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Artigo

TEORIA E HISTÓRIA: O OLHAR DE KARL MARX PARA AS LUTAS E IDEOLOGIAS NA FRANÇA DE LUÍS BONAPARTE (1848 – 1870)

Por: Leonardo Mello Silva

RESUMO: Nos vinte três anos antecedentes à comuna de Paris a França saiu de uma monarquia para uma república que se transformara em um império. Em todo esse tempo Karl Marx observava o movimento histórico tecendo suas críticas a partir do método historiográfico que desenvolvera; legando-nos, não só relatos e textos jornalísticos, mas também a práxis da cosmovisão dialético-materialista da história. Em fevereiro de 1848, uma revolução popular destronou mais um rei da França e foi proclamada a república. Posteriormente, em junho, o proletariado foi massacrado ficando alheio ao verdadeiro exercício do poder político. Ainda neste ano, Luís Bonaparte foi eleito presidente; e, às vésperas das eleições de 1852, em que deixaria a presidência, fechou o congresso com a “aprovação” da população francesa tendo o poder de elaborar uma nova constituição. Bonaparte se torna Napoleão Terceiro e a França um império. O governo imperial dura o bastante para ver o desenvolvimento da economia capitalista, da indústria e para concorrer às investidas internacionais até seu fracasso militar na guerra franco-prussiana. São tempos de Lutas e ideologias na França de Luís Bonaparte. Palavras-chave: Karl Marx, Luís Bonaparte, materialismo histórico.

Introdução

essencialmente um movimento revolucionário do

A

proletariado.

França ainda era um reino quando Marx e Engels escreveram o Manifesto do Partido

Ao atravessar as guerras civis ocorrentes em 1848

Comunista, meses depois as revoluções

mergulharemos na literatura dialético-materialista

de 1848 estouraram. As influências do manifesto

de Marx que somada às contribuições de Eric

em todo esse período revolucionário continuam

Hobsbawm nos permitirá, com a rigorosidade do

incógnitas.

questionar,

método materialista, o conhecimento necessário

inclusive, se a revolução que destituiu do trono o rei

do período e das engrenagens políticas e

Luís Felipe, o último rei da França, foi

econômicas da máquina da história de 1848.

Ademais,

podemos

Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017


G N A R U S | 128 Adiante, veremos os mecanismos que fizeram de

ocorreram, foi em Paris que a guerra aberta e

Luís Bonaparte o imperador da França e de que

declarada entrincheirou-se, gerando mortes e

forma o sobrinho de Napoleão Bonaparte fora

destruição.1

eleito presidente em 1848 mantendo-se no poder até 1870 quando foi preso e humilhado pelas tropas prussianas. Este artigo busca a compreensão das forças classistas e ideológicas que compactuaram ou se opuseram a esse governo. O papel empenhado

por

republicanos,

socialistas

e

monarquistas, será também problematizado. Por fim, os questionamentos sobre o processo golpista que levou Luís Napoleão ao trono Imperial são abordados e discutidos por um inquérito proferido a Karl Marx e Victor Hugo. Tanto o comunista quanto o republicano dedicaram extensas linhas às questões pertinentes ao golpe de estado de Luís Bonaparte.

Nesse

paralelo

edificar-se-á

a

perspectiva marxista das transformações sociais, políticas e econômicas com suas próprias leis; e, na aplicação destas, mostram-se, objetivamente, as conjunturas históricas da França do período elencado.

Durante o reinado de Luís Felipe de Orléans (1830 – 1848) o governo francês seguiu as regras da aristocracia financeira, dos banqueiros, dos grandes proprietários de terra, dos donos das minas de carvão e dos donos de ferrovias. São esses os seguimentos burgueses que, segundo Marx, ditaram as regras durante os dezoito anos que perdurou a chamada “monarquia de Julho”.2 Manobravam

