Jornal da ABI 400

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localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (...), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”, alardeava O Estado de Minas. Vitória também era a palavra de ordem de O Povo, de Fortaleza, naquele 3 de abril. Uma vitória da ‘causa democrática’, diz o jornal, que “abre ao País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”, reforça o editorial. Goulart não passou incólume nem no seu Rio Grande do Sul natal, onde houve uma “vibrante manifestação sem precedentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas”, conforme publicou o jornal local A Razão.

certeza que não havia ninguém que fosse contra o golpe. Como sempre acontece neste tipo de situação, a imprensa em geral (e, neste caso, o Estadão em particular) toma para si o baluarte de falar em nome de todos. Não da maioria, mas da totalidade. O jornal julga ter uma procuração assinada por absolutamente todos os cidadãos brasileiros, e comete manchetes como “Democratas dominam toda a Nação”, “Une-se todo o povo de São Paulo na grande tarefa de reconstrução” ou “Irrestrito apoio à causa libertadora – Pronunciamse todos os setores da vida privada”. É imprescindível usar, nas manchetes, palavras que representem uma suposta “totalidade” de brasileiros a favor do golpe. Oposição subversiva? Só se for no exterior, como sugere a matéria intitulada “Comentários da imprensa dos países comunistas revelam a decepção dos conspiradores”. Sim, ”conspirador” é um outro termo usado para designar quem for contra o “movimento libertador”. Simplesmente suprime-se do imaginário coletivo a idéia que possa existir um oponente, já que “toda” a população apóia a “revolução”. Em sua tese de doutorado denominada O Bravo Matutino, a professora Maria Helena Capelato dedicou-se a estudar a fundo o tradicional diário da família Mesquita. Na já citada entrevista à TV Univesp, ela afirma com toda a segurança que “O jornal O Estado de S.Paulo é de uma coerência impressionante. Se você ler o jornal, hoje, você se remete à lembrança do que eles escreviam na época que eu estudei. Na época da ditadura Vargas, as posições do jornal O Estado de S.Paulo, e de outros também, eram muito semelhantes ao que se repetiu na época do golpe de 1964, porque eles sempre tiveram uma atitude conservadora. A ideologia do jornal é conservadora, liberal-democrática, mas de uma democracia das elites. Eles se diziam representantes das elites bem pensantes do País, e que tinham, então, por missão, formar o povo brasileiro, inculto e despreparado para a política”.

lo de sua matéria de capa: “Todo o poder ao glorioso Exército do Brasil”. E, no texto, contabiliza que este é o pedido de todos os “70 milhões de brasileiros”. Ainda segundo o editorial de Chatô, ”a crise que vivemos e cujo desfecho não é possível prever, mostrou-lhe [referindose ao Governador mineiro Magalhães Pinto], como mostrou a todos os homens que não toleram a desfiguração de nosso País, que chegara a hora de proferir um basta que soasse forte para ser ouvido por todos os cidadãos livres da terra brasileira. O laço do comunismo internacional está armado, e para ele nos impelem indivíduos que atraiçoam seguindo plano traçado fora de nossas fronteiras. Impunha-se uma corajosa defesa das instituições que livremente escolhemos. Urgia mostrar, por atitude inequívoca, que somos realmente democratas, que não queremos governo de um só partido ou de nenhum partido, que sabemos, por experiência, o que se pode esperar de figuras carismáticas e de ‘iluminados’ de figuras providenciais, em suma”. Prossegue Chatô: “O Governador Magalhães Pinto tomou posição, uma posição clara, desassombrada, própria de um homem de caráter. Não admite o chefe do executivo mineiro que o Brasil siga as pegadas de Cuba, uma Cuba em ponto grande e que por isso mais trágica seria, se fosse bem sucedida a trama que se desenrola”. Enquanto isso, no mesmo jornal, no mesmo dia, matéria de teor científico informa, ironicamente com fontes de laboratórios soviéticos, que novos estudos revelaram que a intensa radioatividade da

ÚLTIMA HORA/ACERVO ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Indescritível entusiasmo Pelo que se lia, o País era uma festa só. Até no “túmulo do samba”, apelido que Vinicius de Moraes, meio carinhosa, meio maldosamente, atribuiu à capital paulista. Mesmo porque, como destaca Maria Helena Capelato, “os jornais do Rio e de São Paulo tiveram atitudes muito similares”. É curioso notar como o tradicionalíssimo O Estado de S.Paulo ignorou completamente o assunto na capa de sua edição de 1º de abril, onde só aparecem matérias internacionais. A “crise”, segundo o termo utilizado pelo jornal, só seria abordada a partir da página 3, e ainda assim sem contornos definidos. Na Folha de S.Paulo, ao contrário, a grande manchete de capa era “II Exército domina o Vale do Paraíba”, e logo abaixo, em corpo menor, a informação tranquilizadora dava conta que “calma é completa no Estado de São Paulo”. Nos dias subseqüentes, porém, o Estadão escancara uma postura onde abandona completamente qualquer possibilidade de jornalismo imparcial, e passa não mais a noticiar os fatos, mas sim a comemorá-los em gigantes manchetes. Entre elas, “São Paulo e Minas levantam-se pela Lei”, “Indescritível entusiasmo mobilizou a população paulistana”, “Júbilo no Rio e na Capital de Minas com a vitória do movimento pela legalidade” ou “Vitorioso o movimento democrático”. Percebe-se a postura mais do que clara do jornal em sempre posicionar a tal “revolução”, como se dizia na época, como um movimento ao lado da lei, da legalidade e da democracia, conseqüentemente classificando seus oponentes como foras-da-lei. “Subversivo” será a palavra constantemente utilizada por quem por acaso tivesse o atrevimento de ser a favor de João Goulart. Ironicamente, contudo, quem lesse O Estado de S. Paulo naqueles dias, e nele acreditasse, terminaria sua leitura com a total

Última Hora apoiava Jango e foi empastelada.

Capelato explica a coerência do Estadão lembrando que o jornal “sempre foi contra Vargas, e fez uma oposição muito forte a este governo, chamado de populista. E, na seqüência, depois da queda e da volta de Vargas (inclusive o jornal foi expropriado na época da ditadura, quando a normalidade democrática voltou), eles sempre foram um dos baluartes da oposição ao Getúlio. Esta oposição a um regime dito populista continua no período do governo Jango Goulart, que é considerado o principal herdeiro de Vargas. A idéia é de que estes governantes ditos populistas conseguem o apoio das massas desrespeitando a chamada Grande Política”. Fazendo coro e eco a O Estado de S. Paulo, na capital paulista, o Diário de S. Paulo também se regozijava com a queda de Goulart. E nem poderia ser diferente, pois o jornal fazia parte dos poderosos Diários Associados, comandados com mão de ferro por Assis Chateubriand. Era o próprio Chatô quem, quase diariamente, disparava seus ferinos editoriais anti-Jango. Na manhã de 31 de março, ou seja, antes mesmo da deflagração total do golpe, os leitores do Diário de S. Paulo já puderam ler, em texto assinado por Chateubriand, a seguinte profecia: “Pode afirmar-se que o Presidente Goulart já perdeu o jogo, que não tinha. Desde setembro de 1960 que jogava sem cartas, que lhe garantissem a banca. À maneira de Vargas, em 1945 e 1954, e Jânio Quadros em 1961, ele blefava. Fingia, como os falsos banqueiros anteriores, que a banca era sua”. No dia seguinte, já com os tanques nas ruas, Chateaubriand dispara no títu-

Tanques diante do Congresso Nacional na manhã do dia 1º de abril.

JORNAL DA ABI 400 • ABRIL DE 2014

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