GNARUS|1
Artigo
MEIO AMBIENTE NOS ANOS 1970 – ASPECTOS E REFLEXÕES SOBRE UM CONCEITO EM (RE)CONSTRUÇÃO Por: Cássia Natanie Peguim Resumo: As últimas décadas do século XX foram marcadas por uma economia mundial globalizada e por mudanças nos valores sociais. Neste contexto, os movimentos ambientalistas, a formação de partidos verdes e ONGs ambientais refletem preocupações de ordem econômica, social e política para com a manutenção da qualidade do meio ambiente humano, particularmente em relação às instituições e aos valores humanos, políticos e de mercado das sociedades industriais. Diante da necessidade de se desenvolver novas concepções que explicassem as características daquele momento, a pesquisa científica e os acordos políticos e científicos subsequentes foram os meios para a compreensão do meio ambiente e das transformações na sociedade do Pós-Segunda Guerra, tendo como finalidade o controle de recursos necessários ao desenvolvimento econômico. Essa dupla função demonstra que a relação do ser humano com o seu ambiente envolve poder político. Palavras-chave: História; meio ambiente; sociedade.
O
lhando retrospectivamente para
Na trilha deixada pela efervescência dos
os anos 1970 podemos vislumbrar
movimentos sociais do fim dos anos 1960 e de
algumas de suas características: a
toda
economia mundial globalizada, a
ambientalista, ao lado dos raciais e de gênero, se
crise econômica provocada pelo salto dos preços
configura como uma nova face da política, não
do petróleo, as disputas políticas entre as
mais dual – direita/esquerda - mas fragmentada e
potências
do
focada em problemas específicos de uma
conhecimento científico e as mudanças dos
sociedade que ganhava novas formas após a
valores da sociedade. Especificidades que se
Segunda Guerra. A formação de partidos verdes e
configuraram
de
a organização da sociedade civil em Organizações
importantes
Não Governamentais - ONGs, nacionais e
da
transformações
Guerra
como
Fria,
o
avanço
indicadores
históricas
desencadeadas naquela década.
a
década
de
1970,
o
movimento
internacionais, nas últimas décadas do século XX, refletem preocupações de ordem econômica, social e política para com a manutenção da
GNARUS|2 questões de cunho científico levantadas na Conferência Intergovernamental sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, popularmente conhecida como Conferência da Biosfera, organizada pela UNESCO em 1968. Estas questões partiram de problemas reais como o crescimento populacional, a fome endêmica, a desigualdade nos lucros da produtividade - tanto industrial como agrícola - a crise dos recursos não renováveis, a necessiade de qualidade do meio ambiente, particularmente em
desenvolvimento econômico, a urbanização e a
relação às instituições das sociedades industriais e
poluição.
seus valores humanos, políticos e de mercado. Na esfera das instituições intergovernamentais como
Alguns aspectos da abordagem dada ao meio
a ONU e a UNESCO - Organização das Nações
ambiente nas discussões desenvolvidas sobre o
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a
tema durante a década de 1970 são abordados
compreensão da dinâmica biológica da Terra é
neste artigo. São consideras as percepções que a
colocada como meta dos programas de pesquisa.
sociedade do pós-guerra, no período mencionado,
O pequeno grupo de cientistas reunidos no
tinha do ambiente em que vivia a partir de suas
Clube de Roma em parceria com o MIT -
manifestações políticas e da produção material
Massachusetts Institut of Technology, organiza o
que a caracterizava, ou seja, a indústria, a
programa de pesquisa Um Projeto sobre o Dilema
agricultura, a ciência e a tecnologia. A análise
da Humanidade que tem os resultados de sua
busca tratar a questão ambiental por meio de uma
primeira fase divulgados no relatório Limites do
perspectiva histórica, reunindo elementos sociais
Crescimento, elaborado entre 1968 e 1972 sob
determinantes na relação sociedade-natureza a
direção de Dennis Meadows. Neste último ano
partir da leitura, compreensão, avaliação e
outro relevante relatório é elaborado: Uma Terra
comparação entre os conteúdos dos relatórios
Somente, destinado à Conferência do Meio
Limites do Crescimento e Uma Terra Somente. O
Ambiente Humano, organizada pelas Nações
caráter político da abordagem aqui empregado se
Unidas, em Estocolmo, no ano de 1972. Ambos os
pauta
relatórios buscaram sintetizar os temas que
percepções sobre a natureza, como sugerido por
provocavam inquietações a respeito dos efeitos
Donald Worster em Para fazer História Ambiental
que a atividade humana estava causando à
(WORSTER, 1991). Também nos orientamos pela
natureza e qual seria o impacto das mudanças da
interpretação
natureza sobre o homem. Limites do Crescimento
sugerida por Eric Hobsbawm que compara o
e Uma Terra Somente intensificaram a discussão
passado para entender o presente possibilitando
sobre o meio ambiente já em debate na política
equacionar
das organizações intergovernamentais como a
Particularmente no livro Era dos Extremos
ONU e a UNESCO, uma vez que aprofundaram as
(HOBSBAWM, 2005) em que o autor foca os
metodologicamente
na
historiográfica
determinada
análise
das
retrospectiva
problemática.