Levantes armados em Paris marcaram os anos de 1848 e 1871. Entre eles, houve um Império que deixou o proletariado alheio ao poder político. Para Friedrich Engels, que prefaciou a edição de 1895 do livro As lutas de classe na França, a revolução industrial inglesa fez emergir as relações e contradições entre as duas classes sociais necessárias ao capitalismo e à república burguesa: a burguesia e proletariado. Mas foi principalmente

o

parlamento,

controlavam a opinião pública pela imprensa, faziam leis e distribuíam os cargos políticos à sua vontade

pondo

minoritariamente

a

burguesia

representada

industrial no

poder

legislativo na posição de oposição. A burguesia estava dividida. A insatisfação dos industriais franceses somou-se ao colapso industrial e comercial Inglês e a escassez de alimentos provocada por uma crise agrícola que levou miséria ao campesinato e ao proletariado, criando as circunstâncias

O roteiro

efetivamente

para

que

os

trabalhadores

parisienses fossem as ruas de arma em punho e erguessem suas barricadas. Foi o povo francês entrincheirado que derrubou Luís Felipe em mais uma revolução, em fevereiro de 18483. O governo de fevereiro, que se erguera sobre os escombros das lutas que derrubou a monarquia, teve a reforma eleitoral como foco e agrupou em si (temporariamente) revolucionários

todos

inclusive

os

seguimentos

representantes

dos

trabalhadores urbanos4.

nas ruas de Paris que as grandes batalhas MARX, Karl. As lutas de classe na França. São Paulo: Boitempo, 2012, p.16. 2 Trata-se do período monárquico desencadeado pela revolução de julho de 1830 que empoderou o rei Luís Felipe da casa de Orléans. 1

3

Ibidem, p.37- 43. MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011, p.32. 4

Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017


G N A R U S | 129 Ainda em fevereiro de 1848 o governo provisório

A revolução tomou proporções colossais e se

criou duas instituições onde se abrigaria então a

espalhou pela Europa. A república francesa

grande parcelada da população pobre que não

proclamada em 24 de fevereiro inspirou a

fazia parte do proletariado industrial organizado.

derrubada dos governos de diversos estados

Uma era a Guarda Móvel que, de acordo com Marx,

europeus e de acordo com Eric J. Hobsbawm

recrutou

jovens

chegou a influenciar, inclusive, uma insurreição em

influenciáveis categoricamente comprados. A outra

Pernambuco (nordeste brasileiro).9 Todas essas

eram os Ateliês Nacionais, onde os desempregados

revoluções tiveram características e desfechos

recebiam um salário por tarefas enfadonhas5.

similares, “(...) todas foram vitoriosas e derrotadas

um

exército

de

24

mil

Foi estabelecida a nova república. E antes mesmo

rapidamente (...)”.10

desta ser proclamada, os seus ministérios estavam

Voltemos à França.

Na assembleia nacional

divididos entre os elementos burgueses deixando

constituinte encontravam-se os partidários das

de fora quem respondesse aos interesses dos

duas

populares que a pouco tinham arriscado suas vidas6.

republicanismos, eram os Orleanistas (partidários

No mês de maio sai em marcha para o “Hotel de Ville”7

cerca

de

vinte

mil

trabalhadores

reivindicando um ministério específico para cuidar das causas trabalhistas. Cria-se então, pelo governo provisório,

uma

comissão

especial

para

a

representatividade das classes trabalhadoras, tendo

à

frente

representantes

diretos

do

operariado. Porém, o local destinado ficara fora da sede do governo, as suas reuniões deveriam ser efetuadas no Palácio Luxemburgo, também situado

dinastias

que

se

revestiram

de

da dinastia de Orléans que governou a França entre 1830 e 1848) e os Legitimistas (partidários da dinastia de Bourbon, que governou a França de 1589 a 1793 e de 1814 a 1830) que somavam-se aos efetivamente

republicanos.

Destarte,

os

trabalhadores que se uniram à burguesia contra o reinado de Luís Felipe, sentiam-se no direito de impor-lhes suas reivindicações. Invadiram a Assembleia Nacional, foram rechaçados e seus líderes foram presos.11

em Paris. Em fim, os trabalhadores foram colocados

A situação dos trabalhadores e pobres da França

em um ponto contrário aos republicanos e aos

ainda viria a piorar. A comissão executiva do

representantes da burguesia industrial espalhados

governo

pelos corredores do poder. Temos então o cenário

ajuntamento populares e criou dificuldades para o

mais puro e genuíno da luta de classes evidenciado

ingresso nos Ateliês Nacionais. Os trabalhadores se

assim por Marx: “A luta contra o capital em sua

viram novamente impelidos a lutar. 12

provisório

por

decreto

proibiu

forma moderna e desenvolvida – ou seja, em seu aspecto principal, que é a luta do trabalhador industrial assalariado contra o burguês industrial”.8

5 MARX, Karl. As lutas de classe na França. São Paulo: Boitempo,

2012, p.55,56. 6 Ibidem, p.43. 7 Sede municipal de Paris 8 Ibidem, p.48.

HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. São Paulo: Paz e terra, 2012, p.33. 10 Ibidem, p.37. 11 MARX, Karl. As lutas de classe na França. São Paulo: Boitempo, 2012, p.59-61. 12 Ibidem, p.62. 9

Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017


G N A R U S | 130 Agora o proletariado estava

O governo provisório unira

sozinho na batalha, sem

em si todas as facções

nenhuma aliança e sem o

burguesas, tal como o antigo

apoio de outro seguimento

primeiro ministro de Luís

social, sua revolta esbarrara

Felipe

na

presidente francês Adolphe

contrarrevolução

e

mais

executada. Nas jornadas de

Thiers;

junho

parlamentar e romancista

“Mais

de

3

mil

bem

tarde

como

insurgentes foram trucidados

Victor

após a vitória, 15 mil foram

trabalhadores de Paris que

deportados

em junho buscaram sua

sem

julgamento”.13 Os

revoltosos

estereotipadas

os

foram

rechaçados ou mortos pela

foram

contrarrevolução.

reivindicações futuras além punidas

representatividade

demonizados e todas as de

Hugo.

o

Em dezembro de 1848, em

seriam

fim, a França teve um novo

como

presidente e com ele o

Luís Bonaparte

socialismo. Nesse momento,

como demonstrara Marx, contra a classe do

começo de novos tempos.

Foi eleito o sobrinho de Napoleão Bonaparte.

proletariado ergueu-se o partido da ordem:

Luís Bonaparte vencera o General Louis Eugene

“Durante o mês de junho, todas as classes e todos os partidos se uniriam no Partido da Ordem contra a classe proletária, considerada o partido da anarquia, do socialismo, do comunismo. (...) O lema repassado por eles às suas tropas consistia nas palavras-chave da antiga sociedade ‘propriedade, família, religião, ordem (...)’” .14

Cavaignac, (homem que como ministro da guerra reprimiu os insurgentes de junho) por seis milhões de votos contra um milhão. Representou os interesses dos camponeses, foi eleito praticamente com o voto destes. Porém, levou também votos das outras classes:

Com a constituição republicana instituída pela Assembleia

Nacional

Constituinte

“As demais classes contribuíram para completar a vitória eleitoral dos agricultores. Para o proletariado, a eleição de Napoleão representou a deposição de Cavaignac, a derrubada da constituinte (...). Para a pequena burguesia, Napoleão significou o domínio do devedor sobre o credor. Para a maioria da grande burguesia, a eleição de Napoleão foi uma ruptura com a facção da qual ela teve que valer-se por um momento contra a revolução (...). Napoleão no lugar de Cavaignac representou, para eles, a monarquia no lugar da república16.”

o

revolucionarismo proletário foi posto à ilegalidade, o sufrágio universal proclamado e o imposto progressivo abolido. Após as jornadas de junho, a Assembleia

Nacional

revestira-se

de

republicanismo burguês. Pela perspectiva de Karl Marx “(...) a burguesia não tem rei; a verdadeira forma de seu domínio é a república”.15

MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011, p.35. 14 Ibidem, p.36. 13

MARX, Karl. As lutas de classe na França. São Paulo: Boitempo, 2012, p.74. 16 Ibidem, p.79. 15

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G N A R U S | 131 Em

1848

quem

revolucionou

não

milhões de votos, houve 7 500 000 votantes que responderam sim.18

foi

revolucionado. Como vimos, a revolução de 1848 mudou efetivamente as estruturas políticas e econômicas da França. Não obstante, (visto as

Deu-se o início da ditadura de Napoleão III.

insurreições de junho) a situação do proletariado

A França; aquela das revoluções, barricadas e

não melhorou. É desta forma que podemos

lutas operárias. Sim, aquela França berço das

compreendê-la,

românticas ideias de igualdade, liberdade e

como

mais

uma

revolução

burguesa que serviu aos interesses liberais. Esse cenário serviu de inspiração a Marx para por em prática suas analíticas teorias metodológicas

fraternidade acabaria por inventar um novo regime despótico, um novo império, um novo monarca, um novo Napoleão.

em torno de história, filosofia e economia política

O segundo Império francês findou na derrota da

no livro: as lutas de classes na França. “A geração

França pra Prússia na guerra franco-prussiana com

posterior a 1848 foi uma era de guerras e não de

Napoleão III sendo capturado e deposto em 1870.

revoluções”17.

