Jornal valor local edição maio 2016

Page 9

Valor Local

Ambiente

9

Administrador da Nally sobre as descargas na ribeira do Sarra

“A minha principal obsessão foi acabar com o problema” ¢

Sílvia Agostinho oderá estar perto do fim o pesadelo das população de Casal do Sarra, no Carregado. Finalmente, e depois de uma luta de anos, as várias empresas que laboram nas imediações estão a apetrechar-se devidamente no sentido de não enviarem as suas descargas para a ribeira do Sarra, nomeadamente, a Europastry que labora na antiga Knorr, e a Nally que desde há três meses que completou as obras. Pela primeira vez, esta última empresa que tem estado desde o início sob a mira dos vários holofotes, tendo sido apontada como a principal responsável pela poluição e maus cheiros recebeu a comunicação social nas suas instalações. O Valor Local in loco pôde constatar que obras foram feitas, pela mão do novo administrador da Nally, o francês Pierre Stark. “Desde que assumi a empresa que a minha obsessão foi no sentido de fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para terminar com esta questão dos efluentes, e de toda a poluição. Para mim, seria impensável pegar neste negócio, procurar desenvolver a empresa, e até pensar numa estratégia de internacionalização com este problema às nossas portas, que arrasa completamente com a nossa imagem”, começa por declarar Stark. O francês que se apaixonou pela Nally e pelo emblemático creme produzido pela empresa, o vintage Benamor, ao entrar na loja de produtos portugueses de Catarina Portas, em Lisboa, enfrentou contudo algumas dificuldades para conseguir proceder às obras em causa. Depois de adquirir a empresa ao antigo proprietário em conjunto com mais dois sócios, deparou-se com o dossier da ribeira do Sarra, acerca do qual confessa que não tinha sido avisado antes. (Desde há vários anos, que o tema é recorrentemente tratado na comunicação social, trazido, sistematicamente, às reuniões de Câmara de Alenquer pela oposição, com os diferentes executivos a desdobrarem-se em contactos com as entidades estatais que lidam com estas questões). Um mês depois de ter tomado a direção da empresa, Pierre Stark diz ter sido completamente surpreendido com o “aparato” de uma inspeção que foi feita no local, pois desconhecia os problemas ambientais desde há muito associados às empresas do Ota Park (Nally e Europastry), embora tenha feito uma auditoria aquando da compra.

vesse o mais importante. Passei a minha vida este ano na ribeira e nos caixas de esgotos do edifício”. O administrador pôde ainda presenciar que todo o complexo da antiga Knorr foi construído em cima de “autênticas lagoas”. Por outro lado, e quando adquiriu a Nally, o processo de licenciamento estava em fase final, e dele dependia também o dossier ambiental em causa. Em risco poderiam estar também os 50 postos de trabalho da empresa. “O meu foco desde o início foi este. Proteger a minha empresa, e não continuar a prejudicar a comunidade do Carregado”. Depois dos tempos difíceis, e olhando para trás, o administrador reconhece as culpas da Nally, mas acrescenta que a responsabilidade tem de ser partilhada pelos vários atores deste processo: Câmara, ABB, e empresas, porque “o problema era muito complexo”. Desde há quatro meses que os maus cheiros e as descargas não se voltaram a sentir.

P

Depois de resolvida a questão ambiental, o relançamento da marca

Pierre Stark explica as obras que teve de efetuar “A nossa postura desde o início que foi no sentido de trabalhar com todas os envolvidos. Falámos muitas vezes com a Câmara. Estive numa reunião, em que o senhor presidente mostrou a sua máxima vontade de resolver o que se estava a passar, e nesse aspeto havia um sentimento forte de que estávamos todos no mesmo barco. Confesso que fui surpreendido pelo que constatei com este tema da ribeira do Sarra, mas desde o início que me foquei completamente em o resolver, e penso que neste momento já está”, continua a descrever o administrador, que sentencia – “É impossível uma empresa sobreviver no mercado a causar prejuízo ao ambiente e à sua imagem”. Durante todo o processo, “a Nally abriu completamente a porta e o coração para tentarmos chegar ao fim deste processo. Fizemos auditorias, consultámos especialistas da água, porque queríamos saber o que se passava”, elenca. Stark contudo refere que a resolução do estado de coisas não se revelou como fácil. A empresa estava perante complexidades industriais difíceis de transpor – “Houve muitos travões no caminho”. “Fizemos uma auditoria com um teste de corrente em que foram analisados todos os postos de la-

