
A nossa reunião impressa

“O dia em que tudo mudou - 2” “ Impotente perante o álcool ” “ O alcoólico na escuridão ”
“O dia em que tudo mudou - 2” “ Impotente perante o álcool ” “ O alcoólico na escuridão ”
Estes são os Passos que seguimos, sugeridos como um programa de recuperação:
1.º Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que as nossas vidas se tinham tornado ingovernáveis;
2.º Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos nos poderia restituir a sanidade;
3.º Decidimos entregar a nossa vontade e a nossa vida aos cuidados de Deus, como O concebíamos;
4.º Fizemos, sem medo, um minucioso inventário moral de nós mesmos;
5.º Admitimos perante Deus, perante nós próprios e perante outro ser humano a natureza exacta dos nossos erros;
6.º Dispusemo -nos inteiramente a aceitar que Deus nos libertasse de todos estes defeitos de carácter;
7.º Humildemente Lhe pedimos que nos livrasse das nossas imperfeições;
8.º Fizemos uma lista de todas as pessoas a quem tínhamos causado danos e dispusemo -nos a fazer reparações a todas elas;
9.º Fizemos reparações directas a tais pessoas sempre que possível, excepto quando fazê -lo implicasse prejudicá -las ou a outras;
10.º Continuámos a fazer o inventário pessoal e quando estávamos errados admitíamo -lo imediatamente;
11.º Procurámos através da oração e da meditação melhorar o nosso contacto consciente com Deus, como O concebíamos, pedindo apenas o conhecimento da Sua vontade em relação em nós e força para a realizar;
12.º Tendo tido um despertar espiritual como resultado destes passos, procurámos levar esta mensagem a outros alcoólicos e praticar estes princípios em todos os aspectos da nossa vida.
(Copyright – Alcoholics Anonymous World Services Inc.)
Alcoólicos Anónimos © é uma comunidade de homens e mulheres que partilham entre si a sua experiência, força e esperança para resolverem o seu problema comum e ajudarem outros a se recuperarem do alcoolismo. O único requisito para ser membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de AA não é necessário pagar taxas de admissão nem quotas. Somos auto-suficientes pelas nossas próprias contribuições. AA não está ligado a nenhuma seita, religião, instituição política ou organização; não se envolve em qualquer controvérsia, não subscreve nem combate quaisquer causas. O nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançar a sobriedade.
Copyright © "The AA Grapevine, Inc."; reproduzido com autorização.
“Partilhar” é a revista de Alcoólicos Anónimos de Portugal. Escrita, ilustrada, editada e lida por membros de AA e outros interessados no programa de recuperação do alcoolismo, é uma linha de vida que une um alcoólico a outro e um veículo para levar a mensagem de AA.
“Partilhar” é também uma reunião impressa. Transmite experiência, força e esperança e as participações devem reflectir as várias sensibilidades de AA.
“Partilhar” deve ser economicamente auto-suficiente.
“Partilhar” considera bem-vinda a experiência de qualquer membro sempre que se enquadre nos princípios de AA, pois é o caminho que cada um escolheu para trabalhar o programa.
“Partilhar” em particular ou AA como um todo rejeitam qualquer endosso referente às opiniões expressas nos materiais publicados; estes reflectem somente a posição individual de quem os subscreve.
“Partilhar” será a única reunião impressa de Alcoólicos Anónimos de Portugal. No seu propósito de transmitir a mensagem de esperança de AA deve ser também um factor de Unidade.
Sempre que alguém, onde quer que seja, peça ajuda, eu quero que a mão de AA esteja sempre presente. E, para tal, eu sou responsável.
Revista de AA - Portugal - N.º 82 - Quadrimestral Maio de 2019
Envia a tua colaboração para: Praça D. Miguel I, n.º 3 C 2660-310 Santo António dos Cavaleiros
Ou através de e-mail para: publicamos@aaportugal.org
Telefone: (Ajuda) 217 162 969
Telefone: (Serviço) 217 167 840
1. Alguma vez tentou parar de beber por uma semana ou mais, mas só conseguiu por alguns dias?
2. Acha que as pessoas se deviam meter na sua própria vida no que diz respeito à sua maneira de beber – deviam deixar de dizer o que você tem de fazer?
3. Alguma vez tentou mudar de um tipo de bebida para outro na esperança de que isso o impedisse de se embebedar?
4. Alguma vez bebeu de manhã durante o último ano?
5. Sente inveja das pessoas que conseguem beber sem arranjarem problemas?
6. Tem tido problemas relacionados com a bebida durante o último ano?
7. A sua maneira de beber causou problemas em casa?
8. Alguma vez tentou arranjar “mais” bebidas em festas porque não lhe davam o suficiente?
9. Alguma vez se convenceu de que conseguia parar de beber quando quisesse, apesar de continuar a embebedar-se sem querer?
10. Alguma vez faltou ao trabalho por causa da bebida?
11. Tem “apagamentos”?
12. Alguma vez sentiu que a sua vida seria melhor se não bebesse?
Respondeu SIM quatro vezes ou mais? Se assim foi, tem provavelmente um problema com álcool. Porque é que nós dizemos isso? Porque milhares de pessoas em AA o disseram durante muitos anos. Descobriram a verdade sobre si mesmas da maneira mais dura.
Prontificamo-nos a mostrar-lhe como nós próprios parámos de beber. Entre em contacto connosco. Procure Alcoólicos Anónimos através do telefone 217 162 969 ou do e-mail ajuda@aaportugal.or
Estimados,
Boas leituras. Bem hajam.
Há já algum tempo que penso escrever para esta admirável revista, que faz chegar ajuda a todos os companheiros espalhados por este país e, tendo hoje um pouco de tempo livre no emprego, resolvi escrever uma breve partilha.
O álcool tornou-se desde cedo o meu melhor “amigo”, quase como uma bengala, andava comigo para todo o lado. Era presença habitual nos bons e maus momentos. Por vezes, até aparecia sem ser convidado. Ocasionalmente, “rezava” para que ele não comparecesse, mas sem sucesso: quando menos esperava, lá estava ele. Assemelhava-se a um deus, sempre omnipresente.
- Ele esteve presente nos dias em que tudo corria bem.
- Ele esteve presente nas minhas primeiras reuniões sociais com amigos ainda na adolescência.
