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ZABENZI CARROS

CARROS

é, de um lado, um livro, de outro, um filme. Essa suposta bifurcação se torna um método. Aprendemos, aqui, que um duplo não é feito de duas partes, mas algo que refunda e desfaz a noção de unidade pelo contágio.

Desde 2015 a fotógrafa ZABENZI trabalha com dípticos, mas em CARROS temos um ponto incontornável dessa trajetória – onde a junção de dois materiais explode a forma já trabalhada. Nem sempre estão dispostos lado a lado, a costura é feita pelo tempo que as imagens trabalham em nossos olhos.

Explorando a ideia de um corpocontínuo entre seres e automóveis, a artista compara gesto e estrada, rosto e vidro, pele e borracha, ternura e alumínio. Entretanto, ela recusa pensar a comparação enquanto busca de igualdade ou de resolução. Os contrastes aqui expostos são formas de desproteger o espectador para que crie, na excitação do choque, novas palavras.

O livro é um pedido, em alta velocidade. ME DEIXA GANHAR DESSA VEZ, tudo aqui dentro diz. A urgência não é pelo futuro. Mas por outras posições, por outro tempo. Pela refundação de uma nova chance, pela vontade de percorrer novamente, de perder novamente. A fotógrafa encena suas trilhas a partir do fracasso como uma postura — dos que não cumprem com os ideais colonizadores e capitalistas. A coluna não como uma ordem rígida de ossos, mas os ossos, cada um deles, procurando uma direção.

No livro A ARTE QUEER DO FRACASSO, Jack Halberstam marca a existência queer como fracassada por princípio. Esses corpos, dissidentes da norma, estarão sempre na lanterna do percurso inventado do sucesso. Quem chega por último é quem inventa novos trajetos, e são nesses novos trajetos que a fotógrafa põe luz e sombra.

ZABENZI coloca o corpo máquina, o corpo prótese, o corpo queer, o corpo torto, isto é, o corpo desobediente, como o narrador dessa história. Comparar um corpo a um transporte é colocá-lo também como agente do tempo.

As comparações se dão a partir das formas, cores e do sentimento metálico das imagens. Essas foram capturadas e encenadas nos últimos três anos, em quatro cidades brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Maceió.

O fotolivro é montado de forma cinematográfica, para que o público coloque as imagens em movimentos – e inevitavelmente também se coloque em movimento. A história começa na capa, com um dedo mindinho coberto por uma gaze. Nosso dedo menos útil, machucado e protegido ao mesmo tempo. E a estrada começa num peito aberto por duas páginas inteiras.

Duas pessoas juntas podem ser um veículo só. Se anula, assim, a ideia de que uma máquina não sua, não produz espaço. Cada imagem tem o peso de uma paixão, tomando a paixão na vida como uma insistência. A paixão é um vulto veloz. Um corpo novo, sozinho, dobrado, também. Os carros avançam com emoção e continuidade, ficção e detalhe. Uma imagem leva à outra e no entanto não há progresso.

O trabalho se põe na contramão da História, sem desejo de andar pra frente em atropelo. O desejo é pela tentativa, pelo erro, pela rachadura no vidro. Uma porta quebrada é também uma porta aberta. Não queremos conserto. É a partir da celebração do desvio, da teimosia dos incansáveis e dos invertidos, que ZABENZI nos dá a ver o quanto a vida vale. CARROS é um escândalo melancólico, uma felicidade desarmada, com cheiro insuportável de suor. Uma ode à insistência, à reconfiguração.

MARIA ISABEL IORIO

DESIGN Maria Cau

Estúdio M-CAU

GRÁFICA Ipsis

TIRAGEM 650

PAPEL Eurobulk

AGRADECIMENTOS Barbara

Levy, Giovana Tak (Assist.),
Tavares, Maria Isabel Iorio, Maria Cau Levy, Philipe Mortosa, Lucas Affonso, Giovana Tak, Aankhyy, Aleph Loureiro, ALLANIS MACHADO, Allan Weber, Ana Amorim, Antonio Ayd, Breno, Caio Paiva, Cosmo Dimantas, Daniel Barros, Debora Coelho, Dudu Lyra, Eduarda Freire, Gondor, Gondor, Hick Duarte, Jade Sassará, Jo Rios, John Saukèn, Julliana Araujo, Laerte bravo, Leticia Almeida, Maria Eduarda Guigues, Matheus de Amaris, Orós, Pedro Luna, Raquel Dimantas, Ronaldo Vianna, Rosário Moreira, Santiago Perlingeiro, Sofia Badim, Taciana Bastos, Vidi Descaves, Vitorino Campos.

CARROS

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