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SÓNIA TAVARES “A MÚSICA ERA O PELO MENOS ERA O

Texto: André Rubim Rangel

Com quase 46 anos de vida, imaginar-te-ias a fazer outra coisa e a viver doutra profissão que não a música?

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Neste momento não, porque passados tantos anos da minha vida na música acabei por não saber nem aprender a fazer algo mais. (risos) Às vezes penso nisso e concluo que tenho mesmo de continuar na música. Aliás, é o meu sonho desde a adolescência, que a vivi com a música. Não dentro da música. Se ela não tivesse surgido em mim, provavelmente estaria algures a contar macacos ou, então, no Egito a escavar múmias. A música era o meu destino, pelo menos era o que queria para mim!

“The Gift” lançaram recentemente o álbum “Coral”. O que tem de melhor e diferente que os anteriores?

De álbum para álbum achamos que este é o melhor. Mantêm-se as mesmas pessoas que começaram “The Gift” em 1994 e as mesmas ambições. Musicalmente somos os “The Gift” de 2023: assim como nós amadurecemos, as nossas canções também. E a grande diferença é que desta vez trabalhámos com orquestras de cordas, violinos, e gravámos com um grupo coral de fora, com 90 pessoas. Agora, na versão portuguesa, andam connosco umas 20 pessoas nas atuações que temos ao vivo. Têm feito a ponte entre a eletrónica e a clássica e eu canto, maioritariamente, canções em português. Essa é outra grande diferença. Nós temos outros dez discos, todos eles cantados em inglês. Temos músicas muito pontuais em português, conhecidas do grande público - tais como “Fácil de entender” e “A Primavera” -, mas eram apenas uma por álbum.

E foram as que mais ficaram no ouvido das pessoas. Não foi com essa intenção que produzimos este disco quase todo em português, mas foi mesmo para explorar aquilo que tanto nos honra, que é a nossa língua, a nossa personalidade, as nossas tradições culturais. Daí termos gravado com os Pauliteiros de Miranda e com os Gaiteiros de Lisboa. Tentámos ir às nossas raízes musicais.

E também fomos resgatar algo daquelas bandas dos anos 80 que nós adorávamos, como o GNR, os Heróis do Mar, a Sétima Legião e por aí fora. Portanto, é tudo diferente, mas somos os mesmos. (risos)

Nele cantas temas relacionados com o tempo, o lamento, a negritude... Achas que nós, de modo geral, vivemos mal com o tempo, lamentamo-nos muito e andamos, por vezes, na escuridão?

Acho que o tempo é nosso amigo para muitas coisas, mas é nosso inimigo quando nos leva as pessoas de que gostamos, com quem estamos habituados a viver e conviver, a sentar à mesa. E é essa parte de ficarmos sem o amor dessas pessoas que retratamos no nosso disco. Não foi a passagem do tempo, por a vida ser passageira, pela qual quisemos ir, mas o lado da saudade que essas partidas nos deixa. É, realmente, um disco um pouco melancólico, mas nós também não sabemos escrever canções muito alegres. (risos)

Mas achas que se enquadra na nossa sociedade, por ser muito lamuriosa e de algumas sombras?

A minha música é de lamento e eu também sou uma portuguesa que se lamenta. Vejamos que a melancolia e o lamento andam, há centenas de anos, de mãos dadas e com o fado no coração. E o fado é complica-

do de gerir nas nossas vidas. (risos)

Uma das tuas escuridões, entretanto revelada, é a depressão profunda em que vives: lidas já bem falar nela? De que modo a vais enfrentando e combatendo?

Eu não tenho problema algum em falar da minha saúde e das minhas doenças, inclusive da depressão provavelmente ligada à minha fibriomalgia. E quando falo disso não penso: “agora vou dizer isto; ou agora não dizer”. Não! O que me perguntam eu digo. Ainda ninguém me tinha perguntado e o Goucha perguntou, no seu programa, e eu respondi. Mas prefiro que me identifiquem pelas minhas canções e não pelas minhas doenças.

Além da medicação, da terapia e da música, que te vão ajudando, que ou- tros escapes te consolam quando tens dores, ou te sentes mais ansiosa e em baixo?

Gosto particularmente de ficar em casa, contrariamente àquilo que os médicos recomendam. E é uma chatice! Porque a ideia é sair, é apanhar sol, viver um pouco aquilo que a profissão não nos deixa viver, contemplar o que é belo e isso tudo de bom. Mas a minha terapia é trabalhar. É o trabalho que ocupa a minha mente mais negra e que me ajuda. Infelizmente, há pessoas que ficam inaptas para a vida e não conseguem trabalhar. Tive psicóloga e psiquitra, terapia e medicação - devido à fibriomalgia -, e fui combatendo. Já não posso meter baixa, por isso tenho de trabalhar. Mesmo quando tenho dores no coração.

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