Mulheres invisíveis de juazeiro

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


SALETE MARIA

MULHERES (INVISÍVEIS) DE JUAZEIRO



Vou pedir vênia ao leitor E prepará-lo ligeiro Dizer o que ensejou O ‘Mulheres de Juazeiro’: Além de uma homenagem Farei, com muita coragem, Uma denúncia primeiro: Em março, no dia oito Aqui em nossa cidade Há sempre um ato afoito Partindo de autoridade ‘Mulheres conceituadas’ Todas homenageadas Sem ter legitimidade Vê-se na programação Das festas oficiais Muita condecoração Pras ‘damas especiais’


Alencar, Tavares, Cruz Bezerra, Landim, da Luz Todas estão nos jornais! Concedem nome de rua À diretora, à gerente Dão um terreno na lua À tal dondoca demente Manda em toda a cidade A mulher da majestade Primeira-dama insolente São as donas do pedaço Tão em lugar de destaque Não fazem o que eu faço Mas estão no almanaque Todo ano é assim Preparam um boletim E soltam mais do que traque


Chamam as exploradoras (representando as demais) Diante das emissoras Televisão e jornais Um homem muito imponente Concede-lhes um presente E dizem: “somos iguais”! Faz tempo que isto ocorre Sem que ninguém diga nada Antes que o governo torre Toda a verba arrecadada Vamos fazer um protesto Num verso coxo, modesto Contra esta palhaçada Lembremos como surgiu A data internacional Do nada não emergiu Mas duma luta real


Por redução de jornada (Muita gente assassinada) Foi o marco inicial Mulheres trabalhadoras Vítimas da opressão Foram elas precursoras (a luta não foi em vão!) Conquistas posteriores Não são frutos de favores São o nosso galardão Porém é outra a História Na versão oficial E nos livros de memória De rei, chefe ou general Consta que só tem valor Na pena do escritor Quem ao poder for leal


É a mesma ladainha Para agradar o barão: “Toda rica é rainha -pobre nunca tem razãoToda velha é caridosa” Oh! história mentirosa Cheia de enganação É um grande besteirol Doutora aqui e acolá Dó-ré-mi-fá-si-lá-sol Do bendito ao beabá; ‘Damas da sociedade!’ (modelos de falsidade!) Pra quê homenagear? Assim como na história Também na biografia Só a rica tem a glória E tem genealogia


Retrato de comitiva Data comemorativa E muita apologia Personagem principal É a mulher do doutor Deputada estadual Neta de imperador Esposa do empresário Nora do escriturário Quenga do interventor Em tudo quanto é escrito Onde a mulher é citada O discurso favorito (da persona destacada!) É destinado à burguesa, À grã-fina, à baronesa À inútil potentada


À vossa alteza, à rainha À chefe, à delegada À juíza, à sinhazinha À duquesa, à advogada À senadora, à prefeita À candidata bem-feita Ao cargo de namorada Por isso este folheto (Um libelo acusatório!) Com ele eu me intrometo Faço dele um parlatório Ninguém vai nos enganar Outra versão vou contar Neste meu verso simplório: As verdadeiras mulheres A quem “O Oito” pertence (Presta atenção se tu queres saber que juazeirenses)


Merecem toda atenção Nossa consideração Pois sua luta convence Não pense ser a doutora (cuja vida está ganha!) Tampouco a promotora Deputada que barganha Não é a tal empresária Nem a jovem milionária Ou a beldade que apanha Refiro-me a quem vive Com um salário de fome Àquela que sobrevive E que, às vezes, nem come Que nenhum parlamentar Nem prefeito vai citar Porque não sabe seu nome


É a mulher invisível A quem vou me reportar Para mim, indescritível O grau de seu mal-estar A ela, a louvação Toda condecoração Pra ela se deve dar Tá na hora de se ver Quem trabalha e constrói Quem é que dá de comer Quem sente onde o calo dói Quem é mulher de valor Nesse mundo enganador Cuja mentira corrói! Aqui eu faço uma ode Às mulheres como eu Aquela que ninguém pode Que nunca esmoreceu


