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NESTA EDIÇÃO

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O valor do patrimônio de um povo Vivemos em uma era onde o ser humano, a cada dia, legitima um desenvolvimento que destrói a própria humanidade. Na letra de “Sampa”, Caetano Veloso fala “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Num diálogo indireto, o professor Djacyr de Souza critica a destruição de patrimônios históricos e da natureza, para dar lugar a shopping centers e outras obras que interessam ao grande capital. Ele faz uma alerta sobre a importância do elo entre a conquista da cidadania e o respeito ao patrimônio cultural, partindo do pressuposto que a cultura é a maior herança de uma civilização. Machado de Assis, memória rediviva Passados cem anos de morte do multifacetado escritor brasileiro, considerado o maior expoente de todos os tempos da literatura nacional, o Ministério da Cultura (MinC) denominou 2008 como o “Ano Nacional Machado de Assis”. Este, portanto, “é o momento para se revisitar e iluminar um tesouro e, também, para colocarmos perguntas fundamentais à sociedade brasileira sobre nossa literatura e nossa cultura”, segundo coloca o coordenador-geral de Livro e Leitura do MinC, Jéferson Assumção. Os professores Cid Ottoni e Lino de Albergaria ambos doutores em literatura, fazem uma homenagem a Machado relembrando a época, a escola e a sociedade em que viveu e ressaltam o legado literário de um grande homem. TVs educativas: a que se destinam? Você sabe diferenciar uma TV educativa de uma TV comercial? Nos últimos 40 anos, esse tema foi alvo de polêmicas discussões. A idéia da concessão educativa inicialmente era privilegiar conteúdos voltados à educação, mas não foi isso o que realmente aconteceu, pois essas emissoras começaram a desviar o verdadeiro objetivo e acabaram sendo utilizadas para uso particular de muitos políticos à frente dos governos. O jornalista João Brant, mestre em Regulação e Políticas de Comunicação, descreve a trajetória, do atual cenário e as perspectivas dessa modalidade de concessão pública de TV. O novo contexto da televisão digital, que poderia dar possibilidade, não tem sido muito alentador quanto poderia. Entrevista Uma força-tarefa pela melhoria da educação Nos últimos 30 anos, a saúde da escola pública brasileira tem definhado a passos largos. Enquanto políticos disputam qual tem a melhor idéia para solucionar problemas históricos – estruturais, portanto –, crianças e jovens que dependem dela sofrem as conseqüências. Se não servir para pôr fim a anos de decadência na qualidade da educação básica, pelo menos os dados do Ideb e de outras avaliações têm fornecido um radio-x mais completo da situação. Psicóloga de formação, a secretária de Educação Básica do Ceará, Izolda Cela, não tem negado essa factual realidade e permanece na mesma linha: além do Ideb, a secretaria aplicou um sistema próprio de avaliação. Além disso, tem apostado principalmente no diálogo com o Governo Federal e com os municípios para que sejam superadas dificuldades administrativas que ainda são gargalos para a administração pública no país.

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Transporte escolar rural: diferentes contextos Em 2005 o Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação lançou a tarefa de fazer uma pesquisa sobre a realidade do transporte escolar rural no Brasil ao Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB). O estudo envolveu três temas: serviços, clientelas e recursos, além de entrevistas com estudantes, professores, diretores, gestores e motoristas em diversas localidades do país. Os resultados já colhidos e os próximos passos dessa pesquisa são analisados no artigo da professora Rozangela Gasparini, gerente do projeto Transporte Escolar Ceftru. JULHO / ARural GOSTOdo 2008

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Foto: Banco de Imagens

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CAPA

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Uma agressão à infância que persiste O trabalho infantil é um exemplo de como certos problemas sociais não se erradicam só pela implantação de leis. Várias instituições têm lutado para erradicá-lo, as pesquisas mostram avanços, mas o desafio parmanece: como exigir o direito das crianças sem prejudicar a renda de famílias ou ser impedido pela cultura quase “naturalizada” de que o trabalho é uma alternativa para que as crianças não fiquem pelas ruas? Para problematizar esse tema, na comemoração dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), esta edição da Vida & Educação consulta especialistas, visita projetos, conta histórias e sugere: o remédio certo é a educação.

E AINDA ...

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Editorial Cartas do leitor Notícias da Undime Publicações Um olhar compartilhado Educação em notícia Opinião: Um ano de desafios e conquistas (Justina Iva de Araujo Silva)

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EDITORIAL

É TEMPO DE BOAS NOTÍCIAS Dezoito anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vinte da Constituição Federal. Datas marcantes de importantes instrumentos que colaboraram para transformar, pelo menos parcialmente, a vida de muitas pessoas dessa faixa etária. Sempre referenciadas como o “futuro da nação”, parece ter chegado a hora de colocá-las como sujeitos do presente imediato para que seja possível, por exemplo, o enfrentamento de a chaga social do trabalho infantil, que ainda afeta mais de cinco milhões de crianças e adolescentes, segundo pesquisa do IBGE realizada em 2006. A partir de conteúdo diversificado, o Estatuto é tema nesta edição, com foco na educação básica, refletindo o papel desta para garantir a efetivação dos direitos da infância. Em relação ao acompanhamento da evolução da educação pública, a bússola mais destacada nos últimos anos tem sido o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), cuja edição de 2007 teve os resultados divulgados em junho último pelo MEC. Apesar de ter-se destacado entre os estados nordestino, os números revelaram que o Ceará ainda tem grandes obstáculos a superar. Um deles é o dado assustador de que 47,4% dos estudantes estão abaixo do nível mínimo esperado pelo Ideb, ou seja, não estão alfabetizados. Esses temas são abordados pela secretária Izolda Cela, a entrevistada desta edição. Machado de Assis foi um mestre de escrever a vida de seu tempo e mesmo à frente do que presenciou, é tido como o maior escritor de toda a história da literatura brasileira. Para marcar os cem anos de morte do fundador do Realismo brasileiro, trazemos nesta edição duas análises sob perspectivas distintas, abordando a linguagem marcante e também as alegorias que falam da estrutura da família e a qualidade da escola pública. O Ministério da Cultura batizou 2008 com o nome do escritor para comemorar o centenário, que se passa exatamente no dia 28 de setembro. A Undime-CE e suas congêneres de todos os estados estão ao lado dos professores em sua justa aspiração por melhorias salariais. Recebemos a notícia da recente aprovação da Lei 11.738/08, que estabelece o novo piso salarial, como um ganho importante, que põe a questão em nova perspectiva. Publicada no dia 17 de julho, ela garante aos professores da educação básica da rede pública um piso salarial de R$ 950,00, que deve ser alcançado até 2010. Agora, estados e municípios que hoje pagam menos do que a lei determina vão arcar com dois terços dessa diferença a partir de janeiro de 2009. Daqui a dois anos, quando for feita a integralização do valor, a União deverá repassar o complemento aos gestores que não conseguirem financiar o novo piso com recursos próprios.

José Cavalcante Arnaud Presidente da UNDIME-CE

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Cartas do Leitor Av. Oliveira Paiva, 2621 60.822-131 - Fortaleza (CE) Telefone: +55 (85) 4006.4056 Fax: +55 (85) 4006.4057 undimeceara@undime.org.br www.undime.org.br Presidente: José Cavalcante Arnaud (Trairi) Secretaria de Articulação: Mônica Maria Silva de Sousa ( Solonópole ) Secretário de Coordenação Técnica: José Marcondes M. Landim (Barbalha) Secretária de Comunicação: Maria Vera Vasconcelos (Jijoca de Jericoacoara) Secretária de Assuntos Jurídicos: Maria Isabel Freitas (Aquiraz) Secretária Executiva: Sandra Leite Assessoria de Comunicação: Gustavo Menescal

Diretora: Sandra Lima Röhl Diretor de redação: Peter Röhl (in memorian) Jornalista responsável: Daniel Fonsêca (MTb CE 1690JP) Coordenadora pedagógica: Karla Camila Sousa de Sousa Estagiária de Jornalismo: Mayara Araújo Assessora pedagógica: Maria Luiza Braga Direção de arte e diagramação: Marcelo Della Guardia CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Iorio Dias (UFC), Betânia Leite Ramalho (UFRN), Casemiro de Medeiros Campos (Unifor), Clermont Gauthier (Université Laval, Canadá), Flávio de Araújo Barbosa (Undime-CE), Júlio César Araújo (UFC), Luís Távora Furtado Ribeiro (UFC), Marco Aurélio de Patrício Ribeiro (Iesc), Maria de Jesus Araújo Ribeiro (Mieib), Messias Dieib (UFC e Uern) e Sandra Leite (Undime-CE) COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ângela Linhares, Antônio Neto, Carlos Lupi, Carlos Sousa, Célia Gurgel, Cid Ottoni Bylaardt, Claudiane Florença, Djacyr de Souza, Emanuely de Sousa, Fátima Cândido, Guilherme Canela, Izolda Cela, João Brant, Justina Iva de Araújo Silva, Lino de Albergaria, Pedro Paulo, Pedro Rogério, Raimundo Coelho, Ronaldo Salgado, Rozangela Gasparini, Selma Maria Bernardo, Taís Bleicher e Vera Jacob. ASSINATURA E DISTRIBUIÇÃO Preço de assinatura anual no Brasil: R$ 39,90, para seis edições (bimestrais). Para outros países: R$ 70,00. Edições anteriores: R$ 6,90, mais custo postal. Venda em banca nos estados do Ceará, Piauí e Maranhão. Distribuição direta para colaboradores, governadores, prefeitos, diretores de escolas e assinantes. Tiragem: 5.000 exemplares PUBLICIDADE Gerente: Sandra Lima Röhl Fone: +55 (85) 3214.6971-3081.1607 E-mail: comercial@vidaeducacao.com.br ATENDIMENTO AO ASSINANTE e-mail: comercial@vidaeducacao.com.br telefones: +55 (85) 3214.6971 e 3081.1607 CTP, IMPRESSÃO E ACABAMENTO Pouchain Ramos

Rua Nestor Barbosa, 129 60.455-610 – Fortaleza (CE) Telefone/fax: +55 (85) 3214.6971 Fone: +55 (85) 3081.1607 brasiltropicalfor@terra.com.br Presidente: Sandra Lima Röhl Assessora-adjunta: Ângela David

Entrevista Concordo com o professor Pedro Demo quando ele diz que “a pedagogia esta olhando para o século IXX”. É impressionante como alguns professores, principalmente nas escolas públicas, tendem a não aceitar a era da tecnologia. Excelente, a entrevista. Parabéns! Ana Regina Brasília (DF) Segurança alimentar e nutricional Ótima a abordagem da matéria sobre a segurança alimentar. A fome vem assolando o mundo a passos largos. Além de políticas publicas, precisamos ter consciência da situação. A população precisa parar de desperdiçar comida! Débora Coutinho Fortaleza (CE) Novos hábitos, novo mundo Correta a professora Eloiza Schumacher em sua abordagem sobre o meio ambiente. Precisa-se entender que apenas reciclar, economizar água, energia, não jogar papel no chão e propostas pedagógicas não são suficientes para que consigamos amenizar os danos causados ao meio ambiente. É urgente uma mudança de postura da humanidade diante do consumo desenfreado. As seqüelas serão irreversíveis. Maria de Lourdes Fortaleza (CE)

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Idéia Criativa Design e Propaganda. marcelo@dellaguardia.com.br

A revista Vida e Educação é uma publicação bimestral da Undime-CE elaborada pela Editora Brasil Tropical Ltda., que mantém todos os direitos reservados. As matérias divulgadas neste veículo não expressam necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito de adequar os artigos. ISSN 1806-0145

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Cartas ou críticas e-mail: redacao@vidaeducacao.com.br Rua Nestor Barbosa, 129 - Parquelândia CEP: 60455.610 - Fortaleza (CE)

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NOTÍCIAS DA UNDIME

Bolsa Família: mais de 170 mil crianças com baixa freqüência escolar

O Ministério da Educação (MEC) divulgou um relatório que revela as principais causas que levaram os alunos beneficiados pelo Bolsa Família a faltar a escola no bimestre fevereiro/ março deste ano de 2008. Entre os motivos, estão: doenças dos alunos, negligência dos pais, gravidez precoce, mendicância, trabalho infantil e violência doméstica. São 172.452 crianças e adolescentes com baixa freqüência escolar neste período. O governo federal vem monitorando a freqüência escolar das crianças e adolescentes beneficiados desde 2005. Em 2007, o Ministério adicionou um controle cujos resultados ainda são inéditos: toda vez que um estudante cadastrado no programa registra presença inferior a 85%, a escola tem que apontar o motivo dessa falta. Nesse último relatório, mais da metade desses registros é classificada como “sem motivo identificado”. Desde 2007, o MEC realiza o Projeto Presença, um sistema online que monitora os motivos da ausência do estudante e é usado por mais de 12 mil pessoas credenciadas para ope-

rar o sistema de envio de dados pela Internet. Agora, o desafio é garantir que os dados, com a lista nominal dos alunos vítimas de diversas violações de direitos, não se transforme apenas em estatística. De acordo com a LDB, o controle da freqüência escolar é responsabilidade da escola. (Com informações da Adital e da Agência Andi).

Pesquisa avalia impactos do acesso à segurança alimentar

O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) entrevistou cinco mil titulares do Bolsa Família e constatou: nos lares atendidos pelo programa de transferência de renda, o recurso é utilizado, principalmente, na compra de alimentos. De acordo com a pesquisa, para 87% das famílias, o gasto com a alimentação é o principal destino dos recursos do programa. Em seguida, o dinheiro, segundo os beneficiários, é utilizado na compra de material escolar (46%), vestuário (37%) e remédios (22%). A pesquisa “Repercussão do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiárias” foi aplicada nos meses

Patrus Ananias: projeto não gera acomodação

de setembro e outubro de 2007 em 229 municípios de todas as regiões brasileiras. O levantamento, divulgado mostrou que 94% dos titulares do cartão são mulheres, 78% vivem na área urbana, 65% são pretos ou pardos e 81% sabem ler e escrever. Em 46% dos domicílios a renda mensal total é inferior a um salário mínimo. Segundo estatísticas do Ministério do Desenvolvimento Social, cerca de 60 mil famílias pediram voluntariamente seu desligamento. “Isso mostra que as pessoas pobres não estão se acomodando”, diz o ministro Patrus Ananias. Em julho, o Governo Federal reajustou em 8% sobre o total pago aos benefícios do programa Bolsa Família. O valor médio do Bolsa Família, com o aumento anunciado, passa dos atuais R$ 78,70 para R$ 85,00. Já o valor mínimo passa de R$ 18,00 para R$ 20,00.

Secretarias têm dúvidas sobre lei que define piso salarial dos professores

O ministro da Educação, Fernando Haddad, vai levar à Advocacia Geral da União (AGU) as propostas de estados e municípios que flexibilizam a interpretação de “atividade extraclasse” da lei que regulamenta o piso salarial dos professores. Um dos parágrafos da lei estabelece que o docente tem de dedicar no máximo dois terços de sua jornada de trabalho às “atividades de interação com os educandos”, ou seja, à sala de aula. O restante da carga horária serviria para estudar, preparar aulas e corrigir provas. Alguns secretários de educação se têm oposto à lei afirmando que ela trará aumento nas despesas orçamentárias com a necessidade de contratação de mais de 100 mil professores, ocasionando um impacto de R$ 5,9 bilhões em dez estados. A Undime considera que este é um bom momento para o diálogo e a regulamentação de uma posição equilibrada.

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Nova lei estende punição por crimes de responsabilidade

No final de agosto, a Câmara aprovou o Projeto de Lei 931/07, que permite a punição de secretários municipais por crime de responsabilidade. Os parlamentares acolheram emenda de Plenário que inclui procuradores e corregedores responsáveis pelos pareceres que eventualmente subsidiam esses secretários na lista de pessoas que podem responder pelo crime. A matéria segue agora para o Senado. O projeto, apresentado pelo deputado Mauro Nazif (PSB-RO), permite a punição de secretários municipais a exemplo do que já ocorre com prefeitos. Ele lembrou que muitas vezes os prefeitos praticam atos de gestão financeira e orçamentária orientados pelos secretários e são obrigados, “por omissão da lei”, a responder pela falha de outras pessoas. A punição está prevista no caso de o secretário ordenar ou praticar o crime, ainda que por ordem do prefeito. O projeto modifica o Decreto-Lei 201/67, que define 23 hipóteses de crime de responsabilidade para titulares do Executivo municipal – entre elas, condutas em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Independentemente de outras penas, os administradores estão sujeitos à perda de mandato, podendo ser impedidos por cinco anos de exercer cargo ou função pública. Entre os crimes, estão o desvio de recursos, a corrupção, a falsificação de documentos e a nãoprestação de contas.

Educação pode ser beneficiada por royalties da exploração de petróleo

O governo federal deverá incluir o Ministério da Educação entre os órgãos da União beneficiados pelos royalties do petróleo. A criação de um novo fundo para investimento em educação faz parte da estratégia

do Planalto para ganhar apoio social à nova campanha “O Petróleo é Nosso”, que prevê ampliação da tributação e mudanças no marco regulatório do setor. Segundo fontes do governo, a decisão do presidente Lula de lançar a campanha em ato da União Nacional dos Estudantes (UNE), terça-feira, se deve não apenas à histórica participação do movimento estudantil na criação da Petrobras, mas também à idéia de usar a riqueza do pré-sal na área educacional. De acordo com o ministro da Educação, Fernando Haddad, a constituição de um fundo com royalties é uma das fórmulas sugeridas pelo MEC para financiar o setor. “Temos de caminhar ainda mais no financiamento da educação e já conversei com o presidente sobre a hipótese dos royalties. Agora, precisamos aguardar as conclusões do grupo de trabalho”, afirmou o ministro. (Com informações da Agência Estado)

União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) SCS – Q. 6 – Ed. Carioca – salas 611 e 613 CEP: 70.306-900 – Brasília (DF) Telefone: +55 (61) 3037-7888 – Fax: 3039-6030 undimenacional@undime.org.br www.undime.org.br Secretária executiva Vivian Ka Fuhr Melcop Secretária administrativa Luciane Guimarães de Oliveira Assessora Administrativa Celza Chaves, Fátima Soares Assistente administrativo José Nilson de Melo Assessores de Comunicação Social David Telles Nana Cunha DIRETORIA EXECUTIVA Presidente nacional Justina Iva de Araújo Silva Vice-presidente Suely Duque Rodarte Secretária de articulação Carlos Eduardo Sanches

Fórum planeja políticas de Incentivo ao livro e à leitura

De 15 a 17 de agosto, aconteceu, em São Paulo, o II Fórum do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), que reuniu cerca de 500 profissionais e interessados na promoção e incentivo à leitura, na valorização das bibliotecas e na disseminação da informação. Além de uma retrospectiva de dois anos do PNLL, analisando avanços e dificuldades encontradas, foram apresentadas e discutidas as experiências de promoção e incentivo à leitura nas diversas regiões do Brasil e em outros países, como França, Chile e Colômbia. Conjuntamente, foi realizado o I Seminário Internacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias, idealizado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Os dois eventos trabalharam o conceito de Biblioteca Viva, que entende a biblioteca como espaço vivo e multidimensional, criado no âmbito do Programa Mais Cultura do governo federal e que agora é incorporado pelos estados brasileiros.

