Coletânea Mulherio das Letras para Elas

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

às meninas e mulheres afegãs



Copyright © Amare Editora & Ser MulherArte Editorial, 2021

Coletânea Mulherio das Letras para Elas @ Mulherio das Letras, 2021

Editoras :: Amare Editora | Ser MulherArte Editorial

Organização :: Vanessa Ratton Coautoras :: Várias (56)

Formato :: Livro digital (PDF) Revisão :: Vanessa Ratton Projeto grá co e capa :: Chris Herrmann Diagramação :: Chris Herrmann

ISBN :: 978-65-00-31630-8

FICHA CATALOGRÁFICA

CRB8/7964

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

A distribuição desta obra é gratuita e sua reprodução permitida, desde que o conteúdo não seja alterado e as fontes/autorias citadas.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

Brasil, 2021


Angela Ferreir

27

Aninha Martin

29

Beth Fernande

32

Carine Martin

33

Carolina Mirand

34

Chris Herrman

35

Clarissa Machad

36

Cláudia Almeida (Negra Luz

39

Deborah de Almeida Mon

40

Dilma Barroz

46

Dirce Carneir

48

Edna Marque

49

Elisabete Pereir

50

Flávia Ferrar

51

Isa Corgosinh

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Ana Paula Ene

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Aline Brand

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Adriane Gonzale

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Adriana Pardo Malt

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Apresentação

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Mulherio das Letras

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Índice


67

Laura Jane Vida

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Lilly Maga o

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Line Zanscal

72

Liz Rabell

75

Mara Magañ

76

Maruschka de Mello e Silv

78

Monique Franc

79

Nic Cardea

81

Nilza Freir

83

Nirlei Maria Oliveir

84

Palmira Hein

86

Patricia de Campos Occhiucc

87

Paula Ania

89

Raquel Lope

90

Rita Queiro

91

Rochelle Melo Pereir

93

Rosa Paul

94

Rozana Gastaldi Comina

96

Rose Calz

97

Sabrina Morai

99

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Kátia Santo

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Jaque Machad

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Josuelene da Silva Souz

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56

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Isabelle Pire

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Isabel Campo


Sandra Ramo

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Sergia A

105

Shirley Lim

107

Silvia Schmid

109

Silvia Silv

111

SOL Figueired

112

Thaís V. Manfrin

113

Taty Regin

114

Valéria Pisaur

116

Vanessa Ratto

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Vânia Percian

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Samanta Aquin


Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Mulherio das Letras

O Mulherio das Letras é um movimento literário

feminista que tem como premissas a horizontalidade, a sororidade, a ampliação da participação das mulheres e a divulgação das obras de autoria feminina.

Nasceu em 2017 e realiza encontros nacionais

presenciais e virtuais anuais e encontros regionais promovidos por suas articuladoras. Hoje são mais de sete mil mulheres escritoras, ilustradoras, poetas, roteiristas e dramaturgas em todo o Brasil, e brasileiras que vicem na Europa, África e Estados Unidos. Assim, já somos um movimento internacional caminhando para o seu quinto ano de produção e agitação literária.

Infelizmente, diariamente, em nosso país e no

mundo, as mulheres ainda são discriminadas. No Brasil, com a pandemia, a violência contra a mulher aumentar, principalmente contra as mulheres negras, indígenas e trans.

Sabemos que somos diferentes, mas nosso amor à

Literatura nos une. E não podemos nos calar diante da

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situação ameaçadora que nossas irmãs afegãs estão vivendo neste ano de 2021.

Através da Amare Editora, empresa que nasceu,

quando o Mulherio das Letras me fez editora — organizando anualmente suas coletâneas e contando a história do movimento e divulgando mulheres poderosas em sua escrita — levantamos nossas vozes, mais uma vez, para a resistência feminina.

Que todos os nossos governantes saibam que

esperamos mais ações no combate à violência contra as mulheres e que um posicionamento do nosso país e ajuda humanitária aos afegãos.

Agradecemos à jornalista Adriana Carranca que

prontamente atendeu nosso chamado para falar com propriedade sobre a situação das Mulheres no Afeganistão. Muitas de nós conhecemos essa dura realidade através do trabalho dedicado e de sua obra Malala.

Adriana que ouviu diversas mulheres afegãs e

vivenciou estar naquela cultura pode sentir a empatia, pois fez a escuta sem julgamento de uma realidade diferente, de uma outra cultura com outros valores.

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A maioria de nós tem uma pequena janela para o

mundo exterior, muitas vezes, um olhar mediado pela imprensa ou pelos grandes potências movidas por interesses que não estão claros.

Para muitas mulheres do Afeganistão a burca não é

um problema, como conta Adriana Carranca, é uma cultura. Os problemas são outros, portanto não podemos nos limitar a ela.

Existem muitas mulheres fortes que lutam para

ocupar espaços importantes e é sobre a participação feminina no poder, sobre seus direitos ao estudo e a seguirem as carreiras que desejarem e sobre o combate à violência contra a mulher e ao abuso e à exploração sexual que devemos falar aqui no Brasil, no Afeganistão, nos EUA e em todo o mundo.

Vanessa Ratton Organizadora da Coletânea

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Apresentação

Quando recebi o convite para escrever a

apresentação de uma Coletânea Mulherio das Letras pelas Meninas e Mulheres do Afeganistão, aceitei imediatamente por dois motivos. Primeiro, porque conheci o movimento, ainda em gestação, em um jantar com Maria Valéria Rezende e Ângela Lago durante a Flip — Festa Literária Internacional de Paraty, em 1 de julho de 2016. Naquele momento, eu soube estar presenciando o nascimento de um movimento literário histórico.

Depois, pareceu-me extraordinário que escritoras

brasileiras estivessem interessadas em voltar seu olhar sensível para mulheres afegãs e expressar o que viram em poemas, cartas e manifestos. Lembrei-me da fala poderosa da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie sobre os riscos de uma única narrativa.

Por uma dessas coincidências surpreendentes da

vida, dias atrás tive a oportunidade de conversar sobre este assunto com Chimamanda. O noticiário internacional alertava para o retrocesso e os perigos que a volta do Talibã ao poder central em Cabul representava,

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e nossa conversa caminhou naturalmente para a condição das mulheres afegãs.

Compartilhei com Chimamanda algumas das

experiências e impressões que tive nas viagens que z como repórter ao Afeganistão. Falei a ela sobre Shamsia Hassani, a primeira gra teira afegã. Sobre a violoncelista Meena Karimi, formada pelo Instituto Nacional de Música do Afeganistão. Sobre a deputada Fauzia Ko , primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente do Parlamento na história do Afeganistão. Sobre a médica Massouda Jalal, a primeira mulher a se candidatar à presidência do país. Sobre a primeira equipe de boxe feminino do país. Sobre skatistas, ciclistas, estilistas, jornalistas, fotógrafas e outras.

Mas, não é delas que a maioria se lembra quando

falamos sobre as mulheres afegãs. No consciente coletivo as mulheres afegãs não têm rosto nem corpo, escondidos sob a burca.

Os Estados Unidos, em busca de apoio para a

entrada e permanência das forças americanas no Afeganistão, explorou intensamente essa imagem, replicada e compartilhada à exaustão em todo o mundo.

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Tanto que se tornou impossível enxergá-las de outra forma.

Vemos a burca e automaticamente presumimos

esconder uma mulher oprimida, sem estudo, desinformada, submissa, provavelmente pobre, incapaz. Vemos a burca e sentimos pena mesmo antes de conhecermos a pessoa sob o manto azul, “uma espécie de pena paternalista e bem-intencionada”, como descreveu Chimamanda sobre o sentimento de sua colega americana em relação a ela, antes mesmo de conhecê-la, apenas por ser nigeriana. “Ela tinha uma única história da África, uma única história de catástrofe” Chimamanda disse. “Nessa única história, não havia possibilidade de os africanos serem semelhantes a ela de forma alguma, nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que a pena, nenhuma possibilidade de conexões como seres humanos iguais.” O mesmo pode ser dito sobre o Afeganistão. Vemos a burca, mas não a mulher afegã.

Isso não signi ca ignorar os desa os e os

problemas que enfrentam — e são muitos — ou minimizar a gravidade das violações de direitos humanos que muitas sofrem, mas enxergá-las em toda a sua complexidade.

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Considerar ou narrar apenas o que é imposto a elas

é também uma forma de violação. É negar reconhecê-las como protagonistas de suas próprias vidas e histórias. É impedir que sejam vistas por inteiro, da mesma forma que impõem os Talibãs. E, como me disse a paquistanesa Malala Yousafzai, que sobreviveu a um atentado dos extremistas e se tornou a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz, somos não apenas o que vemos em nós, mas o que os outros enxergam em nós.

Ao propor que escritoras brasileiras voltassem o

olhar para as mulheres afegãs, Vanessa Ratton e Maria Valéria Rezende levantam uma ponta do véu sobre elas.

Adriana Carranca Jornalista

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Dedicado às meninas e mulheres afegãs, em especial, à Malala Yousafzai - Prêmio Nobel da Paz e à artista plástica Shansia Hassani

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ADRIANA PARDO MALTA PESADELOS NO AFEGANISTÃO Nasci mulher,

Cresci mulher.

Sonhei sonhos: amores, estudos, pro ssões.

Desde o início, percebi sombras no meu caminhar.

Às vezes, perto

Às vezes, distante...

Uma noite adormeci

e amanheci com o sol encoberto pela tinta vermelha.

Cores desbotadas se apossaram do meu dia

e eu voltei a dormir.

Pesadelos! Sim, eram pesadelos!

