Revista Viração - Edição 69 - Fevereiro/2011

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A C E o n De olho

Do porquê ou para que contar histórias Carol Lemos, da Redação*

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abe aquelas histórias que se passam com a gente e que marcam nossa vida para sempre? Essa é daquelas: mexeu comigo e mexe até hoje. É por isso que, mesmo passados cinco anos, resolvi colocá-la em texto. Registrá-la. Até agora ela tinha sido contada apenas oralmente, em conversas íntimas com os amigos e em momentos de troca de experiências com os colegas de trabalho. E por que eu não vou direto à história? Porque esta fala justamente do registro, do texto e da importância de partilharmos histórias. Era mais uma terça-feira, duas da tarde. Mais uma terça em que eu respirava fundo e ia até lá: uma das unidades de internação da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) – atual Fundação Casa. Respirava fundo porque tinha de passar por todas aquelas trancas, revistas, olhares frios e desconfiados, mas ia feliz porque apesar disso tudo havia eles: os adolescentes. Com 13, 14, 17 anos. Adolescentes que, naquele momento, se encontravam em conflito com a lei. Fazia pouco mais de seis meses que dois amigos da faculdade de Jornalismo e eu estávamos conduzindo oficinas de Educomunicação na Febem. Começamos como Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade e seguimos como voluntários. Toda semana nos reuníamos com cerca de quinze adolescentes internados para montar um jornal impresso. O objetivo era contar um pouco sobre a vida deles para quem nunca tinha entrado em uma Febem e só ouvia falar pelos noticiários; para quem não conhecia, mesmo tendo contato diário, esses meninos e meninas. Contar não pelo texto de jornalistas, mas com as palavras de quem vive essa realidade. Durante a faculdade, questionávamos constantemente o modo de fazer jornalismo que nos era ensinado e o que era praticado. As notícias que víamos na mídia colocavam as crianças e adolescentes em conflito com a lei como marginais, bandidos, assassinos. Lembro-me de uma reportagem que tinha como título: “Menor mata criança em SP”. Espera aí: não foi uma criança que matou outra criança? Por que a criança que foi morta é vista e nomeada como criança e a que matou não? Por termos essa visão, cada dia de oficina era especial para nós. Descobríamos o outro lado da notícia, e o que mais nos encantava: a oportunidade de partilhar, de ouvir e de estar com o outro lado.

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Lá dentro, as histórias saíam mais fácil quando escritas. O olho do Márcio, agente de segurança, fitava e marcava cada gesto. Essa tensão constante era motivo de diversas argumentações que tínhamos com a Pedagogia e gerava em mim e nos meus amigos muita preocupação em como o jornal ia ser recebido quando ficasse pronto. Tentávamos envolver o Márcio nas atividades, mas ele, impassível, sempre optava por ficar de braços cruzados, sentado ao lado da porta, observando. “Este é o meu papel”, justificava.


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