Secretário de coordenação técnica Maria de Nazaré Salles Sucupira Monteiro Secretário de comunicação Maria Cecília Amendola da Motta Secretário de finanças Flávio Romero Guimarães Secretário de assuntos jurídicos Jardeni de Azevedo Francisco Jadel Presidente região Centro-Oeste Lúcia Schuster Presidente região Nordeste Maria Luiza Martins Aléssio Presidente região Norte: Moacir Fecury Ferreira da Silva Presidenta região Sudeste: José Aparecido Duran Neto Presidente região Sul: Magela Lingner Formiga CONSELHO FISCAL Solimara Lígia Moura Márcia Regina Eggerd Soares Wanessa Zavarese Sechim

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CULTURA

Patrimônio uma conquista cidadã Banco de Imagens

Djacyr de Souza*

Patrimônio cultural: preservação é responsabilidade de todos

Imaterial é tudo aquilo que transcende o aspecto físico (objetivo, alcançável) de determinados elementos. Hoje, o patrimônio cultural é uma referência que se tem apresentado de forma tão substancial e inescapável que mesmo aquelas demonstrações artístico-culturais denominadas “imateriais” vêm tendo especial atenção de professores, pesquisadores e de boa parte dos artistas. Aliás, esta história, marcadamente baseada na oralidade popular, tem importância, se não maior, mas equânime àquela imbricada no concreto, cerâmica e pinturas de prédios a nas construções paradisíacas da natureza. O que dizer, então, do patrimônio com o qual lidamos todos os dias? A relação entre educação e a memória cultural dos povos é o mote para um debate sobre a construção de uma cidadania ativa

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Patrimônio (pa.tri.mô.nio). s.m. 1. fazenda herdada dos ascendentes. 2. bem ou título herdado. 3. bens próprios da humanidade; 4. categoria dada aos conjuntos tanto naturais como culturais com valor universal excepcional do ponto de vista histórico, artístico, científico, estético, etnológico ou antropológico que fazem parte da lista do patrimônio da humanidade. Essa lista é determinada pela Convenção para a Proteção ao Patrimônio da Humanidade Natural e Cultural, órgão criado em 1872, mas que começou a funcionar em 1975 sob os auspícios da Unesco. Sua missão consiste em salvaguardar os patrimônios naturais e culturais do mundo ameaçados de destruição não só pelas causas naturais de deterioração, mas também pelas mudanças socioeconômicas que aceleram e modificam sensivelmente esse processo. Existem cerca de 500 bens considerados patrimônios da humanidade dispersos pelo mundo inteiro (Dicionário Enciclopédico Ilustrado). Podemos dizer que o patrimônio é um bem pertencente a alguém e que, como bem público, precisa de todos para sua valorização, preservação e respeito. É importante que cultivemos um processo de entendimento da importância dos bens patrimoniais que nos cercam e que fazem parte de nosso cotidiano. O patrimônio pode ser caracterizado de várias formas (confira o box). O momento atual é marcado pelo avanço tecnológico, científico e que promove cada vez mais a importância da sociedade informática e da cibernética, porém não podemos esquecer-nos de valorizar nossos bens patrimoniais e de desenvolver sempre uma prática de reconhecer sua importância na concretização de um mundo que tenha espaço para a valorização dos elementos de nosso patrimônio que, certamente, fazem parte de nossa vida. O patrimônio público deve ser respeitado e valorizado. Não podemos concordar com ações que lembrem a selvageria no momento em que se vêem prédios públicos pichados, monumentos vilipendiados, praças depredadas, e muitos

*Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), com especialização em Geografia e mestrado em Educação Ambiental pela pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é professor de Geografia na Faculdade integrada do Ceará (FIC).

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bens públicos e de valor histórico e cultural abandonados. Todo esse repertório acaba ficando à mercê da falta de políticas públicas de conservação. Não podemos aceitar a continuidade das ações de vandalismo de forma crescente, provocando o apagar das marcas deixadas por aqueles que nos antecederam na construção dos conhecimentos, da história e da dinâmica social. É preciso desenvolver uma prática constante de valorização do patrimônio, pois somente uma sociedade que defende seus bens patrimoniais pode ter garantidos o crescimento, o desenvolvimento e o engrandecimento, a partir da geração de um conhecimento em que estejam presentes esses ideais. Os ambientes naturais, as marcas da arquitetura de nosso povo e os legados culturais gerados em meio às relações entre os cidadãos fazem parte de uma construção que deve ser baseada na educação coletiva em busca da preservação, da conservação e da valorização dos bens patrimoniais. É importante que tenhamos sempre uma atitude coletiva que busque o respeito aos bens patrimoniais e ao homem.

vamente buscamos uma sociedade justa e um mundo melhor para todos. A cidadania é uma questão permanente e faz parte do conjunto de lutas empreendido pela sociedade e pelos que acreditam na justiça e na valorização do indivíduo individual e coletivamente. Precisamos desenvolver plenamente a capacidade de atuação política para que todos saibam dos seus direitos e deveres e tenham como ponto primordial da luta o alcance de novos rumos para uma vida pautada nos ideários de cidadania ativa e que construa um mundo melhor. É importante fazer sempre um elo entre o processo de conquista de cidadania e o respeito ao patrimônio, pois devemos cultivar uma nova forma de encarar os bens que nos cercam numa vivência ativa que esteja sempre aliada a uma consciência plena a serviço dos verdadeiros interesses populares. Precisamos nos dar conta de que somente uma sociedade que valoriza seus bens patrimoniais pode crescer e fazer parte de uma nova forma de ver o mundo na certeza da concretização da justiça e no fortalecimento de ideais de luta por uma vida melhor.

CIDADANIA E RESPEITO AO PATRIMÔNIO

Bibliografia

A cidadania é uma conquista que deve ser pautada na valorização do pensamento de justiça que deve povoar as ações populares e deve ser pauta obrigatória nas diversas relações políticas, econômicas e culturais do cotidiano histórico dos seres humanos. O processo de cidadania é possível a partir da conquista dos direitos civis, políticos e sociais. A cidadania é construída coletivamente e não se devem esquecer os momentos de organização popular e dos processos gerados na conquista e na garra dos que lutam. O processo de educação em relação aos bens patrimoniais se dá numa luta que procure buscar a valorização dos bens históricos, da cultura popular e do respeito ao meio ambiente, aspectos componentes do nosso cotidiano. A cidadania em relação aos bens patrimoniais só tem valor no momento em que coleti-

CAMARGO, Haroldo Leitão. Patrimônio Histórico e Cultural. São Paulo: Aleph, 2002. (Coleção ABC do Turismo). CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva – artigo a artigo. Petrópolis: Vozes, 1998. DICIONÁRIO enciclopédico ilustrado. Rio de Janeiro: Visor Brasil, 2005. INSTITUTO do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cartas Patrimoniais, 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. PEREIRA, Antônio Batista. Aprendendo Ecologia através da Educação Ambiental. Porto Alegre: Sagra, 1993. RIBEIRO, Darcy, O Povo Brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. SOUZA, Djacyr de. Preservação do Ambiente: uma ação de Cidadania, Fortaleza: Brasil Tropi-

PATRIMÔNIO HISTÓRICO É gerado em meio às relações políticas, econômicas, sociais e culturais estabelecidas pelos homens em sociedade e com a natureza. Fazem parte dessa categoria bens materializados de forma diversa, como os elementos arquitetônicos que resultam da criação histórica dos homens na sua vivência social e em meio às diversas relações. PATRIMÔNIO CULTURAL Surge no processo de busca da natureza pelos homens no momento em que visam garantir suas necessidades materiais e espirituais. Esse elemento é composto de instrumentos gerados pelo homem como vestimentas, utensílios, ornamentos, imagens religiosas, ídolos e outros. PATRIMÔNIO NATURAL É formado pelo conjunto de relações promovidas pelos elementos e seres vivos da natureza que têm uma dinâmica própria e que têm um inter-relacionamento que se caracteriza pelo equilíbrio. Nesse grupo podemos identificar as espécies da vegetação natural, os vários tipos de animais, os diferentes solos, rochas , minerais e manifestações climáticas. PATRIMÕNIO IMATERIAL É constituído dos saberes, das celebrações, das formas de expressão e dos lugares que fazem parte do cotidiano das pessoas e do processo gerado pelas relações entre os indivíduos no dia-a-dia produtivo.

cal, 2003.

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LITERATURA

Machado de Assis UM GÊNIO QUE ESCREVEU A VIDA

A revista Vida e Educação homenageia, em sua 20ª edição, este

célebre

escritor

carioca,

presenteando nossos leitores com um Machado neto de escravo, vendedor de doces, gago e, ainda sim, (por que não) gênio. Mal foi à escola, mas quis tê-la em seus escritos. Marginalizado, narrou a sociedade de seu tempo. Machado de Assis é superação pelas palavras, um refém e senhor delas, e você o vislumbra agora, na

escrita

de

Lino

de

Albergaria e Cid Ottoni Bylaardt.

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omancista, cronista, contista, poeta, dramaturgo, tradutor. Na literatura, um artista praticamente completo, tendo atuado, também, como crítico. Machado de Assis é uma das poucas personalidades históricas a que se pode referenciar como uma personagem “hors concours”, contra a qual não se contabilizam grandes senões, defecções ou lacunas. Nas inúmeras bibliografias, o que há é a reincidência quase uníssona da singularidade contrastante do perfil político e, sobretudo, social de um escritor clássico cuja origem, se avaliada fosse com certo descuido, já o condenaria ao limbo, à marginalidade dos círculos fechados de uma burguesia ainda agrária. Filho de um mulato descendente de escravos, que era pintor de parede, com uma portuguesa, era gago, epilético e, ainda bastante jovem, ficou órfão de mãe e, pouco tempo depois, perdeu a irmã caçula. Depois da morte do pai, a madrasta consegue emprego como doceira de um colégio, e Machadinho, como fora conhecido, torna-se vendedor de doces. Não teve acesso à escola regular, mas se especula que tenha freqüentado algumas aulas enquanto trabalhava. Embora tenha contado com a ajuda de algumas pessoas, foi como autodidata que aprendeu francês, inicialmente, e, depois, inglês e alemão, tornando-se tradutor de autores já consagrados como Victor Hugo e Edgar Allan Poe. Machado de Assis (1839-1908) viveu num Brasil praticamente medieval, semi-independente, escravocrata e sob a égide de um reinado, quando praticamente todo o resto do mundo já havia abandonado o regime despótico. Aquele período foi intensamente marcado pela efervescência política, na transição da monarquia para a república, e também pela forte influência cultural, no auge da chamada “Belle Époque” francesa, que foi referência para a arquitetura, pintura e outras artes. Nesse contexto, ainda adolescente, começa a trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial, que era dirigida por Manuel Antônio de Almeida, autor do conhecido “Memórias de um Sargento de Milícias”. Com muitos contratempos de todos os aspectos, mas também alicerçado em referências e numa época promissora para a literatura brasileira, estréia, com apenas 15 anos, publicando um poema na revista Marmota Fluminense. Depois, de 1864 a 1878, o escritor tem a primeira fase de sua carreira marcada pelo Romantismo, que era caracterizado por dramas, desejos e amores trágicos. Em 1881, com a publicação do clássico “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, abandona essa perspectiva de forma determinante e inaugura o Realismo brasileiro. No entanto, vários críticos afirmam que essa obra ultrapassa o engessamento de qualquer escola literária. Machado, no entanto, não tem como única característica a literatura e inverte valores políticos, sociais e morais de sua época, dissolve dogmas simplesmente quando um mulato descendente de escravos torna-se fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), no esmorecer do século XIX. Em artigos inovadores, apresentam-se novos Machados: um fala de escola, família e gênero a partir de contos e outras obras numa sociedade caracterizada por um quase totalitarismo masculino - a figura do pai e a construção do caráter humano são elementos recorrentes nas obras machadianas; o outro revoluciona a linguagem e funda um novo estilo que desnuda o falso moralismo da sociedade que, embora se declarasse soberana, republicana e abolicionista, travestia valores pouco nobres, como o interesse nos “dotes familiares”, para demonstrar a verdadeira classe da elite hegemônica na virada para o século XX, do qual Machado pouco pôde conhecer.

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LITERATURA

O refém das palavras Uma análise para além dos óbvios olhares que já foram lançados pela crítica literária sobre o mais importante romancista brasileiro. O ensaísta trespassa a verve ululante dos pesquisadores que abordam Machado de Assis nas perspectivas da História e da Sociologia e explora os meandros da linguagem machadiana. E foi exatamente esta que fez com que seus textos trouxessem uma verdade que, segundo o colaborador, “não pode ser verificada no espaço da sociedade” Cid Ottoni Bylaardt*

Joaquim Maria Machado de Assis tinha tudo para dar errado na sociedade carioca elitista e segregacionista do século XIX: mulato, pobre, epilético, gago, desprovido de educação formal... Mas, nesse projeto de erro havia um gênio, que mesmo aquele mundo de discriminação haveria de reconhecer. Nascido no Rio de Janeiro, em 1839, de mãe portuguesa e pai brasileiro afrodescendente, enfrentou dificuldades para se afirmar como escritor. Ao morrer, em 1908, Machado já se encontrava no auge de sua fama e reconhecimento pela sociedade. Os críticos se dividem na apreciação de Machado. Uns classificam-no como anti-realista convicto, negando a existência de um mundo objetivo significativo em sua obra. Críticos realistas preferem ver a obra de Machado como uma transcrição da realidade brasileira – ou uma “transcriação”. Críticos historicistas afirmam que a prosa machadiana expõe as disfunções políticas e econômicas do Brasil do Segundo Império. Outros assinalam que as inovações extraordinárias de Machado na prosa narrativa devem-se a sua necessidade de expor as hipocrisias e as contradições do Brasil do século XIX, invertendo as convenções narrativas e intelectuais de seu tempo para revelar os fins espúrios para os quais elas são usadas. Paradoxalmente, Machado já foi taxado de omisso em relação à abolição e de ser alienado dos problemas sociais, ao eleger a classe dominante como protagonista de suas narrativas. Parece que a sutileza da escrita machadiana escapou a muita gente, e enquanto se procura explicar o escritor pelo viés político, sociológico, antropológico, psicanalítico etc., esquece-se, muitas vezes, a grande estrela machadiana – a escrita. Seu maior mérito não é simplesmente ter subvertido a norma escritural vigente, mas tê-lo feito com a genialidade que lhe é peculiar. Essa genialidade se fez presente em diversos gêneros – poesia lírica, drama, conto, crônica, romance – mas é certamente essa última espécie a que melhor expõe a evolução de seu talento. Machado consolidou sua reputação de escritor já em seus quatro primeiros romances, comumente chamados românticos. São eles: “Ressurreição” (1872), “A mão e a luva” (1874), “Helena” (1876) e “Iaiá Garcia” (1878).

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*Cid Ottoni Bylaardt, bacharel em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem doutorado em Estudos Literários pela mesma universidade (2006). Atualmente, é professor adjunto de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC), com projeto de pesquisa sobre a dispersão da história nas literaturas brasileira e portuguesa

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Em 1881, o escritor assombra o mundo das letras com seu surpreendente “Memórias póstumas de Brás Cubas”, atentando contra o pacto ficcional ao conceder a um defunto a voz do relato, inaugurando na literatura brasileira o advento do narrador hesitante, o locutor em primeira pessoa que não assume sua condição de condutor seguro. Brás Cubas é esse narrador, e sua morte é o supremo instante em que ele se torna liberto da ordem do tempo. A narrativa começa com o fim que, somente ele, permite que o escritor transforme o mundo da escrita no mais terrível e mais belo dos mundos. Em 1891, surge “Quincas Borba”, e a escrita dissimulada de Machado presenteia nossa perplexidade com uma explicação irônica do sucesso do personagem Rubião, herdeiro de um louco que também se torna louco, para enlouquecer o discurso científico que pretendia conduzir o mundo com rédeas firmes. “Humanitas” precisa comer, e, para que o equilíbrio se mantenha, justifica-se a violência, a mentira, a guerra, a mistificação. “Dom Casmurro” foi publicado em 1900, e aqui novamente se mostra o confuso narrador de primeira pessoa. O maniqueísmo romântico decadente buscava sempre um culpado para uma justa expiação. O determinismo realista-naturalista emergente estava sempre a buscar causas sociais, hereditárias ou históricas que fundamentassem cientificamente o comportamento humano. Eis que surge Machado e retira as certezas das narrativas, pasmando os leitores com possibilidades que não se resolvem. Outra obra soberba do genial escritor é “Esaú e Jacó”, publicado em 1904. Machado recolhe aqui toda uma coleção de discursos da história, do mito, da lenda e da literatura para compor sua escrita. Ele não pule seus achados; ele os conserva no estado bruto a que a “civilidade” do mundo os condena: a insipidez, o narcisismo, a hipocrisia. Afinal, essa matéria serve para escrever livros, como afirma o locutor no capítulo XXXVI, a respeito da discórdia, que propiciou a criação dos “grandes livros épicos e trágicos”. O autor então se submete a toda essa mentira, a toda essa loucura, que parece organizar-se dentro de uma certa lógica literária, mas que espelha exatamente a desordem do mundo, a relação ambígua com o leitor, os múltiplos textos cuja verdade não pode ser verificada no espaço da sociedade. Trata-se de escrever bem o medíocre, escrever bem a respeito de nada. Seu último livro, publicado no ano de sua morte (1908), é “Memorial de Aires”. O romance derradeiro pressupõe uma nova concepção de escrita literária em direção à rarefação, ao inacabamento, ao mesmo tempo em que a veia irônica do escritor se aplaca, dando lugar a uma compreensão mais serena da vida e da velhice, e a uma concepção de escrita menos comprometida ainda com modelos e convenções. É a linguagem fora do poder, que não funda nem alimenta certezas, construída em suas ambigüidades, em sua incompletude. O texto não tem planos para o futuro, não é fruto de um projeto. Dessa forma o personagem-escritura de “Memorial de Aires” percorre seu território infinito, carente de limitações que estabeleçam uma ordem. Assim como em “Memorial de Aires”, as vozes que falam nos romances de Machado de Assis, desde “Memórias póstumas de Brás Cubas”, abandonam sua posição clássica de potência para assumir a desordem do relato. Os parâmetros reguladores das convenções tradicionais evadem-se, forçando o escritor a romper com as regras do edifício mimético, assumindo as paixões e erros de seus personagens, deixando falar, aqui de forma feroz e sarcástica, ali de uma maneira terna e compreensiva, toda a tolice do sempre já dito do mundo, sem grandeza, sem notáveis encenações. Esse é o Machado eterno, que se recusa a narrar obviedades, a contar histórias armadas sem uma lógica linear, que continua a fascinar seus leitores perplexos através dos tempos com os sortilégios de sua escrita instigante.

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LITERATURA

A época, a escola e os pais A escola é uma das poucas instituições em que, passados mais de dois séculos, pode-se entrar sem que exista a possibilidade de que um contraste abrupto espante o mais atento visitante. Isso porque ainda é regra a manutenção de metodologias e técnicas pedagógicas que não transpõem a conservadora fórmula de “transmissão” de conteúdos, estes igualmente pétreos, se for levada em conta a dinâmica do mundo atual. Num conto e em alguns de seus romances, Machado de Assis fala das características da escola de seu tempo, contemplando principalmente a relação entre a composição familiar e a qualidade da educação pública Lino de Albergaria*

“A escola era na rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia – uma segunda-feira, do mês de maio – deixei-me estar alguns instantes na rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o campo de Sant’Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos (...). De repente disse comigo que o melhor era a escola.” (ASSIS, Machado de. Conto de escola. In: Várias histórias. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, p. 161). Na abertura de “Conto de escola”, o narrador, retroativamente, nos dá um panorama da vida carioca no emblemático ano de 1840, o da maioridade de Pedro II, ressaltando hábitos ainda rurais. Note-se que no momento do qual fala o narrador o Campo de Santana já era um parque, com seu uso relacionado à palavra inglesa gentleman, fruto, portanto, do esforço civilizatório do Rio de Janeiro, sede do império. Cidadão carioca, Machado viveu sob o império a maior parte de sua vida, tendo presenciado sua derrocada e o início da república, fato registrado no romance Esaú e Jacó: Quando Aires saiu do Passeio Público, suspeitava alguma cousa, e seguiu até o largo da Carioca. [...]. Na rua do Ouvidor, soube que os militares tinham feito uma revolução [...]. Voltou ao largo, onde três tílburis o disputaram [...]. Não perguntou nada ao cocheiro; este é que lhe disse tudo e o resto [...]. O imperador, capturado em Petrópolis, vinha descendo a serra. (ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, p.180). Signos imperiais insinuam-se no texto: os tílburis(1) no largo da Carioca e o Passeio Público mostram a cidade com seus pontos de referência e os hábitos em voga, ao mesmo tempo em que Petrópolis se impõe como o local de veraneio dos ricos. Os militares, fundamentais para a instalação da república, surgem como novos personagens da história do país.

* Lino de Albergaria é mestre em editoração pela Universidade de Paris e doutor em literatura pela PUC-MG. Autor de extensa obra, sobretudo para o público juvenil, é coautor de “Contos e recontos de Machado de Assis” (Editora Salesiana, 2008).

