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Deus me livre de ter medo agora, depois que eu já me joguei no mundo
from 21 ☆ quinta edição
Mudar sempre gera expectativa, medo, dúvidas. E não podemos negar que também rendem diversas memórias inesquecíveis. Quando somos adolescentes a vontade de mudança parece ser inerente à idade. Queremos experimentar, tentar, burlar. Tudo isso é possível e a curiosidade está exatamente na consequência.
“Em que isso vai dar?” – pensa-se com um sorriso malicioso nos lábios.
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Anos depois a história já é um pouco diferente. “Preciso analisar os prós e contras” toma o lugar da frase acima. Faz parte do amadurecimento, faz parte da vida e faz parte do momento pósformatura. Quando acaba a graduação é bem provável que mudemos.
Mudamos de estagiário para efetivo. Mudamos de emprego. Mudamos de “bacharel” para “pós-graduando”. Mudamos para a cidade que estávamos antes da faculdade. Mudamos para outra cidade que nunca conhecemos. Mudamos até de país. Mas mudamos. E além do diploma, levamos na mala o clichê: sonhos e medos.
Nesta edição, a 21 conversou com duas graduadas, Ádria Mayara e Ana Carolina. A primeira saiu de Teresina, voltou para Tocantins, sua cidade Natal, onde faria uma pós-graduação à distância, em uma instituição de Curitiba, mas por alguma razão retornou à Teresina.
A segunda também sai de Teresina e leva os aprendizados para a
Argentina, onde cursará um mestrado.
Ana sempre quis estudar fora do país e decidiu responder às nossas perguntas enquanto fazia as malas. Qual momento seria mais propício para repensar as motivações dessa mudança do que esse? Eu não consigo pensar em nenhum outro.
“Oi, Karine, Kálita e Dhara. Eu tô arrumando minha mala, então achei que seria um bom momento para responder essas perguntas”, disse.
Ana cresceu na periferia de Fortaleza, onde mesmo com pouco espaço para sonhar se imaginava estudando e morando em outro país.
Aquela garotinha cresceu e se viu matriculada em um curso de letras Português/Alemão, apenas porque simpatizava com a ideia de estar além-mar.
“Gostava do idioma, gostava de me imaginar longe.” Essas aulas duraram três anos. “Acabou que na metade do curso eu desisti e fui pra Jornalismo.”
E então a pandemia não somente adiou seus sonhos como modificou sua cabeça, seu jeito de ver as coisas. Após isso, o encontro de um amor e o início do namoro com Isabele deu uma nova guinada. Isa já tinha morado fora e queria voltar a ter novas aventuras. Como quem não quer nada as duas procuravam destinos e analisavam a possibilidade.
Fazendo conversões de pesos deu-se início ao processo.
Quando eu comecei namorar a Isabele ela já tinha morado fora e queria voltar. Aí fiquei com isso na cabeça. A gente começou a pesquisar destinos, lugares que a gente podia ir juntas. Eu queria fazer mestrado. A Isa estava trabalhando remotamente e queria ter contato com outro idioma. A gente foi pesquisando. A universidade que eu sempre olhava era a UBA, na Argentina e a Universidade de Aveiro, em Portugal. Então fomos fazendo as contas.
No último ano de faculdade você já tinha planos de fazer uma pósgraduação em outro país?
No último ano da faculdade eu tinha planos de fazer uma pósgraduação em outro país? Não necessariamente. Eu tinha planos de ir pra outro país pra estudar. Talvez eu fizesse só um intercâmbio do idioma daqueles que você trabalha e estuda. Mas eu sempre quis fazer um mestrado fora. E agora estou bancando todas as dores e delícias das minhas decisões.
Você estudou espanhol?
Eu não sou fluente em espanhol. Eu falo inglês, falo um pouco de alemão e falo um pouquinho de espanhol, mas eu quero ir pra aprender. Não falo o idioma, nunca saí do país antes. Em outras palavras, “estou metendo o louco”.
Por conta disso Ana se matriculou em apenas duas disciplinas, só pra ter um contato com o idioma. O mestrado começa de fato ano que vem. Antes mesmo dos preparativos da viagem Isa e Ana já moravam juntas, o que de certa forma, se tornou uma incógnita a menos.
Como você se planejou para essa mudança? Foram anos, meses?
A gente começou a falar disso em dezembro do ano passado. Foram seis meses de preparação. Acho que para a gente foi mais financeiro do que emocional mesmo. Como era algo que a gente queria muito não estávamos nem tão deslumbradas. Era mais: “Olha, se a gente quiser ir temos que fazer determinadas coisas, ter tanto por mês...”.
E como já morávamos juntas nos organizamos nesse sentido.
Quais as expectativas para a mudança?
Eu tô ansiosa. Nós estamos indo separadas. A Isa tá indo com a família, porque eles estão de férias. Então eu vou chegar lá só, e depois de 6 dias é que a gente se encontra. Eu vou fazer toda a viagem só, então eu tô animada com isso.
É outro país, com um idioma diferente. Como se sente em relação a isso?