Vi minha mãe professora ser retirada da sala de aula.

Vi minhas irmãs queimarem seus diplomas e seus uniformes.

Vi minhas tias se esconderem desesperadamente em lugares insalubres.

Vi minhas amigas tentando fugir para destinos desconhecidos e descoloridos.

Vi minha lha ser entregue aos soldados americanos!

Com todas as minhas forças, tentei acordar!

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Vi que o meu corpo fora coberto novamente pela vestimenta opressora e eu só conseguia enxergar os meus olhos.

E pelos meus olhos,

vi a minha alma livre, liberta.

Eles não conseguiram encobrir a minha alma.

Eles! Sempre eles!

Elas! Sempre elas!

No distanciamento dos pronomes,

a eterna segregação dos direitos.

Na diferenciação dos artigos,

o signi cado covarde da superioridade.

Mas, alma sempre será alma.

De nitivamente: Alma!

Então, percebi que não estava a dormir.

E não era um pesadelo!

Meu corpo anestesiado pelo horror do cenário sombrio, me alertava:

Não é hora de dormir.

O dia ainda envolto por nuvens empalidecidas, continuava a amanhecer.

E eu permanecia mulher!

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ADRIANE GONZALEZ PARA MINHAS IRMÃS AFEGÃS Escrevo para essas mulheres

sofridas,

que têm sua sina

marcada por homens,

que têm suas feridas

sangradas por homens.

Escrevo para essas mulheres,

minhas irmãs

de longe,

mas de tão perto

em alma.

Minhas irmãs

afegãs,

que têm seu destino

ditado por homens,

que têm sua vida

cravada de dor

por causa dos homens

e seus desmandos.

Escrevo por essas mulheres

trancadas

em casa

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por homens,

que têm sua voz calada

por homens.

Que são sujeitadas, reprimidas,

violentadas, sucumbidas,

dilaceradas, submetidas,

mutiladas, agredidas,

assassinadas por homens.

Escrevo por elas

e para elas.

O grito delas,

seja alto

ou silenciado,

é meu grito.

A dor delas

é minha dor.

Suas lágrimas,

derramadas

ou trancadas,

são minhas também.

Sua voz, violentamente calada,

é minha voz.

Escrevo para minhas irmãs

afegãs

e por elas, sempre.

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ALINE BRANDT AFEGANISTÃO: O TRIUNFO MASCULINO? Ano dois mil e vinte e um

Na conta do tempo cristão

Temos mais um retrocesso

Que a ige o Afeganistão

Em meio a uma pandemia

Talvez inédita na história

Vemos uma classe sem alma

Desfrutar de plena glória

Nós aqui do Ocidente

Assistimos comovidos

A a ição das mulheres

Alvo um desses bandidos

Brasil e pátrias outras

Todos têm os seus entraves

Mas lá no Afeganistão

O que ocorre é muito grave

Mulher - não importa sua idade

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Você é lindo ser de físico e alma No Ocidente ou no Oriente

Causa surpresa a sua calma

Os bandidos a oprimem

Porque a tradição facilita

Tire a burca e mostre a eles

O quanto você é bonita

Eles têm armas de fogo

Têm bombas e até canhões

Mas você mulher do hoje

Pode murchar os machões

Afeganistão! Você nos assusta

Mostra um tardio retrocesso

Nós mulheres do Ocidente

Não vemos nisso um sucesso

Insolente ação masculina

Podia surgir de outra forma

Nem o sofrido afegão

Com seu impor se conforma

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Mulher - menina ou criança

O ser frágil no caso presente

É o feminino fora dos trilhos

É um poder que a gente sente

Ao abuso masculino

A que você se entrega

Dê um m de nitivo

A tudo que ele prega

Mulher de todos os planetas

Não subestime o seu poder

Que sempre esteve ao alcance

Mas o vital é exercer

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ANA PAULA ENES LALEH SAYYID Laleh Sayyid nasceu no Afeganistão em 2003. Estudava para ingressar na faculdade de Direito porque queria imergir nas leis e mudá-las junto às mulheres que lutavam, entre outras causas, pelo direito de dizer o próprio nome em público. Apesar de alguns avanços que a História lhe contava, sua identidade ainda era apagada, sentia-se um acessório na sociedade: a lha de Abdul, a irmã de Jamaa, a funcionária da loja de calçados de Homayoon. Quando ousava dizer que tinha um nome, era reprimida ou ignorada.

Sua xará Laleh Osmany iniciou a campanha #WhereIsMyName, que lutava pelo direito de dizer seu nome em seu país. Gostaria de dizer aonde fosse que se chamava Laleh Sayyid e estudava Direito e não que era lha, irmã e funcionária de alguém.

Além da História, sua mãe contou que era muito pior antes de 2001. Naquela época existia o Talibã e, se ainda existisse, Laleh não poderia sair de casa desacompanhada, nem estudar, nem trabalhar, nem sonhar em dizer o nome; teria de usar a burca, não teria como tomar sol, nem encontrar as colegas de sala para estudar antes das provas ou saborear ferni em algum

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restaurante. Então, naquele momento, reconhecia que tinha uma certa liberdade, agarrava-se a ela e tinha esperança em dias melhores.

O Afeganistão tinha um presidente, mas seu governo era frágil e corrupto. Desde que nasceu via armas de todos os tipos, muitos homens fardados e ouvia dizer que os Estados Unidos da América estava ali para proteger a população afegã mesmo tendo matado mais de 47 mil civis no início da década de 2000. Soube também pela História que esses mesmos “heróis” foram responsáveis por armar e treinar rebeldes para lutar contra um governo socialista instaurado em 1978. Depois de 10 anos de guerra contra os soviéticos, fundamentalistas islâmicos subiram ao poder e, em 1996, o Talibã deu o golpe no governo vigente estabelecendo suas leis radicais e totalmente deturpadas da Sharia.

Laleh preferia acreditar numa proteção americana seja lá qual fosse, a nal, foi educada ouvindo o quanto a sociedade afegã tinha evoluído nesses 20 anos, apesar dos mortos, apesar de permanecer muito pobre. Mas há tempos percebia uma movimentação estranha no país, lia as notícias, assistia aos telejornais, acessava a internet e soube do Acordo de Doha: os “heróis” tinham cumprido a missão de acabar com a Al-Qaeda (organização abrigada no Afeganistão) há muito tempo e mataram Osama bin Laden (chefe da Al-Qaeda que

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explodiu as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York em 11 de setembro de 2001, matando quase 3 mil pessoas) há 10 anos, portanto, o governo estadunidense, na voz do presidente Donald Trump, considerava razoável a paz com o Talibã e retiraria as tropas internacionais do país. O frágil governo afegão que se virasse para conter a onda fundamentalista que retornava como um tsunami.

Tudo aconteceu muito rápido naquele dia. Só teve tempo de ir à escola pegar alguns livros na biblioteca que, em seguida, foi incendiada. O Talibã tomou tudo e grande parte da população entrou em pânico. Laleh, assim como as outras mulheres, foi demitida da loja de calçados do seu Homayoon sob um olhar resignado.

Ao retornar para casa, encontrou sua mãe colocando suas roupas numa pequena mala. Disse, aos prantos, que não permitiria que a lha vivesse o pesadelo que ela já conhecia. A despedida foi breve para não ser mais doida. Seu pai a esperava no carro que saiu em disparada em direção ao aeroporto.

O destino foi impossível de ser alcançado, então Laleh precisou ir andando o restante do caminho em meio a uma multidão desesperada para sair do país. A partir dali estava só (e não), tinha apenas uma mala pequena e uma bolsa a tiracolo com seus documentos e o livro que

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conseguiu levar consigo. Sentiu medo, mas precisava prosseguir sem olhar para trás. Juntou-se aos milhares de compatriotas, seu povo a ito, triste, enfraquecido, que preferia deixar tudo para trás a voltar a ser refém de um governo maldito e ainda pior com as mulheres.

Laleh conseguiu entrar em um dos aviões estacionados no aeroporto. Não sabia qual o destino dele, mas se sentia menos vulnerável em companhia de tantos que, como ela, não sabiam para onde iam, mas se sentiam aliviados em sair. Ela só conseguia pensar que, seja lá para onde fosse, poderia dizer seu nome.

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ANGELA FERREIRA FORÇA FEMININA Por baixo de tecidos

Há um corpo que padece

Sonhos arrefecidos

Muitas vezes perece

Envoltas no véu da dor

Cinza, a cor do rmamento

Fel, o sabor do amor

Sufocado lamento

Jamais desistir de si

De mãos dadas, orar

Livre como colibri

Sempre bom esperançar

Com palavras descrevo

Seu destino traçado

Tempo seja longevo

Há alguém ao seu lado

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No poema, na luta

Em apoio a causa

Força da natureza

Sem trégua, nem pausa

Agirá, certamente

Cuidando de todas nós

Mulheres fortes, sábias

Não cessemos nossa voz!

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ANINHA MARTINS PEDIDO Liberdade arrancada

Imersão no perigo

Coração acelerado

Vida agitada

Tão sem sentido!

A nuvem escura paira

Prenúncio de dias sombrios

De noites tempestuosas

Pra onde ir?

Como fugir?

O redemoinho

Leva e traz

Para o mesmo lugar

Não joga longe

Rodopia, gira...

A mente está confusa

As emoções doem

Os inocentes,

Sem nenhuma culpa,

Padecem

Atordoados

Sem nada entender.

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O mundo está confuso.

Por quê?

Destino.

Será?

Livre arbítrio!

Onde está?