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O Brasil e sua então capital se lêem em toda a obra machadiana, e nossa literatura, desde seu início, documenta o surgimento e o amadurecimento de uma identidade coletiva. Assim, “Conto de escola” revela uma realidade a ser contrastada com a escola, estudante, professor e família atuais. Projeta-se uma imagem paterna forte, que não pode ser dissociada da forma de governo de então: a monarquia e a figura central do rei. Pilar, o narrador que volta à infância, apresenta-nos seu dilema naquela manhã de segunda-feira: ceder aos apelos da rua ou entrar pela porta da escola? Entra, à lembrança da vara de marmelo com que o pai costumava castigá-lo. Nesse dia, iria aprender algo inesquecível sobre o caráter humano. O que se passa na sala de aula expõe mais dois colegas e o mestre-escola, numa época em que os professores primários eram do sexo masculino. As mulheres do império eram predominantemente analfabetas, mas já começava um ensino feminino em colégios onde se aprendia francês, música, bordado e onde também o romantismo iria encontrar seu público leitor, a ser retratado nos perfis de mulher de José de Alencar ou nas leitoras a quem o próprio Machado se dirige nas digressões com que costuma interromper a ação de seus romances. Num ambiente masculino, Pilar tem entre seus colegas Curvelo e Raimundo. Acontece que Raimundo é o filho do mestre, chamado Policarpo, perfeito representante da severidade e do distanciamento dos professores de então, adeptos da pedagogia da palmatória. A jornada escolar termina com os bolos nas mãos do menino que desistiu de matar aula naquela manhã de maio. Raimundo, que não sabia a lição, tentara enganar o pai, pedindo a Pilar que, em troca de uma moeda, a fizesse em seu lugar. Tudo foi observado por Curvelo e relatado a Policarpo. Refletindo sobre o fato, num apelo à memória, Pilar, já maduro, constata ter aprendido de uma só vez os significados, ainda profundamente atuais, da corrupção e da delação. Em artigo para a revista Veja, Gustavo Iochpe focaliza a realidade bem diferente de nossa escola republicana no século XXI. Quando professores pertencem aos dois gêneros, e a escola pública responde pela maioria da freqüência escolar no país, revela-se uma grande ausência dos pais (tão severos e onipresentes no conto de Machado). Os próprios professores os vêem omissos na vida escolar dos filhos, enquanto os genitores consideram muita boa uma escola que, normalmente, vem gerando resultados muito fracos. Comparam a escola que cursaram com aquela de seu filho e percebem: os prédios são mais limpos e bonitos, há merenda de boa qualidade, há transporte escolar, o filho recebe uniforme e livros didáticos e, fundamentalmente, há matrícula garantida. [...] O pai fica contente pelo fato de o filho ter as oportunidades escolares que não teve. Não possui conhecimento suficiente do processo escolar nem teve acesso a fontes de informação mais aprofundadas, que lhe permitam entender que a qualidade do ensino do filho é fraca. (IOCHPE, Gustavo: Veja, 9 de jul. 2008, p.120). Embora com um histórico de oportunidades diferentes, o pai, que freqüentou a escola pública e tem o filho no ensino privado, em geral também não é tão presente quanto aquele cidadão do império, cujo dia-a-dia incluía o uso da vara de marmelo e da palmatória. Hoje, o Brasil republicano registra uma grande mobilidade social que universaliza o ensino, embora se ressentindo de sua baixa qualidade em geral, sobretudo na comparação com outros países, e oferece oportunidades amplamente democráticas para as mulheres. De outro lado, mostra um grande vazio da figura paterna, principalmente diante do número expressivo de chefes de família do gênero feminino. Contrapondo-se ao patriarcalismo imperial, a república vê a presença da mulher compensar a ausência do pai.

(1) Tílburis são carros de dois assentos, sem boléia, geralmente coberto, de duas rodas e puxado por um só animal (MICHAELIS. Disponível em: http://www.uol.com.br/michaelis. Acesso em: 25 jul. 2008).

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SOCIEDADE CIVIL

Plano Nacional de Educação Uma proposta que pode revolucionar o ensino

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Alicerçado na defesa de princípios éticos e voltados para a busca da igualdade e da justiça social, o “Plano Nacional de Educação (PNE): Proposta da Sociedade Brasileira” constituiu-se num dos mais democráticos, representativos e importantes documentos da educação brasileira contemporânea. Elaborado a partir de fóruns que envolveram diversos segmentos de todos os níveis da educação, o plano proposto pela sociedade civil organizada não foi contemplado no projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional no começo de 2001, após quase três anos de tramitação. Ainda assim, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vetou itens importantes, como o artigo que previa o investimento de 7% do PIB na educação. Os movimentos sociais defendem 10% Vera Lúcia Jacob Chaves* Elaborado pelas entidades que integram o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública1, com a convicção de que outra educação é possível, o PNE da sociedade brasileira teve como horizonte a democracia e a inclusão social. As entidades mobilizaram-se, promovendo, em todo território nacional, inúmeras atividades que culminaram com a realização de cinco Congressos Nacionais de Educação (Coneds)2. Como resultado desse processo democrático, foi elaborado o “Plano Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira”, durante a realização dos dois primeiros Coneds – em 1996 e 1997, em Belo Horizonte (MG) – e consolidado na Plenária Final do 2º Coned no dia 9 de novembro de 1997. Nos três Coneds posteriores – Porto Alegre (RS), em 1999; São Paulo (SP), em 2002; Recife (PE), em 2004 –, o PNE foi revisto e atualizado, com a participação de milhares de representantes dos vários segmentos sociais organizados de todo território nacional. Diferente de outros planos educacionais brasileiros tradicionalmente elaborados em gabinetes ministeriais e/ou por comissões de especialistas, em geral alinhadas com a política governamental

e pautadas por enfoques economicistas que não passam de peças burocráticas não cumpridas, o “PNE: Proposta da Sociedade Brasileira” constitui-se num “documento-referência que contempla dimensões e problemas sociais, culturais, políticos e educacionais brasileiros, embasado nas lutas e proposições daqueles que defendem uma sociedade mais justa e igualitária e, por decorrência, uma educação pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade, para todos, em todos os níveis. Assim, princípios, diretrizes, prioridades, metas e estratégias de ação contidas neste plano consideram tanto as questões estruturais como as conjunturais, definindo objetivos de longo, médio e curto prazos a serem assumidos pelo conjunto da sociedade enquanto referenciais claros de atuação” (PNE, 1997, p.2-3). O Plano Nacional de Educação da Sociedade Civil parte de um diagnóstico da realidade educacional brasileira para apresentar propostas de diretrizes e metas para a organização da educação nacional, em especial para a criação do sistema nacional de educação, para a gestão democrática e para o financiamento da educação (defende a aplicação de 10% do

* Vera Jacob, socióloga e pedagoga, é doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior da UFPA (vjacob@uol.com.br).

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PIB na educação nacional). Em relação aos níveis e modalidades da educação, são apresentadas diretrizes e metas para a educação básica (incluídas a educação infantil, o ensino fundamental, a educação de jovens e adultos, o ensino médio e a educação profissional), com vistas, sobretudo, à erradicação do analfabetismo e para a educação superior. Consta, ainda, no PNE um conjunto de diretrizes e metas específicas para a formação de profissionais da educação, considerando salários e condições de trabalho que incidem sobre todos os profissionais da educação, independentemente de suas funções ou áreas de atuação. No dia 10 de fevereiro de 1998, as entidades da sociedade civil reunidas no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública encaminharam à Câmara dos Deputados o “PNE: Proposta da Sociedade Brasileira” que, encabeçado pelo deputado federal Ivan Valente (SP) e subscrito por mais 70 parlamentares e por todos os líderes de oposição da Câmara dos Deputados, foi registrado como PL n° 4.155/98. Em resposta à ação das entidades da sociedade civil, o governo Fernando Henrique Cardoso encaminhou, no dia seguinte, o seu plano à Câmara Federal, onde tramitou apensado ao PNE da Sociedade Brasileira sob o n° 4.173/98. Os dois planos, de concepções antagônicas e divergentes, traduziram os embates e disputas do setor educacional brasileiro. Apesar da intensa mobilização das entidades da sociedade civil, a tramitação dos dois documentos no Congresso Nacional seguiu a linha conservadora, com poucos debates, sendo aprovado o PNE encaminhado pelo governo (Lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001), o que foi considerado, pela sociedade civil organizada no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, um retrocesso ao processo democrático educacional do país. Ressalta-se, ainda, que o plano aprovado pelo Congresso Nacional recebeu nove vetos do presidente Fernando Henrique Cardoso3 que impuseram limites em especial à gestão e ao financiamento da educação pública brasileira. Como resultado dessa política, o investimento brasileiro em educação manteve-se abai-

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xo dos 4% do PIB durante os governos de Fernando Henrique e de Lula da Silva, enquanto o superávit primário tem sido mantido acima de 4,5% (em especial a partir de 2003), ou seja, fica mais do que evidente que a prioridade dos governos brasileiros tem sido o ajuste fiscal do Estado em detrimento do investimento em políticas sociais. De acordo com Dourado (2007, p. 33), o PNE aprovado traduz a organização da educação brasileira e está estruturado em: I – Introdução, com o histórico, os objetivos e as prioridades do PNE; II – Níveis de Ensino, que trata da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e da Educação Superior; III – Modalidades de Ensino (Educação de Jovens e Adultos; Educação a Distância e Tecnologias Educacionais; Educação Tecnológica e Formação Profissional; Educação Especial; e Educação Indígena); IV – Magistério da Educação Básica (Formação dos Professores e Valorização do Magistério); V – Financiamento e Gestão; e VI – Acompanhamento e Avaliação do Plano. É importante destacar que a Lei n° 10.172/2001 aprovou o PNE com a duração de dez anos (até 2011) e recomendou que o Distrito Federal, os estados e os municípios elaborassem seus respectivos planos educacionais (sabe-se que poucos o fizeram). A Lei estabelece, ainda, que devem ser realizadas avaliações periódicas sobre o cumprimento das metas do plano, com a participação da sociedade civil, sendo que a primeira avaliação deveria ocorrer no quarto ano de sua vigência, ou seja, em 2005. Sabe-se que tal avaliação de fato não ocorreu, temos notícias da ocorrência de um Seminário sobre avaliação do PNE realizado pelo Conselho Nacional de Educação (sem a participação da sociedade civil). O governo de Luiz Inácio Lula da Silva além de não ter prestado contas à sociedade sobre o cumprimento das metas estabelecidas no PNE aprovado,

apresentou, no início de seu segundo mandato (abril de 2007), outro “plano”, protelando as metas até 2022. Concordamos com a afirmação de Saviani (2007) de que, provavelmente no ano 2022, ou um pouco antes, deve ser lançado outro plano protelatório, e a educação brasileira continuará atingindo os piores índices mundiais. O Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE) é composto por 47 medidas para a educação básica e superior. É importante ressaltar que o documento apresentado pelo governo como um plano, trata-se na verdade de um amontoado de Decretos, Portarias e Medidas Provisórias, impostos à sociedade brasileira. Destaca-se, ainda, que o discurso proferido pelo presidente Lula no lançamento do PDE é, no mínimo, preocupante na medida em que ao afirmar que “os problemas de nosso ensino público não se restringem à quantidade de investimento e à falta de recursos” (UNIVERSIA, 2007), demonstra claramente que não há disposição do governo em aumentar os recursos necessários para a educação brasileira. Em síntese, pode-se afirmar que, assim como os demais planos para a educação brasileira (o primeiro data de 1962), o PNE aprovado não passou de mais um que não saiu do papel. Esse documento também não expressa as reivindicações históricas da sociedade brasileira em defesa de uma educação pública, gratuita, democrática e de qualidade social. É necessário e urgente que o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública retome de imediato seu papel de protagonista das discussões e mobilizações nacionais em defesa da educação com um direito público de todos, tendo como referência o “PNE: Proposta da Sociedade Brasileira”. * Vera Jacob, socióloga e pedagoga, é doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior da UFPA (vjacob@uol.com.br).

Referências BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Mensagem de Veto n. 9. Diário Oficial da União, 10 jan. 2001. DOURADO, Luiz Fernandes. Plano Nacional de Educação: avaliações e retomada do protagonismo da sociedade civil organizada na luta pela educação. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (org.). Políticas Públicas e Gestão da Educação: polêmicas, fundamentos e análises. Brasília: Liber Livros, 2007, p. 21-50. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: a proposta da sociedade brasileira. Belo Horizonte, 1997. SAVIANI, Demerval. O ensino de resultados. Folha de São Paulo. Caderno Mais!, 29 abr. 2007. Disponível em: http://www1.folha.uol. com.br. Acesso em: 30 abr. 2007. UNIVERSIA. PDE: proposta prevê mudanças profundas no ensino superior. Disponível em: <http://www.universia.com.br/noticia/materia_clipping.jsp?not=37197>. Acesso em: 15 jul. 2008.

1 Composto por entidades científicas, acadêmicas, profissionais, sindicais, estudantis e movimentos sociais o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública organizado em 1987, para atuar na Constituinte, com a finalidade de mobilizar e organizar os(as) trabalhadores(as) em educação e outros setores da sociedade na luta por transformações necessárias para melhorar a qualidade de vida da maioria da população e pela conquista da justiça e da igualdade social. Esse Fórum foi responsável pelas principais conquistas que os setores sociais comprometidos com essa concepção de educação conseguiram inserir na Constituição Federal de 1988. Teve papel decisivo na construção do Projeto de LDB (PL n.º 1.258/88) e vem atuando na defesa intransigente da universalização da educação pública, gratuita, laica, de qualidade social, em todos os níveis e modalidades. 2 Os CONEDs têm se constituído em espaços abertos de debates, discussões e análises críticas sobre as políticas públicas relacionadas à educação brasileira com a finalidade de propor ações em defesa da educação pública em âmbitos nacional, estadual e municipal, bem como de promover intercâmbio de experiências e de ações em defesa da educação pública e gratuita com entidades e movimentos organizados de outros países cujos princípios, objetivos e finalidades sejam similares aos do Fórum. Além da participação de entidades nacionais o FNDEP tem estimulado, também, a organização de Fóruns Regionais e Estaduais pela articulação de entidades e movimentos sociais locais com vistas a implementar ações políticas em torno dos mesmos princípios, finalidades e objetivos do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. 3 Dos nove vetos feitos pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Plano Nacional de Educação e mantidos por Luiz Inácio Lula da Silva, a maioria (sete) refere-se ao financiamento da educação pública.

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PUBLICAÇÕES

Uma história de amor para crianças Lançado na 20ª Bienal Internacional do Livro, realizada de 14 a 24 de agosto, em São Paulo, “O Namorado da Fada ou o Menino do Planeta Urano” é a primeira história de amor para crianças escrita por Ziraldo. Além de contar a vida de Théo, as páginas revelam a vida e os sentimentos de uma fada e mostram que as bruxas têm bom coração. A obra estréia uma série de histórias após o sucesso, em 2006, de “O Menino da Lua”. Era a história de Zélen e seus amigos habitantes dos planetas do sistema solar. A obra obteve tanta procura que o autor decidiu escrever um livro para cada planeta. Após dois anos de espera, os leitores já podem ter acesso ao texto e às ilustrações, inspiradas na antiga técnica da litografia – arte de gravar em pedra. O Namorado da Fada ou O Menino de Urano Ziraldo Editora Melhoramentos 48 páginas R$ 25,00

Uma menina que ecoa versos Poesia para um mundo Com extrema delicadeza e poesia, a aunovo tora traz a magia e as cores da infância num livro que resgata sonhos, jujubas e sorvetes, doces como a própria infância. Ler os poemas da autora dá na gente uma vontade meio arrepiante de “brincar, brincar, brincar, brincar até cansar!” É a voz da criança que anima esses versos, como se uma menina faceira e morena os estivesse recitando, sentadinha no muro, com as perninhas grossas balançando para lá e para cá. Dali, a menina recitadeira nos sussurra um segredo: Férias, palavra encantada Que mora escondida Nas mochilas dos alunos Desde o primeiro dia de aula E, a essa altura, os leitores já estão enamorados da menina e dos seus poemas... Palavras Encantadas Sonia Rosa Cristina Azevedo (ilustrações) Zit Editora 32 páginas R$ 16,50

Com o cuidado de quem viveu com admiração, a companhia do tio-poeta e com a experiência que o trabalho com teatro e crianças lhe permite, Elena Quintana selecionou poemas e frases da obra de Mario Quintana que põem ao alcance das crianças todo o seu universo lírico. O livro “Só meu” Além disso, o projeto gráfico foi idealizado com a intenção de permitir que os jovens leitores interajam, desenhem, deixem seu registro. Há páginas em branco para essa interação, respeitando, assim, o que próprio autor acreditava ser um livro de poemas: “os livros de poemas devem ter margens largas e muitas páginas em branco e suficientes claros nas páginas impressas, para que as crianças possam enchê-las de desenhos, que passarão também a fazer parte dos poemas”. Só Meu Mário Quintana Orlando (ilustrações) Global Editora 40 páginas R$ 27,00

Drama urbano com final inesperado: feliz A violência, tema comum entre os moradores das grandes cidades, é o eixo desse suspense de Pedro Bandeira. Tudo começa com a fuga de cinco presidiários de uma penitenciária. Perseguido pela polícia, o grupo resolve esconder-se em uma escola estadual de periferia e ffaz estudantes e professores como reféns. A partir desse momento, o leitor vivencia o suspense e a tensão das negociações entre a polícia e os bandidos. Tudo leva a crer que a situação está perdida e que muitos serão mortos, mas, num final surpreendente, sem o uso da violência, vai mostrar a solução para resolver o conflito. O livro compõe a série “Realidade”, que já alcançou a marca de 50 mil exemplares vvendidos no Brasil. Horas de Desespero Pedro Bandeira Editora Melhoramentos 96 páginas 9 R$ 25,00

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MÍDIA E EDUCAÇÃO

Tevês educativas Na busca por identidade

João Brant*

O permanente amadurecimento dos estudos acadêmicos no campo da Comunicação Social, aliado à compreensão mais ativa por parte da sociedade civil, tem gerado grandes embates em relação aos chamados “oligopólios das mídias”, seja o jornalismo imprensa, o rádio, a tevê e, mais recentemente, a Internet. Embora as ondas do rádio ainda tenham grande influência social e política nesta primeira década do século XXI, a diversidade de produtos de entretenimento, a sofisticada tecnologia e a tradicional instrumentalização dos governos têm desvirtuado o papel das TVs educativas no país. O Sistema Brasileito de TV Digital (SBTVD), que poderia revolucionar não somente esse tipo de concessão, pode acabar tendo o desagradável impacto de dificultar ainda mais e estruturação de uma rede televisiva que tenha a educação como elemento norteador

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*João Brant é formado em rádio e TV pela Universidade de São Paulo, com mestrado em Regulação e Políticas de Comunicação pela London School of Economics and Political Science (Londres, Inglaterra). Integra a coordenação do “Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social” e é autor, junto com outros quatro pesquisadores, do livro “Comunicação Digital e a construção dos commons”.

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Banco de Imagens

O debate sobre o papel da televisão educativa no Brasil data dos anos 60, quando a legislação pela primeira vez reconhece sua existência, por meio do Decreto-Lei 236, de 1967, e quando são dadas as primeiras concessões dessa modalidade – a primeira foi a da TV Universitária de Recife, em 1968. Nesses 40 anos, nunca houve um consenso sobre o real papel das TVs educativas e muitas vezes ficaram turvas as efetivas diferenças destas em relação às TVs comerciais. Uma análise das imprecisões e das constantes mudanças da le-

gislação para as educativas é, nesse sentido, ilustrativa. O decreto-lei de 1967 revela bem o espírito da época ao estabelecer que “a televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates”. Essa visão, limitada e difusionista, permaneceria como regra geral, embora já na época as TVs tenham buscado ir além dessa perspectiva. O mesmo regulamento estabelecia ainda a proibição de qualquer propaganda ou de patrocínio dos programas transmitidos e a reserva de pelo menos uma emissora educativa em cada capital ou grande cidade. Na maioria dos casos, as licenças foram dadas para os governos estaduais, que passaram a operar diretamente as televisões, com maior ou menor grau de interferência governamental dependendo do estado. Relatório produzido pela Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec, que reúne 19 das 24 TVs educativo-culturais), ao final de 2006, mostra que, até hoje, “à exceção da TV Cultura (Fundação Padre Anchieta, SP) e da TVE Piratini (RS), as associadas da Abepec têm, nos seus conselhos, maiorias constituídas de representantes diretos dos governos”1. Esse é apenas um dos elementos que afasta as TVs educativas de sua missão primordial. Outra questão polêmica em relação às educativas é a definição dos critérios para as outorgas, re-

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servadas à União, aos estados e municípios, a universidades ou a fundações. O problema se acentuou a partir da Constituição de 1988, que determinou, no artigo 223, que as concessões de rádio e TV teriam que passar pelo Congresso, na tentativa de acabar com o uso delas como moeda de troca – já que antes bastava a decisão do Poder Executivo.

Novas moedas

O problema foi que no mesmo ano estabeleceu-se a possibilidade de as retransmissoras educativas (que teoricamente apenas fariam a retransmissão das geradoras) inserirem programas de interesse comunitário em sua grade, com o limite de 15% da programação diária. Com a mudança e a pouca clareza sobre o que eram esses “programas de interesse comunitário”, políticos, empresários e igrejas assumiram esse espaço promovendo programação de interesse próprio e incluindo publicidade e apoios culturais, utilizando-se de brechas na legislação. Essas RTVs educativas passaram a ter valor para quem queria fazer uso pessoal, e tornaram-se, então, a nova moeda de troca política, já que dependiam apenas de uma autorização do Executivo. Estudos de Costa e Brener (1997) mostram como as RTVs foram usadas para favorecimento de políticos que votaram a favor da emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Essa situação consolidou a confusão conceitual de que já padeciam as educativas, que em algumas localidades passaram a ser fachada de interesses particulares. Em 1998, um decreto proibiu a possibilidade de inserção de programação local, mas abriu a possibilidade dessas retransmissoras se transformarem em geradoras, podendo receber outorgas sem licitação.

