Valor Local
Ambiente
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Administrador da Nally sobre as descargas na ribeira do Sarra
“A minha principal obsessão foi acabar com o problema” ¢
Sílvia Agostinho oderá estar perto do fim o pesadelo das população de Casal do Sarra, no Carregado. Finalmente, e depois de uma luta de anos, as várias empresas que laboram nas imediações estão a apetrechar-se devidamente no sentido de não enviarem as suas descargas para a ribeira do Sarra, nomeadamente, a Europastry que labora na antiga Knorr, e a Nally que desde há três meses que completou as obras. Pela primeira vez, esta última empresa que tem estado desde o início sob a mira dos vários holofotes, tendo sido apontada como a principal responsável pela poluição e maus cheiros recebeu a comunicação social nas suas instalações. O Valor Local in loco pôde constatar que obras foram feitas, pela mão do novo administrador da Nally, o francês Pierre Stark. “Desde que assumi a empresa que a minha obsessão foi no sentido de fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para terminar com esta questão dos efluentes, e de toda a poluição. Para mim, seria impensável pegar neste negócio, procurar desenvolver a empresa, e até pensar numa estratégia de internacionalização com este problema às nossas portas, que arrasa completamente com a nossa imagem”, começa por declarar Stark. O francês que se apaixonou pela Nally e pelo emblemático creme produzido pela empresa, o vintage Benamor, ao entrar na loja de produtos portugueses de Catarina Portas, em Lisboa, enfrentou contudo algumas dificuldades para conseguir proceder às obras em causa. Depois de adquirir a empresa ao antigo proprietário em conjunto com mais dois sócios, deparou-se com o dossier da ribeira do Sarra, acerca do qual confessa que não tinha sido avisado antes. (Desde há vários anos, que o tema é recorrentemente tratado na comunicação social, trazido, sistematicamente, às reuniões de Câmara de Alenquer pela oposição, com os diferentes executivos a desdobrarem-se em contactos com as entidades estatais que lidam com estas questões). Um mês depois de ter tomado a direção da empresa, Pierre Stark diz ter sido completamente surpreendido com o “aparato” de uma inspeção que foi feita no local, pois desconhecia os problemas ambientais desde há muito associados às empresas do Ota Park (Nally e Europastry), embora tenha feito uma auditoria aquando da compra.
vesse o mais importante. Passei a minha vida este ano na ribeira e nos caixas de esgotos do edifício”. O administrador pôde ainda presenciar que todo o complexo da antiga Knorr foi construído em cima de “autênticas lagoas”. Por outro lado, e quando adquiriu a Nally, o processo de licenciamento estava em fase final, e dele dependia também o dossier ambiental em causa. Em risco poderiam estar também os 50 postos de trabalho da empresa. “O meu foco desde o início foi este. Proteger a minha empresa, e não continuar a prejudicar a comunidade do Carregado”. Depois dos tempos difíceis, e olhando para trás, o administrador reconhece as culpas da Nally, mas acrescenta que a responsabilidade tem de ser partilhada pelos vários atores deste processo: Câmara, ABB, e empresas, porque “o problema era muito complexo”. Desde há quatro meses que os maus cheiros e as descargas não se voltaram a sentir.
