6-A ENTRADA DA MULHER NO CURSO TÉCNICO DE QUÍMICA INDUSTRIAL DA ESCOLA TÉCNICA DE BELO HORIZONTE.pdf

Page 1

G N A R U S | 52

Pesquisa

A ENTRADA DA MULHER NO CURSO TÉCNICO DE QUÍMICA INDUSTRIAL DA ESCOLA TÉCNICA DE BELO HORIZONTE Por Fábio Liberato de Faria Tavares Co-orientadora: Laura Nogueira Oliveira

O

presente trabalho tem por finalidade

tinha como objetivo qualificar mão de obra de

analisar por que e de que forma se deu a

forma rápida para o mercado de trabalho através

entrada da mulher no curso de Técnico de

de cursos de curta duração. O projeto teve início

Química de Industrial num ambiente até então

em 1963, e com o golpe militar o projeto foi

exclusivamente masculino e qual foi o impacto

alterado, havendo o financiamento para a abertura

dessa mudança para professores e principalmente

de cursos técnicos. Somente em 1982 o programa

para as primeiras alunas.

foi encerrado.

A pesquisa teve início no ano de 2012 com o

As

entrevistas

foram

realizadas

pela

projeto de pesquisa financiado pela FAPEMIG

orientadora do projeto, a professora Dra. Laura

(Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais)

Nogueira

e com o título “Ouvir para contar - construção de

participação minha nas anotações e também nas

um acervo de memórias de alunas diplomadas pelo

perguntas aos entrevistados, que são previamente

curso Técnico de Química Industrial matutino da

elaboradas a partir de informações existentes

Escola Técnica Federal de Minas Gerais, atual

sobre eles no Arquivo do Registro Escolar da

CEFET-MG, 1966-1970.” A ideia inicial era

referida instituição. Após a entrevista e a

entrevistar alunas do curso técnico de Química

assinatura do termo de cessão de direitos pelo

Industrial da Escola Técnica de Belo Horizonte

entrevistado, ela é transcrita previamente por

como parte das comemorações dos 50 anos de

terceiro. Assim que a entrevista é transcrita, ela é

criação do curso, que será completado em 2014.

devolvida e a mim coube fazer as correções na

Percebeu-se através de pesquisas realizadas no

transcrição e posteriormente a própria professora

Arquivo Geral do CEFET-MG que o curso, criado

realizou uma revisão de cada entrevista. Esse

em 1964 na esteira do PIPMOI (Programa

trabalho foi necessário para eliminar erros tais

Intensivo de Preparação de Mão de Obra

como nomes de pessoas, de órgãos, pontuação e

Industrial), um programa do governo federal que

outros da norma culta da língua portuguesa. Tanto

Oliveira

do

CEFET-MG,

com


a preparação da entrevista e a sua realização,

G N A R U S | 53 somente dos documentos do período não seriam

quanto à conferência das transcrições são

suficiente para responder as questões em aberto,

trabalhos bastante demorados. As entrevistas tem

que seriam o motivo que levou à escolha de um

duração média de 1h30, não incluso aqui o

curso técnico num ambiente predominantemente

trabalho para sua elaboração, que demanda,

masculino e as consequências dessa escolha para

conforme

as alunas.

documentos

mencionado, dos

a

depoentes,

consulta nos

aos

arquivos

institucionais. Já a revisão das transcrições pode chegar a durar em média 6h. Como a principal fonte para o trabalho são as entrevistas, como referenciais teóricos foram utilizados obras de historiadores especialistas no trabalho com a história oral com destaque para Paul Richard Thompson e Verena Alberdi.

A credibilidade da história oral é a mesma de um documento escrito, pois “a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas, sejam elas orais, escritas e visuais. O que interessa em história oral é saber porque o entrevistado foi seletivo, ou omisso, pois essa seletividade com certeza tem o seu significado”1. Ela também permite a criação de uma multiplicidade original de pontos de vista, e o

O trabalho com a história oral permite que sejam mais bem compreendidos os valores

domínio da evidência até onde ela se mostrar necessária.

coletivos que levaram essas mulheres a buscarem uma formação na Escola Técnica numa área que não era tradicionalmente feminina. Além disso, permite a construção de uma história mais democrática e consciente, ao dar voz a quem normalmente não seria dada, já que foi a tendência praticada por muitos anos na história de se privilegiar os grandes feitos e personalidades, e mesmo com as mudanças ocorridas, certos grupos continuam excluídos. Além disso, contribui para tirar a mulher da condição subalterna que ocupa

