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É preciso pedir bis, por Beatriz Cardoso

É preciso pedir bis

Sopra o vento – o Sertão incendiário! Andam monstros sombrios pela Estrada e, pela Estrada, entre esses Monstros, ando! Ariano Suassuna

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Cortesia Fundação Joaquim Nabuco - PE Beatriz Cardoso*

Percorrendo a estrada dessa quarentena inglória, que tende a tornar-se bianual – não como a planta que completa o ciclo evolutivo em dois anos, pois não queremos que ela, a peste do século XXI, viceje – parece quase impossível extrair da paisagem o belo, a luz, o riso.

Mas é no detalhe que se encontra o que pensávamos inexistente.

Com olhos de Suassuna, que a ele ensinou que ‘O otimista é um tolo.

O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso’,

Benício Biz reinventa o cotidiano. Não apenas dele e da mus(a)eterna Lia. Mas o de todos os que anseiam por um novo horizonte – seja uma visão do lado de lá da ponte, em Niterói, onde mora, seja aqui do alto de Santa Teresa, onde coabita minha quarentena (que perambula pelo Centro do Rio três vezes por semana). O horizonte está à nossa frente, ainda que não o vejamos.

Benício Biz mostra que há muitos horizontes, na sua Coletânea de trabalhos realizados durante a quarentena – Reinventando o cotidiano – título (invertido) do livro que ele nos lega em plena quarentena.

Inverti o título porque considero a quarentena produtiva de Benício tão importante quanto sua reinvenção. Ele confirma o que afiançava o Suassuna: “a tarefa de viver é dura, mas fascinante”.

Não sou crítica, senão de mim mesma. Portanto, não me cabe analisar cada obra, sejam pinturas, foto-colagens ou fotografias, que já puderam ser apreciadas na ‘galeria’ do perfil de Benício Biz no Facebook.

Como visitante bissexta que sou das redes sociais, onde inexplicavelmente ainda tenho centenas de amigos (!!!), podem até pensar que não acompanhei essa reinvenção. É que não preciso ‘seguir’ Benício, pois há mais de 20 anos caminhamos juntos: compartilho um ‘projeto de vida’ dele e Lia – a revista TN Petróleo, da editora que carrega seu nome.

Sou uma companheira de ‘viagem’, honrada pela amizade-cúmplice que nos manteve unidos, mesmo nos piores momentos. Duplamente honrada por ser convidada a escrever sobre essa reinvenção. Mesmo em tempos digitais, foi incrível receber, de um ‘golpe só’, parte (tem mais, acreditem!) da criativa quarentena de Benício Biz reproduzida em uma centena de páginas.

Obra ´tramada’ com a mesma delicadeza dos bordados de Passira (PE), nos quais, utilizando a técnica herdada dos portugueses, ‘cada bordadeira imprime personalidade aos padrões, na íntima relação cotidiana com o trabalho’ (Associação Mulheres Artesãs de Passira). Um patrimônio cultural da terra natal desse ‘artista de nossa época’, como definiu o jornalista Orlando Santos, saudoso companheiro de aventuras gastronômicas e culturais de Benício (que nunca trocou a máquina de escrever por um computador e me fez, algumas vezes, digitar seus textos!).

“O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado”, sopra Ariano Suassuna. Benício não se aquieta...e se incomoda com a restrição, a imobilidade.

Por isso, talvez relembrando a travessia diária da baía da Guanabara, na barca Niterói-Rio-Niterói (proibitiva em tempos de pandemia), nos presenteie com esse livro. Uma obra que possibilita àqueles que estão em isolamento, ‘navegar’ por múltiplos horizontes, capturados pelo olhar e a alma sensível desse pernambucano, que de grande não tem somente o tamanho, mas também o talento.

A arte de Benício Biz é como o sal da terra, ‘retemperando’ o cotidiano, dispensando maiores formalidades. O que me leva de volta ao mestre Suassuna, que afirmava: ‘a arte para mim não é produto de mercado... Arte pra mim é missão, vocação e festa.” Só pode ser isso, pois é difícil nos reinventarmos na tristeza. Benício cumpriu essa difícil missão. Por isso, eu peço bis!

*Jornalista, editora da TN Petróleo

Com o jornalista Orlando Santos e o marchand Jean Boghici