Marx no início da década de 1850 já profetizara:

O sobrinho esforçou-se para que a lembrança das glórias

de

seu

tio

Napoleão

“(...) quando o manto imperial finalmente cair sobre

Bonaparte

os ombros de Luís Bonaparte, a estátua de bronze

permanecesse no imaginário dos franceses, para

de Napoleão desaparecerá do alto da coluna de

isso munia-se de discursos, viagens e repressão. A

Vêndome” 19. Em 1871 caiu a Coluna Vêndome, um

tradição bélica napoleônica impulsionou seu

grande símbolo do império; uma gigantesca coluna

governo cobrindo a república de investidas bélicas.

que sustentava a imagem de Napoleão, não do

Ao aproximar das eleições de 1852 a Assembleia

terceiro, mas de seu tio. Cai paralelo às bandeiras

Nacional foi invadida, alguns deputados foram

avermelhadas e as sangrentas lutas da comuna de

presos, os jornais passaram a ser vigiados e a Paris

Paris. O ato de derrubar um imperador, mesmo que

foi coberta por panfletos que traçavam os

este não fosse de carne e osso, foi cercado de

legisladores como conspiradores incitantes de

simbolismos aos já prostrados communards. 20

guerra civil. Ergue-se barricadas, novamente a população urbana armada foi às ruas e novamente a repressão foi mais forte. Foram deportados cerca de 10 mil insurgentes. O povo mais uma vez é chamado às urnas, agora deveria escolher entre o então presidente e a constituição. Fez-se a vontade do eleitorado francês:

Para nós, será importante a construção do movimento histórico por Karl Marx a partir, principalmente, do contraponto historiográfico com Victor Hugo sobre o golpe de Luís Bonaparte, que de acordo com Hobsbawm “Foi suficiente infeliz para unir contra si os mais poderosos talentos polêmicos de seu tempo, e as investidas

A França retomou então o caminho das urnas para responder a essa pergunta: queria o eleitor manter no poder Luís Bonaparte e confiar-lhe o cuidado de elaborar uma nova constituição? Em 8 HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. São Paulo: Paz e terra, 2012, p.125. 18 GRIMBERG, Carl. Da guerra Franco-Prussiana à competição internacional. Lisboa: Europa-América. 1968, p.21. 17

MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011, p.154. 20 GONZÁLES, Horácio. A Comuna de Paris Os assaltantes do céu. São Paulo: brasiliense 1999, p.73 19

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G N A R U S | 132 combinadas de Karl Marx e Victor Hugo são

é a história das lutas de classes”. 24 Assim, temos a

suficientes, sozinhas, para enterrar sua memória”. 21

luta de classes como o eixo que faz girar as engrenagens da máquina história. Os textos subsequentes sobre os acontecimentos

O método O livro A ideologia alemã, que nos traz o primeiro texto escrito a quatro mãos pela dupla que impactaria profundamente a teoria da história moderna, não foi um livro pensado para ser publicado. Nele, Marx e Engels esboçam os fundamentos da cosmovisão dialético-materialista da história, onde aparecem as concepções em que a “sociedade civil é a verdadeira fonte, o verdadeiro palco da história, e como é absurda a concepção histórica anterior que omitia as relações reais, limitando-se às ações grandiosas dos príncipes e dos estados” 22. Comumente as edições desse livro trazem as onze teses contra Feuerbach (publicadas em 1888 por Engels). Aqui, exporemos a décima primeira tese: “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o .23

Daí,

na França e O 18 de brumário de Luís Bonaparte; denotam o ímpeto de Marx para a interpretação dos acontecimentos pela ótica do materialismo histórico na análise concreta da luta de classes. A perspectiva da análise histórica marxiana é exposta de forma latente no livro O 18 de brumário

de Luís Bonaparte. Adiante – para a análise das perspectivas de Marx sobre as engrenagens políticas e ideológicas que levaram Luís Napoleão de presidente a imperador da França – será aqui utilizado, além do livro O 18 de brumário de Luís