Mas se todos têm poder,

Poder de decidir

Seguir na estrada promissora

Por terra ou por ar,

Para em outras paragens

Chegar

Fugir de todo mal

Imposto pelos "irmãos"

Que derramam o sangue

Que não correm em suas veias

São apenas, lhos do mesmo Pai.

Sol da manhã,

Se faça nascer!

Arrebenta as nuvens

Escuras e pesadas

Que encobrem a luz

Impedindo muitos

De caminhar

Buscar o horizonte

E alcançar a ultrapassagem

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De todas as fronteiras

Externas e internas

Trilhar o caminho dos sonhos

Margeando o vale da esperança

E das algemas,

Duras e frias,

Desprender!

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BETH FERNANDES À LUZ

Por trás dos olhos

por baixo do pano

um útero velado

dará à luz

(sempre dará)

um brado sagrado.

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CARINE MARTINS MAR ABERTO Tua uidez seria fraqueza

Não fosse o deslize do teu canal

Tua uidez seria beleza

Não fosse a força da sua cachoeira

Tua uidez seria correnteza

Não fosse mulher, eterno mar aberto

NA BURCA Sou mulher entre véus

Sou véus entre homens

Sou onça viva

Cativeiro de presas

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CAROLINA MIRANDA A ARTISTA AFEGÃ As marcas da guerra nas paredes da cidade

São cobertas por contornos feitos por uma mulher afegã

Que todos os dias re ete, calcula e coloca tua ideia através das tintas

É movida por ideais que fortalecem a paz

Cada arte tem vida

Colher ores enquanto o tanque passa

Procura conforto enquanto toca violão para o mundo

A cada balançar na janela o coração utua feito pipa

O barco de papel a tomar o mar

A libélula a voar distraída entre pólens e barulhos de armas

As linhas do gra te a virar quebra cabeça da vida

Os encaixes a depender do olhar

Destreza em cada peça

Cuidado humanizado

A mistura do bem a sanar a dor

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CHRIS HERRMANN O SONHO NÃO ACABUL meninas, adolescentes, mulheres
 deste país chamado Afeganistão
 todas vocês que sonham como nós
 não estão totalmente sós
 com os maus de fanática mente
 que acreditam ser sóis
 
 juntas somos muito, muito mais
 somos uma poderosa lua
 que sente, ressente, míngua
 logo dá a volta por cima
 renova o ar, revira céus e mares
 faz do luto a luta de mil mulheres
 sonha, realiza suas verdades
 com sororidade e liberdade
 torna a brilhar

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CLARISSA MACHADO CARTA PARA AS MINHAS IRMÃS Minhas queridas irmãs,

Calcei os seus sapatos

E doeu-me muitíssimo

Meus pés tão distantes.

E minhas mãos que não

Podem arrancar-lhes o véu

E transformá-los em artes

Cênicas, plásticas, literárias.

E minha voz que custa a ecoar

Para revelar o que se esconde:

O nosso feminino tão sagrado

E o que eles mais temem:

O poder da mulher!

Queridas irmãs do Afeganistão,

Caminho em seus calçados

Em minha pobre imaginação

Para entoar o canto eterno:

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De que nós somos uma só

Ainda que sejamos muitas,

Somos as múltiplas faces

De uma só “Tribo-Mulher”.

Todas irmãs de alma

Todas mães de coração

Todas lhas em espírito

Uma das outras.

Somos a ciranda

A roda matrística

A terra-mãe ancestral

As rainhas de nós mesmas.

Em nosso reino uma palavra:

- Sororidade!

E nós salvamos uma à outra

- Somos nossas próprias princesas.

“Uma por todas e todas por uma.”

Todas por um só lugar

O nosso lugar de fala

Que muitos tentam

Da História riscar.

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Nosso lugar que é esperança

É vida

É sonho.

Nosso lugar que é amor

É acolhimento

É paz.

Nosso lugar que é fé

E perseverança.

É união.

O nosso lugar de direito

Reservado pelo universo:

Um lugar chamado

Respeito!

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CLÁUDIA ALMEIDA (NEGRA LUZ) DE DENTRO DA BURCA De dentro da burca,

É ín ma a minha janela para o Mundo.

Um mundo em retângulo,

Fatiado para mim.

Um breu a mim posto,

Que extrapola os olhos,

Que molha o rosto.

Quer condicionar os meus sonhos,

Quer dominar os meus pensamentos,

Quer ltrar os meus sentimentos,

Imprime os passos que devo seguir.

Algo que se não mata, sufoca.

Algo que se não cala, impede de me ouvir.

Algo que, mesmo que não estando vestida,

Mesmo estando distante daquela vida,

E ainda que enfrentando as minhas lutas antigas,

Só de me projetar naquela vida,

Justi cam os versos

Que escrevo sobre o que senti.

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DEBORAH DE ALMEIDA MOND CARTA ÀS MENINAS AFEGÃS Porto Alegre, 22 de agosto de 2021.

Minhas queridas,

Estamos muito distantes umas das outras. Mas,

isso não me impede de tentar chegar pertinho do coração de vocês e, quem sabe, em poucos minutos acender uma luzinha ali. Reacender uma esperança e contribuir para se manterem fortes. Vai aqui, então, um colinho de amiga que embora não conheça vocês, manda um abraço grande e um pedido para não desistirem.

Hoje tudo parece muito confuso e o medo toma conta de todos, mas saibam que não estão sozinhas. Isso é muito importante. Estamos todas olhando por vocês. Muitas mulheres lutam, atualmente, pela causa das mulheres. Existe uma palavra difícil para isso: “sororidade”. Isso signi ca, em poucas palavras, a empatia entre as mulheres, sem julgamentos, ou seja, cada mulher se coloca no lugar umas das outras, sem disputas ou competições tolas. Não se enganem, somos

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muitas. Todas crescemos em realidades diferentes, mas com sonhos semelhantes.

Faz bastante tempo, mas um dia eu também fui uma menina e o que me vem à mente de lembrança mais marcante é a vontade incontrolável de crescer. Curiosa sobre o futuro, planejava ser feliz e forte. E, com sorte, bonita. A maioria das meninas tem sonhos assim. Vocês devem ter seus belos sonhos também. Todos os sonhos são justos e muitos se tornam reais. Mas, para que eles aconteçam vocês precisam de ajuda. De orientação. Para isso a melhor ferramenta é o conhecimento. Nunca, nunca mesmo, abram mão ou desistam dele! Malala Yousafzai ensina a todas que A educação é o poder das mulheres. E por que ela a rma isso? Porque o conhecimento eleva o ser humano. E, por consequência, para nós mulheres ajuda a desestabilizar um sistema preconcebido de controle e manipulação. Liberta a alma feminina. Coloca em risco a supremacia machista que ousa nos castrar, nos intimidar e nos controlar.

Explico melhor. No princípio dos tempos, em que a

humanidade sobrevivia apenas da coleta dos frutos da terra a mulher era o símbolo do sagrado, a deusa era feminina. Mãe terra. Tudo começou a mudar quando a coleta se tornou insu ciente e o homem precisou caçar. O trabalho exigia força física e os homens, desde então, começaram a governar. Passaram a controlar o mundo e,

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principalmente, o universo feminino. Daí a violência exercida com vigor durante a idade média e, infelizmente, até nossos dias em muitos lugares. O centro do poder era (e ainda é) masculino e isso foi a única realidade do nosso planeta por muitos e muitos anos. Agora, já não é tão simples assim.

Os nossos valores estão sendo reivindicados!

Tentamos todos os dias e em todos os lugares manter a nossa dignidade. Para isso buscamos igualdade e lutamos pelo acesso à educação e ao trabalho nas mesmas condições dos homens. As coisas ainda são muito difíceis às mulheres e precisamos derrubar muitos muros e romper muitos grilhões todos os dias. Mas estamos progredindo. Devagar, mas com força. Sem desistir.

O que não se pode admitir é que coisas horríveis

sejam banalizadas e consideradas normais. Chimamanda N. Adichie, uma escritora nigeriana maravilhosa, a rmou na palestra/ensaio Sejamos todos feministas que “Falar é fácil, eu sei, mas as mulheres, só precisam aprender a dizer NÃO a tudo isso.” Ser respeitada pela feminilidade e pelas opções não é favor, é um direito. E isso não diz respeito a diferenças culturais ou religiosas. Estamos falando de humanidade, de direitos fundamentais e inegociáveis, que qualquer pessoa pode e deve reivindicar em qualquer lugar do

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planeta. Inclusive eles, nossos homens. Eles merecem ser felizes com mulheres felizes.

Assim, não é normal nem aceitável ser obrigada a

cobrir o rosto, a cobrir o corpo até os pés ou se casar com quem não se conhece. Não é normal ser proibida de estudar ou trabalhar. Não é normal ser agredida ou morta por crimes que são crimes só porque algum maluco resolveu que são. Deus não exigiria isso de nós. Nem de nossas mães ou de nossas lhas. Nem de vocês!

Nossos corpos, nossos cabelos, nossos rostos são nossos e devemos nos orgulhar sempre. Nunca se envergonhem de serem bonitas. Todas são lindas! Estudar é maravilhoso e ter um trabalho digno é fundamental para nossa independência. O direito de escolha por ter ou não lhos é nosso e de mais ninguém. Casar é uma opção de vida e não cabe a ninguém nos impor ou nos proibir de coisa alguma. Nossas roupas são as roupas que escolhemos usar. Se gostamos de véu, usamos véu. Se não gostamos de véu, não usamos. Somos donas das nossas escolhas. O que importa é ter isso em mente. Estar em paz com a condição de ser menina. Não há culpa na feminilidade! Somos senhoras dos nossos corpos e do nosso cérebro. Nada ou ninguém tem direito à escolha sobre e por nós.

