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Sexta-feira Santa Fé, cultura e tradição


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Belém, sexta-feira, 29 de março de 2013

ESPECIAL AL SEXTA-FEIRA SANTA

Sexta-feira Santa Fé, cultura e tradição

Velha, onde estas tradições ocorrem; conhecer um pouco de suas origens históricas e como aconteciam na Belém dos séculos XVIII, XIX e primeira metade do século XX. Conversaremos com os padres diocesanos Monsenhor Nelson Brandão Soares e Monsenhor Geraldo Menezes, com a Professora Maria de Belém Menezes, com o Padre Salesiano Alberto Bresciani, com a Irmã Maria Lúcia Câmara e com o jornalista Luiz Euclydes, todos testemunhas vivas dessa linda história que emoldura a cultura e a religião de nosso povo. Também ouviremos a música suave do Coral Santa Cecília; visitaremos as igrejas centenárias do centro histórico de Belém através das belas fotos de imagens sacras; rezaremos a As Sete Dores de Nossa Senhora; meditaremos sobre o Encontro entre Maria e Jesus com o Seminarista Maurício Henrique Almeida dos Santos; e finalizaremos conversando com uma família de oito irmãos, que integram as novas gerações de jovens e crianças, que mantém estas tradições na Belém do século XXI. O Liberal presenteia seus leitores com este Caderno Especial de Sexta-feira Santa 2013, uma proposta jornalística inovadora, que pretende oportunizar a valorização de nossas tradições culturais e religiosas.

Diagramação e Edição de Arte: Henrique Corrêa | Foto da Capa: Ary Souza

FOTO: jel brelaz

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a Sexta-feira Santa a centenária cidade de Santa Maria de Belém é palco de belas tradições religiosas, que se expressam por meio da fé e da arte de nosso povo.Trazidas pelos portugueses, estas tradições de piedade popular (em forma de procissões, sermões, orações,etc.) foram se perpetuando pela gente simples da Amazônia, moldando-se de tal maneira aos nossos costumes e coloridos regionais, que acabaram por incorporarem-se ao calendário da cidade; sendo esperadas o ano inteiro por milhares de pessoas. Estamos falando da Procissão da Fugida; das Procissões de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores; cujas imagens encontram-se na frente da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, onde acontece o famoso Sermão do Encontro (que este ano será proferido pelo Padre Diocesano Glaucon Feitosa); da Procissão do Encontro já com as duas imagens seguindo até a Catedral; da Cerimônia do Sermão das Sete Palavras que ocorre na Capela do Colégio Santo Antonio (que hoje será pregado pelo Frei Capuchinho Eduardo Farias); da Procissão do Senhor Morto e da Tradição de Visitar Sete Igrejas. Vamos hoje fazer um passeio pelas centenárias ruas dos bairros da Campina e da Cidade


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FOTO: SHIRLEY PENAFORTE

A procissão de Nosso Senhor dos Passos e o encontro com Nossa Senhora das Dores

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ntre as manifestações de piedade popular celebradas na Sexta-feira Santa em Belém destaque-se a Procissão de Nosso Senhor dos Passos, a Procissão de Nossa Senhora das Dores, o Encontro entre as duas imagens (que simboliza o encontro de Jesus Cristo, a caminho do Gólgota, com sua Mãe Maria Santíssima) e o Sermão do Encontro, que este ano será celebrado pelo Padre Gláucon Feitosa; e após, tem início uma terceira procissão, já com as duas imagens juntas, sendo Nosso Senhor dos Passos a frente e Nossa Senhora das Dores atrás, seguindo até a Catedral, onde encerra. Estas procissões foram trazidas de Jerusalém para Portugal nos fins do século XV e início do século XVI, chegando a Belém no século XVIII.