Bonaparte, o livro Napoleão o pequeno de Victor Hugo e o artigo escrito pela historiadora Izabel Andrade Marson publicado na revista Projeto

História da PUC de São Paulo, em que a historiadora examina as contraposições entre o

que importa é transformalo”

na França, condensados nos livros: As lutas de classe

livro de Marx e Hugo.

podemos

Sobre o: O 18 de

deduzir que o papel de construção da história é

brumário

prerrogativa dos agentes

Bonaparte,

históricos que assumem o

salienta:

protagonismo da história para transforma-la. Somase isso a autoexplicativa frase que abre o Manifesto

do

Partido

Comunista

(publicado em 1848): “A história

de

todas

as

Marx e Engels

sociedades até nossos dias

HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. São Paulo: Paz e terra, 2012 p.163,164. 22 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 63. 23 Ibidem, p. 120. 21

de

Luís

Marson

“o livro constitui ao mesmo tempo, um testemunho, uma peça argumentativa tecida na trama da luta política de seu tempo, e, especialmente, uma reflexão teórica e crítica sobre a política liberal, as concepções burguesas sobre a história e sua instrumentalização no jogo político 25.”

24

Idem. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Escala, 2007, p.7. 25 MARSON, Izabel Andrade. História e Revolução. O dezoito

brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, e Napoleão o pequeno, de Victor Hugo: Um Contraponto. Projeto História, Gnarus Revista de História - VOLUME VIII - Nº 8 - SETEMBRO - 2017


G N A R U S | 133 agradáveis O livro é uma edição de artigos escritos por Marx a partir de primeiro de Janeiro de 1852, ele está baseado

nos

acontecimentos

Fevereiro do mesmo ano. análise

desse

texto

26

históricos

até

Iremos por meio da

marxiano,

escrito

na

à

classe

média,

fez

emergir

reminiscências das glórias de seu tio a modo de que estas pairassem sore o imaginário da população camponesa

conservadora.

Assim,

de

modo

populista, o governo apostou no agrado às classes subalternas da população francesa.29

observância do método materialismo histórico,

No prefácio da segunda edição de 1869 do livro,

esclarecer os motivos que levaram Luís Bonaparte

Marx evidenciara que a sua intenção era de

ao trono imperial da França, nos prendendo a

comprovar que o Bonaparte sobe ao trono imperial

singular pergunta: Por que Napoleão?

devido

Como já vimos anteriormente, a partir das jornadas de Junho se constituíra a república burguesa e não qualquer república: “a república

burguesa representava o despotismo irrestrito de uma classe sobre outras classes”.

27

A burguesia

às

condições

estruturais

político-

econômicas das lutas de classes presentes: “(...) eu demonstro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que permitiram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar o papel de herói”.30

triunfara.

Já ao indagar Victor Hugo, na busca do

A república parlamentar viu-se impelida a centralizar o governo a modo que as medidas repressoras fossem satisfatórias. Criou-se um império. Porém, o Bonaparte não caíra do céu em seu trono, para Marx as dinastias reais da França representavam facções distintas de burgueses enquanto “os Bonaparte” representavam os camponeses; e, foi mais além definindo o então Imperador também como “(...) um aventureiro vindo do exterior, posto no comando pela soldadesca embriagada que ele subornara com

esclarecimento dos “porquês” da população francesa se abdicar do presidencialismo e optar por um Império, deparamo-nos com a necessidade não só de “porquês?”, mas de “como?”, ou seja, por quais meios Luís Napoleão tornara-se Napoleão III. Assim o autor de Os miseráveis descreve o golpe: “na quinta feira 4 de dezembro de 1851 a população inofensiva de Paris, a população não engajada no combate, foi metralhada sem aviso prévio e massacrada com o simples objetivo de intimidação”31. Hugo expõe a matança usando testemunhas oculares da jornada de 4 de

cachaça e linguiça (...)”. 28 O “suborno” de seu exército e o apoio do campesinato responderia nossa questão?

dezembro, um grande massacre. Não cabe aqui aprofundarmo-nos nesses relatos, mas destaco estes, para termos noção de tamanho crime: “Os

Entre outras, o governo de Napoleão conseguira

soldados matavam por matar. Uma testemunha

unir em si os poderes do Estado e nele interesses

disse: ‘fuzilaram nos pátios das casas até os cavalos,

burgueses,

até os cachorros”. Outra disse “Os mortos (...) –

também

promulgou

decretos

São Paulo, V.30, Junho/2005, p.137-150. Disponível em: < https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2258/ 1351 > Acesso em 31/05/2017, p.138. 26 MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011, p.17. 27 Ibidem, p.36.

