22 gnarus6 resenha santiago de compostela nas lentes dos trovadores galego portugueses

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Resenha

UM CONVITE A LEITURA DE “O Caminho Poético de Santiago: Lírica galego-portuguesa”. Por: Alex Rogério Silva

RESUMO: A resenha vem apresentar a obra O Caminho Poético de Santiago: Lírica galego-portuguesa, organizado por Maria Isabel Morán Cabanas, José António Souto Cabo e Yara Frateschi Vieira, publicada pela editora Cosac Naify, em 2015. A obra traz uma visão inovadora, apresentando uma amostra da lírica galego-portuguesa tendo como fio condutor a cidade de Santiago de Compostela, capital da Galiza, que nos séculos XII e XIII foi o mais importante centro religioso, político e cultural de toda a Península Ibérica. Palavras-chave: Santiago de Compostela, Cantigas, Trovadores.

S

A ond'irá aquel romeiro, romeiro adond'irá? Camino de Compostela, non sei s'ali chegará. Os pes leva cheos de sangre, e non pode mais andar. Mal pocado! Pobre vello. sei s ali chegará! (Romance galego)1.

egundo Adriana Vidotte e Adaíson José Rui, em Caminhos físicos, imaginários e

simbólicos: O culto a São Tiago e a

peregrinação à Compostela na Idade Média2, “O homem medieval é o homo viator. Sua vida é um caminho percorrido em busca da perfeição, da salvação. A viagem que realiza na vida terrena, efêmera, visa a sua realização plena na vida celeste,

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Caminho de Santiago e Cultura Medieval Galaico-Portuguesa. Rio de

RUI, Adaílson José; VIDOTTE, Adriana. Caminhos físicos, imaginários e simbólicos: O culto a São Tiago e a peregrinação à Compostela na Idade Média. Projeto

1

2

Janeiro: Biblioteca Nacional – Divisão de Publicação e Divulgação, 1966.

História, nº 42, junho de 2011, p. 143-162.

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G N A R U S | 176 eterna.” (RUI, VIDOTTE; 2011, p. 144). Nesse

(UNICAMP),

sentido,

grande

professora titular na área de Filologias Galega e

pois,

Portuguesa da Universidade de Santiago de

materializam no plano terreno maneiras de se

Compostela e José António Souto Cabo, também

purgar seus pecados, ou agradecer por graças

professor titular na área de Filologias Galega e

alcançadas.

Portuguesa da Universidade de Santiago de

as

importância

peregrinações na

vida

dos

são

de

medievos,

Nas palavras de Jacques Le Goff e Jean-Claude Schimitt:

Maria

Isabel

Morán

Cabanas,

Compostela. Obra publicada em 2015, presenteia o leitor, em contraposição de obras que abordam a temática

(...) a caminhada durava semanas, às vezes meses (...) A rota é uma dura ascese. Aí sentese a fadiga do corpo, o sofrimento provocado pelos pés doloridos, a tensão dos músculos, a sede e a fome. Aí sofre-se o rigor das intempéries. Aí se enfrenta múltiplos perigos, sobretudo na passagem de rios e montanhas (...) mas o peregrino obtém com sua viagem benefícios espirituais e físicos: o perdão dos pecados e a cura de seu corpo (LE GOFF; SCHIMITT, 2002, p. 353, 354)3.

firmando-se na compilação poética, com uma visão inovadora da lírica galego-portuguesa. O livro é composto pela reunião de 55 textos originais em língua galego-portuguesa de 29 poetas do período medieval, dentre eles D. Afonso X, o Sábio, D. Dinis, Pai Soares de Taveirós, Bernal de Bonaval, que remontam passagens e ambientes de Santiago de Compostela. De um modo geral, na introdução é apresentado ao leitor a temática da obra,

Nas fontes medievais é frequente a menção a tais viagens com fins religiosos. Principalmente nas cantigas, que são bastante executadas no período. Canções que relatam milagres de santos e louvores, mas também, amores, e críticas das mais diversas vertentes. A partir disso, esta resenha vem apresentar a mais nova publicação da Editora Cosac Naify, intitulada

fornecendo informações básicas acerca do período e do estilo literário em questão. Há também um glossário explicativo, além de um mapa da localidade, ressaltando os locais relevantes para a

lírica galego-portuguesa. Fechando o conteúdo do livro, é presente uma bibliografia com estudos realizados acerca do tema proposto e imagens e dados dos cancioneiros medievais utilizados na pesquisa, a saber: Cancioneiro

da Ajuda4,

O Caminho Poético de Santiago: Lírica galegoportuguesa, organizado por Yara Frateschi Vieira, professora titular, aposentada, de Literatura Portuguesa da Universidade Estadual de Campinas

3

LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude (orgs.).

Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Coord. de Trad. Hilário Franco Júnior. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. 2, p. 353, 354. 4 O Cancioneiro da Ajuda é um manuscrito em pergaminho, datável de finais do século XIII ou inícios do XIV. Está incompleto (mutilado e inacabado): faltam-lhe rubricas atributivas de autor; somente dezesseis iluminuras foram esboçadas e parcialmente pintadas; há

espaços reservados para a notação musical que, no entanto, não foi introduzida; algumas iniciais capitais (de cantiga ou de estrofe) foram deixadas em branco. A escrita, em preto, é feita na letra minúscula gótica. CABANAS, Maria Isabel Morán; CABO, José António Souto; VIEIRA, Yara Frateschi. O Caminho Poético de Santiago: Lírica galego-portuguesa. São Paulo: Cosac Naify, 2015, p. 204.