Três reputados sacerdotes de Belém, Padre Alberto Bresciani, Monsenhor Geraldo Menezes e Monsenhor Nelson Brandão Soares, afirmam que esta tradição sofreu algumas mudanças e adaptações no decorrer dos séculos, relativamente ao percurso, ao formato e ao dia de realização. Segundo eles, no calendário litúrgico da Igreja Católico dos fins do sé culo XIX até o início da segunda metade do século XX, a semana que antecedia a Semana Santa era de nominada de Semana da Paixão; e era nesta semana que se realizava a Procissão do Encontro. Padre Alberto Brescian (75 anos), Reitor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo relata que nos primórdios desta tradição em Belém, a Procis-

são do Encontro era antecedida da chamada Procissão da Fugida do Senhor, que ocorria na Quintafeira da Paixão, quando, a noite, no escuro, saía da Igreja de Nossa Senhora do Carmo uma procissão que conduzia a imagem de Nosso Senhor Carregando a Cruz em direção a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, onde a imagem pernoitava. No dia seguinte, bem cedinho, uma outra procissão saía também da Igreja de Nossa Senhora do Carmo conduzindo a imagem de Nossa Senhora das Dores, ao mesmo tempo em que a imagem de Nosso Senhor Carregando a Cruz, que pernoitara na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, saía também em procissão, de modo que ambas as procissões com as imagens encontravam-se no


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meio do caminho, retornando juntas de volta para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Não se sabe precisar a data em que estas centenárias imagens deixaram de sair na procissão., nem tampouco quando o percurso e o formato mudaram. Mas, as antigas imagens ainda estão na Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Monsenhor Nelson Brandão Soares (85 anos), conta que desde 1928, aos cinco anos de idade, quando residia na Rua Dr. Malcher ao lado da Igreja da Sé e, posteriormente na Av. Conselheiro Furtado, acompanhava a sua mãe a todas as festas litúrgicas realizadas na Paróquia da Santíssima Trindade, entre elas a Procissão do Encontro. Naquele tempo, relata ele, na Quintafeira da Paixão acontecia a chamada Procissão da Fugida do Senhor, onde os devotos, portando velas nas mãos, saiam da Igreja de Nossa Senhora do Carmo conduzindo a imagem de Nosso Senhor dos Passos (pertencente a esta igreja) e seguiam correndo até a Igreja da Santíssima Trindade (há época já construída), onde a imagem pernoitava para, no dia seguinte, às 16hs, sair em procissão, percorrendo as ruas do bairro da Cidade Velha, fazendo paradas nas centenárias igrejas e capelas, paradas estas que eram denominadas de passinhos. Paralelamente, a Procissão de Nossa Senhora das Dores, que conduzia

esta imagem, saía da Capela de São João Batista, como o é até hoje; sendo que o encontro entre ambas se dava em frente a Igreja das Mercês, onde era proferido o Sermão do Encontro; tradição esta que também se mantém até hoje. Monsenhor Nelson Soares conta que nos anos sessenta, na gestão de Dom Alberto Ramos a frente da Arquidiocese de Belém, fez-se mudar a data da procissão para a Sexta-feira Santa. Neste período, o Monsenhor Azevedo adquiriu para a Catedral uma nova imagem de Nosso Senhor dos Passos, vinda de Portugal, que passou a ser usada na procissão. Outra mudança foi a saída da procissão, que mudou da Igreja da Santíssima Trindade para a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, então já construída. Por muito tempo a procissão da Fugida de Nosso Senhor deixou de ocorrer; de maneira que imagem de Nosso Senhor dos Passos pertencente a Catedral de Belém era levada a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré em um carro, porem, sem um cortejo de fiéis. Em 2011 foi reeditada, em formato de carreata, com a imagem de Nosso Senhor dos Passos sendo conduzida em um trio elétrico, saindo da Catedral após a Missa do Lava-Pés na Quinta-feira Santa em direção à Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré.

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FOTO: jel brelaz


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Procissão de Nossa Senhora das Dores

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fotos: Jel Brelaz

m 1935 a família do Monsenhor Geraldo Menezes (86 anos) transferiu-se do bairro de Nazaré para a Cidade Velha, passando a freqüentar a Capela de São João Batista, há época administrada pelos padres Agostinianos Recoletos. Desde então, quando transcorria o ano de 1935 a família Menezes passou a acompanhar a procissão de Nossa Senhora das Dores. Segundo Monsenhor Geraldo Menezes, a imagem de Nossa Senhora das Dores que é conduzida nesta procissão pertence a Capela de São João Batista, de onde sempre saiu, sendo a mesma imagem desde a primeira edição deste cortejo religioso, que data de mais de três séculos. Para Maria de Belém Menezes, o que mais lhe marcou durante todos esses anos de tradição foi sempre o encontro das imagens e os belos sermões proferidos a frente da Igrejade Nossa Senhora das Mercês. Certa vez, conta ela, mais precisamente no ano de 1943, a imagem de Nossa Senhora vinha pela Rua XV de novembro e a imagem de Nosso Senhor dos Passos, vinha pela Rua João Alfredo, quando Dom Jaime de Barros Câma-