Apenas em 2001 proibiu-se em definitivo a veiculação de publicidade ou apoio cultural nessas RTVs. Já para as emissoras que atuam como geradoras, a lei das organizações sociais trouxe a possibilidade de inserção de publicidade institucional a título de apoio cultural para aquelas que se convertessem em OS, o que ocorreu com a TVE Brasil. Em 2005, o decreto 5396 buscou disciplinar a veiculação de publicidade pelas educativas. Em relação ao conteúdo, atualmente as outorgas de rádios e TVs educativas são reguladas pela Portaria Interministerial 651, de abril de 1999, dos ministérios da Educação e das Comunicações, que ampliou um pouco o conceito definido em 1967. Apesar da definição ainda restritiva, a portaria diz que “os programas de caráter recreativo, informativo ou de divulgação desportiva poderão ser considerados educativo-culturais, se neles estiverem presentes elementos instrutivos ou enfoques educativo-culturais identificados em sua apresentação”.

Cenário atual e perspectivas

Em meio a um histórico conturbado, cabe hoje às emissoras educativas alimentar o debate sobre seu papel, sem temer, inclusive, a discussão sobre a pertinência da existência da modalidade ‘educativa’. É preciso clarear que mesmo entre as emissoras educativas, a situação é completamente distinta. Financeiramente, por exemplo, enquanto a TV Cultura recebe cerca de R$ 120 milhões por ano, a TV Ceará tem orçamento de cerca de R$ 7 milhões, disparidade que é característica comum a todo o quadro de emissoras. Pela falta de recursos, elas passam a depender de programação produzida pelas TVs com melhores condições, especialmente a TV Cultura e, agora, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada a partir da fusão da TVE Brasil (do

(1) No último ano, a fusão da Radiobrás com a TVE Rio criou a Empresa Brasil de Comunicação, que passou a ser controlada por um Conselho Gestor com maioria da sociedade civil – embora as indicações sejam todas feitas pelo presidente da República.

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Rio de Janeiro) com a Radiobrás. Também no caso da programação há abordagens diversas. Enquanto boa parte das emissoras adota uma linha generalista, a TV Ceará, apenas para tratar o caso que mais nos interessa aqui, chegou a operar como TV Escola durante 55 horas semanais. A entrada da EBC no cenário traz condições para que se estabeleça um outro tipo de relação entre as emissoras educativas – pelo menos no discurso, tem prevalecido a proposta de uma rede mais horizontal. Não adianta, contudo, um discurso em prol da horizontalidade se as condições de realização e produção permanecerem tão díspares. Cenário de incertezas não é novidade para as educativas. Para complicar ainda mais, está em curso o processo de digitalização da transmissão, que traz altos custos para as emissoras e que deve exigir o uso de estratégias comuns entre as diversas do campo público, com o uso, por exemplo, de operadores de rede que viabilizem a transmissão conjunta dos sinais. Oxalá as emissoras possam aproveitar todas as incertezas momentâneas para definir com mais clareza certezas duradouras. Referências bibliográficas ABEPEC. Diagnóstico Setorial para o Fórum de TVs públicas, 2006. Mimeo. COSTA, Sylvio e BRENER, Jayme. Coronelismo eletrônico: o governo Fernando Henrique e o novo capítulo de uma velha história. In: Comunicação & Política. v. IV, n. 2. Rio de Janeiro: Cebela, 1997. p. 29-53. FRADKIN, Alexandre. A TVE ou não é? Disponível

em:

http://radiodifusaoeducativa.blogspot.

com/2007/05/tve-ou-no-uma-tentativa-disciplinada-de.html. Acesso em: 20 jul. 2008. INTERVOZES (2007). Concessões de rádio e TV: onde a democracia ainda não chegou. Disponível em:

http://www.intervozes.org.br/publicacoes/

revistas-cartilhas-e-manuais/revista_concessoes_ web.pdf. Acessado em: 20 jul. 2008.

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ENTREVISTA

Divulgação / Seduc

Visão da realidade com pensamento no futuro Izolda Cela: gestão com iniciativas precursoras

A entrevistada desta edição, a titular da Secretaria de Educação Básica do Ceará (Seduc), Izolda Cela, tem um pensamento de conciliar a difícil realidade do diagnóstico da educação e não se render às dificuldades impostas. A Vida & Educação colocou em pauta temas fundamentais que têm norteado a educação brasileira, como a alfabetização de crianças, a gestão pública e, principalmente, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A secretária explica também os detalhes do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará, o SpaeceAlfa, uma idéia da qual o estado é precursor e que teve a participação de todos os 184 municípios.

“É uma imposição da realidade, da condição”, diz a gestora Izolda Cela sobre a necessidade de diálogo entre os diferentes níveis do poder público para efetivar uma força-tarefa coletiva em favor da melhoria da educação. Em mais de um ano e meio no governo, ela tem conduzido projetos ousados, sonhadores e até impensáveis se for considerada a tradição conservadora da falta de continuidade de políticas públicas. Ela descreve diversos projetos já em curso ou que estão sendo pensados pelo governo, salientando sempre a necessidade de não se pensarem mudanças estruturais, sobretudo na educação, a partir da estreiteza de disputas políticopartidárias. Sua formação acadêmica diz muito a respeito do discurso que tem dado o tom à gestão na Seduc. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, Izolda tem estudos complementares, como duas especializações na área da Educação. Com denso currículo, já trabalhou com psicologia escolar e na educação de crianças e jovens. Além disso, é uma gestora quase “workaholic” (viciada em trabalho). Não pára. A experiência na administração pública começou em 2001, quando foi subsecretária e, em 2005 e 2006, esteve no comando da secretaria de Educação de Sobral, cidade-natal do governador Cid Gomes (PSB), que assumiu em janeiro de 2007. A aparente tranqüilidade que passa não prescinde da transparência quando trata da educação. “O nível educacional no Ceará ainda é muito ruim”, admite a secretária, em entrevista concedida a um jornal local, ratificando a idéia da urgência para unir esforços. O desafio não é pequeno: a taxa de analfabetismo caiu, mas ainda é muito grande. Esse retrato foi mostrado pelo mais recente estudo sobre a sociedade brasileira, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em setembro de 2007 pelo IBGE. Em 2006, 14,9 milhões de brasileiros com mais de 10 anos de idade eram analfabetos,

4,2% a menos que em 2005. A taxa de analfabetismo para esse segmento caiu de 10,2% em 2005 para 9,6% no ano passado. Nas regiões Norte e Nordeste, a situação é ainda mais grave. Naquele ano, a taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais era de 18,9% no Nordeste e de 10,3% na região Norte. No Sul e no Sudeste, os valores eram de 5,2% e 5,5%. Em entrevista ao jornal “O Globo”, o assessor especial da Unesco do Brasil, Célio da Cunha, defendeu que o Nordeste deveria ser “objeto de um recorte educacional específico” por parte do governo federal. No caso específico do Ideb, o Ceará obteve as notas mais altas da região Nordeste nos ensinos Fundamental e Médio. A média das séries iniciais passou de 3,2, no Ideb de 2005, para 3,8, no Ideb de 2007. Já a nota do ensino médio registrou um crescimento menor: de 3,3 para 3,4. O resultado revela que o estado conseguiu atingir, já em 2007, as metas previstas para 2009, mas ainda não alcançou a nota 4,0 no indicador, resultado já obtido por estados como Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal. O cálculo do Índice da Educação Básica combina o desempenho dos alunos dos sistemas estaduais e municipais na Prova Brasil com dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), provas aplicadas a cada dois anos. O Spaece-Alfa, avaliação pioneira no Estado, foi realizado em cinco mil escolas para produzir informações sobre os estudantes do segundo ano em leitura, além da construção de um índice de qualidade sobre a habilidade dos estudantes. Os resultados mostram que mais de 47% dos educandos desconhecem até as letras que formam o próprio nome ou conseguem ler apenas palavras mais simples, formando sílabas. Em maio deste ano, o governador Cid Gomes entregou o boletim pedagógico, analisado por cidade e escola, para os representantes dos 184 municípios do estado. O Pla-

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no de Ações Articuladas (PAR) é uma ação que integra a Adesão ao Plano de Metas compromisso Todos Pela Educação. Abalizador para o apoio técnico e financeiro do MEC aos municípios, o plano pode ser mais bem entendido na entrevista e no artigo da professora Fátima Cândido. Vida & Educação – Professora, como a senhora analisa o atual nível de cooperação entre a Seduc e os municípios e qual o impacto da Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem) na gestão da educação no estado e no relacionamento com as secretarias? Izolda Cela – Eu avalio como bastante positiva essa integração, inclusive a clareza, para nós, de que isso é fundamental, imprescindível para possibilitar um avanço real na qualidade da educação no estado. Eu vejo que esse convencimento, a partir da orientação e do entendimento do próprio governador, já nos mobilizou, logo no início da gestão, para reformular a estrutura da secretaria da educação, dando um peso importante a essa instância de articulação com os municípios. Uma mudança que eu também considero importante que denota a importância que nós damos para o fortalecimento dessa cooperação é a mudança nas regionais da Seduc, as Credes. Elas tinham outro status no nosso organograma. Eram centros regionais e passaram a ser coordenadorias. Portanto, são coordenadores os responsáveis por cada uma dessas regionais, no mesmo nível dos coordenadores da Seduc, entendendo, também, que é fundamental o fortalecimento dessa instância, que realmente se aproxima e tem a interface direta tanto com as nossas escolas, da rede estadual, como também com os municípios. São eles que, de forma mais direta, estão em contato e se articulando com as políticas da região e com os municípios, evidentemente. Vida & Educação – Os municípios têm correspondido ao diálogo? Estão mais sensibilizados em relação à cooperação com o Governo do Estado? Izolda Cela – Eu sou muito otimista com a resposta que os municípios têm dado. No final das contas, é uma imposição – no bom sentido. É uma exigência de que nós nos articulemos para racionalizar os esforços, os recursos e para entendermos que o nosso sucesso depende, necessariamente, de que cada um cumpra a sua parte. Da mesma

forma com que o Estado tem garantido importantes espaços de cooperação; tem procurado apoiar os municípios naquelas políticas que se consideram fundamentais, a rede estadual também recebe apoio dos municípios. Em cada município, a gente constata diferentes formas com que esse apoio se manifesta. A rede estadual também recebe uma contribuição muito importante. Essa via de mão dupla é um elemento muito otimista para o nosso estado. A gente vai poder dar passos importantes a partir dessa sensibilização que existe. Praticamente todos os gestores, independentemente de partido, de posições políticas, a gente tem conseguido manter um diálogo muito bom, e isso não é trivial. Eu tenho contato com outras realidades, relatos, a partir de colegas secretários. Há muitos estados que enfrentam dificuldades de manter diálogo entre as redes. Vida & Educação – Como essa relação entre o estado e os municípios no Ceará pode favorecer a efetivação do Plano de Desenvolvimento de Educação (PDE) e para o cumprimento do compromisso Todos pela Educação? Izolda Cela – Eu vejo que um dos pilares da política nacional voltada para

Da mesma forma, o oposto: quando fica o município à própria sorte, tendo que se virar com os recursos que têm, sem ter condições que lhe permitam entender e reverter a situação para e melhorar os dados das escolas. Então, o Ministério tem sinalizado com essa articulação. As coisas não são perfeitas, e a gente aprende no processo. Por exemplo, há correções de rotas. Muitas vezes, o Ministério desconsidera o papel do estado como intermediador de uma determinada ação, [mas] eles têm se mantido sempre abertos para ouvir os secretários, exatamente para permitir esse alinhamento [entre Ministério, estados e prefeituras]. Eu penso que a gente tem boas perspectivas de acertar. Vida & Educação - Secretária, o Ministério da Educação tem utilizado vários referenciais, como a Prova Brasil, o Ideb, a Provinha Brasil, para o desenvolvimento de suas ações junto a estados e municípios. Como a senhora analisa essa perspectiva de avaliação para a construção de políticas públicas para a educação? Izolda Cela – Avalio como absolutamente fundamentáveis, indispensáveis. O processo de avaliação é indispensável

“Quando as ações não estão bem alinhadas, o prejuízo é da educação; no final das contas, é da comunidade, da população, das escolas.” vencer os desafios que hoje se colocam no Brasil inteiro com relação aos resultados da educação publica é exatamente esse amadurecimento, esse avanço na capacidade de nos articularmos bem. O Governo Federal – o Ministério da Educação – fazendo a sua parte, os estados e municípios, também, cada um a sua. Quando as ações não estão bem alinhadas, o prejuízo é da educação; no final das contas, é da comunidade, da população, das escolas. Quando a gente vê situação em que há pendências, em relação à centralização. Por exemplo, o Governo Federal fazer o que não lhe cabe ou o estado querer fazer o que não lhe cabe, isso é ruim; não funciona bem.

a todo processo de melhoria, de avanço de resultados. É imprescindível porque a avaliação revela; ela nos dá o retrato – mais do que isso, uma radiografia da realidade. Através dela, nós podemos ver a escola por dentro, aquilo que, no final das contas, é aquela medida com a qual se presta contas sem ter para onde correr: a aprendizagem dos alunos. A avaliação de redes, de sistemas, possibilita uma coisa muito importante que é a comparabilidade também. Uma coisa é você ter ali o olhar para sua realidade, sua condição, suas limitações. Quando você tem a oportunidade de olhar para o lado, para quem tem condições muito parecidas com as suas e observar esses resultados, isso é salutar. Essa possibi-

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ENTREVISTA

lidade de comparação que a avaliação faz com que nós possamos ampliar o nosso conhecimento sobre a realidade. Quando o Ministério da Educação consolida esse Índice de Desenvolvimento da Educação [Básica] e consegue atribuir a cada estado, eu vejo que, no contexto do país, é uma revolução porque fez com que todo o país começasse a pensar sob uma ótica diferente, com foco naquilo que realmente importa e que fica esquecido, fica minimizado, fala-se de muita coisa, só não fala do principal: que os meninos não estão aprendendo. A pauta da educação, ao logo dos tempos, [são] problemas, projetos, mas aquilo que é fundamental fica na calada da noite, debaixo dos panos. Esse índice nacional é muito bem-vindo.

uma secretaria de educação demanda e garante que aconteça para ter uma base, um referencial daqueles elementos que são absolutamente imprescindíveis e que concretizam a função da escola, no caso, a aprendizagem dos alunos nas áreas que são eixos essenciais para qualquer processo decente, bem consistente de formação, que são o Português e a Matemática. Não estou dizendo que só [essas disciplinas] devam ser avaliadas. Nós podemos ampliar para outras áreas, mas, com as condições que se têm, vamos pegar essas. Então, é muito difícil fazer uma avaliação de sistema, de rede que considere nuances, elementos subjetivos. Não é muito fácil. E, claro, toda avalia-

“A avaliação revela; ela nos dá o retrato – mais do que isso, uma radiografia da realidade. Através dela, nós podemos ver a escola por dentro... “ Claro, tem limitações, é passível de correções, de aprimoramento. O ranking não responde às questões. As leituras de cada contexto e as interpretações precisam ser feitas. Vida & Educação – Exatamente sobre esse ponto, alguns pesquisadores, como a professora Maria Estrela Araújo Fernandes, colocam a importância de sistemas de avaliação menos “limitados e padronizados”, destacando que a educação deveria ser avaliada numa perspectiva mais “humanizadora, reflexiva e construtiva”. Como o Governo do Estado tem trabalhado a avaliação escolar? Izolda Cela – Eu vejo que a avaliação assume diferentes desenhos, modalidades, dependendo de quem avalia, do que está sendo avaliado. Uma coisa é a avaliação de uma escola, que integra o projeto pedagógico, a proposta curricular e precisa levar em conta os diversos aspectos, inclusive os subjetivos, aqueles relacionados à integralidade da pessoa, seja ela uma criança pequena, seja um jovem ou adulto. Uma outra coisa é a avaliação de rede, que

ção, por melhor estruturada e por mais fidedigna que ela seja dentro do que a ciência já prescreve, ela sempre deixa a desejar. Mas isso não impede o valor da informação que é possível se captar dela. Eu vejo que a Secretaria da Educação [Básica] precisa se comprometer com essa avaliação – limitada, mas possível. É muito importante, porque, mesmo com suas limitações, ela pode gerar um nível de informação e um movimento na rede, nas escolas e dentro de cada sala de aula bastante saudável e precisa acontecer para que a gente possa mudar. Vida & Educação – Que diferenciais o Spaece-Alfa apresenta? Como a Secretaria de Educação avalia e deve utilizar esses números daqui para frente? Izolda Cela – O primeiro diferencial do Spaece-Alfa é o universo avaliado. São crianças mais novinhas, do segundo ano [do Ensino Fundamental], com idade média de sete anos. Durante alguns anos, no Brasil, os resultados mostraram que, ao final da 4ª série (hoje, 5º ano), os alunos não sabiam ler com

suficiência. No caso do nosso estado, em torno de 70% – mais até do que isso – se situavam em nível crítico e muito crítico em relação à leitura, ou seja, não conseguiam ler textos simples e apreender desses textos algum significado, alguma informação. Então, era [preciso] esperar quatro ou cinco anos – às vezes, até mais – para saber que o aluno tinha passado por toda aquela história escolar e não sabia ler. Pior ainda, iria acumular, ao longo dos outros anos do Ensino Fundamental e comprometer o Ensino Médio também. Nós queremos que as crianças se alfabetizem aos seis anos, mas ainda optamos fazer essa avaliação aos sete anos, porque, de qualquer forma, são crianças com mais maturidade. É uma avaliação uni-sencitária – todos os municípios participaram. Não se vê isso. O estado tem dentro das ações do Programa Alfabetização na Idade Certa [Paic], procurado trabalhar com esses resultados. De que forma? Fazendo círculos de discussão de estudos e de reflexão sobre esses resultados com prefeitos, reuniões com secretários municipais; as equipes, tanto a central do programa como as das Credes, têm se encontrado com diretores das escolas municipais. Aqueles municípios que estão com os maiores desafios, que tiveram os resultados mais rebaixados, pedem o apoio da secretaria que possamos juntos refletir o que pode ser mudado e quais são as medidas fundamentais para melhorar o resultado. Tudo isso é ação que faz parte do Paic. O município, com as suas equipes e a condução do seu processo de gestão, é que vai se encontrar mais diretamente com esses números. Ele deve garantir medidas, tanto dentro do que cabe à Secretaria de Educação, como a nucleação de escolas, a capacitação de professores e o incentivo a professores, [assegurando] que isso aconteça de forma bem acompanhada. Da mesma forma, o diretor da escola tem as suas tarefas de trabalhar os dados, de estabelecer metas. Cabe a nós, ao estado, a mobilização, a articulação e a consultoria dos municípios nessas ações voltadas para a melhoria dos resultados de alfabetização. Vida & Educação – Foi pensada alguma periodicidade para o Spaece-Alfa? Izolda Cela – É anual. Acontecem duas avaliações por ano: uma, ao final do semestre, [aconteceu em junho] por

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intermédio da Provinha Brasil. Isso que nós estamos fazendo aqui, o SpaeceAlfa, é uma intenção do Ministério de fazer no Brasil inteiro. Como não foi possível ainda por uma série de motivos, inclusive por uma certa resistência que existe em relação à avaliação de crianças pequenas – não só de estados, especificamente, mas até de especialistas. Essa Provinha Brasil foi distribuída para todos os estados, mas não houve uma aplicação externa. O Programa Alfabetização na Idade Certa apóia essa avaliação. Nós temos consultores que orientam os municípios sobre a forma de aplicação. Ao final do ano, acontece o Spaece-Alfa, que aconteceu pela primeira vez em 2007. Isso marca a condição inicial e, a partir dessa linha de dados, vamos avaliar o crescimento e a melhoria dos resultados nessa área de alfabetização de crianças. Ao final de 2008, acontecerá outra avaliação do Spaece-Alfa e, assim também, em 2009 e 2010, para que nós possamos ter a segurança de que estamos no rumo certo, de que o Ceará aceitou e está vencendo esse desafio de alfabetizar suas crianças com sucesso. Isso, numa perspectiva de médio e de longo prazo, é a base para mudar o perfil da escola pública no Ceará. Vida & Educação – Como aconteceu a construção do Plano de Ações Articuladas no estado e qual a perspectiva de acompanhamento e monitoramento das ações propostas? Izolda Cela – Essa questão do PAR é um exemplo importante no avanço no espaço de cooperação. Antigamente, o Ministério funcionava como uma espécie de balcão de projetos: os editais abriam, os projetos eram apresentados, mas os municípios com mais dificuldades nunca conseguiam a aprovação dos projetos. É um dado do próprio Ministério quando eles fizeram a seleção dos municípios que precisavam de mais apoio,verificaram que muito poucos tinham históricos de ter projetos aprovados. Eles mudaram a forma de relacionamento entre as instâncias com o estado e com o município. O PAR passou a ser um canal que dá base e orienta essa relação que diz respeito às demandas por cooperação, seja técnica, seja financeira. O ministério, num primeiro momento, estava com uma relação direta com os municípios, viram que não era a forma ideal e passaram a colocar o estado como um mediador.

