Coletânea de Textos brasileiros

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Caetano — Eu não sei, eu não sei.Talvez o fato de ser predominantemente feminino o contingente de professores de crianças pequenas contribua, ou seja mesmo uma condição para que essa função seja exercida de uma maneira muito menos profissional, de uma maneira quase pessoal, familiar. Em vez de profissional, e sem muita tendência profissionalizante.Talvez seja porque junto com várias coisas arcaicas tem aí também a própria idéia de que a mulher não é, nem deve, nem precisa ser muito intelectualmente desenvolvida. Eu acho que está embutido aí, talvez, uma velha visão da mulher, também, talvez esteja. Eu vejo, quando você descreve essas questões... Monique — Que visão da mulher você tem em relação a isso? Porque você é bem ambíguo, muitas vezes, assim, publicamente... Caetano — Ah! Sou, sou, intimamente mais ambíguo ainda! Intimamente mais ambíguo ainda. Eu acho que evidentemente tem coisas boas nesse fato de ser sobretudo mulheres que ensinam as crianças, tem coisas boas no fato de as mulheres não serem muito boas profissionais também, não terem uma tendência, ou um convite da sociedade para que elas sejam intelectualmente muito responsáveis. Isso leva coisas boas também no trato das professoras de crianças na primeira fase. Monique — Que tipo de coisas? Caetano — Eu não sei, talvez esse próprio calor personalizado, maternal, confundido com a família, tenha em si mesmo algumas vantagens que se a gente... Monique — Mas você disse na escola do Moreno que você não queria... Caetano — Não queria e não quero... eu estou dizendo apenas que embora..., eu não quero, mas eu acho que deve ter coisas boas, que é o que mantém isso. Eu acho que deve ter, porque eu vejo que tem. Eu acho o seguinte: essas pessoas que se desvelam nessa profissão são pessoas maravilhosas e não é o fato de haver um equívoco dessa natureza em relação a isso que diminui aos meus olhos a beleza do perfil psicológico da professora da criança pequena, entendeu? Eu digo assim, a idéia geral que eu faço da moça que ensina as crianças na primeira fase é uma idéia benigna, em primeiro lugar, uma idéia boa. Essas características pouco profissionais devem conter alguma coisa de muito boa, eu acho, porque tudo isso, a mera existência de professoras já é uma coisa muito boa, entendeu, quando não há estímulo profissional para que haja professoras. Então eu queria apenas estar dizendo uma coisa carinhosa que elas merecem. O que não quer dizer que eu ache que as coisas devam permanecer assim, ao contrário: eu acho que quanto maior desenvolvimento intelectual e consciência do que elas estão fazendo por essas pessoas, sobretudo mulheres, puderem ganhar, melhor será para elas e para a profissão e melhor será para o ensino no Brasil. Até mesmo para aquela visão mais geral de que a gente estava falando sobre a necessidade de democratização do ensino público no Brasil... Monique — Exatamente. Caetano — Então, a minha posição é nitidamente favorável a uma superação de uma fase amadorística, embrionária do ensino para crianças pequenas. Mas, quando eu disse que deve haver coisas boas é porque eu suponho que há alguma coisa muito delicada, muito profunda nessa questão da ambição moderna de equiparar o homem à mulher nas suas potencialidades como sujeitos sociais, entendeu? Eu acho que esse é um assunto que me interessou desde a minha primeira infância, uma coisa que me interessa desde que eu era criança, que os assuntos que são assuntos do feminismo são assuntos meus...

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