- Ele esteve presente no meu 1º beijo com a mulher que ainda me atura.
- Ele esteve presente no meu percurso universitário.
- Ele esteve presente nas entrevistas para emprego.
- Ele esteve presente no meu casamento e lua-de-mel.
- Ele esteve presente no nascimento do meu filho.
- Ele esteve presente em todas as vezes que me reunia com amigos.
- Ele esteve presente em todas as reuniões familiares.
- Ele esteve presente em todas as tardes depois do trabalho.
- Ele esteve presente em todas as minhas férias.
- Ele esteve presente nos dias em que tudo corria mal.
- Ele esteve presente no funeral dos meus pais, avós e primo.
- Conclusão, esteve presente quase diariamente desde a minha adolescência até ao dia em que entrei em recuperação.
Hoje, pergunto-me, em consciência, se alguma vez estive comigo mesmo em todos esses momentos. Será que fiz luto pela morte dos meus pais? Será que dei o devido valor ao nascimento do meu filho? Hoje, após umas quantas 24h desde que tomei a minha última bebida e depois de 28 dias em tratamento, chego à conclusão de que sempre tive medo. Medo da criação
divina, medo de viver a vida e medo da morte.
Das lições que aprendi, uma delas é a de que a minha consciência é o meu maior guia. Não consigo penalizar-me pelas vezes que errei em não a ouvir, pois foi um erro, deslize meu que o destino tratou de resolver e me fazer entender que o certo é seguir o que me traz paz ao coração.
O reconhecimento da minha impotência perante o álcool, a humildade que tive em pedir ajuda e a decisão em entregar a minha vida a um Poder Superior a mim mesmo abriu-me a porta para um crescimento como ser humano que nunca tivera em muitos anos de vida. Sabendo que o meu percurso em sobriedade é, para já, muito curto e que o caminho que tenho pela frente é longo e sinuoso, acredito que posso ultrapassar quase todos os obstáculos que encontrar pela minha frente com a ajuda do Programa dos Doze Passos, de todos os companheiros e amigos de AA, da minha querida família e, principalmente, com a ajuda do meu Poder Superior.
Agradeço a Deus só por hoje não ter bebido e, a todos os companheiros que lerem esta partilha, um grande bem-haja e um desejo sincero de mais 24h em sobriedade.
Nuno (Área 6)
Não quero recair, mas não sei viver
DIA 11 DE JUNHO DE 2013.
Quando acordei, mal recordava o dia anterior. Mais uma vez, sentia a cama molhada, estava novamente todo urinado, estava desidratado, tentava procurar na mente dados para localizar-me no tempo e no espaço. Depois veio a ressaca emocional, culpa, raiva... Mais uma vez, tinha perdido o controlo. Tinha prometido, mas não consegui cumprir. Queria, mas o meu querer não era suficiente. Nada era suficiente.
Passadas algumas horas, lá estava eu num dos hospitais da zona de Lisboa. Ia a mais uma consulta de dermatologia. O médico combatia umas feridas nas minhas pernas que eu teimava em envenenar com álcool. Nada funcionava. Naquele processo, quase fiquei, literalmente, sem as pernas. No entanto, nessa altura, não valorizava nada disso, apenas queria que me deixassem em paz. Na sala de espera, já congeminava uma forma de me escapar depois da consulta para matar aquela voz que me dizia: “- Não consegues viver sem álcool”. Assim que bebia, ela calava-se. Eu só queria calá-la, mais nada.
Nesse momento, recebi a melhor e ao mesmo tempo a pior notícia. A minha tia, com lágrimas de alívio e esperança, disse que tinham ligado da Unidade de Alcoologia: tinha havido uma desistência, se eu queria aproveitar.
Nesse momento, gelei. O meu ser queria ser internado, mas a minha mente doente saltou logo com a mensagem: Já!? Como vais tu ter tempo para te despedires de uma forma conveniente do álcool?
Nessa altura, a minha ansiedade disparou. Queria rapidamente ir beber tudo, para compensar o restante da minha vida. Como num relacionamento doentio, eu sabia que só acabando teria hipótese. Mas, por outro lado, tinha a esperança romântica de me ensinarem a controlar a verticalidade dessa relação.
No meio do alívio, senti uma dor intensa, era uma perda, pois, no meio de tudo, amava a minha própria destruição. Já era de noite, a minha tia tinha acabado de sair. Era o momento. Tinha de manipular os meus pais para ir ao café despedirme. Sim, tinha de ser no café, pois, desde o princípio de 2013, aquando da minha recaída, a lei seca imperava lá em casa. Por isso, fazia de tudo com o objectivo de ir beber. Depois de muita manipulação, lá consegui convencê-los
1 Esta partilha foi subdividida em três partes publicadas em números separados da Revista.
de que não podia ir para longe, pois, no dia seguinte, ia ser internado.
Quando cheguei ao café, ocorreu-me beber logo a bebida mais forte. No entanto, lembrei-me de que não podia ficar demasiado embriagado. Contei a história ao meu amigo do café, que provou sempre ser meu amigo. Recusou-se muitas vezes a dar-me bebidas alcoólicas. Eu ficava chateado, mas sei que ele queria o melhor para mim. Depois do café e do digestivo, veio a cerveja, uma e outra, até chegar ao momento de ouvir a frase mais dolorosa da minha vida: “Vou fechar”. Nesse momento, abriu-se um abismo debaixo dos meus pés. Em outros dias, o mundo já acabava com aquela frase, mas, naquele dia, era redobrado o sentimento de que realmente era o fim. Bebi a cerveja o mais devagar possível, querendo prolongar ao máximo aquele namoro doentio. Depois de ter bebido a garrafa - e como quem mergulha na água gelada: devemos não pensar muito no assunto e mergulhar -, pousei-a e disse: “- É a última”, e fui direitinho para casa antes que o meu pensamento atraiçoasse a minha acção.
Passavam poucos minutos das 10 horas da manhã. Disseram para esperar Estava com a minha família, mas, no entanto, sentia uma solidão enorme Parecia ter o manto do filme “O Senhor dos Anéis", era essa a minha realidade e a dos demais. Tinha a secreta esperança de que me iam ensinar a beber como um ser humano normal, só precisava de uns ajustes, só isso! O meu problema era não conseguir parar no terceiro copo, se me ensinassem a fazer isso, tudo ficaria bem.