[Foi feita] uma parceria entre o estado, a Secretaria da Educação, a Undime e a Universidade Federal do Ceará (UFC). Então, nós conseguimos além da demanda inicial que foi solicitada (garantir o PAR dos municípios prioritários). Existe uma coisa muito interessante no PAR que é a perspectiva de tempo dele, porque ele ultrapassa a gestão, avança para o ano seguinte; não é feito para os anos daquela gestão que ora se desenvolvem. Isso é importante. Parece um detalhe, mas não é. É uma semente para florescer e fortalecer um princípio de continuidade das políticas, independentemente se a próxima gestão é daquele partido ou não, que as responsabilidades permaneçam. No Ceará, foi solicitado um acompanhamento dessas ações. [Para isso,]

Vida & Educação – Após um ano e sete meses de gestão, qual o principal desafio da Secretaria de Educação Básica? Izolda Cela – Existem duas questões que eu posso destacar: as escolas serem capazes de garantir a elevação da aprendizagem dos alunos do Ensino Médio em Português e Matemática, especialmente no primeiro ano; [e, também, de] reverter e mudar essa direção, que tem sido descendente. Você pega dois indicadores fundamentais: aprendizagem e abandono, por exemplo. Nós temos uma linha de abandono que cresce nesses últimos anos, e uma aprendizagem que decresce. O grande desafio é a escola ser capaz de mudar essa rota, de fazer com que os alunos aprendam, e a boa implantação, a consolidação do Ensino Médio articulado com a educação profissional.

“No caso do nosso estado, em torno de 70% – mais até do que isso – se situavam em nível crítico e muito crítico em relação à leitura...”

essas três entidades se articularam para apresentar ao Ministério uma proposta de acompanhamento dessas ações. A idéia é que não adianta simplesmente fazer um plano e apresentar. Como esse plano permanece vivo, como uma fonte de formação e de avaliação? A nossa proposta é nesse sentido: [fazer] um acompanhamento desse plano para que os municípios possam tê-lo não como uma burocracia, mas sim como um instrumento de gestão. Um exemplo agora é que o PAR já está sendo reavaliado em função de uma agenda estratégica voltada para a formação de professores. Nós [deveremos] ter, como produto, a demanda por formação, com o envolvimento de todas as universidades. Baseados nesses dados que já foram inseridos no PAR de cada município e do próprio estado. A Undime está trabalhando com isso; as coordenadorias, também; e as Credes estão com essa questão em pauta. Consolidada essa demanda, nós podemos organizar essa formação.

Nós estamos com um projeto que consideramos bastante importante e desafiador, que é a qualificação profissional da juventude do Ceará. A Secretaria de Educação [Básica, a Seduc] se responsabiliza pelo Ensino Médio [No início desse semestre,] já foram iniciadas as aulas das primeiras 25 escolas estaduais de Educação Profissional. Esse é um desafio grande, o de implantar bem essa proposta e poder ampliar. Vida & Educação – Já existe perspectiva de ampliá-lo? Izolda Cela – Existe, sim. A perspectiva de ampliação é que nós possamos dobrar a cada ano o número de escolas. Esse é um desafio que precisamos acertar, e isso pode começar a ser um importante vetor na face da escola pública, pois não é só o ensino técnico. É um projeto diferente, em que a juventude como um elemento que precisa ser levado em conta para que eles fiquem na escola e vejam sentido nela.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Articulação Completa

Fátima Maria Cândido Beserra*

A educação sempre foi mais um dos direitos fundamentais que sofrem com o vaivém de gestores que não priorizam a continuidade de iniciativas anteriores, o que acaba criando mais obstáculos para ainda a já sensível área da educação. Com o propósito de sanar parte desse problema, incentivando a elaboração de políticas públicas mais permanentes, surge o Plano de Ações Articuladas (PAR), que integra o Plano de Metas compromisso Todos Pela Educação. Ele é o abalizador para o apoio técnico e financeiro do MEC aos municípios, servindo como um instrumento de planejamento que desenvolve ações conjuntas entre estado e municípios em busca da melhoria efetiva da qualidade da educação. No ano de 2007, o Ministério da Educação lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) nas 27 Cara-

vanas da Educação Básica realizadas de maio de 2007 a março de 2008. O plano conta com 28 diretrizes determinantes para a melhoria do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), dado este que integra o desempenho dos estudantes na Prova Brasil e no Saeb, além das taxas de aprovação, reprovação e de abandono escolar. No último Ideb, aferido em 2007 e divulgado este ano, o Brasil atingiu a média 3,8, nas séries iniciais, e 3,5, nas séries finais do Ensino Fundamental. Estas notas baseiam-se no Saeb 2005, na Prova Brasil 2005 e nos Censos Escolares de 2005 e 2006 A meta estabelecida para o Brasil até 2022 é a de um Ideb igual ou superior a 6,0, que é a média encontrada entre os países mais desenvolvidos do mundo Para atingir o objetivo, o MEC instituiu como estratégia o Plano do “Compromisso Todos pela Educação” que estabelece metas de qualidade a serem alcançadas. A adesão do plano pelos gestores municipais reflete o

comprometimento destes com a efetivação das ações em nível municipal das 28 diretrizes definidas pelo MEC propostas no plano. Entre as diretrizes, podem ser destacadas a garantia de que as crianças sejam alfabetizadas até os oito anos de idade e a definição de regras claras, baseadas no mérito e na representação, para a nomeação de diretores e gestores das escolas. O PDE é uma conjugação de esforços da União, estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração. O apoio da União dar-se-á mediante a elaboração de um Plano de Ações Articuladas (PAR), de caráter plurianual, a ser construído com a participação dos gestores e educadores locais, baseados em diagnostico de caráter participativo, que permite a análise compartilhada do sistema educacional em quatro dimensões: gestão educacional, formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação e infra-estrutura física e recursos pedagógicos.

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O Ministério da Educação disponibilizou de outubro a dezembro de 2007 um sistema informatizado aos Estados e Municípios na elaboração de seu Plano de Ações Articuladas (PAR), que foi chamado de CTE. No ano de 2008 o MEC percebendo a necessidade de aprimorar o CTE e torná-lo on-line, criou um novo sistema integrado aos que o Ministério já possui. Esse sistema, o SIMEC, pode ser acessado de qualquer computador que possua acesso à Internet e representa uma evolução tecnológica que permite disponibilizar para consulta pública o PAR elaborado por todos os Estados e Municípios. Para utilizá-lo o Dirigente Municipal solicitava ao MEC via e-mail um login e uma senha de acesso no intuito de cadastrar o município no sistema e elaborar o PAR. O Estado do Ceará, ao analisar os baixos indicadores, aderiu ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e estabeleceu metas de qualidade a serem alcançadas no Plano de Ações Articuladas (PAR) estadual. Sabedor da importância do planejamento estratégico, com metas a serem alcançadas e estratégias a serem utilizadas, o governo fortaleceu o regime de Colaboração entre estado e municípios, consolidando a parceria interinstitucional entre a Seduc, a Undime-CE, Associação dos Prefeitos (Aprece) e a Universidade Federal do Ceará (UFC). Tal assessoramento fez-se através da Secretaria da Educação Básica (Seduc), em parceria com a UFC, nos meses de novembro e dezembro de 2007, quando foram deslocadas cinco duplas compostas de 01 técnico da SEDUC e um consultor da universidade para que 26 municípios prioritários elaborassem o PAR, já que, dos 36 municípios priorizados1 do nosso Estado, dez receberam assessoramento dos consultores do MEC. Nesse mesmo período, a secretaria, em parceria com a Undime-CE e com a UFC, realizou uma oficina de elaboração do plano para os 148 municípios não-priorizados e disponibilizou dois consultores para auxiliar estes municípios na elaboração do PAR.

O PAR municipal foi elaborado a partir de um diagnóstico que sinalizava ao MEC quais as áreas que necessitam de assistência técnica e/ou financeira. O diagnóstico subsidia a elaboração do Plano de Ação, que é definido com a indicação dos responsáveis e prazo de execução. O foco das ações do PAR é a melhoria gradativa da qualidade da educação, que vai ter reflexo nos resultados da aprendizagem do aluno. O esforço coletivo de elaboração teórica do PAR foi marcado pela participação e de mobilização da população interessada, compondo uma equipe local composta do Dirigente Municipal de Educação e representante dos diversos segmentos tais como: técnicos da Secretaria Municipal de Educação, Dirigentes Escolares, professores da Zona Urbana e Zona Rural, Coordenadores ou Supervisores Escolares, quadro técnico-administrativo das escolas, Conselhos Escolares, Conselho Municipal de Educação. Durante o trabalho de assessoramento na elaboração do PAR, os técnicos envolvidos ressaltaram a receptividade dos dirigentes municipais e da população dos 184 municípios, que compreenderam a necessidade de realizar uma análise diagnóstica de seu sistema educacional. Com esse entendimento, as equipes foram recebidas em vivências coletivas nas quais eram discutidos discutia não somente o sentido e o significado de um comitê para a organização político-pedagógica do município, mas também o tipo de educação que se quer construir. Assim, foram atendidas todas as necessidades deste no momento de elaboração do PAR no intuito de viabilizar a melhoria de seus índices educacionais. E principalmente o empenho em transpor as dificuldades encontradas no município tais como: a não cultura da análise dos indicadores educacionais na perspectiva de realizar intervenções pedagógicas; o não conhecimento da legislação municipal, do Plano de Cargos e Carreiras dos servidores municipais e das metas estabelecidas no Plano Municipal de Educação.

* Fátima Maria Cândido Beserra é coordenadora da Célula de Projetos (Cepro), vinculada à Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem) da Secretária de Educação Básica do Ceará (Seduc).

1 No estado do Ceará, são denominados “municípios priorizados” aqueles que apresentaram, em 2005, o Ideb de 1,7 a 2,8, e os municípios não-priorizados são os que tiveram o índice acima de 2,8, variando entre 2,9 e 4,5.

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A Equipe de técnicos e consultores da Seduc e da UFC constatou que independente da macro-região onde estava localizado o município todos elegeram alguns problemas e ações comuns tais como: a) Promover a gestão participativa na rede de ensino; b) Estabelecer regras claras, baseadas no mérito e no desempenho, para a nomeação e a exoneração de diretores de escola; c) Acompanhar e avaliar, com participação da comunidade e do conselho de educação, as políticas públicas e garantir condições, sobretudo institucionais, de continuidade das ações efetivas; d) Revisar ou elaborar o Plano Municipal de Educação e instalar o Conselho Municipal de Educação, quando inexistente; e) Fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo as famílias dos educandos; f) Instituir programa próprio ou em regime de colaboração para formação inicial e continuada de profissionais da educação e divulgar na escola e na comunidade dos dados relativos à educação, principalmente o Ideb. O estado do Ceará destaca-se em nível nacional como um dos poucos estados do Brasil que além de ter elaborado o Plano de Ações Articuladas PAR Estadual assessorou a elaboração do referido plano em todos os seus municípios, constando hoje no MEC 184 planos elaborados, analisados e aprovados pela equipe técnica do Ministério. Nesse contexto, ciente do grande desafio que tem a frente e da suma importância de assessorar os municípios na implantação e implementação das ações contidas no PAR e sabedor que o apoio do governo é válido, mas a construção de cada município depende da sua potencialidade para aplicar os recursos e encontrar as soluções para os desafios locais. Iniciará no mês de agosto sua Sistemática de Acompanhamento de todos os 184 municípios sob sua jurisdição.

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REPORTAGEM

Trabalho infantil, uma “doença social”com remédio certo: educação Por Daniel Fonsêca

Claro que, quando os compositores Paulo Tati e Sandra Peres, do grupo musical “Palavra Cantada”, falam do “trabalho” que as crianças dão, eles estão referindo-se ao diaa-dia agitado próprio dos pequenos e mesmo dos mais grandinhos, já adolescentes. O título da canção tem sido praticamente a razão do trabalho e até da vida de muitos profissionais que estão espalhados em organizações internacionais, governos, instituições sociais, conselhos de direitos, universidades e tantos outros espaços de atuação em defesa da infância e da adolescência. O balanço dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é positivo para a maioria das fontes ouvidas pela Vida & Educação, que, já na edição passada, começou a pautar o tema, com um artigo do procurador do Trabalho Antonio de Oliveira Lima, vice-coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente. “As pessoas estão mais atentas. Não é à toa que o número de denúncias tem aparecido mais e aumentado a cada ano, porque tem havido mais campanhas todo ano, a imprensa está muito presente, e o poder público está cumprindo sua responsabilidade”, resume a professora Célia Gurgel. Ações temporárias, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e o Bolsa Família, que desde 2005 tiveram suas ações integradas pelo Governo Federal, apesar de criticadas, são defendidas pela

Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão criança não trabalha; criança dá trabalho criança não trabalha lápis, caderno, chiclete, pião, sol, bicicleta, skate, calção [...] (Criança não Trabalha, Palavra Cantada)

maioria dos especialistas e ativistas da área, unânimes em apontar a escola como espaço próprio das pessoas com até 18 anos. Além disso, a educação tem o importante papel também de informar o conjunto da população sobre os efeitos adversos provocados pelo trabalho infantil, como o desenvolvimento físico, psicológico e cognitivo. Nas próximas edições, a Vida & Educação volta a abordar temáticas relacionadas à criança e ao adolescente, com foco especial no ambiente doméstico. O espaço onde filhos e filhas teoricamente deveriam receber mais proteção e afeto é palco constante de violência física e psicológica, inclusive de abuso sexual. Embora os meninos também sejam afetados, nesse ponto a questão de gênero pesa, e as meninas acabam sendo as vítimas mais comuns desse tipo de crime, assim como do trabalho infantil, considerado quase um “destino” para as garotas, principalmente as mais pobres. Mas vai chegar o dia em que as crianças só vão “dar trabalho” no bom sentido, com muita ludicidade e educação.

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ão bastam convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratados entre países integrantes da ONU, legislações inovadoras ou decretos outorgados pelos poderes executivos. As condições sociais não se transformam na letra da lei. O cotidiano determinado pelo capitalismo acaba pondo à margem mais de um terço da população mundial, e, nesse processo, as crianças e os adolescentes vêem tolhida grande parte dos seus direitos fundamentais. Pela legislação brasileira, é proibido qualquer trabalho para os que têm até 16 anos. A partir dos 14, é permitido apenas o trabalho na forma de aprendiz, sempre em acordo com normatizações específicas. Acima dos 16 anos é permitido o trabalho do adolescente, desde que não seja noturno, perigoso, penoso ou insalubre nem que exista consumo de bebidas alcoólicas. Apesar disso, as convenções sociais e a formação cultural do país acabam tornando quase estéreis os avanços conquistados com instrumentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, e a Convenção 182 da OIT, que discrimina as principais características das piores formas de trabalho infantil e conclama a comunidade internacional para eliminá-las. Segundo o documento, isso “requer ação imediata e global que leve em conta a importância da educação fundamental e gratuita e a necessidade de retirar a criança de todos esses trabalhos”. Outro esforço – no mínimo, com forte peso simbólico e político foi a aprovação, em 2007, da Lei 11.542, que institui o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. Paradoxalmente, são dois os movimentos que levam crianças que jamais freqüentaram a escola à condição de “trabalhadores”: por um lado, o pragmatismo para suprir as necessidades objetivas – alimentação, moradia e vestimenta, por exemplo;

por outro, mesmo aquelas famílias que têm condições um pouco melhores de vida acabam deixando grande parte dos serviços domésticos para seus filhos, prejudicando o tempo de estudos, ludicidade e de sociabilidade, determinantes para o desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança. Os efeitos da ausência de um ou do conjunto desses aspectos são devastadores para a infância. A psicóloga Taís Bleicher, da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que, na Psicanálise, de acordo com a perspectiva do inglês Donald Winnicott, existem duas realidades: uma é material, objetiva e concreta; a outra, subjetiva, intrapsíquica. Quando brinca, a criança lida com elementos da realidade dela. “Então, nas brincadeiras, ela pode transformar. O que ela vive como passiva torna-se ativa”, detalha. “Quando você não permite que uma criança brinque, ela sofre mais porque não pode elaborar. É como se essa perspectiva da vida mais vinculada ao subjetivo ficasse abalada”. Para Taís Bleicher, mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB), apenas o fato de a criança ter tempo para a ludicidade já seria suficiente. “O brincar, por si só, é terapêutico, ainda que não tenha o acompanhamento. Brincar é uma habilidade inata”, diz a psicóloga. Culturalmente, ainda é bastante legitimada – naturalizada, até – a visão de que o trabalho infantil pode ajudar a família no ambiente doméstico e, principalmente, afastar crianças e adolescentes da criminalidade. Essas compreensões, provavelmente, são as causas principais da exploração de mais de cinco milhões de pessoas maiores de 18 anos, no Brasil. Em 2005, voltou a aumentar o número de crianças trabalhando, mas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve uma retomada da trajetória de queda nos índices de trabalho infantil no Brasil. Realizada em 2006, a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) foi divulgada em setembro de 2007 pelo instituto. De acordo com as “Primeiras Análises da Pnad 2006”, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, os resultados da pesquisa têm apresentado avanços “promissores” para superar esse problema social. O estudo enfatiza que, entre as crianças 5 a 9 anos de idade, por exemplo, houve uma redução absoluta do número de crianças trabalhando: de quase 265 mil, em 2005, para pouco menos de 213 mil, em 2006. A pesquisa do IBGE mostrou ainda que, em 2006, existia uma proporção menor de crianças ocupadas em serviço doméstico não remunerado, mas persistia um aumento no trabalho para consumo próprio. Proporcionalmente, o Ceará é o quarto colocado no ranking do trabalho infantil, com 15% de crianças e adolescentes trabalhando, atrás do Piauí (17,4%), Maranhão (17,1%) e do Tocantins (15,3%), segundo a

Pnad. De acordo com os dados do IBGE, são cerca de 330 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham no estado, o que representa 15% desse segmento. A faixa etária em que se registra o maior índice de trabalho infantil ou adolescente é entre 14 a 17 anos. Segundo a Superintendência Regional do Trabalho do Ceará (SRT-CE), o contrato de aprendizagem é uma alternativa para resolver o problema do trabalho irregular de adolescentes a partir dos 14 anos. A instituição, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, defende que, a partir da aprendizagem, o adolescente tem uma formação profissional regularmente acompanhada por uma instituição especializada em educação profissional. A professora da UFC, Célia Gurgel, avalia que o combate a esse problema social é um processo muito lento. “O ECA foi criado em 1990 para garantir o direito das crianças, tornando-as sujeitos de direitos. Não somente como uma pessoa que deva obediência, mas que tenha proteção, com acesso à educação, saúde, alimentação, cultura, lazer etc.”, destaca. Ela lembra que até a forma de denominar crianças e adolescentes vêm modificando-se, o que releva a importância da linguagem, como, por exemplo, a não-utilização da palavra “menor” para designá-los. Os principais desafios, hoje, são a prote-ção do trabalho do adolescente aprendiz e a proibição do trabalho infantil em todos os aspectos. Guilherme Canela, diretor da Agência dos Direitos da Infância (Andi), identifica uma mudança substancial na compreensão da sociedade brasileira acerca do trabalho infantil, mas ele vê que atualmente estão sendo enfrentados os maiores obstáculos. “À medida que você aquece a água, facilmente se chega a 100º C. Depois, demora muito para aquecer um grau; o custo é muito maior. A mesma coisa acontece em relação à política social. Quando um fenômeno tem índices muito ruins, e você desenvolve políticas com alguma qualidade, os números caem muito fortemente, mas, quando chega a um determinado patamar, fica muito difícil, porque são casos extremos”, raciocina. Ele exemplifica citando as zonas dominadas pelo tráfico de drogas. “Não é o Peti que vai resolver”. Quanto ao convencimento da sociedade, ambos vêm adotando um discurso consensual: a alternativa para as crianças pobres não é “trabalho ou crime”. “É estar na escola, como os filhos da classe média estão”, diz Célia Gurgel. Para Canela, há uma rejeição muito maior ao trabalho infantil. Ele relata a dificuldade de enfrentar o discurso, hegemônico no início dos anos 1990, de que é melhor a criança estar trabalhando do que estar na rua ou no crime. “Mesmo as pessoas dos movimentos ligados à infância concordariam com isso, mas a escolha que deve ser feita não é essa. A escolha é: a criança deve estar na escola ou trabalhando”, ratifica.

