Tronco da jurema

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eram os mesmos do "trabalho" de Dalta, o "Caboclo Misanheiro do Pernambuco", o "Reis Tupinambá", ou a "nangô Maria do Carmo". Permanecia existindo, pois, um bias a produzir uma interferência entre um conjunto de crenças autóctone e aquelas implícitas em uma prática

ritual

importada.

Sigamos

com

a

caracterização

dos

"encantados mortos": "A denominação encanto ou "encantado morto" não se aplica a qualquer espírito de pessoa morta. Refere-se aos espíritos dos antepassados caboclos, "os do outro tempo, caboclos gentios, os primeiros, os do tronco de que são rama ou ponta de rama os caboclos de hoje". Os espíritos dos que morrem também estão aí, vagando ou encostados em árvores, animais, igrejas à espera do chamamento de Deus para habitarem o reino de glória, o jardim de flor, o céu. Não são encantados. Os espíritos dos antepassados são invisíveis e habitam lugares indeterminados. Diferem dos encantados vivos pela sua forma espiritual. Não comem nem bebem como os outros e só aparecem nos "trabalhos" para ajudar os vivos com seus conhecimentos e seus poderes. Aparecem aos destinados a "trabalhos" na forma corpórea que possuíam em vida. Sabem todas as coisas e têm o poder de ajudar o homem a anular o mal causado pelos encantados vivos ou feitos. Nos "trabalhos" aparecem juntamente com os encantados vivos o que indica não haver oposição ou animosidade entre eles, como também indica ausência de competição. Gostam de receber ofertas de vinho de milho, de cachaça e fumo, embora não bebam, nem fumem como os encantados vivos. É muito difícil "labutar" com eles, segundo os caboclos, mas não explicam em que consiste tal dificuldade. São-lhes imputados os mais desencontrados feitos." (BANDEIRA, ib.:82)

Os "encantados mortos" eram, pois, seus antepassados como dizem ainda hoje, o gentio brabio dos troncos véio - que possuíam um saber de que sentiam falta. Representavam sua ligação com o passado, através das gerações, e conferiam fundamento a seu sentimento de alteridade étnica. A dificuldade em labutar com eles possivelmente

representava

a

própria

dificuldade

em

dar

continuidade às suas "tradições", no desconhecimento de como "os "entendidos" [antigos] conversavam com os espíritos dos mortos na língua e sabiam como as almas viajavam". Por fim, vejamos o que levantou BANDEIRA acerca do que entendiam por "coisa feita", "macumba" ou "encantados feitos": "As macumbas ou encantados feitos são materializações da força do mal possuídas pelos feiticeiros. Ninguém conhece a identidade dos feiticeiros. Agem no anonimato. Há deles que fazem e tiram feitiços, outros apenas fazem e é desses que provêm as macumbas. Desconfia-se de certas pessoas,


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