
Na sombra da morte
Dedicatória
Dedico este livro a todos os jovens que enfrentam vários desafios na vida, desde problemas com drogas, álcool, depressão, violência física ou psicológica e quaisquer outros problemas que acham impossível de ultrapassar.
Também quero homenagear a todos jovens, amigos e conhecidos que perderam a vida muito cedo, por motivos de drogas, álcool, suicídio ou por outros tipos de morte, em especial aos meus primos, José, António e Malaquias Moiane, e a dois grandes amigos Dárcio e Denny.
Escrevi este livro por todos e para todos vocês, e dizer que não há problema algum que não tenha solução, por isso não tire a sua vida! ―Porque para Deus nada é impossível‖ – (Lucas 1:37)
Na sombra da morte
Donde, um jovem excêntrico Eis que vivia num mundo cheio de sonhos e incertezas, onde as drogas dominavam seu corpo e mente e o sepulcro da depressão, era a âncora que todos os dias o arrastava às portas do abismo. Alma triste!
Ninguém sabia que estava doente, ninguém sabia que era demente. De mente ausente e pobre de espírito, sua alma era diariamente perturbada por espíritos malignos. E por conta disso, as drogas eram o seu refúgio e o único meio de manter os demónios em silêncio. Não havia quem o socorresse, senão ele mesmo.
Casado num mundo e solteiro noutro, seus desejos tinham-no aprisionado
Entre dois mundos não tão distantes, vivia dividido, porquanto o seu destino era incerto, mas ninguém sabia quem ele era, nem ele mesmo fazia ideia Atado com correntes, pendurado num madeiro do sofrimento eterno, era atormentado pelos próprios medos, lutava pela sobrevivência em ambos os mundos.
Estar pendurado sobre o murro era a coisa que mais o desgastava, pois havia tantos lugares para se ir e tantos mundos para se estar, mas para si parecia quase impossível: impossível de ir-se, impossível ficar, por isso terminou na procrastinação. Mas a abnegação da sua limitada humanidade tornara-lhe escritor e filósofo, um investigador de mundos. Eram tantos os sonhos por alcançar, mas que pareciam impossíveis. Era como se alguma maldição tivesse sido imposta sobre si, ainda assim, para ele sonhar era tudo. Sonhar era tudo o que lhe pertencia e o resto, era empréstimo. Entretanto, há vezes em que dormia e não sonhava, se sonhasse, ao acordar, mal se lembrava do que havia sonhado.
Seus olhos doíam, doíam de tantas lágrimas por chorar, ainda assim, ninguém o via ou ouviao chorar. Escondia-se num armário e chorava até as lágrimas cessarem-lhe. Não havia quem o consolasse ou o amparasse
Certa vez, viu aquele que se fez carne para salvá-lo da morte, mas noutra noite aquele que vinha para matar, roubar e destruir, também o tinha visitado. Ambos queriam a sua alma: um para salvá-la e outro para tragá-la.
Donde era luz, mas o seu brilho tinha sido ofuscado pelos pecados que outrora cometera. Os mesmos o tinham tornado fraco, depressivo e desajustado Tornaram-no pobre e sofredor, mal conseguia ver-se ao espelho sem que se envergonhasse de si mesmo, das coisas que fizera e das que não deveria ter feito. No entanto, ao espelho fingia: pois tudo o que via era a imagem fantasmagórica de alguém que não era ele Já que as drogas tinham consumido todo o seu verdadeiro ―Eu‖ O álcool, por sua vez, engolira a sua sede de vencer e os seus sonhos aos poucos iam deixando de existir.
O jovem era perfeccionista demais, nada era bom o bastante para si. Era um jovem distinto mas cheio de defeitos, como qualquer ser humano, não que fosse humano, aliás, se era ou não, quem o sabe? Quem o pode dizer? A pior parte era de que: nada ou ninguém o fazia feliz. A sua tristeza era aguda e piorava quando estivesse em casa. Fora até podia fingir estar bem, mas em casa a melancolia arrastava-o para as profundezas do abismo. Seu coração cheio de amor tornara-se vazio, não mais podia amar a alguém, que não fosse ele mesmo: puro egocentrismo. Não era mais o mesmo!
Alguns diziam que tinha puxado ao pai, mas não era para tanto. Pois ser parecido com o pai, é a única coisa que ele nunca quis. Assumia que podia ser tudo, tudo mesmo, mas se recusava a ser igual ao pai. Talvez porque o pai vivia dizendo-lhe que tinha sido influenciado pela mãe e que Donde, era fraco de mais para ser homem. Entretanto, ainda que ele tentasse agradar o pai, nada que fizesse era bom o bastante para deixá-lo orgulhoso. Por isso acabou o abandonando.