Por volta das 13 horas, fui chamado. Depois das despedidas e da consulta médica, fiquei sentado na sala de estar do Centro de Tratamento. Via a minha garrafa de água de litro e meio com o meu nome escrito – Bruno -, quase como um chamamento da realidade a dizer-me:
- "Sim, és tu que estás internado."
- "Sim, foste um fracasso enquanto ser humano."
- "Sim, o pesadelo era real."
Ao longo do processo das cinco semanas de internamento, comecei pela primeira vez a ter uma visão responsável de mim, espicaçado, claro está, pelas fantásticas técnicas do Centro. O meu coração tem uma gratidão imensa para com todas as pessoas maravilhosas que trabalham na Unidade de Alcoologia, e também para com o próprio espaço, onde existe até uma reunião dos grupos de auto-ajuda que frequento. Para mim, é um espaço sagrado, onde renasci.
Mas, continuando, as bases do internamento são fundamentais para criar uma dinâmica diferente na minha vida. Os danos são a primeira confrontação com a
A nossa
minha responsabilidade, não só enquanto alcoólico, mas também enquanto ser humano. Admitir, do fundo de mim próprio, a minha impotência perante o álcool, bem visível nos danos e também no facto de, com 32 anos, estar internado devido à minha adição ao álcool. No fundo, este processo de cinco semanas foi um retiro, uma desintoxicação e um relançamento para viver, sendo o último trabalho um dos mais difíceis na prática da vida: tomar decisões.
Trazia muitas coisas na bagagem quando saí do Centro! Eram aproximadamente 16 horas. Sentia um enorme misto de emoções: em primeiro lugar, sentia medo de falhar, de não ser capaz de lidar com a vida, mas, por outro lado, sabia claramente o que não queria. Tinha comigo a identificação e a esperança dos grupos de auto-ajuda. Vi milagres, mas, acima de tudo, uma oportunidade que, naquele momento, seria vital para mim.
Tudo na vida era novo sem ter substâncias no corpo: a visão, o paladar, o sentimento, a emoção. Tinha apanhado a minha última bebedeira no centro de Lisboa, Agora, passados três dias de sair do internamento, dei por mim a passear naquele local com a sensação de ter estado longe e, passados alguns anos, ter voltado a casa.
Nos grupos de auto-ajuda, identificava-me com todos, principalmente nas insanidades, pois, na recuperação, apesar de sentir as novidades da vida, também existia em mim um vazio enorme. Houve várias partilhas marcantes para mim, que renovavam o meu vínculo. No entanto, um dia, ao ver uma pessoa ao meu lado a beber uma bebida alcoólica, devo confessar que senti uma enorme saudade, principalmente do efeito. Gelei por completo. Pensava já ter tudo resolvido, que era só uma questão de não consumir.
Nesse momento, percebi que não me bastava molhar os pés no Programa de Recuperação dos Grupos. Tinha de mergulhar nesse modo de vida. Ao longo do processo de conhecimento do Programa, muito através da literatura e dos companheiros, fui criando novas dinâmicas na minha vida:
- Admitir a minha impotência perante os alteradores de humor artificiais, pois a minha história mostra a relação desgovernada que eu tinha com o álcool;
- Identificar isso mesmo na minha história interna e externa: os danos, mudança de comportamentos e atitudes provocada pelos consumos.
Mas isto é profundamente redutor. Não chega conhecer o adito / alcoólico, tenho também de olhar para mim enquanto ser humano: as fragilidades que me levaram a beber, aquilo que eu queria modificar de uma forma instantânea, o medo da rejeição dos outros, de não me aceitarem... ter de lidar com as elevadas expectativas que levavam inevitavelmente a uma frustração brutal. Trabalhar as causas em mim, em vez de estar constantemente a sofrer com as
consequências. Com este processo de auto-conhecimento, fui aceitando quem sou e, em consequência disso, comecei a criar amor próprio.
Depois, outra coisa fundamental é saber que não sou o Todo: apenas sou responsável pela minha escolha, nada mais. As circunstâncias, os outros, o próprio resultado não são da minha responsabilidade. Pois tudo é efémero na vida e tudo muda de um momento para o outro. Posso estar a fazer uma coisa bem e, contudo, o resultado não aparecer. Ou então aparecer, mas não na altura em que a minha vontade, mimada e egocêntrica, quer.
É só por hoje!
Acreditas no Programa de Recuperação? Sim Então, segue diariamente as suas sugestões e não te preocupes com o amanhã.
Assim tenho feito hoje. Não sou religioso, mas acredito em Deus, que está no Todo e que, naquele momento, me mostrou o caminho do internamento. Andou comigo ao colo neste desgoverno: não estou louco, não morri e, melhor que tudo, estou sóbrio. Não tenho o peso do mundo nas minhas costas. As grandes mudanças começam quando cada um de nós faz pequenas mudanças. Sem forçar a dinâmica da vida, mas tendo consciência, pois não é suposto pedir desculpa por um dano, criando outro.
Sou adito, fui atrás de outras obsessões e quase recaí. Quanto mais selvagem estou, mais a doença se apodera de mim. Quando vou atrás do prazer ou quero acabar instantaneamente com a dor, vem automaticamente a mensagem: "- Um copo agora ajudava." Nesse momento, a tomada de consciência é fundamental, provocada por tudo aquilo que enumerei atrás, mas com o hábito de reuniões dos Grupos de auto-ajuda. Os que lá estão são os meus irmãos de desastre, mas também de recuperação. Cumplicidade, companheirismo e amizade. O amor.
Tenho um padrinho, que é alguém nos Grupos com mais tempo. Senti-me atraído pela sua recuperação. Hoje, somos amigos e caminhantes do processo diário que é viver sóbrio. Estou-lhe muito grato. A fé foi fundamental. Através dela, pude criar uma determinação que não me deixou desistir nos momentos em que ainda não tinha nenhum sentimento de gratidão por estar sóbrio. Com este processo, insistindo e não desistindo, fui mudando, fui-me sentindo vivo, grato e a fazer parte.
