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“O homem tinha um faro extraordinário! Samuel foi um grande lançador de jornalistas” O renascimento do Diário da Noite Jornal da ABI – Como era trabalhar na Última Hora?

Alberto Dines – Trabalhar lá era muito complicado porque havia um grupo de velhos companheiros do Samuel, muito reacionários, stalinistas antigos. Entre eles, o Paulo Silveira, irmão do Joel, um sujeito frustrado, ressentido. E eu podia fazer pouco ali, porque com aquele esquemão antigo a que o Samuel era muito leal e que vinha com ele desde Diretrizes eu via que a coisa não estava indo. Nessa época, veio uma proposta do João Calmon, braço direito do Chateaubriand, para eu pegar o Diário da Noite, que tinha sido outro grande vespertino, em que trabalhou o Nelson Rodrigues, com suas novelas assinadas com o pseudônimo de Suzana Frag. O Diário da Noite nunca foi tão bom quanto A Noite ou O Globo, mas teve seu momento de fama. Então, estava decadente. Tanto que o Calmon me disse que estavam tirando 8 mil exemplares e queriam fechar: “Faz o que você quiser, porque se der errado a gente fecha... então, vamos tentar dar uma sobrevida”. E aceitei o desafio. Naquela época eu era tarado por tablóides, os da inglaterra eram como revistas muito bem diagramadas. Eu comprava na Rua do Ouvidor, no Rio, nu-ma loja chamada Casa Crashley, onde se vendiam diversas publicações em inglês. Eu comprava partituras de músicas clássicas, outra paixão, e a edição semanal do Daily Mirror, na verdade, a coleção do jornal na semana, grampeada e com uma capa amarela. Adorava a paginação, o jornalismo muito informal, títulos brincalhões. Não tinha essa coisa que impera hoje de fofocas e chantagens. Eram ligados aos sindicatos ingleses. A massa de trabalhadores comprava os tablóides, então, eles tinham uma embocadura popular que era boa. Eu falei para o Calmon que ia fazer um tablóide e manter o nome. Chamei um diagramador que trabalhou comigo na Manchete e depois na Última Hora, o Orlando Caramuru, que era formidável! Era autodidata, um brilhante artista gráfico. Fizemos o projeto e escolhemos como data o dia 21 de abril de 1960. O Distrito Federal passaria para Brasília e o Rio de Janeiro seria o Estado da Guanabara. Tenho uma foto segurando justamente essa edição, que trazia a chamada: “JK ao DN: Adeus Rio”. E saiu muito bem! Mas não tínhamos estrutura. Para levar o jornal para o subúrbio, eles muitas vezes pediam meu carro emprestado! Eu tinha uma DKW, uma caminhonetezinha, que foi

o meu primeiro carro. Eu comprei uma, amarela, e o Stanislaw Ponte Preta comprou outra, azul. O Samuel ajudava nesses negócios. Não pagava bem, mas tínhamos descontos em lojas por conta das permutas que o jornal fazia. Passamos a fazer o jornal no formato tablóide e vespertino, numa época que não havia mais vespertino no Rio! Todos os jornais rodavam cada vez mais cedo e decidimos ir contra a corrente, rodando às 11 horas; depois, ao meiodia. Mas não adiantou. Nesse aspecto, tivemos que recuar. Jornal da ABI – Mas como era o esquema de fechamento de um jornal vespertino?

Alberto Dines – O jornal precisava ser feito todo de madrugada. Tinha um jipe de madrugada que pegava os chefes de Redação, morávamos todos perto, em Copacabana. Às cinco da manhã já estávamos todos na Redação para fazer um jornal zero. O esporte era feito de noite, a página do turfe já vinha pronta, alguma coisa de cinema também. O resto era zerinho: internacional, editorial, tudo. Inclusive o colunista social, o João Resende, saía das boates e vi-

nha para a Redação escrever a coluna. O jornal era muito criativo! O Chateaubriand gostou tanto das primeiras edições que me mandou visitar o Daily Mirror, em Londres, porque ele tinha sido Embaixador lá e era bem relacionado com a imprensa britânica. Nós fazíamos um jornal igual aos de lá, e feito precariamente e com baixo custo. Como não tínhamos letras garrafais para escancarar na primeira página, pois as máquinas linotipo só tinham fontes pequenas, no máximo corpo 32, tivemos que improvisar. Providenciamos um alfabeto de zinco com várias versões e nosso redator e chargista, Rafael Vasserman, que chamávamos de Ludlow, por causa da marca da linotipo, colava as letras na folha de papel e descia para inserir o flan em cima do chumbo. Era uma coisa muito, mas muito primitiva, tanto que a gente tinha que escolher manchetes com poucas letras porque não havia estoque de letras suficiente, e mesmo porque você tinha que fazer uma coisa muito impactante. Como, por exemplo, numa madrugada em que estávamos sem assunto e soubemos que acontecera o suicídio de um jo-