Vocês são jovens e têm o tempo a favor. Pensem

nisso. Tenham paciência. Muitas que vieram antes de

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vocês sofreram demais por tentar demonstrar que a questão de gênero importa. Ser mulher exige resgate de valores. Vocês vão conseguir, mas enquanto isso tentem ser simplesmente meninas. Ajudem umas às outras, cuidem de suas mães e de suas irmãs (no sentido amplo dessa palavra). Alimentem-se bem, tentem olhar a vida de uma maneira mais leve, não se deixem humilhar ou fraquejar. Guardem energia e armazenem forças para quando tiverem oportunidade de serem ouvidas. Mencionando Malala de novo - e sempre, ela a rma com sabedoria que os extremistas se assustam com uma menina com livro. Percebem isso? Vocês estão (são) caladas agora, mas nós ouvimos as suas vozes silenciosas. E o mundo todo escuta vocês. E é exatamente isso que eles, os extremistas, temem. Não abandonem os livros...

Como eu disse antes, somos muitas. Fiquem

unidas e perseverem. O segredo é não deixar a amargura apagar a esperança. O mundo não é um lugar fácil, não vou enganar vocês, mas é maravilhoso estar nele. As opções que vão se abrir durante a vida de vocês serão tantas que será difícil abrir mão de uma em favor de outras. Viver é um privilégio negado a muitos. Vivam felizes em homenagem a outros que não tiveram essa sorte. Usem o tempo a seu favor. Preparem-se para quando o momento oportuno chegar. E ele vai chegar.

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Brinquem, cantem, rezem, leiam e esperem. Esperar sempre. As mulheres sempre aprendem a esperar.

Sejam meninas! Sejam sempre meninas.

Com carinho,

Deborah de Almeida Mond

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DILMA BARROZO RESISTÊNCIA a verdade não é o que está na vida

que escolhem pra mim

não é essa coisa tão terrena

é aquilo com que sonho

mesmo quando o sonho me parece

distante demais ou impossível

o livro que escrevo é vivo

ele não se solidi ca como asfalto

quando esfria em minha terra afegã

ele não se cala quando não posso falar

ele se movimenta e modi ca comigo

a coragem no ato de viver

sob tantos panos ordens e danos

e a coragem no ato de pensar

camu am um aparente subjugo

são duas fases duas faces

muito distantes

e ao mesmo tempo tão próximas

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palavras e silêncios são textos pra mim

mesmo que por não saber

ainda não os possa ler

creio no dia que virá rompendo

tudo que me limita

creio na força que um dia surgirá

de dentro de mim

e de companheira a companheira

passará de mão em mão

e se fará poder, luta e resistência

na ânsia de conhecimento e liberdade

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DIRCE CARNEIRO CARTA ÀS MULHERES AFEGÃS Desçam o véu da lua

soltem o laço do sol

ecoem o verso escandido

RETRATO DE MULHER Debaixo da burca

busca de asas

borboletas no casulo

MULHERES ALADAS Vestidas de casulos

gestam voos

pássaros ao grande anil

FILHAS DA TERRA Tradição, crença, lugar

vestidas do pátrio

hábito não prende o pensar

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EDNA MARQUES MULHER AFEGÃ Que triste

Não ver teus olhos

Se queres mostrá-los.

O seu silêncio ecoa pelo mundo,

Nós mulheres te ouvimos.

Minhas lágrimas não a salvam, mas os

muros que eles constroem podem ser derrubados.

Seu caminho deve ser livre, a liberdade é pra todos.

Mulher afegã, cubra-se apenas de coragem.

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ELISABETE PEREIRA AGRURAS DE UMA AFEGÃ Meu clamor de dor, ouvir, só eu posso

No oprimido silêncio da minha solidão

A mim, apenas pertence o amor-próprio

E a vil sentença arbitrária da rejeição

Sobre as ideias que perfazem meus sonhos

E tudo o quanto me atrevi arriscar em ser

Numa realidade a que elmente me oponho

E conceitos primitivos, nunca hei de entender

Pois, cobrem meu rosto e despem meu corpo

Como uma das muitas formas de reverenciar

O tirano e austero pensamento do sexo oposto

Cuja a vida dei, mas, jamais soube me amar

E como as estrelas do rmamento intocável

Sou chama acesa que se apaga lentamente

Sobre um chão onde a penúria é suportável

Mas, estigmatizada na alma profundamente

Porquanto, se choro, agonizo e me entristeço

Também reconheço, em viver minhas mazelas

Que em cada face feminina que sofre desprezo

Indubitavelmente, existe uma afegã dentro delas

E de pesar, meu temeroso coração latente

Como quimera, paira seus olhos no futuro

Sedentos por gozar um dia, vida diferente

Em que ser mulher, vença a utopia de júbilo

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FLÁVIA FERRARI MULHERES DE CABUL Que homens são esses

que saíram dos úteros

E invadiram as casas

Querendo explodir o mundo

Que ódio é esse

Que condena o futuro

Mutila os corpos

Encerrados em caminhantes mortalhas

Essa dor ilimitada

Que conhece a tortura

Revela os ossos dos vivos

Anunciando a morte em agonia

Haverá ação possível

Na incompreensão absoluta

No grito abafado

que não alcança em tradução?

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ISA CORGOSINHO FRACTAIS DE ESTRELAS Empunhando arsenais

Pés espetados do fanatismo marcharam

sobre o solo calcinado

As barbas ásperas do aço

cortaram o ar em Cabul

Homens mulheres crianças

Pânico desespero terror

Transtornados corpos escalaram

deslisaram

pelo ventre liso

quedaram livres

da aeronave

em voo

No chão fustigado

os corpos ofegantes das afegãs

Aprisionados em burcas

arremessados aos portais medievais do Talibã

miraram com desprezo

agonia

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Os soldados

ocidentais que fugiam

deixando ecos retóricos

da liberdade _

fractais de estrelas _

trapos da bandeira

nas garras empedernidas

da águia traiçoeira!

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ISABEL CAMPOS FEITO BORBOLETAS Sonhos coloridos feito borboletas,

acenam tristemente

às ores que se quedam,

sucumbem...

À brutalidade.

Anjos comovidos

recolhem cestos de lágrimas

no jardim da Vida.

Todos os dias.

Leis, decretos, medidas...

Tentam barrar a maldade

das mentes doentias.

Desde cedo

mulheres à mercê

de violências veladas

e evidentes.

É urgente que se re ita

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a mentalidade machista.

E se alcance

a capacidade de pensar,

perceber,

internalizar;

Toda or tem o direito de brilhar

plena

sob o grande céu.

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ISABELLE PIRES NEM VESTIDOS, NEM MAQUIAGEM

Eu sou Conradine Aruti e não sei como será o meu

futuro. Há muitas restrições agora. O Talibã ordenou que um homem precisa me acompanhar. Quando eu saio, tenho que usar burca - esse traje que me cobre completamente o corpo com uma treliça estreita à altura dos meus olhos. Aqui em Ishkamish, distrito rural na província de Takhar, fronteira nordeste do Afeganistão com o Tajiquistão, os serviços são escassos.

Nos primeiros dois dias após a chegada do Talibã a

Cabul, as ruas da capital também começaram a dar sinais dessas mudanças restritivas para as mulheres. Se elas não usarem véu, se maquiarem ou usarem vestidos de festa serão arrancadas ou cobertas de tinta. Em Cabul as mulheres sentem medo e falta de esperança. Olhamos para o porvir e enxergamos uma fumaça nebulosa. A cidade é silenciosa depois que o Talibã governa a capital. Nossas casas são o nosso cárcere.

Eu tinha muitos planos para o meu futuro, mas

agora não posso trabalhar nem ir para a universidade. E quando digo “tinha” é nesse tempo mesmo de dúvida, de incerteza que me coloco, porque não sei como será nosso futuro. Isso me fez perder a esperança. Estou

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procurando uma maneira de sair do Afeganistão porque não há esperança para as mulheres aqui. O quanto teremos que perder para provar que temos direito à vida, à educação, ao conhecimento?

Lembro-me da Malala Yousafzai, que aos 14 anos

sofreu um atentado por lutar em defesa da educação para nós mulheres e nossas meninas. Ela é a sobrevivente de um atentado talibã no ano de 2014 e se tornou a pessoa mais jovem a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, apenas com 17 anos! Ela é uma “voz que clama no deserto” porque seu papel na sociedade em defesa da Educação é transformador!

Mas Malala teve sorte. Sobreviveu e anda lutando.

A Mena Magal não. Ela foi jornalista e tinha 27 quando foi morta a tiros em uma rua de Cabul. Na ocasião, muitos suspeitaram dos talibãs, mas, no Afeganistão, a violência contra as mulheres é endêmica. A polícia priorizou a pista familiar e considera que o ex-marido de Mena teve, provavelmente, um papel neste crime cometido por homens em uma moto. Esse assassinato gerou forte indignação pela situação das mulheres afegãs, com frequência, vítimas de assédio, violência doméstica e sexual, assim como de discriminação. Não é fácil ser mulher afegã.

Mangal lutou muito pelo direto de ser e existir.

Depois de apresentar uma ação por violência conjugal e

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ameaças de morte, conseguiu seu divórcio, o que é uma verdadeira corrida de obstáculos para as mulheres da república islâmica, pois as decisões judiciais tendem a favorecer os homens. Pouco antes de seu assassinato, ela conseguiu publicar uma mensagem nas suas redes sociais, a rmando que havia sido ameaçada de morte, mas não identi cou o potencial agressor. Infelizmente, o assassinato de Mena não é o primeiro. Sua voz ainda clama.

