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O rosto de quem já viu (e usou) um orelhão
from 21 ☆ quinta edição
Tem uma foto minha de quando eu tinha uns 3 anos, acho, em que estou segurando uma máquina fotográfica analógica. Minha mãe me diz que essa máquina foi um presente que meu pai lhe deu no Dia dos Namorados. Essa foto foi revelada na época em que álbuns eram itens essenciais em uma casa, mas eu só fui aprender a usar uma câmera analógica quando entrei na universidade e fiz uma disciplina de Fotografia.
Eu me pergunto se mesmo não tendo crescido com câmeras de filme ainda possuo o rosto de alguém que está familiarizado com essa tecnologia. Será que me pareço com alguém que esperava bastante tempo para revelar as fotos e ver se alguma realmente prestou? Ou será que quando olham para mim já percebem que estou acostumada com tecnologias digitais?
Esse questionamento não veio aleatoriamente, na verdade, eu só pensei sobre isso por conta de um artigo que analisa porque algumas pessoas tem rosto de quem já viu um smartphone.
O texto publicado pela revista Dazed coloca em questão o elenco da série “Daisy Jones and The Six” e as aparências modernas que não convencem o público de que a série se passa nos anos 70, e mesmo sem assistir eu também concordo. Todos eles passam um ar de que já estão acostumados com seus Iphones e contas no Instagram. E, mesmo com toda a ambientação, os anos 70 passam longe.
Pesquisadores e especialistas dizem no artigo que, na verdade, os rostos não mudaram tanto de lá pra cá e sim que, mudanças culturais, padrões de beleza e procedimentos estéticos são responsáveis por tornar o rosto mais moderno. Soa meio óbvio se você pensar um pouco: mesmo nos anos 70, os rostos já não eram mais os mesmos dos anos 50, conforme as tendências vão mudando e, principalmente, com as condições de vida, nossos rostos são modelados diferentemente.
Aspectos como sardas, pintas, dentes mais amarelados e até cicatrizes vão se modificando durante o tempo. Como a marca da vacina BCG que era bastante evidente uns 30 anos atrás e hoje já quase não se percebe. Cicatrizes de catapora que costumavam ser comuns, hoje são difíceis de notar. Exceto em mim, que por alguma razão ainda tenho várias marcas da catapora
Algumas dessas coisas realmente ficaram no passado, mas outras são facilmente encontradas em qualquer interior pelo Brasil. Quer ver um rosto descostumando com celulares e computadores? Uma viagem rápida para uma cidade pequena ou vila do seu município é o bastante.
E não estou falando de rostos envelhecidos e enrugados, mas de faces que ainda tem muito para viver e que muito se assemelham aos rostos passados.
Mesmo com um celular em casa, no começo dos anos 2000, lembro que eu e minha mãe usávamos muito o orelhão que ficava na avenida perto de casa. Na época minha avó ainda não tinha um celular, e o método mais fácil de falar com ela era pelo orelhão. Minha mãe avisava para ela que horas iria ligar por meio de outras pessoas ou nas próprias ligações que fazia e minha avó ia até o orelhão no horário marcado.
Hoje, já acostumada com uma comunicação mais rápida e que não precisa de cartões ou fichas para funcionar, eu penso no quanto essas ligações eram mais valorizadas. Apesar das dificuldades enfrentadas naquele tempo, há uma nostalgia reconfortante em relação aos orelhões e o que eles significavam para mim e para muita gente. Pouco tempo depois os orelhões caíram em desuso e sinto que uma parte da minha vida foi esquecida. Vivendo numa época em que essa parte da história já não é comum para muita gente, eu sinto um certo orgulho de saber que mesmo que não pareça, esse é um rosto de quem já usou um orelhão.