O Manto Diáfano nº 15 - 30 de novembro de 2016

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o manto diáfano

nº 15 ∙ Brasília/DF ∙ 30 nov 2016

Moça: Não te assustes, Romeu, é o ar. Eis o teu novo sono, Romeu. O novo sono revelador. Se entregue à simples, inegável e incombatível presença da coisa… A própria coisa se faz respirar, e teu pulmão não é mais teu. A isto chamamos “O SONO TECNOLÓGICO”, e convém, mas não adianta se assustar… Relaxe, Romeu. Se entregue à tua nova realidade. [ROMEU DESABA AO SOLO, DORMINDO].

Cena 03 — Int./Noite. — Onírico Sobre-Sem Cenário — “O sonho de Romeu” MERCÚCIO ENTRA CORRENDO NU, DE PERUCA PINK, COMENDO ALGODÃO DOCE VERDE. CAI UM PENICO NO PALCO (DO ALTO-CENTRO). ENTRAM 3 GORDAS PINTADAS COM BOLAS E COMEM 3 CACHORROS-QUENTES, ENQUANTO UMA ENORME BOCA MULTIMÍDIA SE ABRE, FAZENDO EXPLODIR 3 DENTES. NESTE INSTANTE, SOLTA-SE UMA OVELHA NO PALCO, PARA VER O QUE ACONTECE.

Cena 04 — Int./Noite. — Discoteca Anos 70 (Studio54) — Romeu desperta Romeu (monólogo): Acordo e vejo que novamente vivo o pesadelo, e que para sempre perdi a velha Verona. Este é o tempo novo, mas que tempos? E onde está o Sol? Sonhei com Mercúcio. (Pra que lado está o Norte?). Mercúcio carregava ovelhas, acho que do pai dele. E vi Julieta — ah, meu amor — com as bochechas rosadas, comendo queijo-com-goiabada. Mas, pobrezinha, no sonho ela estava com dor-de-dentes… Por fim, vi bicicletas jorrando de um banquete de muitos tipos de pães e salsichas, pais e mães nus, de mãos dadas e todos juntos, com os pés no riacho ao fim da tarde, discorrendo-se sobre o amor e escorrendo-se em fendas verticais e travessias horizontais de diferentes vértices, durações e calibragens. Sonhar, sonhar, sonhar que se esquece e que nem se faz sentido… Sonhar para lembrar, mas como entender o que dizem? Serão estas lembranças reais? Se alguém mais pudesse ver os meus sonhos, será que mos diria como os digo? Ah, que no seio do tempo algum dia algum Fulano ou Freudicrano explique o fato e elabore, sob fino tato, a fixação retratada da luz etérea refratada da doce imagem onírica da noite, que traz meu amor. Fantasmagórico, semi-confuso, erótico e completo.

Cena 05 — Int./Noite. — Discoteca — Romeu parece Alice e encontra-se com Dorothy, depois foge. Romeu [TERMINA DE ACRODAR E SAI ANDANDO PELA BOATE. ECONTRA UM ENORME BOTÃO SURREAL VERMELHO SOBRE O SOLO, ESCRITO “JUMP HERE”]: Jum... pê.. ére.. Oh, creio desconhecer esta língua bárbara, este estranho dialeto, ainda que não me sejam estranhas as letras do alfabeto. O que fazer? [PERAMBULA SOBRE O BALCÃO DO BAR, ENCONTRA UM FRASCO ESCRITO “EAT ME”]: Mais e mais hieróglifos, nesta estranha sala… Preferiria a morte verdadeira, por real e efetivo veneno do Boticário… Antes a morte sem ilusões do que a psicodelia desta nova realidade para a qual aquela porção mágica me despertou. [ENTRA A MOÇA DE LAS VEGAS, VESTIDA DE DOROTHY DO MÁGICO DE OZ]. Moça: Romeu, não seja ridículo. Não diga “PSICODÉLICO”. Vai estragar a peça… Deixa de ser anacrônico, Romeu! Romeu: Sinto muito, moça. (E ALOPRA) Aliás, meu nome é Romualdo (atira a peruca ao chão) e essa Julieta-coisa aí já tá difícil demais, e essa mina eu já comi várias vezes, então foda-se esta peça, que eu já tô puto de ficar falando difícil. 22


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