Cinco anos atrás, em Cabul, o caso de Farkhunda

também se tornou símbolo da violência endêmica, à qual as afegãs são submetidas. Ela foi agredida por uma multidão até a morte sob uma falsa acusação de queimar o Alcorão, uma blasfêmia! Seu cadáver foi por

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queimado. Inferno religioso! Outra mulher teve o nariz cortado pelo marido e de uma jovem sequestrada e assassinada. A violência contra as mulheres é comum e vivemos a “cultura da impunidade”! Faltam sanções apropriadas e a corrupção do sistema judiciário deu aos homens esse sentimento de impunidade.

O mundo sob a íris da mulher afegã é um caos.

Estamos em 2021 e ainda precisamos, a despeito de tantas lutas, prosseguir. Mas estou sem esperanças. Eu estudo Ciência da computação (o que é muito incomum às mulheres daqui) na Universidade de Cabul e fui agredida junto à multidão que tentava pegar um voo para

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fugir do país no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, na capital. A multidão se empurrava junto com a polícia, crianças e mulheres que estavam no chão foram machucadas e eu sofri lesões nas mãos, pés e joelhos.

Tentei embarcar, mas não consegui e z um apelo

nas redes sociais para que algum país me conceda asilo. Quero poder terminar meus estudos e acho que não será um caminho fácil. Sinto como se estivesse em um túnel. Não consigo ver nenhuma luz brilhante e não sei qual é o comprimento do túnel. Antes disso tudo, antes do Talibã, nem o mundo nem nossa própria república via realmente a força da mulher afegã. Nunca foi fácil por aqui. Muitas mulheres já foram ameaçadas, assediadas, sequestradas e

nalmente assassinadas, mas não houve um

mecanismo para investigar o crime e levar seus autores à Justiça.

Se nós, mulheres do Afeganistão, ativistas ou não,

pudéssemos sentar-nos à mesa e conversar com os militantes, eles poderiam ser inteligentes e se conscientizar sobre os recursos que têm com as mulheres do Afeganistão. É incrível como existem pessoas que ainda não acreditam no que estamos vivendo. Àqueles que estão dizendo que o Talibã não incomoda ninguém em Cabul e que será por pouco tempo, como vejo anunciar na TV, mando um recado: nenhuma mulher foi espancada ou incomodada porque

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ninguém ousa sair, como estavam acostumados! Estamos em cárcere privado! Nossa casa é nossa gaiola. Estou vendo pelas lentes do passado. Regresso vinte anos e enxergo numa tela sem cores, o que minhas companheiras sofreram quando os extremistas islamistas estavam no poder por aqui. Eles proibiam as mulheres de terem acesso à educação, con navam-nas em casa e as obrigavam a usar burcas em público. Parece que hoje não está diferente não é mesmo?

Quero trazer outra informação a vocês que lerão

esse texto. Nem saúde e nem educação. Não à dignidade feminina! Vocês sabiam que as mulheres só poderiam sair ou viajar com a presença de um homem da família e até mesmo o acesso à saúde era limitado, pois proibiram que fossem atendidas por médicos e enfermeiros do sexo masculino. Sabiam também que o marido, os irmãos e a sogra têm permissão para bater na mulher casada, ação amparada pela religião? Sabiam que muitos assassinatos são cometidos pela própria família da mulher, com a participação de pai e irmãos, a maioria por motivos absurdos, como a recusa em se casar com um homem escolhido pela família?

Que o mundo nos veja! O Afeganistão é também aí

onde você está. Se você é mulher, você sente minha dor. A mulher sempre é o alvo desses fundamentalistas religiosos e, apesar de extremo o que estamos passando

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atualmente não é um “ponto fora da curva”. O Afeganistão ontem e hoje não é novidade. Não sei como será o meu futuro. O Talibã deu todas as indicações de que irá reimpor seu regime repressivo. Em julho, a ONU relatou que o número de mulheres e meninas mortas e feridas por aqui nos primeiros seis meses de 2021 quase dobrou em comparação com o mesmo período do ano anterior. Isso te diz algo?

Aqui, nas áreas novamente sob controle do Talibã

desde o começo do ano, as meninas foram proibidas de ir à escola e sua liberdade de movimentos foi restringida. Eu escutei relatos de casamentos forçados. Estamos colocando as burcas novamente e vejo a destruição das evidências de nossa educação e vida fora de casa para se proteger do Talibã. Viajamos de volta para 20 anos atrás. Algumas mulheres são incapazes de deixar suas casas, porque elas não podem pagar uma burca ou já não têm qualquer parente do sexo masculino. Imaginam isso?

Estamos caçando burcas e escondendo nossa

identidade! Nem vestidos, nem maquiagem! Não estamos pintando nossos rostos, mas janelas para que ninguém possa nos ver de dentro para fora. Eu imploro, ouçam as vozes das meninas afegãs! não desviem o olhar! Eu escrevo agora esta “carta aberta ao mundo” porque não quero me calar. Não sei se meu saldo será

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como o da Sushmita Banerjee, escritora ativista indiana, expatriada no Afeganistão, que não se encobriu e sua voz teve o preço da morte. Suas linhas foram escritas com sangue e seu eco foi silenciado na província de Paktika por militantes, supostamente por desa ar os ditames do Talibã. Eu não sei o acontecerá comigo. Mas não posso emudecer. Eu sou Conradine Aruti e não sei como será o meu futuro.

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JOSUELENE DA SILVA SOUZA GRITOS REVERBERADOS Somos mulheres

Vivemos

Amamos

Choramos

Somos mulheres de saia

Sem saia

Com vestido

Sem vestido

Somos mulheres com short curto

Sem short curto

Somos mulheres com burca

Sem burca

Somos mulheres de corpo e alma

Somos mulheres com corpos e almas aprisionados

por um sistema opressor

Somos mulheres presas pelo fanatismo religioso

Somos mulheres presas pelo fanatismo radical

Somos mulheres aprisionadas no lar

Somos mulheres aprisionadas no mar

Somos mulheres aprisionadas no ar

Somos mulheres aprisionadas no amar

Somos mulheres aprisionadas no cantar

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Somos mulheres aprisionadas no falar

Somos mulheres aprisionadas no pintar

Somos mulheres aprisionadas no trabalhar

Somos mulheres aprisionadas no lecionar

Somos mulheres aprisionadas no estudar

Somos

Mulheres

Aprisionadas

Sufocadas

Presas

pelo sistema opressor

pelo fanatismo religioso

pelo patriarcalismo novo

pelo machismo novo

Somos mulheres precisamos gritar bem alto

para a sociedade ouvir

Somos mulheres precisamos gritar

Gritar

Gritar

Gritar

Gritar

Falar

Falar

Falar

Precisamos!

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JAQUE MACHADO L 34°31′41″ N L 69°10′20″ E Nunca estivemos em Cabul, mas estivemos.

No não, na castração, na seletividade por gênero, na violência, na morte.

Lá a al-amira, um nome bonito, é sudário das dores, a cisma visual de todos os nãos, a coberta de estigmas que invisibiliza a mulher.

Nunca estivemos em Cabul, mas estivemos em diversos ashs da nossa vida, quanto mais escura a pele, mais próxima de Cabul está a mulher.

Goteja na nossa fronte essa iniquidade para que nos sintamos sozinhas, uma tortura.

E tentando contra essa força que quer nos separar e acabamos, em verdade, chegando às vezes em Cabul, mesmo que para aparar as lágrimas umas das outras, como se quiséssemos em Cabul estar, mas não desejando ir.

No entanto, eis a grande realidade: mesmo que fosse possível todas nós por lá, não estaríamos.

Não é possível que entremos na pele sob a burca, não é real a dor imaginária que atravessamos por elas na nossa empatia, nem de perto.

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Estamos tão distantes de Cabul quanto nossa terra de desigualdades está da estrela luminosa mais próxima.

E até, talvez seja razoável imaginar por um milésimo de segundos que é adequado seus corpos estarem cobertos, porque só assim conseguimos visualizar o tamanho do sofrimento, das proibições, das violências e das amálgamas dos pés femininos que trilham as vias de Cabul.

Diferente dos corpos por lá, em outros espaços, entre ruas e montanhas, campo e cidade, centro e periferia, as violências, e só elas, é que são veladas, mas não em Cabul.

Através do diminuto orifício elas veem o mundo, grande, cheio de vida, um mundo que não lhes pertence mais.

Por esse buraco estreito as vemos, sua mira triste, seus sonhos mortos, sua bata preta sufocante. Nunca estivemos em Cabul, mas os gritos são os mesmos, as bocas se contorcem da mesma maneira que as nossas, e, apesar das nossas ilações sobre a liberdade na medida e proporção a que estamos submetidas ao redor do globo, podemos andar na rua somente com nossas bocas vendadas, na Cabul que existe em todos os lugares por onde quer que andemos.

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KÁTIA SANTOS AFEGÃ Metralhadoras não calam

A voz do meu coração

Sou vida pulsante

Sua fé, uma contradição

O véu só cobre meu rosto

Não cobre a signi cação

De um alma feminina

Com sua própria tradição

Ainda sou oralidade

Sem a sua interpretação

Minha luta tem validade

Apesar de sua rude mão.

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LAURA JANE VIDAL UM LUGAR DE SILÊNCIOS...

Era um lugar de silêncios ... assim mesmo, no plural e com reticências. A nal, eles eram muitos: sentimentos calados, segredos guardados, verdades não ditas. Nenhum deles estava ali para sempre. Segredos um dia se revelam, sentimentos transbordam, verdades vêm à tona. Assim, eles iam cando ... dias, meses, anos, quem sabe quanto tempo? Por isso, aquele era um lugar transitório, passageiro, semelhante a um porto: silêncios chegavam, outros, partiam. Havia, por ali, silêncios guardados por quase toda uma vida!