ra, há época Arcebispo de Belém (posteriormente nomeado Cardeal do Rio Janeiro), dirigindo-se àquela imagem, proclamou em voz imponente e emocionada: “Para que vieste Senhora? Para este encontro tão doloroso?” Maria de Belém ainda se lembra como se fosse hoje, do silêncio que se fez naquele momento: “um silêncio orante que levou todos a participar efetivamente da dor de Maria, um silêncio que falava a alma de cada uma das pessoas que ali estavam” conta. Depois, teve início o memorável sermão. A procissão de Nossa Senhora das Dores foi, por muitos anos, organizada pelos padres Agostinianos Recoletos, que eram os responsáveis pela administração da Reitoria da Igreja de São João Batista (de 07 de julho de 1899 - por concessão do 12o Bispo do Pará, Dom Antonio Manoel do Castilho Brandão - até 1o de fevereiro de 1959, por decisão de Dom Alberto Ramos); quando passou à administração da Arquidiocese de Belém, sendo assistida por padres diocesanos, tendo como primeiro reitor o Monsenhor Américo da Silva Leal; que passou a organizar a procissão.

O encontro do Filho com Sua Mãe no caminho do Calvário Seminarista Maurício Henrique Almeida dos Santos Seminário São Pio X - Arquidiocese de Belém

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abemos que outrora, na Anunciação, Maria põe seu corpo, todo seu ser à disposição de Deus para abrigar a sua presença. Aqui temos a sublimidade de um Sim total que a envolve inteiramente, uma acolhida perfeita do projeto salvífico de Deus. Agora, na Paixão, Maria se encontra na dor da contradição, no sofrimento de sua maternidade ao acompanhar seu Filho na Paixão, da qual participa e está unida. A aceitação e a disponibilidade é o primeiro passo que lhe é pedido; o abandono e a renúncia são os seguintes.

A fé de Maria chega à sua obscuridade total atingindo seu auge na Paixão de Seu Filho. Uma fé que leva à perfeita participação no aniquilamento de Jesus. A fé só está completa na cruz e é comunhão com a mesma. Contemplando o encontro do Filho com Sua Mãe podemos afirmar que Maria é uma pessoa totalmente aberta, que se dilatou completamente, que se entregou audaciosa e ilimitadamente sem temor quanto ao seu próprio destino nas mãos de Deus, com disponibilidade para o sofrimento que existe no amor.

“Ó Mãe, perfeita é tua fé, és serva humilde elevada por Cristo. As tuas lágrimas no caminho do Calvário haverão de ser colhidas e transformadas no dia da Ressurreição. Nenhuma lágrima que derramamos nesta peregrinação, por tantas vezes dolorosa, ficará esquecida. Aqui está o mistério da dor humana que encontra seu sentido na paixão, morte e gloriosa Ressurreição do Filho”. Na escola de Maria aprendemos a acolher o dom de Deus até as últimas consequências acompanhando Jesus até a cruz.


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A tradição da visita às sete igrejas

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s belenenses conservam a tradição de na Sexta-feira Santa visitar sete igrejas. Este trajeto que remonta a história de Belém em seus quase quatro séculos de existência. Tratase de uma tradição religiosa que consiste na visita a sete diferentes igrejas, capelas ou oratórios na Sexta-feira Santa. Esta tradição originou-se de uma tradição católica europeia, a peregrinação às sete Basílicas de Roma. É sabido que em 1552 a peregrinação

às sete Basílicas romanas foi organizada e incentivada por São Felipe Néri. Posteriormente, esta devoção propagou-se por diversos lugares do então mundo católico. Belém, por sua vez, herdou esta devoção por vias lusitanas, ainda nos tempos do Brasil colônia. No Centro Histórico de Belém há diversos templos católicos, de diferentes períodos históricos, que são utilizados pelos fiéis para fazer o percurso das sete igrejas na Sexta-feira Santa: Capela do

Colégio Santo Antônio; Capela da Ordem Terceira de São Francisco; Igreja Nossa Senhora das Mercês; Capela de Nosso Senhor dos Passos (pertencente a família Pombo; que este ano está fechada); Igreja de Santana; Igreja de Nossa Senhora do Rosário da Campina (que, em sua origem, era denominada de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos; Igreja da Santíssima Trindade; Igreja de São João Batista; Igreja de Nossa Senhora do Carmo; Catedral Metropolitana de Belém.

