ANO 3 - USf N.9 - EDIÇÃO DE PESSACH - MARÇO 2021

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Sefarad Universo

ANO 3 - USf N.9 - EDIÇÃO DE PESSACH - MARÇO 2021

PESSACH

Celebrando a Liberdade 1


Sefarad Universo

Diretor/Editor Executivo Elias Salgado Editora Executiva Regina Igel Diretor de Arte e Design Eddy Zlotnitzki Correspondente Internacional Henrique Cymerman Benarroch Literatura Cristina Konder Conselho Editorial HOMENAGEM ESPECIAL: Prof. Samuel Isaac Benchimol z”l Andre de Lemos Freixo Fernando Lattman-Weltman Heliete Vaitsman Henrique Cymerman Benarroch Ilana Feldman Isaac Dahan Jeffrey Lesser Michel Gherman Monica Grin Monique Sochaczewski Goldfeld Regina Igel Renato Athias Wagner Bentes Lins Editor Elias Salgado Projeto gráfico e arte diagramação Eddy Zlotnitzki Revisão Regina Igel Colaboram neste número Alessandra Conde Cecília Fonseca da Silva David Salgado Yehuda Benguigui Incluí o Suplemento Amazônia Judaica

Universo Sefarad é uma publicação da Talu Cultural

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EDITORIAL

Elias Salgado

Este isolamento que estamos vivenciando intensificou o hábito de leitura ou deu oportunidade a que se criasse vontade de ler junto a muitas pessoas... Parece que deste período sombrio e temeroso, emergiu maior curiosidade pelo mundo a partir do distanciamento forçado a que estamos submetidos há quase ano e meio. O hábito de leitura pode ser comparado, então, à famosa réstea de prata na nuvem escura: a pandemia nos trouxe, além do medo e do luto, um interesse ativo por leituras. Descobrimos, tanto nós que sempre gostamos de ler, quanto as pessoas que se veem atraídas agora por leituras, que o mundo é um arco de inúmeras cores. Nesta nossa revista, elas aparecem em lugares distantes, forçandonos a viagens por páginas escritas com o dom de tapete mágico: transportam-nos a um longínquo passado, revelando os antecessores do nosso querido Jorge Amado. Não é que ele se descobriu descendente de sefarditas? Embora alguns tenham torcido o sobrenome dele para ‘Ahmed’, ele se confessou de origem judaicosefardita. E sua filha reiterou esta afirmação, como se pode ler no artigo “Raízes de Jorge Amado”. Da Península Ibérica nos alcança a lenda (ou foi verdade?) da paixão do rei medieval espanhol Alfonso VIII pela belíssima e boníssima Raquel, como relatada pelo judeu alemão Lion Feuchtwanger (1884-1958), no livro La judia de Toledo, celebrado num ensaio literário de Elias Salgado. E do mesmo berço lusoespanhol, recebemos resenha, assinada por Cristina Konder, do romance histórico O último cabalista de Lisboa, do judeu americano-português Richard Zimler, sobre o massacre de judeus e cristãos-novos em 1506, em plena época do Pessach, por portugueses insuflados pelos padres dominicanos. Dos domínios ácidos, hostis e odiosos dos antissemitas ibéricos, vamos para uma região bem longe, para uma cidadezinha que se chamava, no século 300 da Era Comum, Dura-Europos, hoje em território sírio. Foi em 1920 que pesquisadores desencavaram o vilarejo e, entre as ruínas, se descobriu, praticamente quase intacta, uma sinagoga! Suas paredes brilhantemente pintadas com cenas expondo pessoas, objetos e animais nos contam, até um certo ponto, a vida judaica naqueles pagos, naquela época. Como é possível perceber, toda esta edição está dedicada a ilustres, heroicos e famosos sefarditas, desde o universalmente famoso Jorge Amado, à menina sefardita-espanhola de Toledo, ao cabalista português. Os judeus de Dura-Europos precederam todos estes, deixando um legado que se foi abrir em leque pelo mundo sefardita séculos depois. Mas isto já é outra história, que será contada em futura edição. Chag HaPessach Sameach Os Editores


ÍNDICE

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HISTÓRIA A sinagoga de Dura-Europos

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RAÍZES Jorge Amado: árabe ou judeu?