A mulher, que um dia fora a garotinha assustada e molestada, guardara por tanto tempo lembranças doloridas, que quase chegara a duvidar de si mesma! Ela era tão criança quando tudo acontecera. As lembranças podiam ser fruto de sua imaginação infantil? Quem teria acreditado nela? Por isso, o silêncio. Calou-se por tanto tempo, que quase esqueceu. Foi o que a ajudou a viver! Seu silêncio refugiou-se ali, para que ela pudesse seguir em frente. E ela seguiu.

Mas nenhum silêncio dura para sempre! Porque, à semelhança da crisálida, que guarda a promessa de

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liberdade, um dia ele se rompe e, ao se romper, que alívio, quanta leveza! Fora assim com ela. Ela agora se sentia mais leve. Ela estivera lá, quando ele se fora, o pai que nunca soube sê-lo, que nunca o foi! Nos últimos suspiros de vida, que ele arfava ruidosamente, ligado aos aparelhos, a alma entre um mundo e outro, ela verbalizou a dor, o medo, a angústia. Não era um ajuste de contas! Era tão somente a necessidade de extravasar! Ela deslizava entre os dedos as pedras do rosário, murmurando preces por aquela alma que partia, pedindo clemência, misericórdia. Suplicando a Deus que a zesse digna de perdoar. Porque perdoar também é se libertar.

Ao ser verbalizado aquele silêncio, ali recolhido há tantos anos, a crisálida, en m, se rompeu! O silêncio também se fora, já não havia o que guardar, recolher, calar. Havia tanta vida lá fora, luzes e cores, a alma acalentava imensa vontade de viver, que ela se entregou à vida, quase trêmula, como a borboleta liberta, que voa pela primeira vez.

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LILLY MAGAFLOR MULHERES DE CABUL 
 No escuro da noite,

nunca ninguém te vê chorar.

Mulheres, pilares de força.

Escondidas.

Negadas.

Brutalizada.

Queimadas.

Enlouquecidas.
 No escuro da noite,

ninguém te vê chorar.

O mundo de homens pesa.

Pesa como o pano que te cobre,

a religião que te sufoca,

a milícia que te assassina.
 No escuro da noite,

ninguém te vê chorar.

No escuro do mundo,

ninguém te vê.

Meninas, mulheres

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aniquiladas,

cobertas,

inexistentes.

Fantasmas que assombram

o pensamento do lado de cá.

Agora choro por vocês.

Pelo mundo que falhou

com vocês.

Mundo de homens.

Eu choro por vocês.

Nós choramos por vocês.

Todas nós,

meninas,

mulheres.

Choramos.
 Mulheres de Cabul.

A vida agora

será uma grande noite,

ninguém as verá.

Todas choramos.

Choramos...

Mas, no escuro

da noite, ninguém

está a nos ver chorar.

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LINE ZANSCALA SÚPLICAS Senhor, dos Hebreus...

A quem nomeou Moisés,

Ouça-me, por Abraão!

O céu está em bronze,

Não, permita-me, mais perder,

O pouco que conquistei de ontem.

Senhor, de Israel...

Sou tua lha!

Descendente de Josué,

O Afeganistão, é a minha pátria!

É a minha vida!

Mesmo sozinha e sofrida.

Senhor, da Terra Prometida...

Usa-me,

Oh! Filho de David!

Mas, não atire a primeira pedra,

Não sejais cruel,

Como o homem que usa me e nega.

Senhor, da Humanidade...

No deserto minhas preces ecoam,

Minhas lágrimas!

Não podem ser em vão,

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Pois, já, não tenho mais,

A quem recorrer o vosso perdão.

Senhor, do Ocidente...

Eis aqui a minha vida!

De joelhos estou a suplicar!

Ressigni ca a razão,

De ainda estar viva,

Mesmo sem alma e caída.

Senhor, patriarcal...

Sejais um pai para mim!

Pois nunca o tive,

Mas se essa gura existe,

Seja-o para mim.

Então, pai...

Ouça-me, por favor!

Ceda-me o vosso colo, vai...

Quero viver...,

quero voar...,

Preciso ser amada,

E ter o direito de amar também!

Dai-me a vossa misericórdia,

E o vosso perdão! Mas, devolva-me,

A minha dignidade,

Trazendo de volta,

A minha liberdade.

Estou cansada de chorar...

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Dai-me motivos para lutar,

Preciso acreditar!

Não aguento mais imposições!

Em meu coração sofrido,

Não há mais espaços para ilusões!

Pai, por favor...

Preciso me sentir mulher!

No canto estou acuada,

Sou um ser sem família,

Pois os meus lhos,

Não me veem como mãe e mulher.

Pai, que poderia ser mãe...

Entenda-me!

Preciso ir...

A nal, tenho que servir o jantar,

E a família cuidar!

E mesmo assim sorrir.

Senhor,

Sei que é desa ador,

Viver nesse mundo,

Sem direitos e razões,

Mas..., então..., permita-me,

Antes de morrer,

Que o Talibã,

RESPEITE-ME COMO MULHER!!!

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LIZ RABELLO POR TRÁS DO VÉU: CULTURA MACHISTA (NIQAB, BURKA, CHADOR, HIYAB)

Tortura, não tradição.

Mulher: ser submisso,

fonte, piores pecados.

Feminicídio existe: mulher é culpada,

con rma professor no Brasil. Homens,

inocentes vítimas, só são provocados!

Assim como religião Islâmica, mulheres

não podem incitar homens obcecados.

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MARA MAGAÑA CABUL sonhei com

as meninas de Cabul

os olhos assustados

foi tudo o que vi

os olhos em lágrimas

foi tudo o que vi

os olhos vidrados

foi tudo o que vi

sonhei com

as mulheres de Cabul

as palavras caladas

foi tudo o que ouvi

as palavras ceifadas

foi tudo o que ouvi

as palavras em preces

foi tudo o que ouvi

sonhei com

jovens afegãs

de burca em Cabul

a caminho de destino

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

imposto

desejos sufocados

pela lei sharia

e ordens do talibã

sonhei com as guerreiras

de Cabul

espancadas

mutiladas

assassinadas

sonhei com

malalas multiplicadas

a enfrentar esse islã

sonhei com

a liberdade

em Cabul

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MARUSCHKA DE MELLO E SILVA CORAÇÃO DE MULHER Não se agaste

Não se agaste

Estou só e prouvera a Deus

Que todos tão bem estiveram

Deito o coração de largo.

Ao confessar

Não ponho a boca em ninguém

Aos tratos

Não entreguei a minha vida

É sacrifício

Não deixei com dor as meninas dos meus olhos

Não me caram com dor a carne e o sangue

Não me caram com dor as asas do meu coração

Não se agaste

Boas novas lhe dê Deus.

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MONIQUE FRANCO AFEGÃ OU O POEMA COMO ELO afegã

mãe, lha, mulher

alcança essa echa

de esperança

o poema vem dizer

lute

alcança essa lança

or da bonança

o poema vem dizer

urre

alcança essa chama

a arte como código

secreto

os opressores não decifram

as letras do afeto

tampouco sentem

o aroma das ores

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial


Coletânea Mulherio das Letras para Elas

afegã

mãe, lha, mulher

alcança nossas mãos

os opressores não avistam

a luz

tampouco desvendam

a força que provêm

do nosso elo

afegã

mãe, lha, mulher

poetas

escrevam

a memória é o alimento da história

e esta não se apagará

o poema vai estar a contar.

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NIC CARDEAL BURCA Fazer do poema um lugar de habitar,

onde seja possível abrigo e silêncio

para que palavras inquietas

quem marcadas

– lacres vermelhos

tatuados na alma –.

Fazer da queda o recomeço

como quem resiste, insiste, consiste

onde a voz [suspensa], pelos olhos continue a dizer

do proibido, do reprimido, do incontido.

Que possamos esticar os dedos

no sagrado propósito de tocar os céus

– nada melhor do que

todas juntas

todas uma

para sonhar com amplidão –

Não adianta esconder, calar, espancar

– não adianta matar –

mulheres nascem a rodo, em tudo, por todos

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial


Coletânea Mulherio das Letras para Elas

mulheres são desde o início

– e depois do m –.

(* na tristeza afegã que também mora aqui)

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

NILZA FREIRE POR DETRÁS DA BURCA A angústia e a desesperança vivem atrás da burca

Não se enxerga o olhar opaco, mas a dor subsiste

Impera o silêncio entre as afegãs de forma absurda

Suas vestes re etem a mesma cor, enlutada e triste

Por detrás da burca há uma mulher encarcerada

Sua submissão forçada mina sua energia, oprime

A dignidade ferida deixou sulcos no rosto e na estrada

Não tem voz, voto ou vez, é vítima de seguidos crimes

Por detrás da burca existe o sonho de um mundo justo

Quando o relógio cessar de contar as horas ao contrário

Ela poderá soltar seus longos cabelos negros sem susto

E o vento do deserto levará o pranto e todo o seu calvário.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

NIRLEI MARIA OLIVEIRA INDA SOBRE O VÉU DAS MULHERES DE LÓ

no Afeganistão, no Brasil ou em qualquer lugar

Mulheres Meninas

arfam

não respiram

sufocam

com as perversas permissões tolhimento restrições

violências

não pode porque não pode

as xiam pensamentos e comportamentos

mundo ungido de constrangimentos

opressão

Mulheres e Meninas

olham pelas gretas, frestas, beiradas

sonham

como Virginia Woolf

com “Um Teto Todo seu”

ser e ter

o poder de poder ser

ter liberdade e o destino nas mãos

sem os véus e sem tutelas

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

Mulheres de Ló, até quando?