Figura 1 - Uma das entrevistas do projeto. Foto: Talita C. Alves.

na sociedade brasileira, mesmo com os avanços realizados após a abertura democrática. Tem também a função social de elevar, em muitos casos a auto-estima dos entrevistados na medida em que ele

percebe

que

as

lembranças

conhecimentos que trazem

tem

e

os

relevância,

auxiliando no entendimento das características de determinado período e local. Outro fator que foi levado em consideração na escolha de se utilizar a história oral foi o de os acontecimentos estudados serem relativamente recentes, e uma análise

THOMPSON, Paul Richard. A voz do passado: história oral. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. P. 18. 1


G N A R U S | 54

Em 1956, foi criado através da Lei 2800/56 sancionada pelo presidente Juscelino Kubitscheck,

A questão que surgiu foi: Porque desse aumento tão repentino?

o Conselho Federal de Química, e em 1957 foi

Passou a ser recorrente nas entrevistas com ex-

criada a seção regional do órgão. A partir da

alunas, a ideia de negação do magistério, profissão

regularização da profissão de químico, as

que foi ao longo do século XIX e início do XX

indústrias de Belo Horizonte e do Distrito

construída como predominantemente feminina. O

Industrial Coronel Juventino Dias (mais conhecido

que teria levado essas meninas a mudarem de

como

ideia? Para algumas das ex-alunas entrevistadas,

Cidade

Industrial

de

Contagem-MG) com

como a Sra. Vânia Mara Soares Penido, havia uma

profissionais formados em seus laboratórios, sendo

forte recusa ao magistério. Logo no início da

que a grande maioria usava profissionais com

entrevista ela diz: “Mãe, se eu tiver que fazer

formação prática.

magistério ou científico, eu vou parar de estudar”.

passaram

a

ser

obrigadas

a

contar

Nos dois primeiros anos do curso, o que se percebe é a presença exclusiva de homens e com média de idade alta. A partir de 1966, inicia-se a entrada de alunos mais jovens e também de

“Porque é o que tinha na minha... na minha coisa”, “Eu não quero ser professora, eu quero fazer um curso que eu possa me sustentar e para fazer o superior depois”.

alunas. Inicialmente elas ocupavam menos de 20%

Outra entrevistada, a Sra. Míriam Fernandes

das vagas, mas já em 1969 passaram a ocupar 23

Sepúlveda, que ingressou no curso em 1966 ao

das 40 vagas ofertadas para o curso, tornando-se

informar o que teria dito a sua avó que desejava

dessa forma maioria, como pode ser observado na

que ela fosse professora na cidade da Sabará, a

tabela a seguir. Além disso, elas passaram a ser

apenas 25 Km de Belo Horizonte:

também o maior grupo entre os alunos que se diplomavam no curso, ou seja, que faziam a carga de disciplinas e o estágio para garantir o diploma.

“Porque ela era diretora do colégio, ela era uma mulher assim que gostava muito de... Era


uma mulher muito culta, muito prendada e

G N A R U S | 55 Segundo a matéria da revista, uma normalista

queria que eu fosse professora e tal. Só que eu

receberia, em início de carreira, NCr$160,00 para

falei assim: “Não, eu não quero isso não. Quero

meio expediente de trabalho, no extinto Estado da

fazer um curso de Química, sai daqui pra Belo

Guanabara, um dos mais ricos da Federação.

Horizonte”. Ela ficou meio assim, mas...”

Tendo esse dado, pode-se imaginar a situação em

Naquele mesmo período, o Brasil passava por um

acelerado processo

de industrialização,

seguido do surgimento de uma sociedade de consumo de massa. Foi possível perceber nas entrevistas, que era desejo dessas meninas

Estados como o de Alagoas, do Maranhão e Piauí! Embora

na

reportagem

não

seja

dito,

provavelmente o salário de professor, pode-se supor, devia ser ainda mais baixo nos Estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país!

entrarem nessa dinâmica de consumo, associado

Por outro lado, a mão de obra qualificada,

ao desejo do próprio mercado em tê-las como

mesmo que em nível técnico, recebia altos salários.

consumidoras.