Bruno R
nossa
Eu conheço o tormento de beber compulsivamente para acalmar os meus nervos e os meus medos. Também conheço a dor da sobriedade forçada. Hoje não esqueço a pessoa desconhecida que sofre em silêncio, retraída e escondida no alívio desesperado de beber. Peço ao meu Poder Superior que me dê a Sua orientação e coragem para me dispor a ser o Seu instrumento e para levar dentro de mim compaixão e acções altruístas. Que o Grupo continue a dar-me a força para fazer com os outros o que não consigo fazer sozinho.
Na realidade, um dia de cada vez e um sorriso nos lábios, é o que se pretende e não só… Hoje, por incrível que pareça, ainda me lembro do que alguém me disse um dia: “Filipe, para ti não é um dia de cada vez. É, sim, um segundo, um minuto de cada vez.“
Meus caros amigos e minhas caras amigas, hoje, quinta-feira, ainda não sorri. Talvez porque a vida não me está a sorrir como expectei. Todos nós temos sonhos. Todos nós, e em particular para aqueles que têm filhos, querem o melhor para eles.
Tanta coisa para fazer e para repor. Sinto-me impotente perante o álcool e não só. Sinto-me igualmente impotente perante uma sociedade hipócrita e a transbordar de cinismo. Hoje, e só por hoje, vou tentar tirar da minha mente a revolta que tenho, não perante os outros, mas sim perante mim. Fazer o bem e não olhar a quem. Querer ajudar alguém que é muito importante para mim e não poder é, muito sinceramente, triste e doloroso para mim.
Sem dó nem piedade, a sociedade condena pessoas como eu e tu. A mistura era boa e sabia bem quando estava no copo. A mistura de sentimentos que atravesso é amarga e sabe mal.
Finalmente, companheiros, vou começar a trabalhar porque - sabe-se lá porquê - não perdi o trabalho. Abraços e serenas 24 horas.
Filipe J (Área 8)
Como e quando chegaste a AA?
Em 1996, estive internado num hospital onde membros de AA faziam visitas quinzenais para passar a mensagem e foi através dessas visitas que tive conhecimento de Alcoólicos Anónimos. Assim que saí do internamento, fui logo a uma reunião de AA.
Podes referir, em poucas palavras, o que te cativou quando chegaste a AA?
A primeira coisa que me cativou foi a partilha de vida que ouvi pelo companheiro de AA no internamento. Depois, a forma como fui recebido na minha primeira reunião, sobretudo o ser tratado como igual e ter a sensação de que, finalmente, tinha encontrado um local onde tudo parecia perfeito.
Que tipo de dificuldades realçarias desses primeiros dias num Grupo de AA?
Devido à minha timidez, realçaria o meu relacionamento com os companheiros, principalmente em grupos maiores, onde era muito difícil relacionar-me. No entanto, no final das reuniões, sempre fazia um esforço e lá ia falando com um ou outro companheiro.
Que pensas do Programa de Recuperação de AA?
É um Programa que, através dos seus princípios, me permite ser uma pessoa melhor e que me ajuda a viver de uma forma feliz e a ultrapassar muito melhor os obstáculos que se me vão deparando. Ao mesmo tempo, permite-me ter um bom relacionamento com as pessoas que estão à minha volta, seja na família, no emprego ou em outras situações onde tenha de me relacionar com outras pessoas.
Por regra, a vida dos membros começa a alterar-se após a sua chegada a AA. Quais as mudanças mais significativas da tua vida em recuperação?
Para além de começar a lidar melhor com os meus sentimentos, consegui superar a minha insegurança, ser mais assertivo, aprendi a amar verdadeiramente. Ao mesmo tempo, dei valor à família, progredi na minha carreira profissional e consegui sobretudo o respeito das outras pessoas por mim, bem como respeitar-me a mim próprio.
Como fazes para aplicar os Doze Passos de AA na tua vida?
Conforme as situações, vou tentando aplicar o Passo adequado a cada uma delas. Começar o dia com uma meditação pode ajudar-me a perceber quais os Passos que mais preciso para o momento, e nessa meditação lembrome sempre de que sou alcoólico, agradeço a Deus, como o entendo, as últimas 24 horas de sobriedade e peço também mais 24 horas de sobriedade.
Tens alguma dificuldade particular em relação a um ou mais Passos do Programa?
Inconscientemente, nos primeiros tempos em AA, sentia uma grande dificuldade em fazer o Segundo Passo, por um lado, e, por outro, achava que era muito fácil o Décimo Segundo Passo. Na verdade, estava tudo ao contrário. Sem saber, o Segundo Passo já eu fazia ao acreditar que havia algo (AA) que me ia ajudar a ser feliz sem álcool. Em contrapartida, atualmente a minha dificuldade, por vezes, é “praticar estes princípios em todos os aspetos da minha vida”.
Que dificuldades podes salientar nesta tua nova vida?
Não chamaria dificuldades, mas incomoda-me quando tenho algumas recaídas no comportamento e, apesar de conseguir admitir de imediato que estou errado, crio um mal-estar nos outros. Incomoda-me o mau ambiente que essas dificuldades geram.
O que te motivou a aceitar fazer serviço em AA?
Comecei a fazer serviço em AA por necessidade. Como tinha muita dificuldade em falar ou em me relacionar, o serviço fez com que me relacionasse mais com os outros membros, e eu sentia-me bem ao fazê-lo. À medida que o tempo foi passando, sentia uma grande alegria em fazer serviço, e cada vez queria fazer mais. Sou de opinião que, quem faz serviço, tem menos possibilidades de recair e, no meu caso, foi o serviço que me deu a capacidade de lidar com muitas das situações que se me vão deparando ao longo da minha vida.
O que fazes quando chega um recém-chegado à reunião? Há algum procedimento diferente quando isso acontece?
Preocupo-me em partilhar sobretudo para ele, falando da minha experiência antes de AA e depois, mas tendo o cuidado de não exagerar nem procurar dar demasiadas sugestões. No final, procuro ter uma boa conversa com ele, dou o meu contacto telefónico e tento ficar com o dele, e, ao longo de todo o tempo, tento fazer com que ele se sinta realmente importante (não basta dizê-lo).
Em relação à Literatura de AA, queres referir alguma obra em particular?
