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Benicio Biz: reinventando o cotidiano

Benicio Biz: reinventando o cotidiano

Priscilla Porto Nascimento Fasani*

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Durante a quarentena imposta pela pandemia do corona vírus, o artista Antonio Benício Bizerra, pernambucano de origem e carioca de coração, vem redescobrindo os sons dos cantos dos pássaros, a beleza e as cores da natureza, o cheiro das flores, o sabor de cozinhar e degustar os alimentos, o prazer que os sentidos nos proporcionam. A sua casa em Niterói tem sido fonte de constante inspiração para sua criação, por estar repleta do que o poeta Manoel de Barros denominava de coisas “desimportantes”, “desúteis”. A sua renovação como artista tem sido feita com elogios às “insignificâncias”. Durante esse processo de transmutação, Biz tem compartilhado em seu Instagram fotografias do pôr do sol, de flores de diversas espécies e cores, de bolos caseiros, de barcos de pesca vazios em Charitas, do Rio visto do Caminho Niemeyer, de pratos coloridos e nutritivos, de pássaros em sua piscina, nas árvores, da lua da tarde. Essas imagens animam a vida de quem as vê. São também contagiantes: a vontade de comer essas iguarias, de contemplar essas paisagens, de ouvir músicas calmas e românticas e se encantar com a cor lilás como Djavan, de ter a dádiva de ouvir o canto dos pássaros do seu quintal. Em meio a esse convite à liberdade, no entanto, há um alerta de que o mundo mudou, através da postagem de uma imagem da Monalisa de Da Vinci vestindo uma máscara cirúrgica. A mensagem que o artista nos passa é de que o medo de perder a vida não deve nos paralisar,

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mas nos indicar a necessidade de preservar a natureza e de cuidar do nosso corpo-espírito. O conatus spinozista, o esforço de permanecer existindo, que é uma potência ativa do nosso ser, é realizado através dos afetos, ou seja, afetamos e somos afetados pelas pessoas, pelas coisas, pela natureza, pelos acontecimentos da vida, pela arte. Então vamos navegar pelas obras da quarentena de Benício Biz! O Rio por um fio (acrílico e colagem, 2020), mostra o paradoxo da cidade dentro de uma caixa enquanto o céu e o mar estão em plena liberdade. Em Nu na janela (pastel oleoso, 2020), uma mulher nua e cabisbaixa dá as costas para a paisagem do Rio e para o MAC. A colagem Os meninos de Charitas (2021) exibe alguns jovens surfistas no fim da tarde. Na tela Abstrato+gato (2021), o gato preto tem destaque. A retomada da vida vai sendo celebrada também em Icaraí: a festa do verão (2021), com a praia cheia de gaivotas e bicicletas. Em uma composição vemos um cachorro em evidência junto a belos objetos de decoração, noutra, em Composição em flor (2021), Biz utiliza a imagem da flor do seu jardim. Biz homenageia artistas da Arte Moderna como em Magritte surreal (2021), o artista pop Roy Lichtenstein é celebrado em O choro (2021), Hopper em A solidão de Edward Hopper (2021), Andy Warhol é citado com a reprodução das imagens de Marilyn Monroe, o escultor suíço Alberto Giacometti é exaltado em Para Giacometti (2021) e em Para Gustav Klimt (2021), Biz destaca as lágrimas de ouro da obra originalmente feita por Anne-Marie Zilberman, influenciada pelo trabalho de Klimt. A influência da pop art nos trabalhos de Biz realizados em 2020 e 2021 são evidentes como podemos ver em Chiclets, O beijo, Cotidiano, Outro beijo, Não me deixe! e Adoro seu beijo. O charme das voluptuosas modelos pin-ups dos anos 60 pode ser encontrado em O charme e a cor do verão, Blue jeans, Flores e cores e Hoje é sexta-feira me liga.

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Com temáticas existenciais encontramos Caminhada, Pegada, O céu é de todos, Um pouco surreal, Cidade louca e Voar é preciso. A série Casas I, II e III tangencia essa situação de isolamento social, de cada um na sua casa, mas sempre trazendo pássaros ou árvores como elementos de destaque da paisagem exterior. Os afetos que alimentam o artista podem ser representados pelas obras Esse seu olhar, rosto feminino feito em aquarela em tons de cinza, com destaque para uma borboleta colorida no lugar da boca, e pelo retrato Minha neta Olívia, desenhado a lápis Caran d’Ache. Esse bloco de sensações tão presente nesta fase de Biz nos remete ao Sensacionismo de Fernando Pessoa, que através do personagem Alberto Caeiro, declara sua predileção pelos sentidos em detrimento do pensar intelectual e filosófico. “Penso com os olhos e os ouvidos, com as mãos e os pés e com o nariz e a boca”. A criança eterna sempre o acompanhava. Utilizando as palavras do filósofo Edgar Morin, é através da poesia que sabemos que não habitamos este planeta apenas por questões utilitárias e funcionais, mas também pelo deslumbramento do amor, das sensações, do indizível. A delicadeza do trabalho de Biz pode ser sintetizada pela obra Composição azul do mar (2021), com nuvens, gaivota, o mar, um barquinho de papel e como ponto focal temos um borrão de tinta que escorre e cai em direção a um vaso de cerâmica marajoara, trabalho feito pelas tribos indígenas que habitavam a ilha de Marajó, no norte do Brasil. Essa memória ancestral citada com tanta sutileza pelo artista nos remete ao fato de que o nosso fazer no presente cai em nossas origens, está relacionada a nossa cultura, aquilo que nos tornou o que somos. Mesmo nos sentindo frágeis no nosso barquinho de papel, Biz afirma que navegar é preciso.

* Doutora em Cultura e Sociedade (UFBA) e mestre em Ciência da Arte (UFF).

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