Vânia por exemplo, citou várias vezes esse fato em

Apesar

do

historicamente

salário baixo,

no

magistério

percebe-se

pelo

ser alto

número de greves nos anos 1960 que essa situação sofreu uma piora considerável. Os salários oferecidos aos professores eram péssimos, o que causava

desestímulo

para

muitas

mulheres

seguirem na profissão, ou mesmo entrarem nela. A matéria de capa da revista “O Cruzeiro”, de 14 de setembro de 1968, trazia o seguinte título: “Ser ou

não ser professôra (sic)”. A reportagem expunha um quadro dramático. O país tinha 130 mil escolas e 135 mil professores qualificados para atividade docente, enquanto outros 154 mil professores em exercício, não tinham formação alguma. Isso fazia com que nada menos que cinco milhões de crianças e adolescentes ficassem foram da escola. Na referida reportagem é citado o caso de uma jovem, de nome Maria Álvares Campos, que preferiu ser atendente de posto de gasolina a trabalhar como professora devido às dificuldades de sobrevivência com tão baixos salários. Na mesma matéria é ressaltado que os baixos salários impediam a independência financeira da mulher, mantendo-a dependente da família e/ou do marido.

sua entrevista, que no seu local de trabalho, a então estatal Cia. Vale do Rio Doce, ela: “Ganhava

bem porque a Vale pagava bem, eram 16 salários e era salário bom”. Os dezesseis salários que ela cita eram recebidos ao longo do ano, não eram dezesseis salários mínimos por mês! Mas de qualquer forma, fica claro que os ganhos como Técnica eram maiores que os que ela poderia ter se tivesse seguido a carreira do magistério. Ela conseguiu a independência financeira que tanto queria. Trabalhou por onze anos na Companhia Vale do Rio Doce (privatizada em 1997 e atualmente denominada somente com Vale) e, depois de ter o seu segundo filho, se dedicou a um negócio próprio junto com o seu marido. Para garantir o orçamento doméstico, Vânia criou uma fábrica de cosméticos à base se mel e, graças a seu registro profissional, era a responsável técnica da empresa.


G N A R U S | 56 professores. Outra questão importante é que de acordo com as entrevistadas, elas não parecem ter sido movidas pela onda feminista que começava naquele momento, mas muito mais pelas questões econômicas. Ainda assim elas romperam com uma tradição e conseguiram abrir as portas de um ambiente masculino para as mulheres.

Fig. 1: alunas da turma de 1969 (arquivo pessoal de Vânia Mara Gomes Penido).

Fábio Liberato de Faria Tavares é Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestrando em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG).

Referências bibliográficas

Fig. 2: nesta foto aparecem 18 dos 20 alunos que se diplomaram na turma de 1969. Destes, 14 eram mulheres (arquivo pessoal de Vânia Mara Gomes Penido). Com o endurecimento do regime militar com o AI-5 em 1968, as brechas para greves que já eram poucas, tornaram-se impossíveis. Portanto, com a impossibilidade de resistência, tornava-se a melhor

alternativa

se

adaptar

à

situação

conseguindo um emprego numa profissão mais rentável. Também não pode ser desconsiderado o choque que representou a entrada dessas moças num ambiente exclusivamente masculino. É comum em suas falas as reclamações sobre a falta de adaptação da escola as suas necessidades, ou em muitos casos tratamentos diferenciados dos

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005. ALBERTI, Verena. Contar ouvir: textos em história oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2007. BRUSCHINI, Cristina e COSTA, Albertina de Oliveira. Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992. CARDOSO, Vera Lúcia. A inserção da mulher no ensino técnico de nível médio: o caso a antiga Escola Técnica Federal de Minas Gerais – CEFET-MG. São Paulo: 2011. 184 p. Dissertação de mestrado, PUCSP. Conselho Federal de Química. Disponível em: http://www.cfq.org.br/historico.htm Acessado em 01/01/2013. CUNHA, Luiz Antônio. O ensino profissional na irradiação do industrialismo. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. GONÇALVES, Andréia Lisly. História & gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. Acessado em 06/01/2013. MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d’ Água/Fapesp, 2001. PATAI, Daphne. História oral, feminismo e política. São Paulo: Letra e Voz, 2010. PENNA, Gabriela Ordones. Vamos Garotas! Alceu

Penna: moda, corpo e emancipação feminina (19381957). São Paulo: Annablume; Fapesp, 2010.

PRIORE, Mary Del (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7ª ed. São Paulo: Contexto, 2004. THOMPSON, Paul Richard. A voz do passado: história oral. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. VEIGA, Cynthia Greive. História da educação. São Paulo: Ática, 2007.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.