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REPORTAGEM

FOTO: DANIEL FONSÊCA

Em busca de soluções

Célia Gurgel: fim do trabalho infantil não pode seguir a lógica da abolição da escravatura

É praticamente consenso entre políticos, acadêmicos e ativistas dos direitos humanos: a resposta a qualquer problema social deve ser um conjunto de medidas, sobretudo em longo prazo, que levem em conta, também, as necessidades imediatas da população. Para a professora Célia Gurgel, do Departamento de Economia Doméstica da UFC, além disso, é necessário um processo de sensibilização para que não se repita a “solução” que teve a escravidão no país, em que não se

deu nenhuma sustentação à população negra, que não tinha qualificação e estava fora da escola. Em relação ao trabalho infantil, a professora avalia que não existe mais essa possibilidade. “O país está acabando com o trabalho infantil. Você já tem o Peti, e existe, hoje, a possibilidade de sustentação para que elas não voltem a ser exploradas”, analisa. Célia Gurgel denomina “doença social” o abandono provocado pela família e pelo poder público. Isso deixa claro, por exem-

O que a mídia tem a ver com isso? Para a Agência dos Direitos da Infância (Andi), tudo. A possibilidade de “agendamento” (debate na esfera pública) dos temas relacionados com os direitos das crianças e dos adolescentes, o controle social das políticas públicas e a democratização do acesso à informação contextualizada são os três papéis principais da mídia, segundo

Guilherme Canela, gerente do Núcleo de Qualificação e Relações Acadêmicas da ONG. “Não eram só as crianças que eram invisíveis no início dos anos 1990, era o tema do trabalho infantil. O próprio debate não existia”, diz Canela. Segundo ele, foi a partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o Peti vira política pública,

plo, que as condicionantes que levam uma criança a trabalhar não são algo que tenha de existir. “Não se trata de algo ‘natural’. Não é porque Deus quis. Isso gera uma sociedade doente. As crianças que estão no trabalho não têm chances de ser pessoas completas quando adultas. Elas são exploradas, submetidas a danos físicos e morais, à exploração sexual”, argumenta. O entendimento acerca do problema não pode se limitar à família ou aos profissionais da educação, como se pensa normalmente. Para a professora, o trabalho infantil não afeta apenas as pessoas individualmente ou núcleos familiares, mas o conjunto da sociedade. Célia Gurgel avalia que, na medida em que houver mais demandas, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) deve sensibilizar-se. Isso, segundo ela, depende da divulgação dos programas governamentais. “Se não há uma pressão para que haja uma ampliação, a tendência é que se acomode”. Outro avanço destacado é a integração entre o Peti e o programa Bolsa Família. “São condicionantes estar na escolar, o acompanhamento da mãe e a capacitação dos mantenedores. É uma situação diferente”, compara. Apesar do otimismo, a professora lança um alerta sobre a questão da classe social: “a população ainda está condescendente e tolerante com a exploração de crianças pobres, como se ela trabalhar fosse uma condição para que seja aceita”.

Como funciona o Peti O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil compõe o Sistema Único de Assistência Social com duas ações articuladas: o serviço sócio-educativo ofertado para as crianças e adolescentes e a Transferência de Renda. Atende famílias que tenha integrantes com idade inferior a 16 anos em situação de trabalho. Para aderir ao programa, existem as chamadas “condicionalidades” para as crianças e os adolescentes: • retirada de todas de atividades laborais e de exploração; • freqüência mínima nas atividades de ensino regular e no Serviço Sócio-educativo, no turno complementar ao da escola (85%); • acompanhamento do desenvolvimento infantil, da vacinação e da vigilância alimentar e nutricional de crianças com menos de sete anos. Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

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que o assunto ganhou impulso. A tentativa, no primeiro Governo Lula, de diminuir os recursos do Peti é um exemplo que mostra a função da imprensa como observadora do poder público. “A imprensa veio e disse: ‘olha, esse programa é muito interessante e isso é um atentado aos direitos da criança’”, lembra. Para ele, além de agendar, é importante estar atento se a política pública está funcionando e informar a sociedade de forma qualificada. “A naturalização [da existência do trabalho infantil] é um problema que surge porque você faz uma discussão descontextualizada da questão. Você deixa propagar essas teses de que ‘eu trabalhei e sou uma pessoa bem-suce-

dida’. O fato é que as crianças trabalhando, fora das escolas, [não vão ser] pessoas bem-sucedidas”, diz. Os meios de comunicação, no entendimento da Andi, têm o importante papel de “desmitificar e desconstruir essas teses falsas de que trabalhar é ‘bom’ para as crianças”. Guilherme, no entanto, chama a atenção quanto aos métodos dos jornalistas. Para ele, esse trabalho não deve ser uma palavra de ordem: o mais importante é mostrar o que causou essa situação. Apontar, por exemplo, por que o trabalho doméstico não é um favor. “Pelo contrário, é um aviltamento dos direitos humanos daquela criança”, sentencia. “Em nenhum momento, a Andi [exige] jornalistas

As piores formas de trabalho infantil

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todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;

2

utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de material pornográfico ou espetáculos pornográficos;

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militantes. Têm que desenvolver bom jornalismo. Se isso for feito, a causa da infância inevitavelmente vai ser bem trabalhada pelos jornais”, explica Canela.

Trabalho Infantil no Ceará A faixa etária em que se registra o maior índice de trabalho infantil ou adolescente é entre 14 a 17 anos. Segundo a Superintendência Regional do Trabalho do Ceará (SRT-CE), o contrato de aprendizagem é uma alternativa para resolver o problema do trabalho irregular de adolescentes a partir dos 14 anos. A instituição, vinculada ao Ministério do Trabalho, defende que, a partir da aprendizagem, o adolescente tem uma formação profissional regularmente acompanhada por uma instituição especializada em educação profissional.

Número de crianças e adolescentes em situação irregular Jan a dez/2007: 1.696 Jan a mai/2008: 331

Número de aprendizes inseridos Jan a dez/2007: 2.710 Jan a abr/2008: 331 FONTE: SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO NO CEARÁ (SRT-CE).

utilização, demanda e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;

4

trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança. Fonte: Convenção 182 da OIT, em vigor des de 19 de novembro de 2000.

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REPORTAGEM

O desafio da

sobrevivência Por Karla Camila Sousa

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o bairro Jangurussu, em Fortaleza, é possível ver famílias que retiram o seu sustento do lixo. São cidadãos brasileiros que vivem à margem da sociedade, em situação de pobreza extrema, condições precárias de saúde e de saneamento. Pessoas que acordam de manhã e saem com suas carroças de ferro em busca da sobrevivência. Lá, fica localizada a Usina de Triagem da Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb), fato que explica a quantidade de famílias que vivem do que retiram dos resíduos sólidos produzidos pela cidade. As mães, muitas vezes, não têm onde deixar seus filhos e acabam levando as crianças para ajudar no trabalho. São pequenos catadores que andam quilômetros carregando quilos de lixo e enfrentando o perigo do trânsito, assaltos, condições climáticas e a fome. Deixam de lado a infância e as brincadeiras próprias desse período da vida – trocando a boneca e o jogo de futebol pelo trabalho ilegal. Paulo Sérgio, 9, é um dos meninos que vivem nessa situação. Integrante de uma fa-

mília de 11 irmãos, começou a trabalhar aos 7 anos, catando lixo para vender. Nos dias de coleta, o menino saía de casa às 6 horas da manhã, levando sua carrocinha de ferro em busca de materiais como ferro, alumínio, cobre, plástico e papelão. A volta para casa, na madrugada, Paulo, cansado e faminto, tinha que carregar cerca de 100 kg de lixo. Por dia de trabalho, ele apurava entre R$ 20,00 e R$ 25,00, dinheiro que servia para ajudar em casa na compra de comida para os irmãos. Perguntado se, antes, brincava, o menino logo se calou e balançou a cabeça negativamente. Atualmente, apesar de estar próximo dos 10 anos de idade, aparenta ter cerca de 6. Paulo diz que, se pudesse, voltaria a trabalhar, pois queria juntar dinheiro e ir embora para o interior do estado morar com a avó paterna, por não suportar mais aquela vida de maus tratos. Durante a conversa com o estudante, por duas vezes, foi perguntado o porquê de haver parado de trabalhar: primeiro, disse que não estava dando lucro suficiente; depois, o motivo seria o furo no pneu da

carrocinha. No dia seguinte, a reportagem retornou à escola e constatou a ausência do menino, que deveria estar em casa, segundo a professora. No entanto, a reportagem foi à residência conversar com a mãe dele, Francisca Florença, 39. Ela afirmou não saber do filho, informou que ele havia ido para a escola e tentou desconversar, mas acabou confirmando que o filho ainda trabalha. “Às vezes, sai por aí catando garrafinha e lixo para vender, pois, se ele não trabalhar, não tem o que comer. Eu falo pra ele não andar dentro do lixo, mas continua andando”, conta a mãe. A dona-de-casa tentava se eximir da responsabilidade de o filho trabalhar. O pai de Paulo abandonou a família há sete anos, mora no interior do estado – visita aos filhos apenas uma vez ao ano e não ajuda financeiramente. A irmã mais velha, Claudiane Florença, 23, é empregada doméstica e diz que o diálogo com o irmão é mínimo, já que ele passa a maior parte do tempo fora de casa. Ela concorda que o trabalho infantil é perigoso e tenta participar efetivamente da

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Paulo Sérgio, 9 anos, troca a escola pelo trabalho: quer juntar dinheiro e morar com a avó no interior.

vida do irmão, diz freqüentar a escola e conversar com as professoras sobre a situação de Paulo. A irmã conta que espera um futuro melhor para ele e gostaria de vê-lo numa profissão digna. Na conversa, confessou que gostaria que o irmão fosse professor. “O lixo não vai levar meu irmão a nada, só vai trazer doença para ele”, diz. Selma Maria Bernardo da Silva, 32, também mora no Jangurussu. Assim como Florença, trabalha como catadora de lixo na usina e tem seis filhos. Mesmo passando por dificuldades e, muitas vezes, recorrendo aos vizinhos, ela não permite que nem um trabalhe. Sozinha, vítima de agressão do ex-marido, ela educa e sustenta os filhos e trabalha apenas um período para poder acompanhá-los de perto. Ela ressalta que não aceita ver os filhos sofrendo e defende o direito da criança ao estudo e à brincadeira. “Eu quero que eles aprendam o que eu nunca aprendi em minha vida, meu sonho sempre foi aprender a ler e eu nunca apren-

“Eu quero que eles aprendam o que eu nunca aprendi em minha vida, meu sonho sempre foi aprender a ler e eu nunca aprendi, pois tinha que trabalhar”, diz.

lhar. Segundo ele, a situação piorou quando o pai abandonou a família, o que fez a mãe dele pedir que ele a ajudasse. Ainda assim, o garoto nunca deixou de estudar, mas, no período da tarde, saía com a sua carroça nos bairros da região em busca de material reciclável. O que conseguia apurar era destinado para comprar comida. Atualmente, depois de a mãe ter conseguido um emprego, o estudante não trabalha mais. Além de brincar todos os dias com os amigos, diz que adora estudar e participar do Peti.

Programa “educação da família” FOTO: Karla Camila Sousa

FOTO: Karla Camila Sousa

di, pois tinha que trabalhar”, diz. Mesmo passando necessidade, ela garante que jamais deixaria os filhos trabalharem. Mas a filha mais velha, com apenas 12 anos, ajuda nas tarefas domésticas e no cuidado com os irmãos menores. Carlos Sousa, 11, morou com a avó até os oito anos, no conjunto Palmeiras, em Fortaleza. Vivendo uma realidade diferente dos meninos do bairro, estudava em uma escola particular, e, mesmo com pouca condição financeira, a avó não o deixava traba-

Peti atende cerca de 200 crianças na Escola de Ensino Infantil e Fundamental André Luiz.

Na Escola de Ensino Infantil e Fundamental André Luiz, localizada no bairro Jangurussu, funciona o Projeto de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) que atende crianças e adolescentes com até 15 anos, que são retirados de diversas situações de trabalho. Participam do projeto cerca de 200 crianças que saíram de situação de trabalho ilegal; a maioria era de pequenos carroceiros ou trabalhava nas imediações da Usina de Triagem da Emlurb. As educadoras fazem uma espécie de mutirão, que se aproxima da idéia do famoso Programa Saúde da Família (PSF), mas destinado à educação. O diferencial do projeto é estar inserido dentro da escola, é a aproximação das professoras com as crianças. Os estudantes durante o contra turno da escola jogam dama, xadrez, pintam, cantam em um coral, jogam capoeira, resgatando o que, de fato, é um

direito da criança, ser criança. Infelizmente, a quantidade de vagas ofertadas não corresponde com a demanda da comunidade local, é possível ver ainda crianças em área de risco, catando lixo, que precisavam estar inseridas no projeto e não têm oportunidade. A professora Emanuely de Sousa trabalha na escola André Luiz e diz que, no começo, foi muito difícil, pois não conhecia a realidade do bairro. Ela afirma que a maior dificuldade enfrentada é a falta de participação dos pais. As professoras visitam mensalmente as casas dos estudantes para entender um pouco da vida de cada um. “Somos tratadas com muito carinho e atenção pelos pais, e as crianças se sentem orgulhosas de nos ver. Acho que é fundamental a aproximação da escola com a família para que haja um resultado positivo”, afirma Emanuely.

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REPORTAGEM

Em defesa dos curumins

insuficientes. “Se a instituição não tiver outro parceiro, não há como trabalhar, pois o governo muitas vezes atrasa o financiamento”, reclama.

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o bairro do Mucuripe, em Fortaleza, funciona a Associação Curumins, uma organização não-governamental, fundada em 1996 com a missão de possibilitar a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social a construção da cidadania a partir da valorização de suas competências e potencialidades. Em 2001, surge um projeto específico focado no acompanhamento das crianças que trabalhavam na rua, contemplando dois eixos: uma ação direta com a família e a esfera das redes sociais. O objetivo era criar, a partir da ONG, uma alternativa capaz de garantir direitos fundamentais preconizados pelo ECA. Raimundo Coelho, coordenador da associação, diz que, após doze anos de experiência, é perceptível que se torna inócua a ação de levar a criança para um “local agradável” se ela não for conquistada juntamente com a família. A partir

Uma história de sucesso

dessa compreensão, a proposta da entidade foi chegar junto ao público principal, cativando as crianças e os adolescentes do bairro. A associação também tem um grupo de assistentes sociais que acompanham as famílias. “Hoje, se não se investir na educação da criança, que futuramente vai ser mãe e pai, ela vai acabar reproduzindo esse ciclo”, analisa. Ele argumenta que, quando a família possui um nível de escolaridade maior, ela entende melhor o prejuízo do trabalho infantil. O caminho da criança, para ser atendida pela associação, passa pelo trabalho do educador - na abordagem de rua, por outras instituições parceiras e pela Prefeitura. Para Raimundo Coelho, é visível que a demanda é muito maior do que a as vagas disponíveis nas instituições que trabalham com crianças exploradas ilegalmente. Ele defende a ampliação imediata dos programas do governo, que hoje são

Antônio Neto tem 15 anos e freqüenta a Associação Curumins desde os seis anos. O garoto vendia coco e queijo, na praia do futuro, com o vizinho da casa onde mora. De sete, ele é o único filho homem. Com o pai falecido, o menino não viu outra saída que não fosse ajudar a mãe em casa. Em um dia de trabalho na praia, foi visto por educadores da ONG, que o convidaram. Desde então, Neto parou de trabalhar. Quando trabalhava, ficava fora de casa das 5h da manhã às 18h e não freqüentava o colégio. “Minha mãe apoiava e ao mesmo tempo se preocupava com meu estudo, mas não tinha alternativa” relata. Chamado para fazer parte da banda de lata assim que chegou à associação, hoje Neto toca bateria, violão, canta e compõe rap. “Eu me sinto agora uma criança, porque, quando eu trabalhava, não tinha amigos”, declara Neto. O estudante diz que, quando sair da Curumins, deve continuar tocando. “Eu amo a música. Se não fosse ela, eu estaria do mesmo jeito”.

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Divulgação/MTb

“É um trabalho de convencimento”, diz Lupi

Lupi confia na parceria com ONGs, que têm atuação mais local

Em uma breve passagem pela capital cearense, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, conversou rapidamente com a Vida & Educação sobre o diagnóstico do trabalho infantil no país, os avanços conquistados e as possíveis saídas para enfrentar a exploração ilegal de crianças e adolescentes. Para Lupi, elas dependem necessariamente do bom funcionamento da escola pública, com destaque para a modalidade de educação em tempo integral. Vida & Educação – De acordo com a pesquisa realizada pelo IBGE, em 2006, o Ceará ocupava o quarto lugar no ranking brasileiro de crianças e adolescentes em situação de trabalho. Que projetos desde então estão sendo elaborados para reverter esse quadro não só no Ceará, mas no Brasil? Carlos Lupi – Nós trabalhamos com uma fiscalização, agindo muito duro nas áreas onde as empresas cometem esses abusos, agora isso é um processo que não se resolve de um dia para o outro, primeiro porque lugar de criança

é na escola ou se divertindo. Muitas vezes por necessidade e absoluta carência, famílias brasileiras estão incentivando que as crianças trabalhem para gerar alguma renda. Não é possível resolver esse problema apenas dizendo “cumpre a lei”, “pune”, “prende”. Não é assim. Eu acho que isso é um trabalho de convencimento, de parceria entre estado, município e união, para que a gente gere mais escolas de tempo integral, para que a criança se ocupe na escola. Nós temos vários caminhos a percorrer para resolver esse problema, mas que passam, sobretudo, pela educação, que é a base principal para que essa criança consiga ser um cidadão completo e digno. V&E – O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil está tendo resultado efetivo? Quais são as principais dificuldades? Carlos Lupi – O Peti ainda é muito aquém do que necessitamos. Nós não temos um contingente fiscal para fisca-

lizar o Brasil todo, onde tem problema. Eu não vou mentir para a população: estou trabalhando para melhorar, tem muitas parcerias importantes, inclusive com a OIT, mas, no Brasil, falta uma conscientização maior dos empresários, que abusam dessa exploração e da própria família. V&E – Qual a importância da participação da sociedade civil em parceria com o Governo Federal, por meio das ONGs, nessa luta contra o trabalho infantil? Carlos Lupi – É fundamental porque elas estão dentro da comunidade, normalmente a grande esmagadora maioria dessas ONGs são sérias, de gente dedicada à causa que têm conhecimento do mundo real. São parceiros importantes, que nos ajudam a localizar, a denunciar onde está havendo esses abusos, para poder a fiscalização agir, e nós entrarmos com projetos alternativos para erradicar de vez o trabalho infantil no Brasil.

“Não é possível resolver esse problema apenas dizendo ‘cumpre a lei’, ‘pune’, ‘prende’.” V&E – Algum projeto novo está sendo pensado? Carlos Lupi – Nós estamos evoluindo com várias parcerias junto ao Ministério da Educação, eu continuo afirmando que, pra mim, a saída melhor para a erradicação do trabalho infantil é a educação. Só a educação vai resolver isso a médio ou em longo prazo, pois, se a criança estiver dentro da escola, onde ela tome o café da manhã, possa almoçar e tenha uma atividade física, ela está se ocupando e evita ser explorada por alguém que queira colocá-la no trabalho, mas isso não se resolve de um dia para o outro, mas estamos trabalhando nesse sentido. Para mim, sim, o tempo integral é a maior e melhor solução para erradicação do trabalho infantil.

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ARTE-EDUCAÇÃO

Orquestra de saberes “Precisamos levar a arte que hoje está circunscrita a um mundo socialmente limitado a se expandir, tornando-se patrimônio da maioria e elevando o nível de qualidade de vida da população.”

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Ana Mae Barbosa 1

Crianças e adolescentes participam do projeto “Um Canto em Cada Canto”

Desde 1971, a disciplina “Educação Artística” faz parte do currículo escolar. A idéia, com a lei, era fazer com que a arte colaborasse no desenvolvimento das crianças, mas, para isso, ela deveria ter a mesma importância das outras disciplinas, já tradicionais. No entanto, como relata o professor de arte Raimundo Matos de Leão2, “o que se percebe é que o ensino da arte está relegado ao segundo plano ou é encarado como mera atividade de lazer e recreação”. (1) BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991.