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Depois de resolvida a questão ambiental, o relançamento da marca
Pierre Stark explica as obras que teve de efetuar “A nossa postura desde o início que foi no sentido de trabalhar com todas os envolvidos. Falámos muitas vezes com a Câmara. Estive numa reunião, em que o senhor presidente mostrou a sua máxima vontade de resolver o que se estava a passar, e nesse aspeto havia um sentimento forte de que estávamos todos no mesmo barco. Confesso que fui surpreendido pelo que constatei com este tema da ribeira do Sarra, mas desde o início que me foquei completamente em o resolver, e penso que neste momento já está”, continua a descrever o administrador, que sentencia – “É impossível uma empresa sobreviver no mercado a causar prejuízo ao ambiente e à sua imagem”. Durante todo o processo, “a Nally abriu completamente a porta e o coração para tentarmos chegar ao fim deste processo. Fizemos auditorias, consultámos especialistas da água, porque queríamos saber o que se passava”, elenca. Stark contudo refere que a resolução do estado de coisas não se revelou como fácil. A empresa estava perante complexidades industriais difíceis de transpor – “Houve muitos travões no caminho”. “Fizemos uma auditoria com um teste de corrente em que foram analisados todos os postos de la-
vagem das linhas de enchimento com a colocação de corantes para verificarmos se os efluentes estavam a caminhar para a nossa ETARI. Percebemos que tudo estava a funcionar devidamente neste aspeto”, continua a relatar. Mas como o problema de fundo ainda se encontrava por resolver foi necessário contratar mais auditorias com o propósito de se conseguir chegar ao cerne do problema com o estudo da rede de esgotos do complexo industrial. “O nosso senhorio, a ABB II, não dispunha dos mapas dos esgotos que foram construídos nos anos 70. Chegámos também à conclusão de que a ABB tinha realizado uma obra de mistura de rede esgotos entre os pluviais e os domésticos que também nos deixavam sem saber o que podíamos fazer”, refere, concretizando – “Neste ponto, e para tentarmos deixar de ter qualquer espécie de culpa no que se estava a passar, fizemos uma rede de raiz para o nosso efluente industrial bem como uma bacia de retenção, fora da terra para podermos encaminhar, de uma forma que nos permita ver, todo o caminho do efluente desde as caixas de limpeza até à própria ETARI”. Sem querer adiantar valores, até porque ainda não recebeu todas as faturas, re-
fere que este foi um “investimento importante” na empresa para além de todas as auditorias que encomendou. “São vários milhares de euros, obviamente”. Para o novo administrador da Nally, esta questão foi de “um stress enorme” que lhe ocupou quase por inteiro o seu primeiro ano à frente dos destinos da mesma. “Quis combater ferozmente este problema, porque quando comprei a Nally, o meu objetivo era entregar-me completamente ao renascimento da marca Benamor que não pude levar a cabo enquanto não resol-
A Nally é uma das empresas mais antigas do país. A marca nasceu há 90 anos numa perfumaria de bairro em Lisboa. Teve as suas instalações no Campo Grande até há seis anos atrás, altura em que se mudou de armas e bagagens para o Carregado. Pierre Stark apaixonou-se pelo Benamor quando se deslocou a uma loja de produtos portugueses vintage, e ficou a saber do sucesso que o creme de mãos da marca causara numa loja da sofisticada e exclusiva marca Yves Saint Laurent. Levado para Paris por um amigo de Catarina Portas, ligado à marca france-
sa, esteve à venda durante um ano na loja. “As pessoas compraram e voltaram a comprar, e a fidelização é um sintoma muito bom. Percebi que tinha de existir algo mais, e vim conhecer o antigo dono e os seus sócios. A compra não foi imediata, mas conseguimos”. “O senhor Nunes, antigo proprietário, achou que eu era uma pessoa honesta, apaixonada, e com uma vasta experiência no mundo da cosmética pois trabalhei na L’Oreal e vendeu-me a fábrica”, resume. A Nally vai apresentar nas próximas semanas a remodelação que efetuou na marca Benamor com a apresentação exclusiva das novas embalagens. O antigo design é mantido, apenas com algumas ligeiras alterações, sendo que passará a estar disponível também na loja de cosmética do El Corte Inglés. Este foi um passo difícil mas importante para o Benamor, desde o início ligado às pequenas drogarias de bairro, mas que agora chega a uma das montras mais sofisticadas do país. A internacionalização também vai sendo feita, porque “há um sentimento muito presente no consumidor atual de ir buscar algo menos massificado, que conta uma história”. O produto encontra-se em algumas perfumarias mais ou menos exclusivas na Alemanha. “Apostamos numa embalagem mais requintada, e também nas fórmulas de alguns novos produtos como os sabonetes”. “Portugal está verdadeiramente na moda lá fora”, sentencia. A Nally é também dos fornecedores de produtos para o banho de algumas marcas brancas de supermercados, constituindo esta uma área de negócio importante da empresa que emprega cerca de 40 pessoas da região, mais 10 da zona de Lisboa.