28

Ibidem, p.141. Ibidem, 2011, p.50-51. 30 Ibidem, p.18. 31 HUGO, Victor. Napoleão - O Pequeno. São Paulo: ensaio, 1996, p.83. 29

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G N A R U S | 134 estavam empilhados em montes, uns sobre os

exército convocações insubordináveis, a imprensa

outros, velhos, crianças, blusas e paletós reunidos

oposicionista era inexistente, a burguesia temendo

(...) cabeças, braços, pernas, confundidos”.32 Hugo

um possível “conluio vermelho” foi também

continua sua denuncia incriminado Napoleão por

conduzida a votar sim, seus funcionários e

diversos outros crimes como roubos, deportações,

sacerdotes voluntariamente deram seu sim.35

trabalhos forçados e prisões33.

Logo, para encontrar em Hugo os porquês desse

Para Marson:

homem que chamado de “pequeno” conseguira o

“Desempenhando papel de historiador, o dramaturgo pretendeu, portanto, instituir um processo e demonstrar o quanto a nação estivera iludida ao conceder ao criminoso e seus cumplices 7.500.00 votos no plebiscito instaurado em 20 de dezembro de 1851, um procedimento que ignorara o crime e absolvera os réus34.”

apoio da grande maioria da população francesa votante, deparamo-nos com os meios que este chegara ao poder. Victor Hugo mostra, na verdade, que esse homem “pequeno” chegara aonde chegou, por meio de ilusões e força. Como chamar de pequeno o homem cujo sua

Marson foca na condição da nação como iludida ao “conceder” os votos, abstendo-se de colocar em pauta

os

imoralidade permite enganar, iludir, ameaçar, matar, subornar se eleger e subir ao tono imperial? Marx

também

quando

escreve sobre o livro

importantes de

de Hugo relativiza a

Hugo sobre os meios

obra quanto à suposta

coercivos de Napoleão

pequenez

de

para a população.

Napoleão:

“Victor

esclarecimentos

Hugo

contesta

liberdade

do

Hugo

a

invectivas amargas e

voto,

espirituosas contra o

explica que as cidades,

responsável

cidadezinhas e burgos

de estado. (...) Não se

população passava por

vigia,

que esse

diminuí-lo”.36

massa de camponeses

Hugo afirma: “ele

recebiam ainda mais o

de

indivíduo, em vez de

votassem não, a grande

Para

conta

engrandece

recebiam ameaças caso

ameaças.

pela

deflagração do golpe

tinham seus delatores, a permanente

se limita a

Victor Hugo

32

Ibidem, p.86, 87. Ibidem, p.100-109. 34 MARSON, Izabel Andrade. História e Revolução. O dezoito 33

brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, e Napoleão o pequeno, de Victor Hugo: Um Contraponto. Projeto História,

São Paulo, V.30, Junho/2005, p.137-150. Disponível em: <

sabe o que quer, e vai

https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2258/ 1351 > Acesso em 31/05/2017, p.138. 35 HUGO, Victor. Napoleão - O Pequeno. São Paulo: ensaio, 1996, p.113, 134-140. 36 MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte . São Paulo: Boitempo, 2011, p.18.