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A inexistência de formação específica para trabalhar as diversas linguagens na escola e a exigência de talento ou dom são outras demandas apontadas pelo professor para uma melhor compreensão da arte pelos educadores. Leão defende que “o ensino da arte deve estar em consonância com a contemporaneidade. A sala de aula deve ser um espelho do atelier do artista ou do laboratório do cientista. Neles são desenvolvidas pesquisas,

técnicas são criadas e recriadas, e o processo criador toma forma de maneira viva, dinâmica”. Mais do que isso, o potencial da arte como ferramenta educativa vai além da escola. A chamada educação não-formal tem ganhado cada vez mais espaços, a partir de expressões como teatro, dança bandas e corais, indo além da pintura e outras habilidades que têm pontuado a Educação Artística na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Uma das soluções para as lacunas encontradas na integração entre a arte e escola está na mobilização da sociedade civil. Um exemplo é a campanha “Quero Educação Musical na Escola”, articulada por uma rede de entidades como o Fórum Paulista Permanente de Músicos e o Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Rio de Janeiro. Ela defende a música como uma prática que se mostra uma “instância privilegiada de socialização”, possibilitando o exercício das capacidades de ouvir, compreender e respeitar o outro. Segundo os coordenadores da campanha, estudos e pesquisas têm demonstrado que “a aprendizagem musical contribui para o desenvolvimento cognitivo, psicomotor, emocional e afetivo e, principalmente, para a construção de valores pessoais e sociais de crianças, jovens e adultos”. A campanha construiu uma rede de apoio e pressão para conseguir aprovar um projeto de lei, sancionado em agosto, que determina a inclusão da educação musical no currículo escolar.

(2) LEÃO, Raimundo Matos de. A arte no espaço educativo. Disponível em: < http://raimundo.iscool.net/>. Acesso em: 21 ago. 2008.

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Arte como experiência reflexiva Ângela Linhares*

Os diversos saberes que a arte pode fazer as pessoas experimentarem, devem ser compreendidos a partir de um contexto socioeconômico e, também, filosófico. A perspectiva do que não é real, do porvir, a chamada “utopia possível” parece não ser satisfatoriamente contemplada pelas “habilidades e competências”, como os documentos oficiais costumam denominar os objetivos da educação formal. Com referência em autores clássicos de uma educação mais partilhada, que compreende o ensino aprendizagem como um processo dinâmico e permanente, são relatados diálogos e experiências dos quais se podem tirar novas impressões sobre a presença da arte no currículo escolar. A autora participa do projeto “Um Canto em Cada Canto”, uma ação de complemento à escola que acontece por intermédio de várias formas expressivas como apoio ao trabalho básico do canto coral. Sabemos que vivemos em contextos sociais em que a lógica da mercadoria vem tentando manter sua dominação. Educar gente, no entanto, é educarmo-nos partilhando a educação de outros, ajudando a construir contextos mais humanos, capazes de modificar as condições que têm produzido a barbárie e o desamor – a isso eu estou chamando de experiência formativa. A arte na educação situa-se, antes de tudo, dentro de um modo de pensarmos o educando; também requer uma forma conceber os caminhos dessa aprendizagem. Compõe, portanto, um projeto educacional maior, já que nós estamos construindo-nos como sujeitos em um mundo que está a mudar suas referências básicas.

Fruto de extensas lutas sociais, a inclusão da arte no currículo das escolas, hoje, significa dizer que ela é uma forma de conhecimento válido socialmente, como a matemática, as ciências e os estudos sociais – e fundamental na formação das pessoas. A arte também é uma linguagem que funciona de modo muito particular. No exercício artístico, é fundamental compreender essa maneira de “se formarem obras”, em que são criados métodos ou maneiras ao mesmo tempo em que os próprios conteúdos que vão sendo expressos. Esse laço com o imaginar o que as coisas poderiam ser (a utopia), a partir da crítica do presente e esse abraço com processos de criação que se concretizam nas formas da arte é um traço fundante da experiência e da reflexão artística em percursos educacionais. – Tia, quando eu crio meu desenho, eu acordo para a vida, disse uma criança. – Olha - continuou - eu botei aqui que eu queria voar para longe, para uma casa onde não tivesse briga, como lá em casa. Para crianças muito pequenas e, mesmo depois dos primeiros anos, a expressão artística é uma forma de narrativa de vida e de trabalho com a ultrapassagem do real por meio da criação – um exercício de imaginar feito de modo concreto. Na verdade, quando se pensou a arte na escola e em processos educacionais, em geral, começou a ter mais vigor o estudo do desenvolvimento das crianças e jovens a partir da arte. O questionamento relacionava-se a que valores poderiam ser trabalhados nesse fazer e o que a expressividade artística nos conta do desenvolvimento da criança e das vicissitudes de suas apren-

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*Ângela Linhares é doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora titular da Faculdade de Educação da UFC. Integra a Associação de Corais Infantis “Um Canto Em Cada Canto”, do Grupo Formosura de Teatro.

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dizagens na vida. Em quase todas as modalidades do fazer artístico (peça teatral, vídeo, por exemplo, pintura, escultura etc.), há processos de criação, reflexão e atividades em grupo. Há, também, nesses caminhos do fazer arte com crianças e jovens, leituras das obras (“apreciação artística”), que partem de leituras dialogadas sobre o conteúdo das obras e o que dizem do mundo de vida e a experiência de cada um em suas culturas. Assim, a arte na educação desdobra-se num fazer chamado por alguns autores de “técnico-inventivo”, um representar – esse modo de simbolizar que, na arte, utiliza em muito a imaginação como maneira de construir a representação. É uma forma de expressão de conhecimentos e de sentimentos cristalizados. Segundo Suzanne Langer, tem sido muito esquecida essa função da arte de ser uma expressão dos padrões de sentir das culturas humanas. Digo mais: que a arte é um modo de conhecer (e não apenas um conhecimento, uma síntese formal de conteúdos da vida) – pois ela nos ajuda a conhecer o mundo por meio do sensível, esse modo que junta as múltiplas dimensões da gente: sentimento, percepção, intuição e cognição (o lado intelectual propriamente dito). O educador russo Vygotsky afirmava que a arte é uma “técnica do sentimento”. Outros, como Pareyson, acrescentam que as obras de arte são “formas significantes” – estão a “articular sentido” para as experiências nossas no mundo, fazendo sua crítica ou lançando suas utopias, suas propostas para o vir-aser humano. A arte, então, na educação, pode-se dizer também que faz uma

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ponte do eu para a compreensão das formas de sentimento expressas nas culturas humanas; envolve, assim, a subjetividade, a forma singular do nosso ser, e realiza um diálogo com os processos históricosociais dos sujeitos humanos que produzem obras de arte. Veja a exposição feita pelo Oswald Barroso sobre o Juazeiro do Norte3 – a gente vai vendo que há muito de nós próprios naquele acervo; que há delicadezas que nem nos lembrávamos que fazem parte da nossa educação cotidiana “feita também pelos objetos”: as tigelinhas, xícaras pintadas, tipos de desenhos que têm, potes e gamelas com formas que ao vê-los nos deparamos com sua beleza que já nem “reparávamos”... Este aspecto de sentir que “pertencemos” a um povo, a um modo de fazer a vida, viver e amar o mundo religa crianças e jovens aos desafios de seu tempo e lugar. É importante pensar as obras de arte, sem descartar a consideração e o valor que se deve dar às pessoas que as fazem. Néstor García Canclini observa que na arte ocidental se tem separado muito as obras de arte (que se põe como objetos de contemplação em um mercado de arte), dos sujeitos que a fazem. Assim, é possível que, em nosso país, sejam realizados festivais com a arte dos negros, ao mesmo tempo em que se exterminam os quilombolas (descendentes de grupamentos negros), no bojo de um modelo de desenvolvimento que expulsa grupos comunitários para alojar fábricas gigantescas que causam impacto ambiental destruidor das culturas e suas práticas de vida. Parece-me, então, que a arte da escola deve buscar os artistas e suas obras – e não só as obras e os processos criativos que as criam. Vão-se estudar sucatas? Por que não pensar nas formas de vida dos que recolhem ou vivem do lixo? Que desafios suas vidas e obras concretas nos colocam?

Discutiu-se muito, no nosso país, que a arte na educação deve deixar de ter seu ensino feito de modo demasiado espontaneísta; viu-se que, se a criação e a livre-expressão são importantes, contudo, será sempre precioso proporcionar aos educandos o conhecimento das técnicas e métodos que compõem o saber sistematizado na modalidade artística com a qual se atua. O educador Libâneo já nos dizia que a natureza do trabalho docente envolve “um saber, um saber ser e um saber fazer pedagógico”. Isso significa que há um saber em cada modalidade de arte que, aos poucos, pode ir sendo recriado, dentro das possibilidades da cultura, em sua pluralidade. Na verdade, um dos dilemas de quem trabalha com arte e educação é o como aproveitar os saberes do educando - já que ninguém está “zerado” em cultura, muito pelo contrário -, reconhecendo a diversidade dos códigos culturais da cultura que trazem e, ao mesmo tempo, tentando fazer um diálogo crítico a partir destas formas expressivas; aliando, ainda, a essa leitura do que trazem, o ensino do fazer técnico ou artesão daquela arte. Como se a gente fosse procurando conhecer mais a gramática (o modo de dizer específico) da arte em estudo. Um amigo me disse que gostaria de ensinar teatro para um grupo de jovens de um maracatu cearense. Observava ele que os jovens vinham com cacoetes televisivos e que não valorizavam a própria expressividade de sua cultura familiar, de ascendência negra. Dizia mais, esse amigo, que para fazer um trabalho de arte, com estes jovens, teria, também, de discutir esse desvalor de si. Para isso, deveria oportunizar, inclusive, que fizessem em grupo leituras da experiência de vida que traziam para o maracatu e do próprio modo de construir o maracatu e seus enredos e coreografias. Explicava, ainda, o meu amigo que ficava perplexo com o modo

(3) Principal cidade da região Sul do Ceará.

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como não se apercebiam da riqueza “do que faziam” e se perguntava como buscar, nesse grupo de crianças e jovens, as africanidades, suas referências, para superar os códigos “europeizantes” da arte, que fazem com que estes jovens sequer se percebam sujeitos de uma cultura riquíssima. Outro desfio é trazer a cultura das classes populares e dos grupos étnicos – dos quais nosso país é tão rico – para esse movimento de arte e educação a ser feito, considerando intercultural a sala de aula ou o grupo com o qual trabalhamos, dialogando com os códigos e técnicas da modalidade de arte com a qual estamos a lidar? Sabe-se que a arte traz a representação simbólica dos sentidos que as pessoas dão ao amor, à vida, aos afetos, ao cuidado, ao gozo e à dor que sentem – sabe-se mais, que estes significados vividos e sentidos, não podem ser ditos por outras linguagens como a científica, embora devam dialogar com ela. O modo de dizer da arte, assim, permite que não nos sintamos “estrangeiros” em um mundo humano; ele ultrapassa fronteiras culturais e possibilita diálogos entre modos de ser e de sentir, de viver e de sonhar a vida, que são tão diversos entre si! Esse diálogo é fundamental na formação do ser que somos e nos mostra a necessidade de ter referências plurais, com múltiplas dimensões. Referências bibliográficas LIBÂNEO, J. C. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítica social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992. PAREYSON, Luigi. Os Problemas da Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1991. __________. Teoria da Formatividade. Rio de Janeiro: Petrópolis (RJ): Vozes, 1993. VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1998. __________. La imaginación y el arte en la infancia. 4. ed. Madrid: Akal E A

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Uma sintonia de maestros educadores Pedro Rogério*

O mundo da música não é impassível de crítica ou análise como se pode depreender a partir do senso-comum. A relação entre professor e educandos pode construir uma nova compreensão sobre as atividades humanas, principalmente quando o mediador pedagógico se depara com uma realidade em que os construtores de novas partituras de saber não se mostram minimamente consoantes com as novas melodias e os arranjos inovadores trazidos pelos professores. Uma das contradições que logo se impõe é a de que, por um lado, educador traz consigo uma bagagem cultural complexa, construída na sua práxis educativa, enquanto as crianças e os jovens normalmente têm referências diametralmente destoantes dessa realidade. A forma como os educadores se apropriam dos conteúdos e das metodologias é que, ao final, vão fazer a diferença, pondo a baixo tabus como o ditado popular de que “gosto não se discute”. A palavra música vem de musa. A origem de seu nome revela a natureza inspiradora desta arte; inspira quem a compõe, também inspira os músicos, os cantores – seus executantes – e inspira quem mais estiver por perto e aberto aos seus encantos. Os historiadores da música Grout e Palisca nos ensinam que “entre os gregos a música era concebida como algo comum a todas as atividades que diziam respeito à busca da beleza e da verdade”. No entanto, como compreender a receptividade aos encantos musicais? É possível uma formação da sensibilidade musical? Os eventos familiares irrefutavelmente marcam as formas de

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* Pedro Rogério, bacharel em Música, é mestre e doutorando em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC) como bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). Leciona história e sociologia da música.

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percepção da realidade, constroem noções que passam a atuar como pré-noções, que são incorporadas, constituindo um conjunto de conceitos a partir dos quais a pessoa lê a realidade. As opções pela arte certamente são decisões tomadas individualmente, porém é possível perceber que as mesmas são feitas com base em desejos que são forjados nas relações sociais. O sociólogo Pierre Bourdieu (2001) nos auxilia a esclarecer estes aspectos afirmando que “a maior parte das obras humanas que temos o hábito de considerar como universais – o direito, a ciência, a arte, a moral, a religião etc. – são indissociáveis [...] das condições econômicas e sociais que as tornaram possíveis e que não têm nada de universal. Elas são engendradas nesses universos sociais muito específicos que são os campos de produção cultural (campo jurídico, campo científico, campo artístico, campo filosófico etc)”. Existe um aspecto relevante a ser considerado no aprendizado musical, que é a questão do gosto; ou seja, ao contrário do que afirma o ditado popular, podemos dizer que “questão de gosto se discute” Quase sempre se encontra uma tensão entre o gosto musical do professor e o dos estudantes. O professor de música, pela sua formação, tem uma diversidade de referências que foram vivenciadas no curso superior de música, na participação junto a grupos de música erudita e popular, pesquisa e estudos inerentes à formação em música. Por outro lado, os estudantes trazem, em sua esmagadora maioria, os referenciais das emissoras de rádio e de televisão. As referências estéticas dos alunos encontram grande reforço no âmbito familiar que referendam e até mesmo estimulam o interesse pelo repertório comercial. Uma observação importante é que existe uma

ditadura cultural travestida em símbolo de contemporaneidade, que massifica o gosto, e quem não se enquadra nos padrões ditados vêse excluído. A cultura de massa é apresentada como única opção para a maior parte dos estudantes. Nas palavras de Adorno (1996): “ergue-se uma redoma de cristal que, por se desconhecer, julga-se liberdade”. Logo, podemos perguntar: como diversificar o gosto musical dos alunos? Como encontrar uma saída frente à onipresença das rádios e televisões? Como analisar esse fenômeno? Esta é uma boa reflexão para os professores de música ou que utilizam músicas em sala de aula. Analisando melhor a relação do professor com seus alunos percebe-se que, de um lado, o estudante de música ouve as músicas que todos ouvem e, ao tocar, tem o reconhecimento imediato do seu público, ainda que doméstico; por outro lado, existe um professor que traz novidades que não estão na mídia e que, portanto, ao aprender e executar as peças junto ao seu doméstico público, o estudante não encontra a reverberação esperada. Explicitar o que está oculto na formação do educando é uma das tarefas do professor, e esse é um trabalho, no mínimo, impressionante. Não se pode imaginá-lo como impossível, o que condenaria qualquer esforço na busca de avanços no âmbito da formação humana, mas também não se pode deixar de registrar o quanto é uma tarefa complexa e que, portanto, exige uma mobilização que extrapola o raio de ação do professor na sala de aula. Sobre este aspecto, Adorno nos chama atenção para a sua importância: “reformas pedagógicas isoladas, embora indispensáveis, não trazem contribuições substanciais. Poderiam até, em certas ocasiões, reforçar a crise, porque abrandam as necessárias exigências a serem

feitas aos que devem ser educados e porque revelam uma inocente despreocupação diante do poder que a realidade extrapedagógica exerce sobre eles”. Embora extrapole o raio de ação do professor em sala, a formação humana e sua complexidade não é uma realidade extrapedagógica; esse conjunto de mecanismos que e influencia de forma cada vez mais eficaz, em sentido latu, é que é pedagógico. A sociedade transformou-se em um todo pedagógico. Esta é uma questão coletiva, multidisciplinar, multicultural. O que não significa que o profissional da educação não tenha responsabilidade com o que acontece, antes, deve se apropriar da complexidade da questão, ampliar sua visão e identificar na sua ação parcial como pode intervir no movimento global. Para isso, o professor tem, necessariamente, que apropriar-se da própria definição do que é a prática docente e como transformar os aspectos que distanciam ou aproximam sua ação do campo de interesses dos estudantes. Transformando-se e influenciando o seu meio, sendo influenciado e transformando, não somente como uma via de mão dupla, mas em vias que se orientam em diversos sentidos e se adequando à realidade multireferenciada que é o campo educacional, o professor pode fazer toda a diferença. Referências bibliográficas ADORNO, Teodor W. Teoria da semicultura. Revista Educação & Sociedade (Cedes). Campinas - SP: Papirus, 1996. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas - SP: Papirus, 2001. GROUT, Donald J.; PALISCA, Claude V. História da música ocidental. Lisboa: Gradiva, 2007. ROGÉRIO, Pedro. Pessoal do Ceará: habitus e campo musical na década de 1970. Fortaleza – CE: Edições UFC, 2008 diciones,1998.

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GESTÃO ESCOLAR

Caminhos da escola Divulgação

Rozangela Gasparini* Além dos problemas quase inerentes à educação pública, como infra-estrutura, merenda escolar e formação de professores, crianças e adolescentes de todo o Brasil ainda demandam um item que deveria ser pensado como pressuposto pelos gestores municipais: o transporte para chegar à escola. Já são quase banais os cenários descritos, como folhetins, nos telejornais, em que se descreve o cotidiano de crianças pobres, sobretudo de áreas rurais, que têm que deslocar-se quilômetros a pé ou, na melhor das condições, em pausde-arara. O drama dessas famílias, diz o senso-comum do jornalismo “de denúncia”, poderia ser facilmente resolvido com “mais veículos” e “boa vontade política” dos governos. No entanto, o drama dessas famílias não é novela de horário nobre; é real. Por isso, apesar de parecer simples, a solução desse problema exige estudo e planejamento para que o direito seja efetivado, não ficando à mercê da discricionariedade de cada gestor, o que, na verdade, não deveria acontecer com nenhuma política pública. Para elaborar um diagnóstico nacional desse problema, desde 2005, existe uma parceria entre o Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB), e o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) para estudar a oferta do transporte escolar nas diversas regiões brasileiras. A pesquisa, dividida em etapas, começou com a realização do histórico do que tinha sido estudado sobre o tema, chamada de fase da “Contextualização do Transporte Escolar”. Para fazer o estudo, pesquisadores do centro visitaram 16 municípios das regiões Sul, Norte e Nordeste, onde foram entrevistados prefeitos, secretários, condutores de veículos, diretores de escolas, professores e estudantes. De-

pois, focalizou-se o transporte escolar rural. Segundo a assessoria do Ceftru, a quarta fase, já iniciada, está dividida em frentes de estudo que analisam problemas específicos do transporte escolar rural e propõe soluções. Em 2007, o Ministério da Educação (MEC) criou o programa Caminho da Escola que pretende, entre outros objetivos, “renovar a frota de veículos escolares, garantir segurança e qualidade

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(1) No entendimento do MEC, “por meio do transporte diário, o acesso e a permanência na escola dos estudantes matriculados na educação básica da zona rural das redes estaduais e municipais”. O programa também objetiva padronizar os veículos de transporte escolar, reduzir os preços dos veículos e aumentar da transparência nessas aquisições.

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Crianças ribeirinhas andam em barcos sem segurança

ao transporte dos estudantes e contribuir para a redução da evasão escolar”. Em maio deste ano, o Ceftru promoveu Seminário Transporte Escolar Rural, em que foram apresentados o desenvolvimento e os resultados das etapas consolidadas da pesquisa realizada em parceria com o do Ministério da Educação. No seminário, também foram relatadas e debatidas algumas experiências positivas na gestão do transporte escolar.