Procissão de Nosso Senhor Morto

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a Sexta-feira Santa, às 17hs, tem início a Procissão de Nosso Senhor Mor to ou do Enterro do Senhor, na qual a imagem de Jesus Cristo mor to deitado, acompanhada da imagem de Nossa Senhora das Dores, sai em procissão da Catedral pelas ruas da Cidade Velha. Esta procissão simboliza o enterro de Nosso Senhor Jesus Cristo, após ser descido da cruz, quando já mor to foi levado ao sepulcro. Trata-se de um módulo próprio de piedade popular, que representa o pequeno cor tejo dos amigos e discípulos de Jesus, os quais após aquele ser deposto da Cruz, depositaram seu corpo em um sepulcro talhado na rocha, onde ninguém ainda havia sido sepultado (Lc 23, 53). Constitui também uma tradição que em Belém remonta mais de dois séculos, fazendo paradas em pontos específicos

do centenário bairro da Cidade Velha, nas quais é cantado pelas mulheres carpideiras o mesmo cântico de lamentação entoado durante os passinhos da procissão de Nosso Senhor dos Passos. Assim, o primeiro cântico é proclamado ainda na frente da

Catedral. A seguir, a procissão sai pela Trav. Dr. Assis, fazendo paradas onde o cântico é entoado nos seguintes pontos: Trav. Dr. Assis esquina com a Pass. Dom Bosco; Trav. Dr. Assis esquina com a Trav. Gurupá; Rua Dr. Malcher esquina da Rua Joaquim Távora; Rua João

Diogo em frente a Igreja de São João Batista onde a imagem de Nossa das Dores é ali deixada, permanecendo até a procissão do ano seguinte; finalizando na Catedral onde a imagem de Nosso Senhor Mor to é guardada também até a procissão do próximo ano.


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A história do Sermão das Três Horas da Agonia e o seu significado espiritual Irmã Maria lúcia Câmara Congregação das Irmãs Dorotéias

fotos: Jel Brelaz

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ícone bíblico da Crucifixão, fundado sobre uma forte teologia, reproduz todos os aspectos importantes colocados em evidência por São João em seu Evangelho, relativos à cena do Calvário. Este ícone, motivou uma oração chamada de “Três Horas” e passou a fazer parte do patrimônio espiritual dos religiosos e leigos, homens e mulheres. Devemos à América Espanhola a descoberta da devoção às Três Horas da Agonia de N. S. Jesus na Cruz, através de Pa-

dre José Vidal, mexicano da Companhia de Jesus, que em 1685, na cidade do México, publicou um livro intitulado “Motivos, Disposições e Maneiras de Assistir a Cristo Nosso Senhor nas Três penosas Horas que esteve pendente na Cruz”. Mais tarde o Padre Affonso Messia, peruano da mesma Companhia, considerado fundador e propagador desta devoção, compôs outro livro intitulado “Devoção às Três Horas de Agonia de Cristo”. Na sua origem, essa devoção tinha um cunho muito simples em comunidades devotas e espaços também sem muita pompa. Os anos que se seguiram, porém, viram crescer essa devoção em outras comunidades, paróquias e conventos fora da Companhia Jesuíta avançando por outros territórios através do avanço e conquista da fé católica: Chile, Quito, Cartagena e outras províncias e reinos da América chegando até a Europa onde teve sua primeira introdução na capital da Espanha e várias cidades da Itália e,finalmente, em1788 chega à cidade de Roma. Daí em diante passou a ser celebrada em várias igrejas romanas assistindo por todas as classes de pessoas tanto assim que o Santo Padre Pio VI em de fevereiro de 1789 concedeu indulgência plenária àqueles que assistissem à essa devoção. A “Oração das Três Horas”, dirige-se a Jesus na Cruz. Reunidos no Calvário, os fiéis se encontram misticamente com a Virgem Mãe de Jesus e com o discípulo predileto. Ela afirma, de modo prático a memória viva daquele que se constitui o evento mais importante da história humana, o acontecimento do Calvário. Nele, Maria e o discípulo predileto, simbolizam a Igreja. Maria é imagem da Mãe-Igreja, João repre-