Para mim, no início, o Viver Sóbrio teve uma importância muito grande. Mas, numa altura em que andava com muitas dúvidas sobretudo para avançar com os primeiros Passos (parecia que estava estagnado na minha recuperação), foi muito importante a leitura do livro O Melhor de Bill, esclareceu-me muitas dúvidas e é um livro que recomendo vivamente.
Que significado tem para ti a Revista “Partilhar” e o Boletim “Os Três Legados”?
São muito importantes para levar o AA a locais mais isolados e, no caso do Boletim “Os Três Legados”, levar assuntos de serviço a toda a Comunidade. Eu, na verdade, não tenho contribuído muito para o seu conteúdo, mas pretendo pôr ação e começar a contribuir ativamente.
Na tua opinião, o que falta à Revista e/ou ao Boletim para atrair mais membros, quer para participarem com partilhas quer para subscreverem a própria Revista/ Boletim?
O que falta realmente é uma maior contribuição de todos. Quanto a este objetivo, talvez algumas jornadas de serviço possam ajudar (não sei se já foi feito).
Queres expressar uma ideia geral sobre AA?
É uma Comunidade que, para além de me ajudar a viver sóbrio, ajuda-me a ser feliz sem o álcool, que eu pensava ser impossível.
Que mensagem queres deixar a um(a) alcoólico(a) que ainda esteja a beber?
Que, se ele quiser, não perde nada em conhecer AA, que pode experimentar vir a umas reuniões e que tire as suas próprias conclusões. Falar sempre da minha história, como era e como sou agora, e que, sobretudo, ninguém o vai obrigar a nada que ele não queira.
José Augusto R
Seja honesto com o homem do espelho que olha para você, aconselhava o dr. Bob. Um companheiro relata como essa experiência pode ser dolorosa, mas libertadora.
Sempre fui honesto o suficiente para não me achar desonesto. Tinha alguns desvios, mas pareciam-me estar dentro da média nacional de deslizes ou mesmo abaixo dela.
Assim, quando, aos 36 anos, ingressei em AA, a desonestidade não entrou na lista de três ou quatro atitudes negativas que relacionei no inventário, mais por medo e orgulho de afetarem minha imagem de novo homem, do que por desejo sincero de abandoná-las.
Comecei a fazer meditação, a ler poemas espirituais, a maravilhar-me com a beleza das plantas. Nas reuniões, ficava ansioso para falar e exibir minhas "inteligentes" interpretações dos Passos e das Tradições. Achava minhas sacações importantíssimas para a recuperação dos outros.
Também era um servidor dedicado em meu Grupo base. Coordenava reuniões, atuava como tesoureiro, vencia todos os bate-bocas nas reuniões de serviço. Gostava, principalmente, de levar a mensagem àqueles que, ao contrário de mim, ainda sofriam. Sentia-me um benfeitor, um apóstolo salvando os desvalidos.
Acreditando ser um novo homem em AA, eu achava que também era novo em todos os lugares. Mas, em casa, eu continuava tendo velhos problemas. Com os colegas de trabalho e os amigos, também. Mergulhado na auto-ilusão, debitava todas as culpas neles, nunca em mim. Apesar disso, fui progredindo em termos profissionais e económicos. Logo, não tinha mais tempo para reuniões nem para o serviço em AA. Nem precisava: já tinha as ferramentas para tocar a vida por conta própria. Sentiame "seguro" porque conseguia fumar maconha sem voltar a beber.
Caminhando em isolamento enfrentei depressões, medos, hérnias de disco, culpas, hemorroidas e ressentimentos. Depois de 15 anos de abstinência, achei que podia enfrentar também uma taça de vinho. Fiquei recaído durante cinco anos, até que o sofrimento ficou insuportável e, aos 56 anos, cabisbaixo, retornei para AA.
2 Com pequenas adaptações ao português europeu.
Novamente, parei de beber. Novamente, voltei a pensar e a falar nos Passos e Tradições. Novamente, passei a prestar serviço. Novamente, eu aparentava ser um novo homem. Novamente, estava iludido, achando que dessa vez o programa iria funcionar.
Mas, novamente, o programa não funcionou. Mais uma vez, a vida real sem álcool ficou difícil. Voltei a fumar maconha e a levar vida dupla, dentro e fora de AA, até que, um dia, quimicamente alterado e com o ego à flor da pele, prejudiquei um companheiro recaído que reagiu agressivamente e afastou-se do grupo. Senti-me mal. Contei o caso para alguns veteranos, mas omiti a maconha. Eles tentaram aliviar-me, dizendo que eu agira com boas intenções, mas eu sabia que agira movido pela minha vaidade e sob efeito de uma droga. Nas reuniões, tremia ao pensar que o companheiro poderia entrar pela porta, alcoolizado, com o dedo apontado para mim, despejando sua mágoa e desmascarando-me diante de todos.
Torturado pelo medo e orgulho, fiquei uns dias insone, sem fazer barba nem tomar banho. Uma manhã, olhei-me no espelho e vi um homem envelhecido, sujo, cujos olhos vermelhos diziam-me eu sou você, é assim que você é.
Esse era o homem no qual eu me transformara ao entregar-me à auto-ilusão e aos defeitos de caráter que tanto amava. Passei a vida tentando escondê-los com mais defeitos de caráter. Agora, aos 60 anos, eu estava derrotado. Pela primeira vez, queria remover meus defeitos, queria viver em total honestidade comigo mesmo e com os outros.
Dias depois, numa reunião de literatura, alguém leu o capítulo 5 ("Como Funciona") do livro Alcoólicos Anónimos. Foi uma revelação para mim. Depois de 20 anos, entendi como o programa de AA funciona e porque não funcionava comigo. Comecei a evitar as mentiras. Confessei perante o grupo que nunca tinha feito honestamente o Quarto, nem o Quinto, nem o Sexto Passos. Assumi que era dependente de outras drogas além do álcool, que eu afastara do grupo o companheiro recaído, que eu não passava de um adolescente egoísta, interesseiro, vaidoso e mentiroso; que nunca tinha sido honesto comigo mesmo, nem com os outros. Tive medo de ser rejeitado. Mas a reação dos companheiros foi inversa: abraçaram-me. Algum tempo depois, encontrei o companheiro que se afastara do grupo. Admitimos nossos erros, abraçámo-nos emocionados e pedimos desculpas um ao outro. As coisas pareciam do estar funcionando.
