havia precisão De comer um lobisomem Em Baía da Traição


A Baía da Traição Nesse tempo era o lugar Que os lobisomens do mundo Gostavam de passear Pois havia muita tripa De peixe na beira-mar

Uma noite um pescador Inda pôde contar mais Duma dúzia, uma femea Era mais brava e sagaz Pois não consentia os machos Lhe passarem por detraz Um lobisomem mais tolo Foi lhe cheirar as trazeiras Ela deu-lhe quatro quedas E três dentadas certeiras E depois deu-lhe um chôto Que deixou-o em Bananeiras


O monstro do Rio Negro Quando chegou na Baía Da Traição, os lobisomens Um contra outro investia Porque as tripas dos peixes Foram poucas nesse dia

Logo a grande lobisomem Por ser a mais valentona Das poucas tripas que haviam Se apoderou como dona Dando nos seus companheiros Vez enquanto uma tapona

O monstro quando viu isto Meteu-se em luta com ela E com os dois espigões Sangrou-a no pé da goela E antes dela morrer Engoliu o poldro dela


Partiu em cima dos outros Ainda pôde sangrar seis Com a femea eram dez Ainda correram tres Se não corressem teriam Se acabado dessa vez Quando o dia amanheceu O monstro tinha comido Os seis que tinha sagrado Porem já tinha fugido Para lugares ocultos Aonde vive escondido

Alguem julga que ele vive Oculto ou pelo Norte E só pode ser assim Pois 1 monstro assim tão forte Pode está em qualquer parte Porque já não teme a morte


Em setenta ele foi visto Por um grande couraçado Deu-lhe mais de uns cem tiros Mas sem nenhum resultado Porque bala para ele É quiabo cozinhado Ele quando está com fome Gosta de matar baleia O golfinho e espadarte Tambem com fome aperreia Porem já não faz assim Quando a barriga está cheia Porem aonde ele vive Fantasma não aparece Pois com a presença dele Até o diabo esmorece Pois quem se pega com ele Inda com vida apodrece


No lugar onde ele passa Lobisomem não vai mais <<Burra de padre>> chegando Calada dá para traz E deixa de correr fado Pois ele graça não faz Um rastro dele no chão Fez a gente esmorecer Porque se pisar no rastro Inda querendo correr Não pode pois fica logo Esmorecido a tremer

Ele tem pegado fera E ela não sai do canto E sem bolir-se consente Qu’ele coma dela um tanto E depois que aborrece É que a fera toma espanto


Quando ele come demais A fera coitada morre, Mais quando só come o rabo A fera tres dias corre. E se a tripa se tiver cheia Ela na carreira escorre. Já faziam muitos anos Qu’esse monstro fugitivo, No Brasil não era visto Então por esse motivo Nele já não se falava, Pois não se tinha por vivo, Mas este ano em abril Ele na ilha do Pina Foi visto por tres pessoas Uma moça e uma menina E um rapaz muito serio, Tocador de concertina,


Certamente ele já vem No faro de macobêba Pois ele gosta de sangue E é preciso que ele beba O sangue deste bichinho, Antes que o mesmo perceba

Macobêba è um bichinho Que anda espantado agora Muita gente por ai Mas o monstro sem demora Agarra-lhe em qualquer noite, E tira-lhe a lingua fora

Macobêba tinha medo Porque o monstro é sabido, Quando o bicho o julga longe Ele está bem escondido E para livrar-se dele, Não há bicho prevenido


Inda Macobêba sendo De ferro, de bronze ou aço Porem nos dentes do monstro Há de tornar-se um bagaço Pois quando ele abocanha, Na boca traz o pedaço

O monstro do Rio Negro Já está mais do que visto Que ele é o satanaz E é para Anti-Cristo Nele percorrer o mundo, Pois já há certeza disto.

Porem terá que morrer Traspassado por Enoque Porem antes deste dia Não haverá quem lhe toque E a quem a ele perseguir, Não terá onde se soque


Portanto o Macobêba Se despeça da cachaça Que bebeu em certa usina E deixe de fazer graça Com boi, carneiro e galinha Pois vem já perto a desgraça FIM



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