Compendio de Teologia

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Outras almas, porém, viverão na miséria, conforme se lê no Evangelho de São Lucas: "O rico morreu, e foi sepultado. Achando-se em tormentos no inferno..." (Lc 16,22,23).

CAPÍTULO CLXXIX A PENA DOS CONDENADOS CONSISTE EM MALES ESPIRITUAIS E CORPORAIS 1 — Deve-se, contudo, considerar que a felicidade das almas santas consistirá somente no gozo dos bens espirituais, ao passo que, antes da ressurreição, a pena das almas condenadas não será somente de males espirituais, como alguns ventilaram essa opinião, mas elas suportarão também penas corporais. A razão dessa diferença está em que as almas dos santos, enquanto nesta vida foram unidas aos corpos, seguiram a sua ordenação: não se submeteram às coisas corpóreas, mas, somente a Deus, em cuja fruição consiste toda a felicidade delas — não no gozo das coisas corpóreas; as almas dos maus, porém, não 195

tendo seguido a ordem da natureza, pelo afeto submeteram-se às coisas corpóreas, desprezando as divinas e espirituais. Conseqüentemente, devem ser punidas, não só pela privação dos bens espirituais, mas inclusive por aquilo que as submeteram às coisas corpóreas. 2 — Por essa razão, se, nas Escrituras Sagradas, for encontrada alguma promessa, feita às almas santas, de retribuição de bens corporais, isso deve ser interpretado misticamente; porque é costume, nas Escrituras, serem as coisas espirituais designadas pela semelhança de coisas corporais. Por isso também os textos das Sagradas Escrituras que prenunciam as penas corporais para almas dos condenados, isto é, que elas serão atormentadas pelo fogo do inferno, devem ser interpretadas literalmente.

CAPÍTULO CLXXX PODE A ALMA SOFRER A AÇÃO DO FOGO CORPÓREO? 1 — Para que não se pense ser absurdo sofrer a alma separada do corpo ação do fogo corpóreo, deve-se considerar que não é contra a natureza da substância espiritual ser retida pelo corpo. Isso realiza-se pela própria natureza, como se pode verificar na união que há entre a alma e o corpo, e nas mágicas, nas quais o espírito fica retido por imagens, por anéis, ou coisas semelhantes. Entretanto, isso pode ser também feito por virtude divina, de modo que as substâncias espirituais, sem embargo de por natureza estarem elevadas acima de todos os corpos, sejam retidas por determinados corpos, ou seja, pelo fogo do inferno, não como se a ele estivesse unida, mas de certo modo a ele se submetendo. Esse fato, ao ser verificado pela substância espiritual, é-lhe aflitivo, isto é, ver-se ela submetida a uma criatura inferior. Esse conhecimento que é aflitivo à substância espiritual, confirma o que se diz: a alma ao ver-se queimada, queima-se. Não deixa também de ser razoável dizer-se que aquele fogo é espiritual, porque o que a aflige é o fogo, conhecido como retendo-a. 196

2 — Que tal fogo seja corpóreo, comprova-se pela afirmação de São Gregório, que disse sofrer a alma a ação do fogo não só enquanto o vê, mas também enquanto o experimenta. E porque aquele fogo, não por sua natureza, mas por virtude divina, tem capacidade de reter uma substância espiritual, muitos convenientemente afirmaram que ele age sobre a alma como instrumento da justiça divina vindicativa, não agindo sobre a substância espiritual como age sobre os outros corpos, aquecendo, secando ou dissolvendo, mas prendendo, como foi dito. 3 — Porque a causa próxima da aflição da substância espiritual é ter conhecimento de que o fogo a retém devido a uma penalidade, pode-se facilmente compreender que, mesmo se ela fosse desligada da retenção ao fogo apenas por uma hora, não deixaria de sentir a aflição contínua, como


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