Aos poucos, passei a perceber minhas falhas logo depois de cometê-las; depois, já enquanto as cometia. Hoje, consigo identificar alguns erros antes de praticá-los, mas, às vezes, ainda me escapa algo. Procuro reparar de imediato, caso contrário o homem do espelho olhar-me-á com reprovação no dia seguinte e não quero mais desapontá-lo, pois somos parças agora, gostamos um do outro.
Revista Vivência n.º 2 / Ano 34 (Mar-Abr 2019)
Eu sou um alcoólico em recuperação já há umas boas 24 horas e hoje quero partilhar a minha fuga da escuridão.
Como é que foi essa saída da escuridão? Não foi fácil. Se tivesse sido fácil, talvez eu hoje não estivesse por cá a fazer esta partilha. Porquê? Eu diria que, para mim, fácil era ter o copo na mão. Sem ele, não sabia viver. Encontrava-me na escuridão, humilhado pela solidão! Foi nessa escuridão que encontrei o meu amigo álcool. Foi o álcool que me fez prisioneiro no seu cativeiro durante cerca de 30 anos.
Quando saí desse cativeiro, foi nos braços de alguns amigos que me tentaram reanimar, porque ainda valia a pena eu acreditar que poderia sobreviver. E foi assim que eu percebi que estava errado, que tinha de sair de um mundo que não era o meu. Procurei ajuda e foi com a ajuda de amigos do coração que sai da escuridão. Depois, procurei Alcoólicos Anónimos e foi aqui, com a ajuda de um Poder Superior a mim mesmo, que me foi devolvida a minha sanidade.
Após sair da solidão, Alcoólicos Anónimos deu-me a conhecer o mundo que eu há tanto tempo desejava e que, sozinho, não era capaz de encontrar! A gratidão que tenho para com AA, não tem preço. Mas pagarei com a minha humildade o que Alcoólicos Anónimos me deu. Serei responsável, ajudarei o recém-chegado quando ele mais necessitar e procurarei ser honesto comigo e com os outros.
Como é bom viver em paz e com serenidade, junto de um Deus de amor. AA preparou-me para reconhecer os meus erros e os meus defeitos de carácter. Permanecer em AA é receber uma nova vida para resolver o que antes não fui capaz. Deixei tudo por resolver. Agora, em recuperação, vou tentar recuperar aquilo que até agora não fui capaz.
Para finalizar, desejo a todos os companheiros e companheiras que se mantenham, estas 24 horas, sem o nosso amigo / inimigo álcool. Para todos os recém-chegados, há reuniões em todo o país, valoriza a tua vida e deixa o álcool. Vive um dia de cada vez.
Cumprimentos para todos os companheiros e mais 24 horas.
Paulino
Tenho por hábito escrever as partilhas e esta foi para mim muito especial porque partilhar para uma audiência de mais de 100 pessoas é uma enorme responsabilidade. Nesta partilha, procurei transmitir a minha experiência, força e esperança da melhor forma que posso e sei. Esta partilha foi efetuada na reunião aberta do evento anual que a Área 6 (Sintra) organiza e na qual nos associamos à celebração do Dia Mundial de AA - este ano, o 84º Aniversário de Alcoólicos Anónimos.
“Boa tarde, chamo-me Jorge e sou alcoólico em recuperação. Tenho 50 anos, sou casado e tenho uma filha. A minha esposa e filha estão aqui hoje e são as mulheres que encantam e justificam a minha vida. Começo por lhes agradecer a elas tudo o que têm feito por mim e é por causa delas que estou aqui hoje e em recuperação.
Quero também agradecer o convite que o grupo de trabalho responsável pela organização deste evento me fez para estar aqui hoje a partilhar, e agradecer ao meu Poder Superior por me ter dado uma segunda oportunidade de viver uma vida digna que, através de Alcoólicos Anónimos, me tem feito recuperar tudo em que já tinha deixado de acreditar. Sim, eu já tinha deixado de acreditar em quase tudo.
E quero agradecer as vossas presenças. Estou imensamente grato a todos vocês que têm feito parte da minha atual vida, uma vida em sobriedade e em recuperação. Mesmo aqueles que não me conheciam até hoje, já em alguma altura contribuíram, sem o saberem, para a minha recuperação. Porque já ajudaram um companheiro que agora me tem ajudado ou porque são familiares e amigos de alguém que já se cruzou comigo e me ajudou. Bem-haja a todos vocês.
A gratidão, desde que entrei em recuperação e em AA, tem sido muito mais que uma simples palavra ou um mero sentimento. Estou grato por estar livre da escravidão do álcool. Estou grato pela paz de espírito e pela serenidade com que vivo hoje todos os dias e cada momento do presente porque hoje procuro viver no presente e não no passado ou no futuro. Estou especialmente grato pela oportunidade de crescer como ser humano. Sendo hoje comemorado o Dia Mundial de Alcoólicos Anónimos, nada mais apropriado que lembrar o cofundador de AA Bill W, que disse que a melhor maneira de demonstrar a nossa gratidão é levar a mensagem a outros. Para mim, isto significa colocar acção todos os dias, pois, sem acção, a minha gratidão não passa de uma emoção agradável, que não deixa de ser bom mas que é para mim muito pouco.
Foi o que me propus fazer desde que entrei para AA e em recuperação, colocar toda a minha energia no Décimo Segundo Passo, levar a mensagem e praticar os
princípios de AA em todos os aspetos da minha vida. Estou grato pela oportunidade de levar a mensagem hoje!
Hoje, em recuperação, posso saber quando e quanto estou grato, porque sóbrio eu sei:
- valorizar o que me é dado e a importância que tem para mim, - reconhecer que alguém me deu algo bom ou positivo e, fundamentalmente, - experimentar a sensação que isso me foi dado sem intenção de nada em troca.
Achei que devia começar esta minha partilha a falar da imensa gratidão que hoje tenho por tudo o que me tem vindo a ser dado. Mas não poderia deixar de falar, sem vos maçar muito, um pouco do Jorge, o que foi no passado e principalmente este Jorge que estais a ouvir.