Que tem sua independência Sobrevive com decência Mas desconhece o apogeu A tal Maria do povo A quem ninguém dá valor Mesmo de vestido novo Todo enfeitado de flor Na coluna social Não se vê nenhum sinal Do dia que ela casou A rapariga, coitada Dela só se fala mal A sacoleira cansada Amante d’um marginal A manicure, a doceira A vendedora de feira Ninguém diz ser social


Mulheres de Juazeiro São as que ninguém conhece Nascidas nos tabuleiros Que vivem de fazer prece São as que têm sua cria Sem plano, sem regalia Que dia-a-dia adoece São as que vão ao Sandu Quando a dor lhes flagela São as que comem angu Que se lambuza e se mela São as que não tem emprego Os filhos pegam carrego E vivem pela favela São as que varrem a lama Da rua por onde moram As que carregam a fama De que tudo ignoram


As que sentem dor de dente Acham piolho no pente Gargalham, dançam e choram São as que fazem das tripas Virarem o coração São as que trocam as ripas E que esfregam o chão São as que seguem reisado Que vestem panos rasgados Que fazem renovação As que improvisam beleza -pois também têm vaidadeAs que driblam a tristeza Roncam - pois são de verdadeQue vivem na agonia Enfrentam o dia-a-dia Longe das celebridades


São as que vão ao mercado E pouco podem comprar São as que levam fiado Depois não podem pagar São, portanto, quem merece Ter um dia uma benesse Para a vida melhorar São as doidas, desvairadas As viúvas ‘sem porvir’ Mães solteiras, mal-faladas Que torcem pro Guarani Todas elas neste dia Merecem ter alegria Precisam, hoje, sorrir As lerdas, as poetisas Comunistas e beatas As que soropositivas Escondem-se, inexatas


Lesbianas e devotas As puras como gaivotas Lúcidas e insensatas As ditas deficientes As que se julgam sadias As que têm todos os dentes As que são cheias de estrias As que têm mais de sessenta As que vivem curubentas As que fazem romaria As que enterram irmãs Vítimas da violência Que acordam nas manhãs E já não têm mais crença As que são discriminadas Pretas, pobres, segregadas Que cumprem suas sentenças


As que na “Hora da Graça” Suplicam pela Justiça As que se drogam na praça E chamam-nas de ‘mundiça’ As que vendem seu amor - a quem Cristo perdoouMas apanham da ‘puliça’ As que em ano de eleição Vão agitar as bandeiras Pois precisam d’um tostão Pra completarem a feira Que são sempre enganadas Trabalham qual condenadas Rumam sem eira nem beira As que vivem oprimidas Que não têm onde morar As que só têm a vida Que não podem estudar


As que estão aposentadas As que têm dupla jornada As que querem abortar As que chamam ‘possuídas’ As que se entregam a Deus As que são destituídas Da guarda dos filhos seus As que são violentadas Dentro de suas moradas Que descendem de plebeus As que pensam que votando Vão mudar de condição As que crêem que rezando Receberão o perdão As que lutam noite e dia Por uma nova alforria Querendo revolução


As que são analfabetas As que lêem demais As que só fazem dietas As que já comem demais As que escrevem cordel Que o povo chama pinel Pois nunca vão pros anais São estas que precisamos Urgentemente enxergar Nunca mais nos iludamos Mais uma vez vou lembrar: O OITO tem um passado Precisa ser registrado Pro povo valorizar Espero fazer justiça Através da poesia Que saia alguma ‘nutiça’ Desta minha heresia


Que a honraria seja Fruto da vossa peleja E da nossa ousadia Salve o poema maudito Que desconstrói a versão Que o poder tem escrito Quase como uma oração Onde só representantes Com mandatos e palanques Merecem tal emoção Lembremos, pois, nesta data Das mulheres invisíveis Registremos numa ata Seus apelos previsíveis Pra quem o capitalismo Com todo seu modernismo Gera momentos terríveis


Salve a Maria da Silva Lurdes, Ana e Josefina Tereza, Tica e Dilva Raimunda, Rosa e Idalina Salve Socorro e Laura Lindalva, Tonha e Isaura Velha, madura e menina Salve esta legião Que constitui maioria Do povo da região E de toda cercania Mulheres de fibra/forte De Juazeiro do Norte Faço-te esta elegia! FIM



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