Não tô com medo. Eu tô ansiosa pra que chegue logo. Estava até pensando nisso hoje, uma música do Gil que a Gal canta: “Deus me livre de ter medo agora, depois que eu já me joguei no mundo”. Eu sei que não vai ser fácil. É um outro idioma, outra cultura, um outro clima, um outro ritmo de vida, um outro tudo. Eu vou continuar estudando e trabalhando.
Ana lembrou os momentos que antecederam todas essas decisões.
Eu e mais duas amigas temos um grupo para compartilhar coisas. Então a cada três meses a gente aparece nesse grupo para falar alguma coisa muito específica e muito aleatória. E eu disse uma vez que queria viver um romance em espanhol porque as vezes você tá muito cansada, olha para o teto e começa a criar histórias. Então eu disse que amar em espanhol é muito mais bonito e a gente começou a criar essa história. E foi a primeira coisa que eu disse para as meninas, que eu ia e minha namorada íamos juntas. Elas falaram:
“Ah, então finalmente tu vai viver esse teu romance em espanhol”. E foi muito engraçado como hoje pertinho da mudança eu fiquei meio mística, vendo como as coisas acontecem quando tem que acontecer.
Com a Ádria foi um processo ligeiramente diferente. Em Teresina ela imaginava que seria mágico voltar à cidade onde nasceu. De alguma forma se conectar com suas raízes seria um momento transcendental.
Porém, a realidade foi um pouco mais dura. Mesmo com essa vontade de conexão às origens, ela estava mesmo ligada à família e aos amigos que ficaram no Piauí. Por conta disso, a decisão de voltar foi certeira e reconfortante.
Como foi sua rotina durante essa mudança? Foi algo totalmente diferente ou você já tinha um planejamento de como seria?
Nossa, foi uma rotina extremamente diferente. Definitivamente, se você quer morar fora, seja em outro estado ou país, você tem que se certificar que consegue se regular emocionalmente sozinha. Digo isso pois, nos momentos que as pessoas que você convive, família e amigos, não estão por perto, sobra você. E você tem que ser o suficiente pra suprir suas necessidades emocionais.
Nas primeiras semanas vem o encantamento, depois vem o choque de realidade, quando a rotina não é mais a mesma que você está acostumada. Longe de casa, do que você acha familiar.
Minha experiência não foi das melhores, muito por falta de estar dentro da minha bolha de amigos e familiares, mas também por não me sentir pertencente, mesmo que tenha sido o local que eu nasci, e eu achei que fosse me conectar magicamente. Eu não sabia como seria.
Eu sabia o horário que trabalharia, tinha aulas online da minha pós- graduação, mas tudo isso só começa a fazer sentido quando você começa a viver de fato. Entrei para a academia, tentei estabelecer a minha rotina e me adaptar à ela da melhor forma neste período de tempo.
Como você tomou a decisão de voltar para Teresina?
Não foi uma decisão rápida, mas era algo que já estava na minha mente nas primeiras semanas em que cheguei. Eu não queria “desistir” tão cedo, mas toda a questão da mudança exigia muito autoconhecimento, que é um processo em que estou inserida há um bom tempo. Por conta desse processo, eu sabia que pra mim a mudança seria difícil, mas não imaginava que seria tão complicada. E também, por me conhecer tão bem, sabia que eu não sairia do processo de adaptação sem uma cicatriz muito forte por forçar a situação. Por já ter passado por isso, eu sabia que em questão de 6 meses eu estaria numa depressão e com a ansiedade muito atacada. Eu conheço meus gatilhos e diariamente estava lidando com eles e contornando da forma que eu conseguia, mas foi difícil.
Outra razão foi a dificuldade no trabalho. Quando você trabalha de uma forma e de repente muda, gera um impacto muito forte na sua produtividade. Muito se fala sobre ser flexível, adaptável, mas a real é que muitas vezes não dá pra gente passar por cima dos nossos princípios enquanto profissional. Eu não me encaixava no local o qual tinha entrado. Meu senso criativo caiu e eu me vi perdida. Esse foi um grande incentivo do questionamento sobre dar um passo para trás e voltar para Teresina.
E como se sentiu ao voltar?
O sentimento foi bom. É a cidade que eu cresci, que eu me tornei quem eu sou, onde tenho parte da família, meus amigos. Voltar pra Teresina, definitivamente não é um problema. Estou muito otimista em voltar com uma nova versão minha que surgiu nos últimos meses. E claro, Teresina não é o meu destino final nessa jornada. Eu acho que ainda tenho sim muito caminho pra percorrer, não sei exatamente onde, e talvez o momento não seja esse, mas vai acontecer.
Como a Ana e a Ádria bem disseram, a mudança pode assustar em algum nível. É doloroso, requer energia e tempo. Por isso a rotina é tão atraente e por vezes reconfortante. Diante de um punhado delas podemos recuar, mas como Ana disse, às vezes acontece quando tem de acontecer.
Com essas estórias, espero que você se sinta menos sozinho nesse mar de dúvidas e mais abraçado por todos nós. Afinal, aos vinte e tantos, estamos apenas no início das delícias e agruras da vida adulta.