P.S.: Por um mundo seguro para as Mulheres, adolescentes, crianças e bebês afegãs

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

PALMIRA HEINE ASSOMBROSA SOMBRA Assombrosa sombra de mulheres em burcas.

Violadas. Violentadas. Humilhadas. Invisibilizadas.

Vestem-se de luto

Por estarem mortas, ainda que estejam vivas.

Assombrosa sombra nos olhos das meninas entregues para serem escravas.

Assombrosa sombra nos olhos das solteiras entregues para casarem-se forçadas.

Assombrosa sombra que assusta e cala

Esconde-se nos olhos tristes

Das mulheres decepadas por usarem esmaltes e calças.

Assombrosa sombra indesejada

Que invade os olhos das que são apedrejadas.

Assombrosa sombra que faz chorar

E em desespero pedir ao céu menos azul

Assombrosa sombra que assombra mulheres em Cabul.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

PATRICIA DE CAMPOS OCCHIUCCI MULHERES EM LIBERDADE

Onde reina a opressão

A face é encoberta

Os passos impedidos

Não há poder de decisão.

A garganta então aperta

Por violência ou deliberação

Direitos são proibidos

Há apenas deveres à mão.

No violar da inocência

O casamento é arranjado

Para elas, impotência.

Portão da escola trancado

Pro ssão incondizente

Com o homem armado

A mulher proibida

De decidir sobre sua vida.

Olhar triste de quem sofre

Os desmandos e tirania

Dizem: “A cultura que cobre!”

Pela falta de empatia.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Usa da força do poder inventado

Superioridade que não consentia

Num contexto ultrapassado

Deveriam, homem e mulher

Por respeito, a parceria.

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PAULA ANIAS MULHERES DE TODO O MUNDO Nos olhos daquelas mulheres vejo denuncias

Lamentos, opressão, clamor, lembrar que a liberdade é direito inalienável

olhos emaranhados revelam o pranto de dor das nossas iguais

Afeganistão, talibã, religiosas fronteiras são novamente erguidas

Território de tensão, desespero, medo e bala perdida

Aviões acenam sonhos de liberdade esquecida

Nós Mulheres de todo o mundo somos uma voz eloquente

Nossas palavras potentes, que como navalhas a adas, cortam e denunciam o horror

Todas por todas, numa corrente sonora, Mulheres de todo o mundo,

não podemos nos calar, retroagir, desaminar, retratos das décadas de 90 jamais

casamentos forçados, silenciamento e estupro, isso tudo é um absurdo

fi

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

RAQUEL LOPES LÁGRIMA OCULTA

Conheço o som da fala

contudo não vejo

Ouço seus pensamentos

através do véu

prisão de tecido preto

Os olhos escondem-se

a textura do pano

Seus gestos sem planos

não contam o tempo

Encobrem-se por medo

Menina oculta

a lágrima permanece escura

cai no chão árido

seco

formando o desenho de uma semifusa.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

RITA QUEIROZ SOB O CÉU DE CABUL Pipas bailavam livres

Sorrisos faziam festa

Pés transitavam pelos jardins

Rosas, açucenas, margaridas

Vestidas de bem-quereres

Desenhavam, pintavam, cantavam

Escreviam seus destinos.

Nuvens sobrevoavam os céus

Em várias direções

Havia uma sombra aterrorizante.

Ventos gelados sobressaem

Um manto cinza risca os céus.

Recolham-se...

Guardem os sonhos

Vistam-se de agonias

Deixem os pés ncados

Deem adeus às gaivotas

Tornem-se invisíveis.

Trânsito proibido.

Vidas castigadas.

Sol apagado.

Anonimato imposto.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Sedas ultrapassavam fronteiras

Povos e dinastias duelavam

Vidas perdidas.

Nas montanhas, afegãos.

Fundamentalistas:

Sem livros,

Sem cinema,

Sem televisão,

Sem música,

Sem arte,

Sem pipas.

Mulheres, sem vida.

Sob o céu de Cabul

Havia poesia.

Hoje, ruas sem saída.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

ROCHELLE MELO PEREIRA UM DIA... Um grito de liberdade

Burcas ao chão

Vendas rasgadas

Pela resistência

De milhões e milhões

De mulheres afegãs.

(E elas dirão os seus nomes!)

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

ROSA PAULA VENTRES ENCARCERADOS quem são aquelas mulheres

olhares perdidos

contemplando o vazio

por baixo de telas

tal qual trilhos

de um desprendido vagão?

quem são aquelas mulheres

ventres encarcerados

condenados ao martírio

quando do útero nascido

não brotar homem varão?

quem são aquelas prisioneiras

nas celas de um governo

entregues a opressão?

são dani cadas incubadoras

sem qualquer calor ou combustão

pois ninam sonhos anencéfalos

corpos sem penhora

remanescentes da solidão

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

quem são aquelas mulheres

que choram pelo sorriso negado

desejos e seios empedrados

[humilhação]

dando de comer

ao árido solo

seus lhos amados

do Afeganistão

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ROZANA GASTALDI COMINAL DO LADO DE CÁ E DO LADO DE LÁ direitos e deveres usurpados

pelas elites castradoras

impossível declarar os culpados

querem-nos anônimas, errôneas

lhas de Eva brasileiras e afegãs

maçãs podres somos todas

serpentes a rastejar

vá de retro, satanás!

Do lado de lá e do lado de cá

vozes imperiosas a nos ceifar

vá de retro, satanás!

SOS além-mar e aqui

ninguém solta a mão de ninguém

somos sementes a desabrochar

somos ovelhas desgarradas

que não aceitam pastor nem temor

somos legião, coragem e amor

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas


Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

ROSE CALZA A MENINA, A CABRA guerra “boa”, amor duro, verrugas

em tuas terras, siga regras, sharia

chadari ocultam rotas de fuga.

ó, menina de Cabul!

o que vale? em casamento

por uma cabra, trocada.

o que ouve, um canto cinza,

a cabra bale, som do sino

avisa mais um tiro.

há paisagem:

o que vê, (o que consentem),

o que vive, horror desconstruindo

tudo o que na vida faz sentido.

ó, menina de Cabul!

há duas faces, uma não

aceita pela outra;

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

há quem quer tua vida assim,

ódio de sobra, ganância, rancor

cobiça de ferro e nióbio é a lavra.

ó, menina de Cabul,

não esqueça teu país e mais oitenta

(de outras meninas), jamais livres.

na desolada paisagem, ainda:

quente vento o desastre insu a,

a tortura como arma, o luto,

o estampido estrondoso do

terror, inclemente (holocausto redivivo),

enquanto tua carne perdurar como lucro.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

SABRINA MORAIS MENINAS DE KABUL Cidades bombardeadas

Guardam meninas com sonhos revolucionários

Meninas, olhares de fogos de artifício e cabelos esvoaçantes

Com suas roupas coloridas

Sorrisos relâmpagos

E vozes de acalanto

Cantarolando historinhas de tempos em que a magia era a vida

Vilarejos amontoados guardam meninas

Assombradas

Onde pedras sob pedras censuram os pés das meninas de Kabul

Meninas vestidas de meninos

Não sentem medo

Nem se escondem por detrás de panos e dogmas

Meninas-meninos escolhem seus nomes

Compram no mercado

Arroz e passas

Pegam água

Meninas de Kabul correm pelo deserto

Pulam sob campos minados

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Assistem o sol se pôr

Respeitam o toque de recolher

Voltam pro seu lar e esperam o dia liberdade de ser menina em Kabul.

(Parvana)

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

SAMANTA AQUINO CABUL – 2021 Por que o ódio tranca as casas?

Por que o terror mancha este solo

Que é tão sagrado, materno?

Por que as janelas não esperam mais o ar

Fresco e sensível da tarde?

Por que tantos rebeldes buscam em nome

De um deus – ídolo – seguidor,

Impor a maldade mascarada de religiosidade?

Instaurar a crueldade no lugar da liberdade?

Por que nós mulheres sofremos tanto?

Que ideais são esses onde o ser mais divino

Não é respeitado e sim, covardemente,

Maltratado, humilhado, assassinado?

Onde está escrito que por nascermos mulheres

Erramos, pecamos?

Onde está decretado que não sentimos desejo,

Não sonhamos, não podemos ser independentes?

Por que temos que nos render

A quem não ama esta pátria?

Pois a pátria somos nós,

Seres que a constrói e cuida.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Por que não podemos nos reconfortar

De sermos donos dos nossos quereres?

Por que temos que obedecer aos desmandos

De quem nos tira a brandura dos passos,

A segurança dos nossos lares,

A vitalidade dos nossos olhares?

Cabul, sim, as pipas vão voltar

A colorir os céus, os corações.

Cabul, as crianças e jovens vão voltar

A serem livres para estudar.

Calma, essa tempestade vai passar!

Nunca vi um rei viver eternamente,

Um tirano ser amado verdadeiramente.

Nunca vi as sementes do terror orescerem,

Pois quem merece perfume, beleza,

São os que lutam pela justiça

E trazem bondade no peito.

Cabul, não chora, não se desespera,

Agora tudo é névoa, incerteza,

Contudo, não mate a esperança, a con ança

De uma nova história,

Que no horizonte vai nascer.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

SANDRA RAMOS CRIME EM SE SER MULHER Mulher em chamas, engolida pelas trevas do obtuso;

Mulher silenciada por paradoxos condicionantes da sua existência,

Imposição de antagonismos, resgatadores soberanos do seu direito,

Violação deliberada de si, do seu leito…do seu respeito.