senta os discípulos cristãos. Juntos, personificam o empenho fiel, amoroso e perseverante da Igreja. Na “Oração das Três”, portanto, fazemos memória da Hora da salvação e testemunhamos que Jesus redimiu a humanidade. Reunidos aos pés da Cruz com Maria e João exprimimos solidariedade com os homens do nosso tempo, com seus sofrimentos e suas angústias e protestamos contra o mal e a injustiça. Partilhamos alegria e esperança. As orações e ritos das “Três Horas de Agonia” integram uma devoção pertencentes à Congregação das Irmãs Dorotéias. A convite de Dom Macedo Costa (10° Bispo do Pará – Posse 1861), chega a Belém-PA em 1877 a primeira congregação feminina, a saber, a Congregação das Irmãs Dorotéias, fundada por Paula Frassinetti em Gênova-Itáli. Vieram diretamente de Roma para trabalhar e desenvolver o serviço religioso, educacional e assistencial em nossa cidade, trazendo o carisma que as caracterizava: a missão educativa e as devoções que faziam parte da espiritualidade de então, entre elas a devoção às “Três Horas de Agonia” . Em 10 de abril de 1879, as Irmãs Dorotéias promoveram, pela primeira vez em Belém, na Capela do Colégio Santo Antônio, a cerimônia das “Três Horas de Agonia” , momento forte de oração, na qual se refletia as últimas palavras de Jesus na Cruz. Eram as próprias Irmãs que organizavam a celebração, entoando os cantos com letras alusivas a cada palavra meditada. Os cantos, entoados em italiano, com melodias suaves e dolentes, convidava a todos ao recolhimento e à oração. Eis que a devoção


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se expandiu, agradando o povo, o que levou as organizadoras da cerimônia a empreender uma melhor visualização do ícone central. Assim, a 05 de abril de 1881, chegam a Belém, provenientes da Itália, para ambientar a Capela do Colégio Santo Antonio, as belas e expressivas imagens que compõem a cena do Calvário, a saber: Nosso Senhor Crucificado, Nossa Senhora das Dores, São João e Maria Madalena ; imagens que ainda hoje encantam os que a visitam e, sobretudo, acompanham a cerimônia. Atualmente, as Irmãs Dorotéias abrem as portas da Capela do Colégio Santo Antonio, apóiam os serviços e acompanham os exercícios; sendo a cerimônia organizada pela Arquidiocese Belém. O rito é ilustrado pelo belo conjunto de imagens que representam o Calvário, localizado no altar mor da Capela; e com um sermão pregado por um sacerdote, escolhido pelo Arcebispo de Belém, sermão este dividido em 07 partes, as quais meditam sobre cada uma das sete últimas palavras (em verdade, frases), proferidas por Jesus em suas últimas três horas de vida, as chamadas três horas de agonia. Compõe esta meditação, a música do Coral Santa Cecília. Passados exatos 134 anos desde a primeira vez em que foi realizada em nossa cidade, a bela cerimônia do “Sermão das Três Horas de Agonia” permanece enriquecendo a tarda da Sexta-feira Santa em nossa cidade, como uma das poucas cidades do mundo que ainda a realiza. Os tempos passaram e a tradição perpetuou-se através da fé do povo.

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Foto: Jel Brelaz

O Coral Santa Cecília na cerimônia das Três Horas da Agonia

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á na primeira edição da cerimônia das “Três Horas da Agonia”, realizada na Capela do Colégio Santo Antonio a partir das 12h da Sextafeira Santa, fez-se entoar o Oratório intitulado “Le Sette Ultime Parole di Nostro Signore Sulla Croce” (As Sete Ultimas Palavras de Nosso Senhos Sobre a Cruz), composto por Giuseppe Mercadante (1795-1870). Portanto, a música entoada no intervalo entre a meditação de uma palavra e outra, compõe este rito há 134 anos. Inicialmente, as irmãs se juntaram às órfãs residentes no orfanato; às senhoras que trabalha-

vam neste serviço, as integrantes da irmandade “Filhas de Maria” e outros cantores convidados. Já nos anos de 1940 e 50 o coro era formado, na sua totalidade, pelas Filhas de Maria e Solistas convidados, nomes esses que tiveram grande influência no meio musical erudito no Estado do Pará como: Helena Coelho Cardoso, Judith Pepes Nazaré, Edith Oliveira da Paz, Adelermo Matos, Neyde Bentes Valle, João Bosco da Silva Castro e Alice Lima Albuquerque. A partir da década de 60, o Coral Santa Cecilia, da Basilica de Nª Sª de Nazaré, passou a