Agora estava só e solitário: sem casa, sem carro, sem família e sem namorada. Tudo o que lhe sobrara era apenas um pedaço de papel, ao qual teve que escolher entre enrolá-lo ‖ para mais um charro‖, ou nele inspirar-se: escrever algo.
Nunca foi mimado, pouco querido entre os irmãos, deve ser por isso que vivia ressentido com os que deviam tê-lo amado. Por vezes sentia-se obrigado, sim, sentia-se obrigado a viver uma vida que não tinha planeado. Por isso de continuo dizia que a vida que vivia não o pertencia, que não era o dono da sua própria vida. Achava que talvez tivesse nascido num lugar errado, ou que devesse ter nascido noutro lugar, que aquele lugar não o merecia A verdade é que Donde era um jovem fora do comum, ou seja, fora do tempo. Ele era muito avançado para o tempo em que se encontrava, por isso, as vezes pensava que não fosse o seu tempo, então,
pacientemente esperava pelo dito ―momento certo‖ E foi esperando esperando esperando ****
De repente era quase um adulto. Na sombra da morte e mais próximo da loucura, Donde seguia sem família e nem amigos. Caminhava a passos galopantes para a velhice, e as promessas do Divino, pareciam estar cada vez mais distantes de se cumprir. Veio-lhe a desesperança e sua fé foi abalada. Com a mente de uma criança desiludida, seu coração a cada dia enchia-se de mágoas e arrependimentos. Tinha tantas mágoas do passado que mal conseguia esquecer, mágoas do presente, por ser um sofredor, e mágoas de um futuro que não podia ver e nem conhecer. Sem emprego, nem dinheiro, sem vida, nem viveiro, nada certo e nada concreto. Apenas vivia de sonhos que um dia se tornaram os seus piores pesadelos.
Cresceu assim: seus traumas e medo não o deixavam progredir. Quando começasse algo, não conseguia prosseguir. Se prosseguisse, não conseguia concluir, e se concluísse, não conseguia progredir. Sua vida parecia uma roleta russa, já que tudo o que fizesse se repetia com intrepidez. Por vezes dava medo estar perto de si, pois quando tocasse em alguma coisa podia de repente quebrar-se sem motivo algum, e quando experimentasse coisas novas e boas, de repente, tudo se transformava em pesadelo. Mesmo querendo ele evitar, não conseguia. Não conseguia manter-se sóbrio por muito tempo, não conseguia afastar-se daquilo que o matava aos poucos. Ainda que lutasse contra seus impulsos, o bicho dentro de si não o deixava vencer de jeito algum, e nisso, perdeu o seu baptismo três vezes.
Diz-se que antes de melhorar piora! O que mais poderia ser pior para alguém que já estava na pior? Se há vida após a morte com certeza era lá onde Donde queria estar naquele instante. Pois a cada dia perdia as forças e, a insónia era sua professora de álgebra: pois graças a ela, sabia o número exacto das ondas nas chapas do seu pequeno quarto. Se por acaso adormecesse, nada sonhava. E sempre que tentasse sonhar com algo, o pesadelo o perseguia no sono da madrugada, trazido pela luz da alvorada. E assim sonhava:
Era o fim do mundo, o fim de tudo. A pandemia tinha chegado e acabado com tudo. Ninguém podia se salvar: nem o mais forte, nem o mais fraco, nem o mais tolo e nem o mais sábio,
nem o mais rico e nem o mais pobre, eram todos iguais. A terra era um holograma, e as pessoas, eram só pessoas, isto é, por fora, pois por dentro eram outra coisa: Homens de barro, feitos para morrer Não haviam máscaras suficientes para cobrir as almas dos que iam perecer
Ainda que desinfectem – dizia o padre daquela Região. Não existem desinfectantes capazes de lavar os seus pecados e purificar as suas almas!
Poucos entendiam a mensagem, e poucos queriam ouvi-la. Os tolos não viam a gravidade da situação, não sabiam que tinha chegado o tempo da revelação: as trevas tomariam lugar, as guerras começariam a aniquilar os filhos da terra. Mas aquele jovem céptico sabia. Sabia que aquele era o começo do fim Ele era o profeta das nações, mas ninguém o sabia: ele não se pronuncia. Sabia que se contasse, provavelmente morreria.
Donde era um jovem-adulto com um coração de criança. Outrossim, um menino com uma mente de adulto. Pois para seus pais ele era um homem sem ideias. Num mundo onde a maior parte dos jovens da sua idade: os de catorze e dezoito, já tinham filhos; os de vinte e trinta anos já tinham pelo menos um neto. Para eles, Donde não era muito esperto. Seus olhos estavam cobertos, diziam que nada via e nada fazia. Mas para a surpresa de muitos, Donde era um ser de lugar nenhum: era um preto com atitudes de branco. Vivia na terra, mas com a mente no espaço. Pobre mas com pensamentos ricaços. E enquanto os outros dormiam aconchegados sem seus quartos, ele permanecia acordado em seu colchão cansado, tentando ver se rabiscava mais uma linha no seu diário rascado.