vagem das linhas de enchimento com a colocação de corantes para verificarmos se os efluentes estavam a caminhar para a nossa ETARI. Percebemos que tudo estava a funcionar devidamente neste aspeto”, continua a relatar. Mas como o problema de fundo ainda se encontrava por resolver foi necessário contratar mais auditorias com o propósito de se conseguir chegar ao cerne do problema com o estudo da rede de esgotos do complexo industrial. “O nosso senhorio, a ABB II, não dispunha dos mapas dos esgotos que foram construídos nos anos 70. Chegámos também à conclusão de que a ABB tinha realizado uma obra de mistura de rede esgotos entre os pluviais e os domésticos que também nos deixavam sem saber o que podíamos fazer”, refere, concretizando – “Neste ponto, e para tentarmos deixar de ter qualquer espécie de culpa no que se estava a passar, fizemos uma rede de raiz para o nosso efluente industrial bem como uma bacia de retenção, fora da terra para podermos encaminhar, de uma forma que nos permita ver, todo o caminho do efluente desde as caixas de limpeza até à própria ETARI”. Sem querer adiantar valores, até porque ainda não recebeu todas as faturas, re-

fere que este foi um “investimento importante” na empresa para além de todas as auditorias que encomendou. “São vários milhares de euros, obviamente”. Para o novo administrador da Nally, esta questão foi de “um stress enorme” que lhe ocupou quase por inteiro o seu primeiro ano à frente dos destinos da mesma. “Quis combater ferozmente este problema, porque quando comprei a Nally, o meu objetivo era entregar-me completamente ao renascimento da marca Benamor que não pude levar a cabo enquanto não resol-

A Nally é uma das empresas mais antigas do país. A marca nasceu há 90 anos numa perfumaria de bairro em Lisboa. Teve as suas instalações no Campo Grande até há seis anos atrás, altura em que se mudou de armas e bagagens para o Carregado. Pierre Stark apaixonou-se pelo Benamor quando se deslocou a uma loja de produtos portugueses vintage, e ficou a saber do sucesso que o creme de mãos da marca causara numa loja da sofisticada e exclusiva marca Yves Saint Laurent. Levado para Paris por um amigo de Catarina Portas, ligado à marca france-

sa, esteve à venda durante um ano na loja. “As pessoas compraram e voltaram a comprar, e a fidelização é um sintoma muito bom. Percebi que tinha de existir algo mais, e vim conhecer o antigo dono e os seus sócios. A compra não foi imediata, mas conseguimos”. “O senhor Nunes, antigo proprietário, achou que eu era uma pessoa honesta, apaixonada, e com uma vasta experiência no mundo da cosmética pois trabalhei na L’Oreal e vendeu-me a fábrica”, resume. A Nally vai apresentar nas próximas semanas a remodelação que efetuou na marca Benamor com a apresentação exclusiva das novas embalagens. O antigo design é mantido, apenas com algumas ligeiras alterações, sendo que passará a estar disponível também na loja de cosmética do El Corte Inglés. Este foi um passo difícil mas importante para o Benamor, desde o início ligado às pequenas drogarias de bairro, mas que agora chega a uma das montras mais sofisticadas do país. A internacionalização também vai sendo feita, porque “há um sentimento muito presente no consumidor atual de ir buscar algo menos massificado, que conta uma história”. O produto encontra-se em algumas perfumarias mais ou menos exclusivas na Alemanha. “Apostamos numa embalagem mais requintada, e também nas fórmulas de alguns novos produtos como os sabonetes”. “Portugal está verdadeiramente na moda lá fora”, sentencia. A Nally é também dos fornecedores de produtos para o banho de algumas marcas brancas de supermercados, constituindo esta uma área de negócio importante da empresa que emprega cerca de 40 pessoas da região, mais 10 da zona de Lisboa.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.