GNARUS|3 elementos que particularizaram o século XX, como
orgânicas” (WARD; DUBOS, 1973, p.20). De modo
acontecimentos, ações, decisões, transformações e
que a pobreza, a deterioração do meio ambiente e
questionamentos que marcaram este contexto.
a perda de confiança nas instituições estatais e
Para a historiadora Regina Horta Duarte, a
socioculturais se colocam como algumas das
atitude das sociedades humanas em relação ao
características desse mundo moderno. Um mundo
meio natural não é única, antes ela é variável e
que perdera seus referênciais e declinara para a
diversa de acordo com os sentidos conferidos por
instabilidade e a crise.
sociedades distintas ao longo do espaço e do
Para
o
historiador
Eric
Hobsbawm,
esta
tempo de forma descontínua, cabendo ao
descrença nas instituições se relacionava com um
historiador
processo de desestruturação das características
“entender como foi possível, durante certo período de tempo, a construção e a imposição de certa ideia como verdadeira e por que contestações eram inadmissíveis” (DUARTE, 2005, p.77). Esta é a tarefa que se busca realizar neste artigo. A partir da Conferência do Meio Ambiente Humano a natureza foi associada à indústria, à pesquisa científica, às relações internacionais, à economia
e
ao
desenvolvimento.
Podemos
considerar que estas eram as cinco esferas em torno das quais instituições intergovernamentais como a ONU e a UNESCO pensavam o meio ambiente - um conceito em formação no início da O momento é abordado em Limites do
Crescimento e Uma Terra Somente como marcado por uma situação inédita e complexa vinculada ao caráter interdependente dos problemas que envolviam o meio ambiente. Para o Clube de
Roma, o ritmo acelerado da industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada e o esgotamento dos recursos não
renováveis
eram
tidos
como
“tendências aceleradoras do mundo moderno” (MEADOWS, 1973, p.18).
Somava-se a estes
fatores o que Bárbara Ward e René Dubos, responsáveis pela redação final de Uma Terra
Somente, chamaram de “a ameaça a certos valores naturais
que
uma dissolução das antigas instituições sociais, entre elas o Estado, e por um mundo ligado à economia transnacional (HOBSBAWM, 2005, p.393-413).
transcendem
as
necessidades
A
política
se
desprendera
da
dicotomia direita/esquerda e fragmentara-se em movimentos sociais especializados. Os movimentos verdes fizeram parte dessa nova força política ao lado
de
grupos
étnico/nacionalistas.
Paralelamente, a consolidação da economia globalizada atingira as bases do Estado-Nação territorial, uma vez que seus limites físicos não agiam mais sobre o intercâmbio de mercadorias, informações
década de 1970.
naturais
políticas das duas décadas anteriores a 1970, por
e
também
resíduos
industriais
(HOBSBAWM, 2005, p.406-413). De acordo com o observado no estudo Limites
do Crescimento, havia uma necessidade de se desenvolver novas concepções que explicassem as características daquele momento. O poder, a extensão e a profundidade das intervenções do homem, seja na ciência, nas novas políticas ou no mercado consumidor, pareciam pressagiar uma “nova época revolucionária na história humana,
talvez a mais revolucionária que o pensamento pudesse conceber” (WARD; DUBOS, 973, p.39). As determinantes dessa nova época seriam a escala e a velocidade destas transformações. Ambas atuariam
num
contexto
caracterizado
pela
interação de um número crescente de pessoas que
GNARUS|4 consumiriam mais energia e materiais, todas
O ambiente ganha um valor semelhante a uma
tendendo a aglomerar-se nas regiões urbanas e
mercadoria num contexto de descontrole das
concentrando em um novo grau as demandas de
operações capitalistas, crise da política de bem-
consumo,
estar-social, transição para o neoliberalismo,
movimentos,
ruídos
e
refugos.