ser responsável pela continuidade da tradição e devoção contando sempre com a bela voz de importantes nome do meio musical, tais como: Antonio Correa, Eduardo Nascimento, Heitor Carneiro, Mariane Lima, Taina Souza, Patricia Oliveira, Silvio Rodrigues, Antonio Mendes, Marilia Vasconcelos e Rafael Ventimilha. Hoje o Coral Santa Cecília é formado exclusivamente por membros da comunidade leiga católica de Belém (diversas paróquias que integram a Arquidiocese de Belém), aproximadamente 40 membros que atendem ao chamado,


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reunindo-se uma vez por ano durante a quaresma, exclusivamente para este serviço. Nestas ultimas décadas vários regentes foram responsáveis pela continuidade desta devoção histórica: Marina Monarcha, Adelermos Matos, Eliete Tavares, João Bosco da Silva Castro, Silvério Maia, Tadeu Viana e Adolfo Santos. É dirigida desde o ano de 2006 pelo regente Eduardo Nascimento e acompanhada pelo Pianista Paulo José Campos de Melo. Para Eduardo Nascimento, atual regente do Coral Santa Cecília, professor do Instituto Carlos Gomes e também regente da Schola Cantorum da Catedral Metropolitana de Belém, o Ser-

mão das Três Horas da Agonia “é um dos pontos mais importantes e particulares das Celebrações da SEMANA SANTA de nossa Arquidiocese. O clima neste dia é de muita solenidade e respeito. A cidade silencia para ouvir o sermão e a música de Giuseppe Mercadante vem cortar e marcar a interferência humana, o respeito e zelo pela contrita devoção. O Coral Santa Cecília tem essa particularidade que o difere e o faz muito especial. Assim como a música de Mercadante se coloca a serviço dessa solene devoção, também nós nos colocamos de corpo e espírito para manter viva tão importante bem religioso dessa arquidiocese”.

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Eduardo Nascimento Regente do Coral Santa Cecília

As Sete Palavras de Jesus sobre a Cruz Introdução

Já pregado em duro lenho Por ingratos fariseus Sem conforto o Homem Deus Vai ao Gólgota expirar. Vós que a Jesus, amais constantes, Vinde, ó vinda, compungidos, Seus derradeiros gemidos, Vinde, todos, escutar.

Ah! Senhor, tem de mim compaixão! Meu Senhor! Vem, no transe funéreo ajudarme. E, depois, este mísero corpo, Ver minha alma contigo reinar.

Terceira Palavra

Coberto de mil crimes, a Ti, Ó Senhor, eu clamo Perdão, eu não mereço, nem mais posso esperar Mas, ouve aquela voz, que por mim roga, Ó Deus! Já não podeis deixar de perdoar.

Ah! Volve a mim teus olhos, Maria piedosa Mãe Amorosa Pois sou teu filho, deveis me guiar. Do santo amor neste meu peito, A doce chama ela me acende Um só instante, Frio, inconstante, Jesus, Maria, Sempre amarei.

Segunda Palavra

Quarta Palavra

Primeira Palavra

Quando a morte vier entre os horrores, Esta minha vida cortar-me,

Do Pai abandonado, Ó meu doce Jesus; O teu imenso amor,

A isto de conduz! E eu, com as minhas culpas! Por mísero prazer, Te hei de abandonar? Antes, meu Deus, morrer, Não mais, náo mais pecar!

Quinta Palavra

Qual lírio cândido Se o céu ardente Cruel! Recusa-lhe Doce frescor, Perdido, lânguido, Na haste mimosa O viço foge-lhe, Foge-lhe a cor, Assim nas ânsias, Aflito, exangue, De sede queixar-se, Ó meu Senhor! Quem é tão bárbaro Que enquanto geme, O refrigério,

De poucas lágrimas Há de negar-lhe?

Sexta Palavra

Tudo está consumado E Jesus, com braço forte Nos abismos, crua morte, Vencedor, precipitou,

Sétima Palavra

Morreu Jesus! Já cobre-se De negro manto o céu... Duros rochedos quebram-se Rasgou-se o sacro véu! E o universo, atônito, Lamenta o seu Senhor, Só tu, não sentes, mísero, A dor da natureza Mais do que penhas ásperas Serás tua dureza? Já que teus crimes hórridos Causaram tanta dor, Lamenta o teu Senhor.