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G N A R U S | 177 Cancioneiro da Biblioteca

preocuparam

Nacional5

em

e

o

Cancioneiro

da

todos

cidade de Santiago de

leigo da temática da obra

Compostela,

e fornecer um aparato

fronteira entre Portugal e

de

Espanha,

notas

religioso,

lírica

cultural

galego-portuguesa, de a

propícias

saber: as cantigas de amor, cantigas de amigo e as cantigas de escarnio e maldizer. Além disso, tece breves considerações sobre as cantigas religiosas que tem por maior testemunho as Cantigas de

Santa Maria, de D. Afonso X, o Sábio, Rei de Leão e Castela. Mas não somente de cantigas se pautaram as considerações: os organizadores da obra se

O Cancioneiro da Biblioteca Nacional foi copiado por volta de 1525-26, na Itália, por ordem do humanista italiano Angelo Colocci. Contém, além do maior número de textos e autores do corpus galego-português a nós transmitido, também a fragmentária Arte de Trovar. . CABANAS, Maria Isabel Morán; CABO, José António Souto; VIEIRA, Yara Frateschi. Op, Cit, p. 208. 6 O Cancioneiro da Biblioteca Vaticana é uma coletânea com aproximadamente 1200 cantigas, compilado na Itália entre o final do século XV e início do século XVI. 5

de

toda

e a

para

a

lírica trovadoresca para

literaturas, inclusive a considerações sobre os gêneros das cantigas, a

político

implantação e difusão da

todas

brasileira, por se exprimir nesta língua. Há também

centro

isso sustenta condições

língua

portuguesa, patrimônio comum

mais

Península Ibérica, com

manifestação inicial da literatura

era o

importante

contextualizam a origem chamada

localizada

não muito longe da atual

breve do que o espera

da

episódios

No período medieval, a

modo a instruir ao leitor

As

os

Santiago de Compostela.

com algumas notas de

Santiago.

da

narrados por tais poemas:

A publicação tem início

Caminho

dados

localidade que conduz

Vaticana6.

pelo

trazer

também

as outras partes da península. Nas palavras dos organizadores da obra:

Na segunda metade do século XII, momento em que nasce a lírica galegoportuguesa, não havia no reino galaicoleonês outro centro urbano que pudesse competir com o prestígio de Santiago, cuja supremacia se devia ao uso eficiente dos recursos materiais e culturais gerados pela peregrinação (CABANAS; CABO; VIEIRA, 2015; p. 14).

As cantigas são apresentadas em dois blocos: “Os trovadores e Santiago de Compostela” em que Encontra-se depositado na Biblioteca do Vaticano, de onde deriva o nome por que é conhecido. Este cancioneiro, como o Cancioneiro da Biblioteca Nacional em Portugal, foi compilado após o século XIII e compreende um espaço de tempo bem maior. Apresenta não apenas obras dos poetas da corte de Afonso III de Portugal, mas também anteriores, como ainda os contemporâneos de D.Dinis e seus filhos. MONTEAGUDO, Henrique, et al. Três poetas medievais da ría de Vigo. Ed. Galaxia. 1998, p. 51.

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G N A R U S | 178 tratam de temáticas que envolvem diretamente a

transcrição, quanto pela extensa bibliografia

localidade, seja para cantar louvores e amores ou

complementar, presente na publicação e generosa

para “maldizer” sobre pessoas, e, “Trovadores e

para os pesquisadores que visam encontrar

textos em diálogo”, que remetem a autores de

referências no assunto. Nesse sentido, diante do

outras localidades, mas que remetem cantigas a

que foi exposto, O Caminho Poético de Santiago:

Santiago de Compostela, como D. Dinis, Rei de

Lírica Galego-Portuguesa é uma obra de grande

Portugal e João Zorro. No final de cada grupo de

valor e que desafia o especialista mais rigoroso a

cantigas de determinado autor, há uma breve

encontrar algum demérito.

biografia do mesmo, de forma a apresentar ao leitor a vida de tal artista que é o trovador. Os textos selecionados proporcionam ao leitor uma viagem literária pela cidade compostelana e ilustram

os

gêneros

praticados

pela

Alex Rogério Silva é mestrando em História e Cultura Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – Campus de Franca). E-mail: alex465@gmail.com.

lírica

portuguesa como as cantigas de amor, cantigas de amigo e as cantigas satíricas, que são as cantigas de escárnio e de maldizer. A grafia utilizada na transcrição das cantigas é a sugerida nas Normas de

edición para a poesia trobadoresca galegoportuguesa medieval7, de forma a manter a grafia o mais fiel possível das fontes originais. Além disso, mostra como os autores estavam ligados na cidade de Santiago de Compostela e interligados entre si seja por laços familiares, pessoais, sociais, políticos, sendo responsáveis pela disseminação da lírica pelas outras regiões da Península Ibérica. A obra se apresenta como uma inestimável referência àqueles que se interessam pela poesia galego-portuguesa, seja pela contemplação dos versos poéticos contidos, seja como base para a pesquisa acadêmica. No campo desta última, O

Caminho Poético de Santiago vem se afirmar como uma contribuição singular, tanto pelas cantigas em sua forma original e o glossário que auxilia sua AA.VV. Normas de edición para a poesia trobadoresca galego-portuguesa medieval. Universidade de Coruña. 7

Servizio de Publicacións, 2007. (Versão online disponível em

<http://www.udc.gal/export/sites/udc/publicacions/_g aleria_down/librariadixital/NormaEdicionPoesiaTF.pdf. > . Acesso em: 17 mai. 2015.

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