Observando-se estes fatores, é possível verificar
flutuações
na
economia
e
consequências
que a demografia e a ecologia eram dois aspectos
ecológicas devidas à mecanização da produção
centrais e, em longo prazo, decisivos nas
agrícola. Uma situação exemplificadora é o fato de
discussões políticas e científicas daquele período.
ecologistas darem séria atenção aos efeitos do
O ano 2000 aparece como um fator norteador
tráfego de automóveis e da poluição atmosférica
das preocupações de ambos os relatórios. Vivia-se
somente após 1973, quando a OPEP – Organização
uma
século
dos Produtores e Exportadores de Petróleo;
acompanhada por uma apreensão diante dos
decidiu finalmente cobrar o que o mercado podia
problemas que o século que então anunciava seu
pagar por ele (HOBSBAWM, 2005, p.258). Apesar
fim poderia levar para o novo. Um crescimento
de uma política de bem-estar-social, a política
sem limites da população e um colapso mundial
industrial pautava-se na economia de livre
figuravam
mercado.
expectativa
entre
pela
as
virada
do
previsões.
A
estas,
relacionavam-se medidas sobre o comportamento
Com o desdobrar destas transformações nas
individual e coletivo, como maior produção de
últimas décadas do século XX, o homem passaria a
alimentos, reaproveitamento de materiais e novos
habitar dois mundos: o natural e o das instituições
padrões de consumo. O momento exigia a
sociais e dos artefatos que constrói para si mesmo;
obtenção de um estado de equilíbrio.
o que corresponderia a Biosfera e a Tecnosfera
De acordo com Limites do Crescimento, a
(WARD; DUBOS, 1973, p.37). A relação do ser
sociedade equilibrada teria que ver a Terra como
humano com sua sociedade e a natureza passa
finita e elaborar alternativas a esta condição,
então a ser definida por uma atuação, onde ele,
levando em consideração os valores humanos
homem, não somente sobreviveria, mas modelaria
daquele contexto e as futuras gerações. Para isso
o ambiente e por ele seria modelado.
aquela sociedade precisaria de melhores recursos
Na perspectiva dos elaboradores de Uma Terra
do que os já possuídos, esclarecer e realizar
Somente, o conceito de Ambiente Humano,
alternativas definidas como realistas e viáveis e
divulgado na Conferência de Estocolmo,
estabelecer metas sociais compatíveis com os objetivos a longo e curto prazo exigidos para a manutenção da qualidade de vida do ser humano (MEADOWS, 1973, p.178-179). A atenuação da poluição e a redução demográfica dos países, particularmente dos então chamados países do Terceiro propostas.
Mundo, Ambas
eram
duas
geraram
das
medidas
polêmica,
pois
afetavam o crescimento industrial de paises desenvolvidos e em desenvolvimento.
“[...] significa mais que a manutenção do equilíbrio ecológico, que o controle econômico dos recursos naturais e mais que o controle das forças que ameaçam a saúde biológica e mental. Idealmente requer também que os grupos sociais e indivíduos tenham a garantia de oportunidade de desenvolverem estilos de vida e ambientes de sua própria escolha” (WARD; DUBOS, 1973, p.25). As ações inclusas no conceito deveriam restaurar o equilíbrio e a esperança, moderar os desesperos e as pressões sociais e fixar normas comuns para a
GNARUS|5 obtenção de uma política que viabilizasse este projeto (WARD; DUBOS, 1973, p. 66). O controle deveria ser exercido sobre as formas de uso dos espaços e dos recursos, inclusive do ar e da água, e dependeria de estratégias para a sobrevivência das nações. A elaboração destas estratégias tinha como meta “convencer as nações a aceitarem uma
responsabilidade coletiva de descobrir mais sobre o sistema natural e como as atividades humanas o afetam e vice-versa” (WARD; DUBOS, 1973, p.269). Ou seja, a compreensão de uma condição fundamental de interdependência. De modo que, como enfatiza o documento, a política planetária deveria agir no sentido do conhecimento, da economia e da nação soberana. Tais objetivos implicariam na “supervisão cooperativa, pesquisa e estudo em escala sem precedentes, criação de uma rede mundial intensiva para o intercâmbio sistemático de conhecimento e experiência, a fim de levar a pesquisa a toda parte com apoio financeiro internacional ” (WARD; DUBOS, 1973, p.269).