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Quando o desafio de estudar o transporte escolar rural foi lançado ao Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB), pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação, a primeira grande preocupação foi a de responder às seguintes perguntas: o que é o transporte escolar rural? Quais são os elementos que o compõe? Como esses elementos se relacionam? Enfim, surgiu a necessidade de se conhecer o objeto para, então, começar a estudá-lo de forma sistematizada. Uma das primeiras respostas encontradas é que o transporte escolar é um fenômeno complexo, que envolve a interação de pessoas e seus respectivos ambientes, necessitando de pesquisas que visem alcançar um entendimento único sobre ele, com o envolvimento de equipes multidisciplinares no processo de investigação. Assim, a pesquisa, em desenvolvimento desde 2005, foi estruturada de forma a considerar as relações dos diversos envolvidos com o transporte escolar rural, como alunos, professores, diretores, gestores, motoristas, etc. O estudo abrangeu, nesse sentido, três grandes temas: Serviço, Clientela e Recursos. Para a coleta de dados a respeito desse transporte, foram desenvolvidos como instrumentos um questionário, um formulário para pesquisa embarcada e roteiros de entrevistas. Dos resultados da pesquisa, destaca-se como principal conclusão a diversidade de realidades do transporte escolar rural encontrada no Brasil. Dados os diferentes contextos geográficos, culturais e econômicos entre as diversas regiões e municípios do país, podem ser identificados estados e municípios que prestam o serviço com altos padrões de qualidade, enquanto outros, em geral, os de pior condição econômica, precisam fazer grandes adaptações para garantir essa mesma prestação. As próprias percepções e opiniões dos envolvidos no transporte escolar

rural, levantadas na pesquisa, variam em termos do que cada um considera prioritário, ou de como deveria ser um serviço ideal. Assim, entendida essa diversidade, fica mais clara a complexidade da tarefa de planejar e organizar este setor, essencial para o suporte à Educação no País. Outra conclusão é a necessidade de diferenciação do planejamento e da operação do transporte escolar rural da realidade do mesmo serviço oferecido em áreas urbanas. Esta distinção deve ser considerada inclusive em termos de veículos, uma vez que, na zona rural, são expostos a condições muito mais severas de operação (falta de vias, trânsito em áreas de pastagem ou de atoleiro, etc.), devendo, portanto, receber atenção especial em itens como suspensão, pneus, balanços, iluminação externa, entre outros. Além disso, também devem ser consideradas às especificidades em termos de definição de freqüências, roteiros e aspectos de segurança, dadas as distâncias muito maiores, e à característica social encontrada em inúmeros municípios brasileiros de que o transporte escolar rural é, para várias zonas rurais, o único meio de transporte público disponível. Desse modo, a partir dos primeiros resultados da pesquisa e com um entendimento melhor do fenômeno transporte escolar rural, outras atividades foram iniciadas pela parceria Ceftru (UnB) e FNDE (MEC). Atualmente, estão sendo desenvolvidos produtos que têm o objetivo de servirem de ferramentas para auxiliar os estados e os municípios no planejamento e execução do seu transporte escolar. Dentre esses produtos, pode ser destacada a metodologia para o conhecimento do usuário, a ser aplicada pelos municípios, de forma a saber quem são, onde estão e quais as necessidades dos estudantes que usam o serviço. Há, também, um manual com critérios para a regulamentação do transporte escolar rural, que facilitará a elaboração, por parte de estados e municípios, de legislações específicas que regulamentem esse transporte; e

* Rozangela Gasparini é graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e mestre em Engenharia de Transportes, com ênfase em Operações de Transportes, pela Universidade de Brasília (UnB). No Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru-UnB), é gerente do projeto Transporte Escolar Rural.

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uma metodologia para o planejamento da operação, o que vai auxiliá-los a prestarem esse serviço de forma mais eficiente, atendendo ao máximo a demanda existente. E, ainda, uma revisão dos critérios usados para o repasse dos recursos do FNDE, que proporciona aos municípios mais necessitados um beneficiamento adequado; e uma metodologia para o cálculo do custo do transporte escolar rural por cada aluno. Cabe destacar, ainda, o desenvolvimento de um estudo que aponta a melhor configuração de veículos para o transporte escolar, de modo que sejam coerentes com a realidade encontrada nas áreas rurais brasileiras. Este estudo está em consonância com o programa do Governo Federal “Caminho da Escola”, que objetiva, por meio de financiamento, renovar e ampliar a frota de veículos de transporte escolar no País. Para finalizar, questiona-se o que ainda não foi colocado neste texto, mas que é de suma importância para o entendimento da relevância da pesquisa: por que estudar o transporte escolar rural? Essa pergunta começou a ser respondida assim que os primeiros resultados do estudo surgiram. Dentre as respostas pode ser destacado que o transporte escolar rural contribui para o desenvolvimento da educação, auxiliando o acesso e a permanência dos alunos na escola. Contribui também para a diminuição da evasão escolar, visto que muitas crianças não teriam outra forma de chegar à escola sem o transporte. Esse transporte propicia, ainda, um melhor rendimento escolar, já que diminui o tempo de viagem dos alunos para chegarem às instituições de ensino, reduzindo o cansaço e melhorando a concentração nas aulas. Sem falar que pode ajudar a inclusão social desses estudantes que residem em regiões isoladas e fazem do transporte um meio de interação social. Todos esses aspectos deixam clara a importância do transporte escolar rural como atividade auxiliar na garantia do direito constitucional à educação.

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DIDÁTICA

Um olhar compartilhado José Ronaldo Aguiar Salgado*

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O professor tem que ser um profissional, um estudante e, acima de tudo, uma pessoa além da média. Não é à toa que o magistério é sempre apresentado como uma atividade que deve ser exercida com a doação máxima, numa perspectiva de tornar-se um eterno devoto da arte de educar. Pensar esta como um ato de amor deveria ser redundante. No entanto, apesar das grandes colaborações de pensadores de áreas como a Pedagogia e a Psicologia, sobretudo aquela relacionada ao desenvolvimento cognitivo, é assustadora a reificação a que são submetidos os educandos e a impessoalidade antipedagógica presentes na sala de aula. Este artigo nasceu a partir de uma palestra na Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC) em junho de 2008, dentro de um projeto para novos (e veteranos) professores da instituição. A idéia foi refletir com eles sobre educação, práticas pedagógicas, didática de ensino, sala de aula e relação professor-estudante, tendo como ponto de partida a experiência do professor com estudantes no Curso de Comunicação Social da UFC, onde ensina desde 1988. A questão-chave na discussão sobre a pedagogia e tudo o que ela implica é a presença do amor e da afetividade na prática educativa, um legado deixado pelo educador Paulo Freire. Uma assertiva de Freire está para sempre gravada na minha memória: “na verdade, preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade” (1997, p. 159). A frase funciona como substrato da minha compreensão do papel do educador ao longo do tempo. Interessante saber que Freire vê na afetividade e no amor – a que denomina “amorosidade” – as vias pelas quais se facilita o processo ensino-aprendizagem. Em suma, não se educa sem amor; afinal, educar é dar-se ao outro na plenitude da consciência crítica em benefício da emancipação humana. O que é o amor em Freire? Para responder à questão, faz-se necessá-

rio ressaltar as diretrizes pedagógicas através das quais o educador enxerga a educação com o olhar amoroso: o diálogo, a esperança, a oralidade, o perguntar, a criticidade, a autonomia, o respeito à diferença, a práxis e a qualidade do ser amoroso. Ora, amor não é ferramenta; é diálogo, afetividade e aprendizado. Amor é motivação de quem ensina-aprende e de quem aprende-ensina; é dar atenção ao outro, valorizar o outro em toda a dimensão. Educação amorosa, portanto, é uma via de mão dupla em que não existe placa de contramão. Sem pôr os pés nas alturas, Freire ensina: o amor “é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro como sujeito de seu amor. Não se trata de apropriar-se do outro [...]. Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir da comunicação com os demais. Não há educação sem amor” (1981, p. 29). Com efeito, é imperativo retomar a compreensão da prática docente aliada à afetividade, caminho tranqüilo para que se possam propiciar condições a estudantes em todos os níveis de ensino. Assim, as relações de uns com os outros e com o professor ou a professora, conforme o educador, “ensaiam a experiência de assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva, porque capaz de amar” (Freire, 1997, p. 46). Nesses 20 anos de magistério superior, pus-me em constante processo de auto-avaliação, ao final de cada semestre letivo, refletindo sobre práticas docentes, didáticas de ensino, metodologias nas salas de aula e relacionamento com estudantes, sempre com base no que Paulo Freire alerta em relação à educação como indissociável de uma expressão de amor e afetividade. Ora, Freire propugna a afetividade e a amorosidade como caminhos pelos quais o processo ensino-aprendizagem é facilitado. De que maneira isso é levado em conta na condição de professor? Afastando-me do medo de me relacionar com os estudantes, tratando-os pelo nome, olhando-os dentro dos olhos de cada um, doando-me com prazer e alegria a eles, à sala de aula, às prepa-

* José Ronaldo Aguiar Salgado, bacharel em Comunicação Social pela UFC e jornalista profissional, é professor e mestre em Literatura Brasileira pela UFC (2004). Atualmente, leciona as disciplinas Laboratório de Jornalismo Impresso e Jornalismo de Cidade e é coordenador do curso de Comunicação Social da UFC.

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rações das aulas, às correções de trabalhos e avaliações com minudências e observações, críticas e elogios e participando dos espaços de convivência dentro e fora da universidade em toda a plenitude. Afinal, “ensinar exige querer bem” aos (às) estudantes, “significa, de fato, que a afetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá-la. Significa esta abertura ao querer bem à maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano” (Freire, 1997, p. 159). Isso implica – ainda na perspectiva freiriana – que a atividade docente tem de ser, necessariamente, uma experiência alegre por natureza. Em suma, engana-se quem pensa ser o processo ensino-aprendizagem de ordem meramente cognitiva ou intelectual. Com base nas proposições de Paulo Freire, Lidiane Costa é taxativa ao afirmar que: o “modo como nos sentimos influencia de forma significativa no como ensinamos e no quanto aprendemos. Por isso, não podemos ignorar a dimensão emocional e afetiva para a melhoria do aprendizado dos educandos, compreendendo que a afetividade é uma forma pedagógica de motivar, de incentivar os educandos nos estudos” (Costa, 2004, p. 84-5). Enfim, educação amorosa pressupõe liberdade com responsabilidade, olhares em movimento, fazeres e saberes múltiplos e compartilhados, perscrutar potencialidades nas relações humanas, esgarçar os espaços da sala de aula, enxergando-a como espaços de sociabilidade. Significa doar-se como educador à tarefa da emancipação humana através do conhecimento e da comunhão de vivências, emoções e afetos.

Referências bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia e autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 4. edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1981. COSTA, Lidiane B. A afetividade na prática alfabetizadora de jovens e adultos. In: OLIVEIRA, Ivanilde A. de (Org.). Cadernos de atividades pedagógicas em educação popular: pesquisas e práticas educativas de inclusão social. Belém: UEPA, 2004.

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Governo do Estado (ES)

EDUCAÇÃO EM NOTÍCIAS

mação básica do aluno e de defesa à diversidade religiosa e cultural. Esses são os principais objetivos da aquisição de cerca de dois mil livros de diferentes crenças religiosas pela Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF). No total, foram investidos cerca de 45 mil reais na aquisição de 332 unidades de cada livro de diferentes doutrinas religiosas. São eles: o Alcorão (islamismo); Axé-Mercosul: as religiões afro-brasileiras (africana); Bhagavad Gita (hindu); Bíblia de Estudos TEB (cristianismo); Dhammapada – A Senda da Virtude (budismo); O Livro dos Espíritos (espiritismo). A decisão da prefeitura de manter em seu acervo os livros de crenças distintas confirma o que está no Artigo 33 da LDB: “o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil [...]”.

Educação de Adultos é tema central do encontro

Brasil sedia conferência Internacional sobre educação

O Brasil vai sediar, em maio de 2009, na cidade de Belém (PA), a VI Conferência Internacional sobre Educação para Adultos (Confintea), um ambiente que busca possibilitar o diálogo e a avaliação das políticas de ensinoaprendizagem de jovens e adultos na esfera internacional. O Brasil é o primeiro país do hemisfério sul a sediar uma conferência de tamanha grandeza no campo da Educação de Jovens e Adultos. Antes, no México, de 10 a 13 de setembro de 2008, a Unesco organiza a Conferência Regional sobre a Alfabetização e a Preparatória para a VI Confintea na América Latina e no Caribe (LAC), em cooperação com o Instituto Nacional de Educação de Adultos (INEA). O

encontro faz parte de uma série de seis conferências regionais em apoio à alfabetização no mundo. Durante a conferência, é debatida e aprovada a síntese do documento regional, baseado nos relatórios nacionais enviados pelos Estados integrantes. A consolidação da perspectiva regional, que vai ser apresentada na VI Confintea, destaca as principais questões, desafios e estratégias orientadas para o futuro relacionadas à alfabetização, educação de jovens e adultos e aprendizagem ao longo da vida. Mais informações podem ser encontradas no saite da Unesco (www. unesco.org.br).

Prefeitura de Fortaleza investe em livros de religiões

Promover o ensino religioso por meio de uma prática integrante da for-

Prêmio estimula produção de Trabalhos sobre questão de gênero

Estão abertas, até o próximo dia 31 de outubro, as inscrições para a 4ª edição do prêmio Construindo a Igualdade de Gênero. A iniciativa é uma parceria entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, o Ministério de Ciência e Tecnologia, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o MEC e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem). O prêmio integra o programa “Mulher e Ciência”, que busca estabelecer as bases para mudanças culturais profundas e um mundo de plena eqüidade de gênero. O objetivo é estimular a produção científica e a reflexão sobre as relações de gênero no país e promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas. As inscrições deverão ser feitas por meio do saite (www.cnpq.br) ou pelos Correios.

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Ensino de música será obrigatório no currículo escolar.

Divulgação

Todas as escolas públicas e particulares do Brasil vão ter de acrescentar, no prazo de três anos, mais uma disciplina na grade curricular obrigatória. Em agosto, a Lei nº 11.769 foi sancionada pelo então presidente em exercício José Alencar. Ela altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e torna obrigatório o ensino de música no ensino fundamental e médio. A música é conteúdo optativo na rede de ensino, a cargo do planejamento pedagógico das secretarias estaduais e municipais de educação. No ensino geral de artes, a escola pode oferecer artes visuais, música, teatro e dança. Com a alteração da LDB, a música passa a ser o único conteúdo obrigatório, mas não exclusivo. Assim, o planejamento pedagógico deve contemplar as demais áreas artísticas. Até 2011, uma nova política vai definir em quais séries da educação básica a música será incluída e em que freqüência. “A lei não torna obrigatório o ensino em todos os anos, e é isso que será articulado com os sistemas de ensino estaduais e municipais”, explica Helena de Freitas, do Ministério da Educação. O desafio que surge com a nova lei é a formação de professores. Segundo os dados mais recentes do Censo da Educação Superior, de 2006, o Brasil tem 42 cursos de licenciatura em música, que oferecem pouco mais de 1,6 mil vagas. Em 2006, apenas 327 pessoas formaram-se em Música no Brasil.

Fernanda Abreu defende o ensino de música.

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Museus recebem incentivo para entrar na rota do turismo

A “aventura cultural da mestiçagem” é tema da Bienal

A intensa e múltipla programação da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará vai ser sedia, mais uma vez no Centro de Convenções de Fortaleza (Ceará). O evento, que acontece de 12 a 21 de novembro de 2008, vai contar ainda com destacado espaço físico da Universidade de Fortaleza (Unifor). O tema deste ano é “A aventura cultural da mestiçagem”, que abrange duas comunidades lingüísticas: a portuguesa e a espanhola, totalizando 30 países situados em quatro continentes: África, América, Ásia e Europa. A ousadia de tal abrangência desloca o foco habitual das programações literárias de outros eventos similares, concentrando-se em evocar a multiplicidade de culturas e a condição mestiça de suas raízes. Motivada pelo tema central, a programação da Bienal vai integrar diversas culturas, reconhecendo seus hábitos, costumes e literatura, e com a democratização e a mobilização do acesso universal ao livro, à leitura e à produção literária. A 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará é uma iniciativa do Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará (Sindilivros), em parceria com a RPS Eventos, e conta com a cooperação de entidades como Câmara Brasileira do Livro, Associação Nacional de Livrarias, Academia Cearense de Letras, Câmara Cearense do Livro, entre outras.

Os ministérios do Turismo e da Cultura lançaram, no dia 25 de agosto, um programa de qualificação de museus para o turismo. A idéia é transformar os museus em atrações visitadas pelos turistas que vêm ao País, como ocorre com monumentos como Cristo Redentor e Pão de Açúcar. Na primeira etapa foram escolhidos sete museus que ficam em cidades candidatas a sediar a Copa do Mundo de 2014. Entre os beneficiados, estão os museus de Arte Sacra da UFBA, na Bahia; a Casa das Artes do Divino, em Goiás; o Museu da Inconfidência, em Minas Gerais; o Museu Emílio Goeldi, no Pará; o Museu do Homem do Nordeste, em Pernambuco; o Museu Nacional de belas Artes, no Rio de Janeiro; e o Museu Oceanográfico, no Rio Grande do Sul. Os ministérios pretendem investir R$ 2 milhões em capacitação de profissionais, divulgação dos museus, panfletos e identificação de obras trilíngue (português-espanhol e inglês) e desenvolvimento de roteiros temáticos em que esses museus estejam inseridos.

Programa social de Curitiba recebe prêmio de alfabetização

Brasil, Etiópia, África do Sul e Zâmbia foram os vencedores dos quatro prêmios internacionais de alfabetização da Unesco 2008. O Prêmio de Alfabetização da Associação de Leitura Internacional da Unesco foi concedido ao programa “Alfabetizando com saúde”, da Prefeitura de Curitiba, que vai ser premiado com 20 mil dólares pelo seu êxito durante anos e a colaboração genuína com e entre os órgãos Municipais de Educação e Saúde da Cidade de Curitiba.

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OPINIÃO

Um ano de desafios e conquistas O Plano de Desenvolvimento da Educação inicia o processo de construção do Sistema Nacional de Educação neste país ao estabelecer metas e diretrizes para o conjunto da educação. Além disso, o PDE deu condições para que municípios e estados planejassem ações plurianuais, de forma integrada, com base em diversos instrumentos de avaliação diagnóstica como a Prova Brasil. Entre os tantos avanços possibilitados pelo Plano, considero ainda que o estímulo à colaboração entre todos os atores que promovem a educação consolidou boas experiências e, revelou várias outras, de acordo com as realidades de cada região. Ao identificar as demandas educacionais das redes de ensino e ao construir um banco de dados com uma radiografia da situação educacional do país, o Governo Federal pode construir políticas nacionais adequadas para a amplitude territorial brasileira, além é claro, de corrigir as falhas e desigualdades existentes desde o início de nossa história. Um olhar cuidadoso para a educação infantil, com programas como o Pró-Infância, acesso à escola para crianças a partir de quatro anos e o incentivo à construção de creches elevam a educação básica. A alfabetização de jovens e adultos é outra questão que merece reconhecimento, embora ainda não esteja em um cenário ideal, resgata o direito àqueles que nunca antes tiveram oportunidade de estudar. Bolsas de incentivo e merenda escolar são pontos defendidos pela Undime, além de uma educação no campo com mais compromisso e recursos. A intensificação de programas de formação de professores é outro ganho desta nova fase da educação no

Justina Iva de Araujo Silva é presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Dirigente Municipal de Educação de Natal (RN) e professora universitária.

nosso país. Com programas desenvolvidos por meios virtuais à distância, os professores podem conhecer um mundo novo. Os resultados destas iniciativas em sala de aula já podem ser percebidos pelo Educacenso e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), outra boa ação de avaliação que não pune, mas identifica quais municípios precisam de mais atenção e financiamento. A aproximação com as universidades e outras instituições formadoras é um sinal de que as dificuldades educacionais do país começam a ser vistas de forma holística. A aprovação de legislações que garantem o direito à educação pública de qualidade termina por moralizar o setor, que todos sabemos, ainda tem muitos desafios.

Os reflexos dessas ações na aprendizagem somente poderão ser identificados em médio prazo, mas com a constituição de redes e com os debates acerca dos resultados de cada escola por meio no Ideb, nasce um modo de gestão sustentado pela discussão e reflexão, voltado para a melhoria da organização interna das escolas das secretarias planejado para garantir a oferta de educação para todos e todas. Esse diálogo pode ser testemunhado pela Undime, que em todas as etapas da construção do Plano esteve presente como conselheira. Reivindicações de quem em contato direto com alunos e famílias estão finalmente sendo respeitadas e consideradas. Nunca nossa voz falou tão alto, com tanta seriedade e alegria.

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