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FOTOS: jel brelaz

O Sermão das Sete Palavras e a Rádio Liberal

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esde a década de sessenta que as ondas da Rádio Liberal transmitem para todo o Estado do Pará e Estados vizinhos, o Sermão das Sete Palavras, também conhecido como Sermão das Três Horas da Agonia. Devemos a Arcebispo Dom Alberto Galdêncio Ramos a ideia de transmitir, via rádio, o Sermão das Sete Palavras; proposta esta empreendida pelo saudoso jornalista Rômulo Maiorana, um grande benfeitor do Colégio Santo Antonio, que doou o primeiro sistema de som completo de sua Capela, adaptado para servir a este tipo de transmissão. Em razão disso, por décadas o som da transmissão da Rádio Liberal era o mesmo ouvido dentro da Capela pelos fiéis presentes a cerimônia. Nos últimos 31 anos esta transmissão é feita pelo jornalista, advogado e professor Luiz Euclydes Alves de Araújo, 71 anos. Reputado pelo português impecável e pela cultura erudita, Professor da UFPa e da Faculdade IDEAL, bacharel em Letras e em Direito pela UFPa, com pós graduação pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro; o Professor Luiz Euclides é um testemunho vivo da história desta tradição, não apenas do tempo que realiza este trabalho, como também das décadas de 60 e 70, quando ainda jovem e já adulto assistia a cerimônia.

Na condição de jornalista, com larga experiência em rádio, Luiz Euclydes, atua há décadas com exclusividade para a Rádio Liberal, sendo atualmente em datas especiais, tais como Vestibular (enquanto professor de Português), Círio, Eleições, Futebol (somente em jogos importantes) e, é claro, na transmissão do Sermão das Sete Palavras, sendo este último sem nada cobrar pelo trabalho. Seu nome é conhecido como uma das marcas registradas do evento há exatos 31 anos; tendo ajudado sobremaneira, através da Rádio Liberal, a divulgar esta importante tradição católica mantida pelo povo paraense. A primeira transmissão feita pelo Professor Luiz Euclydes ocorreu em 1983, a pedido do então Arcebispo de Belém, Dom Alberto Galdêncio Ramos, quando o pregador do Sermão das Sete Palavras foi o Frei Capuchinho Rogério Beltrami, na centésima quinta edição dessa cerimônia. Segundo ele: “é, verdadeiramente, um privilégio que Deus me deu, porque graças a Rádio Liberal AM e ao meu esforço e perseverança, as Palavras de Cristo, proferidas na Cruz em sua longa e doloro sa agonia, chega a milhares de fiéis cristãos (católicos e não católicos)”. A transmissão da Rádio Liberal é retransmitida por algumas capelas e igrejas católicas de Belém e Ananindeua, as quais, captam o som da Rádio Libe-


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ral, a exemplo da Capela do Colégio Salesiano do Carmo, na Cidade Velha; na Igreja de São Pedro e São Paulo, no Guamá; e na Igreja de Santa Rita de Cássia, na Cidade Nova V, em Ananindeua. Durante alguns anos, a própria Rádio Nazaré entrava em rede com a Rádio Liberal. Foi aos 16 anos, no ano de 1958, acompanhado dos pais, que o jovem Luiz Euclydes começou a assistir a essa cerimônia. Conta ele que na década de 70, as pregações também eram proferidas por homens letrados, de reconhecida cultura teológica e filosófica, não necessariamente sacerdotes. Pelo menos, duas pregações das que se lembra, foram confiados por Dom Alberto Ramos, sendo uma ao saudoso advogado Aldebaro Klautau e outra ao médico Pedro Romié, líderes católicos da época. A vida do professor Luiz Euclides está tão intimamente ligada ao Sermão das Sete Palavras que o seu filho mais velho, Milton, nasceu numa Sexta-feira Santa, no ano de 1974, às 12h, no exato momento em que se iniciava a pregação daquele ano. Para ele é uma dignidade, não ape-