Wagner Costa Ribeiro coloca que:
“O modelo de desenvolvimento adotado pelos países centrais e por parte dos países periféricos gerou impactos ambientais que se sobrepõe aos limites territoriais dos Estados. O sistema internacional não contava com o mecanismo de regulação na área ambiental das relações entre seus integrantes [...] Foi preciso criar normas de conduta para evitar a degradação da vida” (RIBEIRO, 2001, p.12). As mudanças do contexto precisavam ser compreendidas
e
normatizadas.
Procurando
atender a esta dupla necessidade, a Conferência do Meio Ambiente Humano produziu uma Declaração de Princípios e um Plano de Ação que deram base para a estruturação do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas – PNUMA. O plano consistia em cento e nove recomendações distintas, estabelecendo objetivos específicos e gerais em três grandes categorias: avaliação ambiental, administração ambiental e medidas de apoio. Estas medidas deveriam atuar sobre a soberania dos Estados em explorar, conservar e
Como último quesito para a obtenção do
proteger
seus
recursos
sem
prejudicar
o
Ambiente Humano, os autores abordam a relação
desenvolvimento de outros países. O Programa
entre a lealdade humana e o ambiente.
também incentivava o intercâmbio de informações
É possível apontar que no período a percepção
entre os Estados. Tal intercâmbio fora organizado
que se tinha da natureza era a de um organismo
em torno do Earthwatch - uma rede patrocinada
antes considerado como inferior ao homem, mas
pela ONU, planejada para pesquisar, monitorar e
que passara a se sobrepor a este em um processo
avaliar as tendências e processos ambientais,
constante a partir do momento em que se tornou
notificando os Estados-membros sobre riscos e
evidente que os recursos materiais oferecidos
situação dos recursos naturais (MCCORMICK,
eram finitos – a crise do petróleo já se anunciava.
1992, p.114). A ciência, base para a tecnologia que
Por esse motivo a natureza necessitava ser
dominara o crescimento econômico da segunda
controlada. Nota-se uma profunda necessidade de
metade do século XX, aparece como um
compreender o crescimento pelo qual a sociedade
mecânismo
dos anos 1970 passara, lembrando que segundo
normatização do ambiente.
propiciador
da
compreensão
e
Hobsbawm, as diferenças entre o cotidiano dos
Ao expor o Projeto da UNESCO para os anos de
nascidos nas duas décadas anteriores haviam se
1975-76 o diretor Geral da UNESCO Amadou-
acentuado em relação ao cotidiano vivido por seus
Mahtar M’Bow (1974-1987), aponta que o
pais quando tinham a mesma idade.
compromisso da organização durante estes anos
GNARUS|6 seria com a pesquisa científica e com o progresso e
contra a chamada importação de tecnologias.
futuro da humanidade, cabendo a UNESCO atuar
Prática
como uma vanguarda no movimento de unificação
desenvolvimento. As metas se pautavam na
dos povos. A ação ética da instituição deveria
importância da identidade cultural, de modo que a
basear-se na promoção do saber e na definição de
consciência desta identidade é apontada como
normas universais em prol dos desfavorecidos
sustentáculo do desenvolvimento econômico e da
(M’BOW, 1975, p.25). As metas previstas no
modernização diante das transformações das
Projeto se direcionavam à promoção do acesso a
estruturas econômicas e sociais, da busca por
educação, ciência e tecnologia, com ênfase nestes
novos tipos de desenvolvimento e da crise
dois últimos, destacando a difusão e a qualidade
monetária e energética. Ciência e técnica
do conhecimento científico e tecnológico. As
deveriam estar a serviço do homem, pois
políticas culturais deveriam estar em harmonia
conhecimento equivaleria a poder (UNESCO,
com as políticas educativas e científicas. Integrar,
1977, p.19-20).
realizada
pelos
países
em
agir e financiar eram as palavras de ordem.