Um pedacinho da MINHA HISTÓRIA com o álcool:
Iniciei o consumo muito novo, por volta dos 15 anos, com a primeira bebedeira aos 16 anos para comemorar a passagem do 9º ano. Nasci numa pequena e bonita cidade do Norte, onde o álcool estava e está sempre muito presente e que, em quase todos os momentos, se vive com a presença do álcool: festas de verão das aldeias, a matança do porco e trabalho do campo como as sementeiras, a vindima, etc.
Ter um pai alcoólico não me impediu de fazer tudo aquilo que tanto detestava no seu comportamento. Mas agora compreendo perfeitamente as suas atitudes, pois foram muito idênticas às minhas. Ele, infelizmente, não teve a sorte que eu tive e não chegou a saber que tinha uma doença nem soube da existência de AA.
Vim para Lisboa aos 20 anos viver sozinho, para o meio académico e já com a doença ativa. Estavam assim reunidos todos os ingredientes para o início de 30 anos de muito álcool e de uma vida alcoólica no ativo. Não me recordo de um dia sem beber em todos estes anos de excessos, também de divertimento, bebedeiras, ressacas, muitas asneiras e um indescritível caminho de sofrimento. Durante estes anos todos, tentei centenas de vezes beber normalmente, beber só às refeições, parar de beber... mas nunca fui capaz. Foi uma vida inteira a lutar sem saber que, sozinho, era impossível.
Era para mim impossível, nessa altura, compreender como é que eu, sabendo o que o álcool me obrigava a fazer - basicamente asneira atrás de asneira, não conseguia parar ou beber controladamente. Para tentar explicar a não alcoólicos esta impotência para parar de beber, costumo fazer esta analogia muito simples: eu, sozinho, quero pegar nestas cadeiras todas ao mesmo tempo e colocá-las na carrinha, mas não sou capaz porque é humanamente impossível para mim. Mas, se cada um de vocês me ajudar a pegar em duas ou três, todos juntos conseguimos. No caso do álcool, foi igual, tentei resolver o problema sozinho e não foi possível, precisei da ajuda de um poder superior a mim, um Poder Superior que, para mim, são as pessoas e o ambiente que me rodeia, com especial lugar para a minha família e companheiros de AA.
O fundo do poço e o PEDIDO DE AJUDA:
Completamente impotente para resolver o problema sozinho, alguma coisa que eu agora chamo Poder Superior me orientou para me fazer ver que, sozinho, não conseguia, e que a vida que eu estava a levar não era vida. Falei com o meu chefe para o colocar a par da minha situação e, estranhamente, verifiquei que ficou surpreendido pela minha sinceridade e, sem qualquer problema, deu-me todo o apoio para eu pedir ajuda.
Nessa altura, não sabia bem o que fazer, procurei através da Internet locais de tratamento e fui visitar um, mas surgiu logo o primeiro problema, eram 3 meses de tratamento e muitíssimo caro. Sem solução, falei com um amigo para saber se ele tinha conhecimento de um local para ir para tratamento. Encontrei o local e três dias depois estava a ir a uma consulta e a marcar a entrada para o tratamento. Com o meu estado debilitado e com necessidade de tratamento médico, tive que fazer uma desintoxicação, que demorou 15 dias, a que se seguiu a entrada no centro de tratamento em 16 de Novembro e onde estive até 22 de Dezembro.
Começou com um pequeno choque inicial, porque me fizeram perceber que não podia beber nunca mais. O resto da vida sem consumir álcool! E acrescentaram que a abstinência total era o tratamento e forma de controlar esta doença crónica. Depois, disseram-me que era só por 24 horas, mas mais tarde vim a perceber que resulta pensar e agir assim, só por hoje. Agarrei-me com todas as forças às ferramentas que me estavam a ser dadas. Mudar hábitos, colocar acção na minha recuperação, não fazer promessas, pensar em só por hoje não beber, entre tantas outras ferramentas que têm vindo a dar resultado. Toda a equipa foi para mim fundamental naquela fase da minha vida, e ainda são, cada um no seu lugar, claro: os médicos, enfermeiros e auxiliares. Muita gratidão é o que sinto por todas essas pessoas que participaram no início de um novo caminho e vida do Jorge.
O alcoolismo e a FAMÍLIA:
Muitos tempos livres perdidos, viagens adiadas, passeios e actividades em família quase inexistentes. Tudo dependia da intensidade com que estava a beber - muito ou muitíssimo -, o que ditava normalmente eu fechar-me em mim próprio e ficar em casa a beber. Muito sofrimento que causei à minha filha e à minha esposa. Muitas angústias, desespero, raiva e muito mais. A verem-me afundar sem saberem o que fazer, não consigo imaginar o que passaram, mas deve ter sido muito doloroso. Graças a Deus, nunca desistiram de me dar oportunidades e foram essas oportunidades que me permitiram saber que estava doente e que precisava de me tratar. Se tivessem desistido, talvez não estivesse aqui hoje: tenho como certo que me salvaram a vida.
Como É O JORGE hoje:
Não tenho palavras para descrever esta fase da minha vida. Estou a aprender a viver livre daquilo que eu considerava ser o meu grande amigo para os bons e maus momentos, o álcool. Hoje em dia, os sentimentos que preenchem a minha vida são os de felicidade, liberdade, orgulho, motivação, amor pela vida e muito amor-próprio. A minha vida hoje, como todas, tem dias bons, outros muito bons e outros ainda melhores e, sim!, tenho dias menos bons, mas mesmo esses dias quase sempre me têm servido e ajudado a aprender e melhorar.
Procuro todos os dias melhorar o que não gosto em mim e corrigir os meus defeitos, como sejam a falta de humildade, a teimosia, a grandiosidade e tantos outros. Mas faço tudo isto seguindo muito a oração da serenidade: aceitar o que não posso modificar, ter a coragem para modificar o que está ao meu alcance e posso mudar e - nem sempre fácil - a sabedoria para saber distinguir o que posso e não posso modificar.
Espero ter conseguido transmitir-vos um pouco da minha vida preso no álcool, o caminho para o pedido de ajuda e tratamento e a dificuldade que foi chegar ao ponto em que estou hoje, e ter-vos passado a sensação e sentimento de que, hoje, estou muito bem com a vida e com tudo o que me rodeia e, acima de tudo, muito grato por tudo o que tenho.