nas como jornalista, mas, também como pessoa humana, trabalhar nesta transmissão; pois, é perceptível que “os fiéis cristãos, católicos ou não católicos, se sentem dignificados com a transmissão feita pela Rádio Liberal”. É impossível, segundo ele, descrever a emoção sentida ao realizar este trabalho. Trata-se de uma emoção que se renova a cada ano. “Até hoje, me emociono ao ouvir os cânticos temáticos das Sete Palavras que compõem o Oratório Musical de Giusppe Mercadante, o Beethoven italiano”. É reconhecida por todos os paraenses a importância desta transmissão, a qual ajudou sobremaneira a divulgar o Sermão das Sete Palavras; fazendo-o chegar àquelas pessoas que residem em municípios do interior do Estado, bem como nos bairros afastados de Belém, as quais, por motivos diversos, não podem assistir pessoalmente a cerimônia. Belém do Pará agradece a dedicação incansável do Mestre Luiz Euclydes, professor de tantas gerações, em fazer chegar a nós esta bela e centenária tradição, através das ondas da Rádio Liberal.

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As tradições da Sexta-feira Santa e as novas gerações

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família de Sérgio e Cleonice Silva Corrêa é moradora do bairro da Cidade Velha há muitas décadas. Dos oito filhos do casal, seis são acólitos (anteriormente denominados de coroinhas): Mário Sérgio, de 18 anos, acólito desde 7; Cintia, de 16 anos, acólita desde os 9; Carol, de 15 a anos, acólita desde os 8; Fabrício e Felipe, gêmeos de 13 anos, acólitos desde os 8; Vitória, de 8 anos, acólita desde 7; e Maria de Fátima de 7 anos e já acólita desde os 6. Cleonice relata que ela e o marido levavam os filhos para a Procissão do Encontro desde bebezinhos; dividindo-se: um ano, na Procissão de Nossa Senhora das Dores; e um outro na Procissão de Nosso Senhor dos Passos. Diz ela que sempre fizeram isso com o objetivo de consagrar os filhos a Jesus e Maria, pedindo proteção e bênçãos para eles. A atitude simples e educadora de Cleonice e Sérgio incentivou os filhos, que hoje, passados séculos desde o inicio dessas tradições em Belém, integram uma nova geração de devotos que acompanham as procissões da Semana Santa; cada um deles por um motivo particular, que toca e emociona. Inicialmente, iam levados pelos pais; hoje acompanham como Acólitos. A pequenina Vitória, que está no seu primeiro ano de acólita, e a irmãzinha Isabele (de 3 anos), dizem que gostam de acompanhar a procissão para ficarem perto de Nossa Senhora. Já Mário, o mais velho, afirma que em todos esses anos de procissão (o que significa toda a sua vida), o que mais tocou e toca sempre é a fé do povo que,

segundo ele, é a força que impulsiona e mantém esta centenária tradição até hoje. Cíntia relata que em todos os anos de participou das procissões, sempre se emociona mesmo, a ponto de chorar, ao presenciar o encontro entre Nossa Senhora das Dores e seu Filho, Jesus Cristo, todo chagado, sofrendo em razão dos nossos pecados. Segundo ela, desde a saída da imagem de Nossa Senhora das Dores da Igreja de São João Batista, sente no coração a expectativa sentida por Maria, que sai em busca de encontrar o Filho, sendo sabedora que ele está sendo acabrunhado de dores. Todos os irmãos da família Silva Corrêa são unânimes em afirmar que durante a procissão, que hoje acompanham servindo como acólitos, sentemse como que transportados até o calvário, o que lhes possibilita meditar sobre os sofrimentos de Jesus. Esta experiência de participar das procissões que ocorrem na Sexta Feira Santa educaram os filhos da Família Silva Correa para fé: Carol, por exemplo, está atualmente no noviciado no Convento dos Salesianos, em Brasília. Já Mário, Cíntia, Fabrício e Felipe, além de acólitos (atuam na Igreja das Mercês e na Catedral de Belém), coordenam o Oratório de Dom Bosco todos os sábados no Colégio do Carmo; uma atividade que reúne crianças, adolescentes e jovens (moradores de rua ou não), proporcionando-lhes recreação (futebol, vôlei etc),om estudo bíblico e distribuição de lanches. Os irmãos Silva Corrêa sentem-se felizes em integrarem uma nova geração de devotos mantenedores dessas tradições católicas.

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Belém, sexta-feira, 29 de março de 2013

ESPECIAL SEXTA-FEIRA SANTA


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