A ênfase na pesquisa científica nos planos da
Segundo representantes da instituição, as raízes da
UNESCO, no PNUMA, em Limites do Crescimento
crise pela qual se passava estavam plantadas no
e
poder que o homem adquirira devido à ciência e a
representatividade que a ciência possuía sobre o
tecnologia;
sociais
ambiente. Desde as décadas de 1950-60, era
organizadas em torno da evolução científica e
grande o investimento dos países capitalistas
tecnológica
a
desenvolvidos na pesquisa científica, e os últimos
necessidade de se pensar nas gerações futuras e
vinte e cinco anos do milênio têm a ciência como
estabelecer relações fecundas entre homem e
base de seu desenvolvimento, seja acadêmico ou
meio
econômico, ambos interligados à indústria bélica,
resultado do
das
relações
contexto.
ambiente
se
Diante
disto
apresentam
como
imprescindíveis. Tais medidas tinham como base as
Uma
Terra
Somente
demonstra
a
alimentícia ou farmacêutica.
definições do que se denominou Nova Ordem
“O espírito científico – que marcou a ciência moderna desde o seu início – tem na concepção de progresso uma de suas referências fundamentais. [...] Suprir as necessidades por meio do conhecimetno científico e tecnológico passa a ser a palavra de ordem, uma das máximas da civilização ocidental.” (RIBEIRO, 2001. p.65).
Econômica Mundial, proposta na Assembleia Geral da ONU de 1974. A UNESCO caberia o compromisso com a objetividade científica, promoção da justiça, e busca pela dimensão sociocultural do desenvolvimento. A
ciência
e
apresentadas
a
tecnologia
como
também
ferramentas
são do
desenvolvimento no Plano de Médio Prazo da UNESCO para os anos de 1977 a 1982. Na avaliação realizada pela Conferência Geral da UNESCO, de 1976, a meta era buscar por uma ordem moral mais justa e equitativa e incentivar a elaboração
de
tecnologias
próprias
que
integrassem ciência e tradições das sociedades,
As
linhas
intepretativas
da
ciência,
particularmente as teorias do caos e do catastrofismo, atuaram sobre as interpretações dadas à dinâmica da relação homem-ambiente. Caos pautado no perigo que o desenvolvimento econômico oferecia - o medo, na sua essência não era de que os acontecimentos fossem fortuitos, mas que os efeitos que se seguissem não pudessem
GNARUS|7 ser previstos. Catástrofe ocasionada por um
uso. Ambiente e natureza se confundiam sob um
bombardeio vindo do espaço - medo que
único conceito ainda disforme. Ao longo do
exteriorizava, em parte, o receio da guerra
processo histórico as medidas normatizadoras e o
nuclear. (HOBSBAWM, 2005, p.522-530) Caos e
conceito de meio ambiente são reelaborados a
catástrofe permeavam as perspectivas de um
cada nova conferência ou comissão a partir de um
crescimento
exponencial
jogo de sutilezas que, na maioria das vezes, estão
incontrolável que excedesse a capacidade da Terra
articulados com o que se diz fora da definição, no
de alimentar e abrigar seus habitantes, levando a
desenvolvimento do texto escrito, na fala ou na
uma mortalidade sem precedentes até que a
forma de implantação dos acordos estabelecidos.
população se estabilizasse. (MEADOWS, 1973,
Os problemas do meio ambiente partem do
p.141) O sistema natural e o mecanismo das ações
político e encontram seu fim no político.
humanas
populacional
sobre
o
ambiente
deveriam
ser
desvendados pela ciência. Diante da repercussão de Limtes do Crescimento
Cássia Natanie Peguim é Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação “ História e Sociedade”. Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Assis.
e da Conferência do Meio Ambiente Humano, a pesquisa e os acordos políticos e cientifícos que se seguiram colocaram-se como os meios para a compreensão
do
meio
ambiente
e
das
transformações sociais, com a finalidade de controlar
os
recursos
necessários
ao
desenvolvimento econômico. Essa dupla função -
compreensão e controle - demonstra que a relação do ser humano com o seu ambiente envolve poder político. Instituições como a ONU e a UNESCO passaram a atuar no que pode se chamar de normatização do meio ambiente, sintetizando o destaque dado à temática dentro do sistema global. Os conceitos são mutáveis, não possuem uma definição fixa, pronta e acabada. Pelo contrário, estão sujeitos ao jogo político do contexto em que se inserem. O ambiente diante das discussões políticas na década de 1970 aparece relacionado à imagem de uma natureza hegemônica, atuante sobre as expectativas do mercado e sobre a continuidade da espécie humana e de tudo o que ela construíra. Nesse sentido a expressão ambiente natural reproduz a natureza como algo exterior à vida humana a que se atribuem valores de troca e
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