vem que trabalhava numa produtora de cinema. As reportagens de polícia naquela época eram muito ágeis; havia setoristas que cobriam e mandavam as informações. E uma delas foi a desse jovem. Segundo se supunha, ele fora chantageado por uma revista de escândalo, ligada à banda podre da Polícia. Então demos a notícia na primeira página e fizemos uma manchete bastante influenciada pelo jornalismo norte-americano: “Imprensa amarela mata cineasta”. Promovia o rapaz a cineasta e traduzimos a expressão “yellow press”, que em inglês e espanhol é sinônimo da imprensa sensacionalista, por “imprensa amarela”. Eu tinha um chefe de Reportagem, mais ou menos da minha idade, Calazans Fernandes, do Rio Grande do Norte, que fumava charuto e imitava um pouco o Alves Pinheiro. E quando viu a manchete, falou: “Pô, Dines, na minha terra, amarelo é cor alegre. Põe marrom nela, cor de merda”. (risos) Eu falei: “Boa idéia”. Surgiu aí a expressão “imprensa marrom”. E aí fizemos uma campanha contra a imprensa marrom. O Lacerda era Governador, e sempre foi um bom jornalista – o caráter e a escolha

política dele não se discutem –, e resolveu nos dar uma proteção porque fomos ameaçados! Colocou lá um guarda-costas e mandou fechar a revista e prender os caras. A gente agüentou esse caso por alguns meses, o que nos deu uma boa circulação, uma boa exposição e credibilidade. A “imprensa amarela” ou “marrom” realmente deu ao Diário da Noite uma vibração. Foi muito intenso lá. Criamos muita coisa nova. Fizemos uma página feminina, algo novo na época, assinada pela Ilka Soares, uma mulher maravilhosa, uma morena de olhos verdes, atriz da Tupi, outra empresa dos Associados. Ela era a Maria Fernanda Cândido de hoje! Ela emprestava o nome como autora da coluna. Jornal da ABI – Mas quem escrevia na verdade?

Alberto Dines – Quem escrevia era a Clarice Lispector! Eu botei a Clarice lá porque o Otto me pediu: “Olha, se você puder arranjar um trabalho para a Clarice porque ela se separou e está em dificuldade...” Ela recortava fotos de revistas francesas, pois tinha vivido na Europa muito tempo, e fazia uns textos muito bonitinhos... mas as fotos eram “roubadas” das revistas. (risos) Isso era coisa muito comum na época. Havia também outra página, da Maysa Matarazzo, que foi a grande cantora antes da Bossa Nova, música de cotovelo, das boates, também uma vedete da Tupi. Usando o nome dela, fizemos uma com crônicas femininas, meio poética, mas quem escrevia era um dos nossos colegas: o Raul Giudicelli, um cara muito culto. Tínhamos um jornal com a fórmula do Samuel, sensacionalista, popular, e ao mesmo tempo com qualidade, inclusive para atrair a mulher, porque naquele momento estava começando a revolução feminista. Mas eu fiquei pouco tempo lá, porque em janeiro seguinte, em 1961, eu saí. Jornal da ABI – E como aconteceu sua saída do Diário da Noite?

Alberto Dines – No Diário da Noite o motivo foi outro e acrescenta mais uma coisa sobre o Chateaubriand que o Fernando Morais não contou em seu livro, e é uma pena. Em janeiro de 1961, aconteceu o primeiro seqüestro político, sem vítimas, que foi o do navio Santa Maria. Um grupo de anarquistas espanhóis e portugueses seqüestrou o transatlântico português Santa Maria para chamar a atenção do mundo para a ditadura salazarista que persistia – Salazar e Franco eram sobras do fascismo. Os seqüestradores não eram da esquerda tradicional, eram anarquistas. Seqüestram o navio perto da costa brasileira, a

JORNAL DA ABI 374 • JANEIRO DE 2012

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