Mulher, cujas palavras esfumaçam no vento vindo do Norte,

Só apenas mais um rosto vazio, entre um mar de olhos adormecidos…

Uma mulher, entre tantas, coagida a cedências abruptas,

Vazia de objetivos na visão terrorista desumana,

Invisível ao mundo novo apetrechado e tão distante de si.

Mulher, à mercê involuntária do cumprimento da desumana ignorância,

Esmagada na força e engolida pelo ódio machista, pela cólera ao mundo;

Mecanismos eloquentes de supressão à sua existência,

De contaminação, de totalitarismo e de escravidão.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

E, hoje, sou essa Mulher;

Aprisionada num efeito paralisante,

Por onde as minhas palavras se deslizam num circuito fechado.

Estou viva, e no massacre que me engole,

Direi, gritarei e não deixarei de “dizer”,

Que no respirar da humanidade, não é crime em se ser Mulher…

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

SERGIA A. EFÊMERO INFINITO Para Nadia Anjuman (1980 – 2005)

Há algo de nuvem nas ores

matéria forma tempo

diz-me teu pranto mudo

sobre a chuva:

o som dos verdes rastros

sob o sol secam os olhos

gotas em ascensão

cristais de arestas diluídas

delicadeza em círculo

avolumam-se antes da queda

oferecendo ao que foi nuvem o in nito

foge do rosto a alegria

na leveza das pétalas

seiva em etérea textura

no viço de cores e odores o ciclo

revigora-se antes da queda

doando às ores o ser semeadura

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

há algo de or nas nuvens

matéria forma tempo

diz-me teu pranto mudo

caindo em mim como chuva

: o som dos verdes rastros.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

SHIRLEY LIMA MULHERES AFEGÃS O pôr do sol no

Oriente, faz brilhar no solo

toda sombra das vestes das mulheres que possam por lá.

Cada gesto machista, cada casamento forçado, cada olhar mais insinuante, cada or que uma menina não tocou, o sol foi lá e tocou.

O sol, continua acompanhando quem se refugia.

Tocar nos costumes familiares e interferir nas vestes das mulheres, é oprimir o seu direito de ir e vir, contemplando o sol.

As mulheres afegãs, deveriam ser feito as rosas que aguardam o sol para desabrochar.

Mas cam fechadas, quando os raios de sol

Irradiam, parecem não observar.

O sol, irradia seu corpo, seu hijab.

O hijab, era apenas um costume familiar, virou imposição.

No intenso calor, com uma vestimenta tão fechada, nem as nuvens tão carregadas conseguem se igualar.

As sombras das mulheres que passam na região do Afeganistão.

A sombra vem dentro do peito. São caminhos amargos, espinhos das rosas que não desabrocham.

São protestos e lágrimas, mesmo com o brilho intenso do sol

lá fora.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Dentro é névoa

Dentro são direitos renegados.

Existe um lugar reservado para fazer as refeições, para evitar olhares, evitar maus tratos.

Que ores povoam essa região?

Parecem não contemplam as ores.

Mas encontrarem espinhos nas mãos.

Que um dia, possam irradiar, libertas das vestes impostas.

O sol não se refugia.

Ele vem, toca nas mulheres dessa região.

Irradia um pouco na burca, mostra que todos podem e devem irradiar.

Somos seres humanos.

O sol nos ver desabrochar.

Que possam se libertar, ser rosas com os seus rostos sem os tecidos encobrindo parte do seu olhar.

Que estejam prontas para ser pétalas.

Pétalas, desabrochando nas manhãs de primavera.

Que o pôr do sol do Oriente, brilhe junto com cada olhar e sorrisos das mulheres que germinarão em dias de felicidades.

Serão feitas majestades, igualando-se ao astro rei.

Sem espinhos nas mãos, irradiem mulheres nas manhãs do Afeganistão.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

SILVIA SCHMIDT AFÃ Olhou para o Sol

mas viu a noite dos dias

Olhou para a Lua

mas viu o eclipse das noites

O que lhe atravessava

chegava-lhe quadriculado

desde a pequena infância

Quando se descobria ao lado

do marido era puro afã

por liberdade tomada à força

sob tiros opressores do talibã

O sol a lua os tiros ela-objeto

Era o que ela era- Era após Era

uma menina uma mulher afegã

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

Assim acordava

Assim dormia

Coberta por telas

em seu jazigo

Na esperança

de um outro amanhã

de aquarelas para ela

mãe irmã amigas e

seus muitos lhos.

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SILVIA SILVA IGUALDADE, PARA TODOS!

Parece um mundo à parte...

Um véu... sobre a realidade

Elas cobertas, da cabeça aos pés...

Sem se verem as caras!

Sem lhes podermos ver as feições,

Sem se lhes podermos observar curvas

E linhas femininas...

Eles sempre imperam,

Em regras escritas...

À lei da ordem e lei da arma!

Afeganistão...

Palco de guerras, de pobrezas, de carências...

Mulheres, ergam-se!

Temos razões de sobra para lutar!

Hoje, por elas...

Amanhã, por nós...

Que a igualdade não seja uma utopia!

Mas sim, o ponto de partida!

...e o sonho realizado!

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

SOL FIGUEIREDO ACRÓSTICO: MULHERES AFEGÃS M ilhares de mulheres tão sofridas

U m pouco de esperança e liberdade

L utam por direitos em suas vidas

H oje e sempre, buscam felicidade!

E nesta corrida, seguem perdidas

R egime autoritário impõe maldade

E suas lhas já são conduzidas...

S e casam com velhos, realidade!

A ssim, sofrem as doces margaridas

F ugindo do domínio Talibã

E m estradas sem m, por um amanhã!

G ira mundo, gira sem ter saídas...

A esperança da Mulher Afegã:

S er considerada uma Cidadã!

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THAÍS V. MANFRINI REPENTINO FRUTO vespertino canto

pirilampo campo

alma broto or

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

TATY REGINA ACALENTAR

Acalenta-me teu Olhar

Que docemente me acompanha

Numa ternura única e singular

De dois amantes a distância

Acalenta-me a tua doce melodia

Que ameniza toda minha ansiedade

Na ânsia suprema de amar-te

Embora separados corporalmente

Acalenta-me a certeza

De que estas aí e existes

Acompanhando toda minha trajetória

Num amor todo nosso

Acalenta-me tua existência

Que na distância nos aproxima

Num mistério da vida permanente

Embora sejamos totalmente diferentes

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

Acalenta-me o simples saber

Que platonicamente enamora-me

E une nossas bocas e nossos corpos

Num êxtase supremo do Amor

Acalenta-me o frio que me traz

Eternizando nosso caso amoroso

Numa união de positivo e negativo

Onde a magia do acaso se fez

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

VALÉRIA PISAURO MOVEDIÇAS Seguem anônimas, semivivas,

Mulheres sentinelas sem saída,

A criança, a moça, a velha.

Sagradas, profanas, escravas,

Da espera tem-se a miséria,

Despidas de prosa, poesia.

São mulheres predestinadas,

Uma entre muitas repartidas,

Encarceradas na ilha do corpo.

Cativas sem idade, sem rosto,

Silhuetas sombrias alegorias,

Cartas marcadas do nada.

São mulheres amordaçadas,

A dilacerar um sonho inteiro,

Que o futuro embaça o olhar.

Voz calada, ventre raiz,

Na pele tatuam desejos

Guardados para outros e para si.

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Amare Editora & Ser MulherArte Editorial

VANESSA RATTON MENINA, MOÇA, MULHER AFEGÃ Mulher afegã

eu queria poder lhe dar a mão

Eu queria poder acolhê-la

em meu abraço

Fazer dele seu escudo,

a sua proteção,

um forte laço.

Sinto tanto,

mesmo com todos os meus privilégios.

Estou longe, muito longe geogra camente

Estou tão perto da sua dor.

Se eu tivesse asas,

eu as levaria a outro lugar,

deixaria sua terra somente com homens,

pois sei que logo eles se extinguiriam.

Moça afegã, enxergo seu horror,

sua coragem de existir,

resista em seus sonhos,

proteja-se como puder,

por favor.

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Precisamos lhes emprestar nossas vozes

e alimentarmos a con ança num futuro.

Precisamos agir juntas

de todas as partes do mundo.

Assim nós traríamos vocês para perto,

estão longe, mas as sentimos em nós.

Menina afegã,

eu queria te levar à escola

para que essa semente

zesse brotar esperança

no deserto dos homens.

Queria que teu pai lhe conduzisse ao altar,

se assim você quisesse,

entregando-a ao homem que você amasse

se assim o dissesse.

Esse desejo,

essa luta ancestral

é de milhares de mulheres

que vieram antes e virão depois.

Assim, sentimos todas vocês,

não, vocês não estão longe,

estão dentro de todas nós.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas


VÂNIA PERCIANI NO CIMO DA ARA No espaço íntimo vive a mulher

do sonho: uma mulher maçã,

não or! Mas rama – grito

de lua, mandrágora!

No espaço íntimo subverte a mão

o relógio, mulher do rosa frágil

ana, íris pulsante:

ave, palavra no tempo!

O homem mordido: raízes ao ar,

sem chuva azul, saqueada

a igreja do todo real espesso,

sem plumas, que pena! o cão.

No espaço íntimo, eleita arca

da fome, utua, abocanha

a mulher a uente paisagem,

escrevendo no cimo da ara

o queijo, o corvo, o profeta,

a palavra em fogo montada

o manto caído, esquecido no chão.

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Coletânea Mulherio das Letras para Elas

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Vanessa Ratton

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