Nada para si era real, apenas o seu papel, no qual escrevia. Mas com o passar do tempo a dor o cercara e o rapaz se trancou. O mundo ouviu que ele se ―enforcou‖ A princípio ninguém se importou, pois sabiam que era só uma expressão para dizer que ele assumira uma nova postura, e que agora andava de fato e gravata. Fazia dois anos que seu corpo estava limpo da intoxicação pelo fumo e o álcool, seus conhecidos e amigos imaginários o procuravam por toda a parte, mas não o encontravam: realmente tinha-se ―enforcado‖
Enforcara-se com a gravata listrada em prol dos sonhos. Já que o mundo ia acabar em alguns dias, então para Donde valia a pena morrer sóbrio. Pois se lembra de que quando chapado, por vezes erguia a cabeça para ver se alguma coisa cairia do céu, mas nem pão nem mel, nada O ar continuava poluído como o encontrara quando nasceu, só que agora contaminado pelo vírus Lá se vinha o fim do mundo, outra vez: agora eram a pandemia, as guerras, a besta, os falsos profetas, etecetera.
Nos seus sonhos lúcidos: os falsos profetas se levantaram e se foram, vieram outros, mas também se foram, mas o que não se iam embora eram os demónios que o seguravam pelo braço, o puxavam dizendo: ―vem connosco, siga o nosso caminho‖ . Eram sempre dois meses de purificação intensa e seis de escuridão reversa. Donde fornicava com prostitutas espirituais e era estuprado por demónios, enquanto dormia. Sua alma sofria.
A pornografia era o seu prato de cada dia, onde o seu sémen era usado para procriar filhos e filhas das trevas, no entanto os seus próprios, perdeu três, e o último foi abortado com cinco meses Falhar uma vez, pode até que se pode entender, mas três vezes, julguem vocês Há quem diga que é estupidez, mas a quem diria que o rapaz é persistente A verdade é que a última vez que isso lhe aconteceu, Donde já não tinha nada a perder a não ser a sua alma, não tinha nada a ver senão com sua lápide Pensava na corda, pensava na faca, pensava na droga, pensava na morte, estava de malas prontas, no entanto, no dia da sua quase morte, descobriu que não estava pronto. Não estava pronto para partir, partir e deixar aquele seu pedaço de nada
Ei, para onde vais? – Era a voz do medo perguntando.
Nada respondeu. Não podia. Mesmo assim, Donde não desistia de tentar escapar daquele lugar. Foi aí que, do lado de lá, uma pequena luz começou a resplandecer, e ele novamente voltou a sonhar: sem pesadelos. Sonhava agora com Austrália, Noruega, Berna, sonhava com Paris, Espanha e Lisboa. Lembrava-se da Hannah, a branca de olhos azuis, que tinha ido à Alemanha com promessas de voltar no ano seguinte. Tinham combinado sair para jantar, num restaurante qualquer, assim que ela voltasse, mas a contagem dos dias era como se não passasse: os meses iam devagar, e Donde não aguentava mais esperar. Meses depois Hannah parou de ligar. Não mais se conectavam, então, Donde sem outro rumo para seguir, deixou-se esquecer ali sentado naquele banco de pedra virado para o mar. Olhando para o céu escaldante, buscado alguma estrela que viajasse até a eternidade. Queria apenas encontrar a
paz. Queria que a morte o levasse sem que nada pudesse deixar para trás Sim, queria que a morte o levasse, mas não antes que terminasse de pintar aquele quadro, de compor aquela canção, de compilar o último verso da sua poesia romântica, ou de deixar aquela carta para os pais, se desculpando ou agradecendo Queria que a morte viesse o levar, mas não antes de ter alguém para amar. Sim, ainda esperava que alguém o amasse!
Ela vem... Tarde ou cedo. – Disse uma voz no além.
Quem? A Branca? – Perguntou ameno
Não. – respondeu a voz fazendo uma longa pausa, como se estivesse reflectindo antes de continuar. A morte. Ela sempre vem. E quando chega, não avisa a ninguém.
Donde sabia que um dia a morte realmente viria. Entretanto dizia consigo, que negociaria com ela. Que a diria para aguardar um instante enquanto se despedia da família. Qual família? Se sozinho vivia, tanto quanto se sentia.
A morte nunca avisa. Nunca diz: ―hoje é seu dia, vamos, se apresse ” Ou por outra, “seja rápido, preencha a ficha!”.
O lado da morte é sombrio. Todos a temem, mas Donde não. Parecia que quanto mais vivia, mais morrer queria. Por vezes se ria, ria-se ao lembrar que, ainda que tivesse tudo que desejava neste mundo, nada levaria. Então logo entendeu que com a morte não se negocia!