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WislawaSzymborska

Osdeusesse compadeceram dosamantes deWislawa Szymborska

por Luiz Antônio Gusmão

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Há muito tempo leio Wislawa Szymborska. Desde 2001, pelo menos, quando adquiri um volume de "História da literatura polonesa " , de Henrik Siewierski, publicado pela Editora da UnB. Espremida em míseras cinco páginas entre os conterrâneos Czeslaw Milosz e Stanislaw Lem, Vissuava (como carinhosamente gosto de escrever seu nome) figura ali apenas com o poema "Possibilidades " (na tradução de Aleksandar Jovanovic e o próprio Siewierski), em que se auto-retrata por meio de uma lista de preferências pessoais reveladoras da sua simplicidade e inteligência irônica. Era apenas um poema, mas foi o suficiente para grudar na minha cabeça aquela palavra-refrão de uma audácia bartlebiana - "Prefiro " - a encabeçar 31 de seus 39 versos. Num sistema político autoritário como o soviético que subjugava o povo polonês, expor-se como um indivíduo com todas as suas idiossincrasias era passar na cara que a liberdade era possível. Por muito tempo só pude conhecer sua obra pelo que conseguia minerar na internet de conexão discada. O Google ajudou a descobrir muita coisa sobre ela em outros idiomas. Uma boa antologia só veio mesmo em 2011, com a tradução direta de 43 poemas por Regina Przybycien. Trazendo textos escolhidos de oito dos seus 12 livros publicados, o "Poemas " trouxe gemas preciosas como "Museu " , "Conversa com a pedra " , "A vida na hora " , "Utopia " , "Ocaso do século " , "Fim e começo " e, novamente, "Possibilidades " . Foi como chuva que fez aflorar um oásis no chão do deserto. Em 2012, um ano depois da morte da poeta, aos 88 anos, a editora Companhia das Letras publicou uma segunda e mais volumosa antologia com 85 poemas de todos os livros de Vissuava, vertidos pela mão da mesma tradutora. Aqui podemos ter momentos de catarse pela ironia da voz invejosa a contempla o casal que mostra ser possível (de novo essa palavra) viver "Um amor feliz " . Encontramos o espanto com a possibilidade (de novo) de viver um dia sem espanto, em "Desatenção " . E tornamos a

encontrá-lo na consciência do pequeno assombro de um "Instante " ou do espaço que ocupamos com nossos corpos "Aqui" , nesta terra onde nada perdura. Estava satisfeito, não podia pedir mais de nosso mercado editorial. Mas os deuses que tanto aprontam conosco neste 2020, annus horribilisimus em escala planetária - os deuses por um momento se compadeceram dos amantes de Vissuava. Por estes dias, chegaram dois volumes para rechear minha pequena e preciosa coleção de Vissuavas: a terceira e volumosa antologia "Para meu coração num domingo " , que nos apresenta a mais 84 poemas traduzidos por Przybycien em parceria com Gabriel Borowski; e a biografia da poeta, "Quinquilharias e recordações " , escrita por Anna Bikont e Joanna Szczesna, duas jornalistas, e traduzida por Eneida Favre, que a editora Âyiné publica na coleção "Das Andere " . Ainda não os li todos, mas compartilho essa pequena porém imensa alegria que é ler em português Vissuava, essa poeta do espanto, agnóstica, aberta e confortável com o mistério do que não se dá a conhecer. Gente, leiam Wislawa.

Luiz Antônio Gusmão |Kuzman| nasceu no Recife e vive em Samambaia/DF. É doutor em Relações Internacionais (UnB, 2015) e mestre em Ciência Política (Iuperj, 2009). Publicou o livro _ azul-planalto: haicais candangos _ (Amazon-Kindle, 2020) e mantém no Instagram o perfil literário @haicaiscandangos.

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