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G N A R U S | 135 em frente. Contra a justiça, contra a lei, contra a

(...)”.40 É também importante compreender que o

razão, contra a honestidade, contra a humanidade

“lumpemproletariado”41

(...). Ele não é um idiota (...)”.37 Põe em pauta além

influenciável asilado nos Ateliês Nacionais e na

das peripécias napoleônicas um progresso (não

Guarda móvel; que os republicanos seriam os

muito bem explicado) produzido por consequência

advogados,

do golpe e sobre este se arrisca a dizer: “o ato é

burgueses e funcionários públicos; e, é claro, o

infame, mas é bom”.38

proletariado e suas demandas.

escritores

formava

(como

um

Victor

grupo

Hugo),

Em suma, Victor Hugo alarida em tons

A reinterpretação da história francesa, a partir do

denunciantes os crimes cometidos no golpe de

olhar de Karl Marx, história essa que também é

estado de Luís Napoleão. Enquanto ele tem a

analisada por ele, reflete às perspectivas das

explicita intenção de alardear a França não só

ciências humanas e sociais pertinentes aos séculos

quanto aos crimes, mas também ao implacável

subsequentes ao do filósofo-historiador, pois, como

escrutínio de 20 de dezembro de 1851;39 Marx

asseverou Cássio Starling Carlos: “Marx foi capaz de

deixou claro que as condições estruturais, político-

olhar um momento específico e tirar dele uma

econômicas das presentes lutas de classes na França

explicação consistente para o modo como a política

é que foram determinantes para o desdobramento

é feita no capitalismo”.42

de sua história e consequentemente para Luís Bonaparte receber o título de Imperador.

Pela perspectiva marxista, as transformações sociais, políticas e econômicas têm suas próprias leis, desse modo, é na aplicação destas que foram

Considerações finais Ao analisar as lutas políticas na França, Karl Marx submete-as às análises das lutas de classes, ou seja, entende que o motor da história são as lutas de classes e logicamente as classes relacionadas ao seu setor econômico, seja na divisão de trabalho ou em facções que detém capital e os meios de produção. Faz-se a ligação entre facções políticas e classes sociais. Para compreender as entrelinhas das lutas políticas na França teríamos que compreender que a “(...) dinastia de Bourbon constituíam a dinastia da grande propriedade fundiária e os Orleanistas a

observadas,

objetivamente,

as

conjunturas

históricas da França do período estudado. Foi verificada a relevância dessa reconstrução para o método em Marx; deixando, ainda, espaço para verificações sobre a França de 1848 a 1870 que se baseiem em outros mecanismos que não sejam calcados nas lutas de classe. Leonardo Mello Silva Possui especialização em Docência

e

Gestão

no

Ensino

Superior

(Universidade Estácio de Sá), Licenciatura em Pedagogia (UNINTER) e Licenciatura Plena em História (UCAM).

dinastia do dinheiro, os Bonapartistas a dinastia dos camponeses, isso é, da massa popular francesa

37

Ibidem, p.24. Ibidem, p.169. 39 Plebiscito posterior ao golpe de estado onde Luís Bonaparte se saiu vitorioso com larga vantagem. 40 MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte . São Paulo: Boitempo, 2011.p.142. 38

41

Termo marxista que designa o proletariado marginalizado, desprovido de trabalho formal e sem qualquer consciência de classe.

CARLOS, Cássio Starling. O 18 Brumário de Luís Bonaparte: A discreta farsa da burguesia. Aventuras na história para viajar no tempo. São Paulo: Abril, Edição 33, Maio/2006, p.57. 42

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G N A R U S | 136 Referências CARLOS, Cássio Starling. O 18 Brumário de Luís Bonaparte: A discreta farsa da burguesia. Aventuras na história para viajar no tempo. São Paulo: Abril, Edição 33, Maio/2006. GONZÁLES, Horácio. A Comuna de Paris Os assaltantes do céu. São Paulo: brasiliense 1999. GRIMBERG, Carl. Da guerra Franco-Prussiana à competição internacional. Lisboa: Europa-América. 1968. HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. São Paulo: Paz e terra, 2012. HUGO, Victor. Napoleão - O Pequeno. São Paulo: ensaio, 1996. MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte . São Paulo: Boitempo, 2011. _________. As lutas de classe na França. São Paulo: Boitempo, 2012.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Escala, 2007. ___________A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2012. MARSON, Izabel Andrade. História e Revolução. O

dezoito brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, e Napoleão o pequeno, de Victor Hugo: Um Contraponto. Projeto História, São Paulo, V.30,

Junho/2005, p.137-150. Disponível em <https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/ view/2258/1351> Acesso em 31/05/2017.

A última fotografia feita de Napoleão III (1872).

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