Vertigem Mag maio/2010

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cérebro: em livre, dificuldade, encadear. Em 2001, o F. Ataíde semi-equipa a via Tomatada (8a+) que saindo do 2º largo da Transatlântica aponta a direito para a proa mais estética da parede, um sólido e liso extraprumo que se revelaria um osso bem duro de roer. Este largo, assediado de tempos em tempos, seria encadeado em 2005 pelo Francisco e é ainda hoje o de maior dificuldade do Espinhaço. Nos anos seguintes, as velhas vias de artificial, conquistadas penosamente, a abrir caminho, a descobrir recantos virgens, a contornar blocos oscilantes (e a deixá-los lá!), vão aos poucos sendo vencidas em livre e agora reapreciadas e reavaliadas neste novo estilo. E assim, os “A” das cotações de artificial vão sendo também traduzidos em linguagem de escalada livre e cada vez mais ganham um significado enigmático e obscuro para as novas gerações, que aos pitons e aos estribos só os conhecem agora nas chuteiras de futebol e nos cavalos. Mas os conquistadores do 3º Milénio não se contentam com repetições e as libertações mais acessíveis das velhas vias de artificial depressa acabam. É altura de olhar para os recantos que sobram. E um dos muros extraprumados que sobram não podia ser mais óbvio, mesmo por cima de todas as vias mais clássicas e por onde passa o 3º largo da Cuba Livre. Por aí abrem em 2007 e desde baixo, a pequena via Telefuncken (7a+), a ecléctica tripla, moimême, Leopoldo Faria (Leo) e Fernando Pereira. Encostados na coragem uns dos outros vão vendo passar, umas atrás das outras, grandes, sólidas e boas televisões de marca alemã, onde dava um filme que era à vez de terror para um e de suspense para os outros dois. No mês a seguir o Leo abre também nesse

muro, mas com protecções fixas, a via Guantanamo (7c+) de belos movimentos dinâmicos e que, pela sua acessibilidade, foi palco de muitos fins de tarde de esplanada bem passados.

Mas esta via veio também mostrar-nos outra coisa, a pobreza constrangedora do nosso arnês no que dizia respeito à quantidade de friends, isto é, de “amigos”. E de facto, tamanho misantropismo do nosso arnês era inconciliável com a necessidade de amigos para proteger nesta “nova” modalidade, A abertura da via Telefuncken, sem protecções fixas e inicialmente mesmo sem reunião equipada, veio mostrarnos a existência de um possível mundo novo no Espinhaço de dificuldade aliada à auto-protecção de que até aí apenas se podia ter uma ideia na via Palácio da Lua. O entusiasmo de abrir uma via de baixo e com uma regra nova, pelo menos para mim, de custe o que custar “não usar chapas!”, fez-me perceber

F. Costa e Silva num passo duro e a avaliar o friend C3 verdinho nos pés. 2º largo da Cuba Livre (7c), Espinhaço, 2010 (foto: Ricardo Alves)

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