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RESENHA O último cabalista de Lisboa de Richard Zimler

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SUPLEMENTO UNIVERSO AMAZÔNIA JUDAICA

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LITERATURA: “La Judía de Toledo”: Uma mulher, múltiplos personagens

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HAQUITIA: Nosso Dialeto Quase Perdido (I)

CAPA 10 Anos de uma Hagadá que entrou para a História

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TRADIÇÃO As 10 pragas do Egito numa versão de Marcos Serruya z”l

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MENSAGENS

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HISTÓRIA

A sinagoga de Dura-Europos, que ficou enterrada nas areias da Síria Oriental por 17 séculos, escreveu sozinha um importante capítulo na história da arquitetura e decoração das sinagogas

A sinagoga de Dura-Europos Fonte: Revista Morashá

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ua descoberta causou um frisson entre arqueólogos e historiadores, pelas pinturas que ornam seu interior, retratando cenas bíblicas que revelam uma arte de cuja existência não se tinha conhecimento. Era o maior conjunto de afrescos da Antiguidade inspirados na Torá, no Midrash, nos Livros dos Profetas e em outros textos judaicos. O impacto foi profundo tanto sobre o que se sabia, até então, em relação à arte judaica e, de modo geral sobre os estudos da arte nos últimos séculos

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da Antiguidade, como sobre a iconografia bíblica e os vínculos entre a arte judaica e a cristã. Tais afrescos estão, hoje, expostos no Museu Nacional, em Damasco. O destino de Dura-Europos, antiga cidade fundada no terceiro século antes da Era Comum (a.E.C), às margens do rio Eufrates, e de sua sinagoga é, de certa forma, comparável ao de Pompéia, pois suas riquezas arquitetônicas e artísticas foram preservadas pelas toneladas de areia e entulhos sob as quais a cidade ficou soterrada desde sua


destruição, em meados do século 3 desta Era, até sua descoberta acidental, em 1920.

O sítio foi encontrado pelo exército britânico, que fazia preparativos táticos para enfrentar a chamada Revolta Árabe, que se havia espalhado também na região do Eufrates. Ao cavar trincheiras perto da cidade de Salhiy, uma unidade encontrou um muro de um antigo templo, onde se podia ver um afresco muito bem conservado. Historiadores e pesquisadores sabiam da existência de Dura-Europos, pois a cidade é mencionada nos textos do geógrafo Isidore de Charax, que viveu no século 1 da Era Comum. Apenas não se conhecia a sua localização. O local começou a ser escavado por arqueólogos em 1922, mas os trabalhos tiveram que ser interrompidos dois anos mais tarde devido à falta

de segurança da região. Em 1928, arqueólogos da Universidade de Yale, em associação com a Academie des Inscriptions et Belles Lettres, voltaram a escavar o sítio. Quando, em 1937, Yale decidiu interromper os trabalhos por escassez de fundos, cerca de 30% da antiga cidade haviam sido revelados. Entre as riquezas arquitetônicas e artísticas descobertas e os inúmeros templos dedicados às mais diversas divindades, havia uma sinagoga, encontrada em 1932, em notável estado de preservação. Junto à sinagoga, foram encontrados, também, um local de orações usado provavelmente por soldados romanos, conhecido como domo Mithareum, e uma pequena capela cristã. A sinagoga, com sua construção e decoração tão elaboradas, não encontra paralelo em nenhum outro templo encontrado em Dura-Europos. O arqueólogo norte-americano Clark Hopkins assim descreveu a descoberta “(...) como uma página 5


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HISTÓRIA

saída de um conto das Mil e uma Noites. Esfregouse a lâmpada de Aladim e, repentinamente, das areias secas e escuras do deserto, pinturas emergiram, não apenas uma, um painel ou um muro, mas um edifício inteiro, com cenas após cenas desenhadas, todas extraídas da Bíblia, de uma forma até então jamais sequer imaginada”.