A cada um de vós, um grande e sincero bem-haja por me ouvirem e um resto de dia super feliz.
No final desta partilha, posso agora recordar a gratidão que senti por me ter sido dada a oportunidade de dar a conhecer um pouco do que fui e do que sou hoje.
Resolvi enviar para a Revista esta minha partilha do dia mundial de AA porque, nesse dia em particular, estava de coração cheio, com todos os companheiros e companheiras de AA, com o alcoólico que ainda sofre e, principalmente, com os que já partiram.
Jorge P
Mais um ano se passou desde que fiz a minha primeira reunião de Alcoólicos Anónimos. Quando fiz a segunda reunião, dois dias depois, já ia abstinente do álcool. Desde essa data, a minha vida mudou de tal maneira para melhor como nunca pensei que seria possível acontecer. Digo isto porque nunca me passou pela cabeça vir a ter a vontade e o desejo de deixar de beber, sempre pensei que beber fazia parte dos meus hábitos para o resto da vida. Foi na primeira reunião que reconheci toda a minha impotência perante o álcool. Desde aí, rendi-me perante essa minha impotência e juntei-me aos vencedores. Foi esta rendição que me salvou a vida. Afirmo isto com a maior honestidade, pois eu sabia que a minha forma de beber, mais dia menos dia, levaria a que algo de mau me acontecesse a nível da saúde. Desconhecia que estava doente. e a minha obstinação e orgulho não me deixavam admitir o meu problema.
Assim, após ter começado a ouvir as partilhas de mulheres e homens que, nesse dia, para mim partilharam, foi como se uma luz iluminasse a minha mente e me tivesse feito tomar consciência de que poderia continuar a levar a vida a beber ou experimentar aquela que eles tinham escolhido, que para eles estava a dar resultado, bastando simplesmente seguir algumas sugestões, e tentar pôr em prática os princípios básicos de Alcoólicos Anónimos, ou seja, os Doze Passos de AA.
Orgulhosamente e não mais do que isso, decidi seguir o modo de vida sugerido por todos eles, pensando: se eles conseguem, eu também consigo. Costumo dizer que foi a melhor atitude que tive em toda a minha vida de bebedor, pois hoje sei que atenuei em grande parte o sofrimento da minha família e me livrei de uma morte certa. Não consigo descrever por palavras tudo de bom que estar em sobriedade tem sido para mim. Mas, desde que entrei em AA, desde que escolhi um Grupo e me deixei envolver em serviço, tenho sentido uma enorme gratidão, que faz de mim uma pessoa mais responsável e com sentido do dever, não esquecendo de dar o que tenho recebido.
Fiz a minha primeira reunião quando tinha quarenta e cinco anos e meio. Hoje, já tenho sessenta anos e meio. Não estaria a escrever esta partilha se continuasse com a vida de bêbado. Por isso, AA salvou-me, com toda a certeza, de uma morte anunciada AA são pessoas que, como eu, querem viver em paz com o passado e o presente. Reconheço que, sozinho, teria sido possível eu ter encontrado um rumo na minha vida e que, com a força de todos, lentamente, encontrei-o, o que nunca aconteceu enquanto andei a beber. É com grande satisfação que, ultimamente, costumo partilhar, dentro e fora das reuniões, que já meti os papéis para a reforma e que, se continuasse com a mesma vida de bebedeiras, o único papel que me estava destinado, mais dia menos dia, seria a certidão de óbito, que é aquilo a que tenho assistido no que respeita àqueles que sucumbem desta doença.
E termino não deixando de referir que, em AA, encontrei uma fonte de riqueza de valores imateriais, pois hoje tenho paz, alegria, serenidade, menos medo e, sobretudo, mais confiança, porque, em AA, consegui reencontrar a minha fé e acredito que foi um Poder Superior a mim e à minha vontade que fez e vai fazendo a maior parte do trabalho. Um grande abraço cheio de gratidão deste vosso companheiro,
Augusto M
A “PARTILHAR” é a nossa revista e grande parte de cada número é escrita por membros de AA que nunca escreveram antes. Sem a nossa opinião e experiência escritas, não pode continuar a ser um instrumento eficaz da nossa sobriedade nem dar uma imagem vital e fiel de AA como um todo. Podemos achar que não somos capazes de escrever, ou que não temos assunto. No entanto, todos temos uma experiência a partilhar! Porque não arriscar e darmos a nós próprios a oportunidade de fazer parte da reunião impressa de AA? Ao planear o artigo e tendo sempre presente a unicidade de propósito, é importante dar uma vista de olhos a outros números para se ficar com uma ideia geral do que publicamos. Importa escrever o que se pensa e sente e não o que se acha que queremos publicar. No que se relaciona com a experiência em AA, estamos sempre abertos a novas ideias.
FORMATO: Se for possível, os originais poderão ser dactilografados, entregues em CD ou, ainda melhor, enviados por e-mail para o endereço que se indica no final desta página. Se não puder ser, pedimos que escrevam de uma forma legível. Se for citada Literatura AA, devem ser mencionados o nome correcto do livro, folheto ou outra fonte, bem como a data da edição e o número da página.
EXTENSÃO: Uma frase ouvida numa reunião, um episódio curto mas significativo, um tema que interesse em particular partilhar, uma fotografia, uma anedota, não importa a extensão. A participação geralmente varia entre uma frase e três páginas.
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2.ª Para o propósito do nosso grupo existe apenas uma autoridade fundamental: um Deus de amor tal como Ele se expressa na nossa consciência de grupo. Os nossos líderes são apenas servidores de confiança; eles não governam.
3.ª O único requisito para ser membro de AA é a vontade de parar de beber.
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11.ª A nossa política de relações públicas baseia -se na atracção em vez da promoção; precisamos de manter sempre o anonimato pessoal na imprensa, na rádio e no cinema.
12.ª O anonimato é o alicerce espiritual de todas as nossas Tradições, lembrando -nos sempre de colocar os princípios acima das personalidades.
(Copyright – Alcoholics Anonymous World Services Inc. )
Deus, concede-me
Serenidade para aceitar as coisas
que não posso modificar,
Coragem para modificar
aquelas que posso, e
Sabedoria para distinguir umas das outras.