A cidade

Situada na atual Síria, próxima à fronteira com o Iraque, Dura-Europos foi fundada no ano 300 a.E.C., às margens do rio Eufrates, como entreposto militar, por Seleuco Nicator, na época general de Alexandre o Grande. Seleuco, que após a morte de Alexandre ficou com a parte asiática do império, foi o fundador do Império Selêucida. O nome “Dura-Europos”, com um hífen unindo os dois nomes, é uma combinação ortográfica moderna. Na Antiguidade, a cidade era chamada

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pelos povos da região de “Dura”, que vem da palavra “duru”, em aramaico, “fortaleza” – isto por causa de sua estratégica localização. Os gregos, porém, chamavam-na de “Europos”, o nome da cidade macedônica onde nascera Seleuco I Nicator. Localizada na rota que ligava Antióquia com Selêucia do Tigre – primeira capital do Império Selêucida, Dura-Europos fazia parte da rede de cidades fortificadas e centros de comércio estabelecidos por Seleuco I Nicator. Sua localização estratégica lhe permitia controlar o comércio fluvial da região. Em meados do século 2 a.E.C., os seulêcidas deram início ao projeto de urbanização que transforma Dura-Europos de entreposto militar em uma cidade grega. Em 114 a.E.C., a cidade é ocupada pelo Império Parto (247 a.E.C.-224 E.C.), uma das principais potências político-culturais iranianas da antiga


Pérsia. Apesar de ficar sob domínio parto, culturalmente continuava sendo uma cidade predominantemente grega. Foi durante essa ocupação, que durou até 165 E.C., que DuraEuropos viveu seu período de maior prosperidade. Nos anos 160 E.C., durante as guerras entre romanos e partos, o avanço ocidental das forças partas ameaçou a fronteira romana ao longo do Eufrates. O exército do imperador romano Lucius Verus seguiu em direção à Síria para forçar o recuo do inimigo. Uma das batalhas decisivas aconteceu na frente de Dura e a cidade é sediada, caindo em mãos romanas em 165 E.C..

Dura-Europos se tornou um dos pontos fortes da defesa das fronteiras do Império Romano diante dos ataques dos partos. Suas defesas foram reforçadas e uma poderosa força militar romana estacionou na cidade. A maior parte deste contingente era oriunda de Palmira,

cidade que exerceu forte influência sobre Dura. O domínio romano durou 60 anos e não foi benéfico para a cidade. A insegurança que prevalecia nessa região fronteiriça resultou numa diminuição da atividade comercial e a cidade virou, basicamente, um centro militar romano. Nas primeiras décadas do século 3 da Era Comum, a mudança de poder na Pérsia teria sérias consequências para Dura-Europos. Em 224, os sassânidas, dinastia com grandes ambições territoriais, derruba os partos e muda a configuração geopolítica da região. O Império Sassânida, que vai durar até 651, seria o último grande Império Persa antes da conquista muçulmana. Querendo restabelecer o antigo Império Persa, eles passam a ameaçar as fronteiras romanas na Síria e na Ásia Menor, e o fazem através de Dura. Alegavam que a ocupação romana da cidade era ilegal, uma vez que o imperador Augusto havia cedido Dura aos partos.

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HISTÓRIA

Em resposta à ameaça que esse império representou para a cidade entre os anos 253 e 257, os romanos a fortificam e a suas muralhas. Construíram, dentro da cidade, um baluarte de defesa, que incluía as edificações próximas à muralha ocidental. Para proteger as pinturas nas construções religiosas, inclusive as da sinagoga, preencheram-nas com areia. No ano de 253, os sassânidas atacam a cidade. Três anos depois, apesar das maciças fortificações, conseguem penetrar – ainda há marcos que atestam a ferocidade da luta. Derrotados os romanos, os sassânidas deportam os habitantes de Dura e, a cidade destruída, desaparece do mapa. Quando a cidade foi sitiada, os soldados romanos construíram uma escarpa de terra junto à muralha, para defender o lado ocidental da cidade. Quando esta escarpa desmoronou, levou consigo as construções ao longo da muralha ocidental, inclusive a igreja e a sinagoga, enterrando-as. A sinagoga foi totalmente coberta por pedregulhos e entulhos, e seus tesouros artísticos ficaram, durante séculos, a salvo das intempéries.

A comunidade judaica Numericamente pequena durante o período selêucida, a população de Dura aumentou sob o domínio dos partos, chegando a ter 20 mil habitantes sob o domínio romano. Os moradores de Dura, oriundos das mais diferentes etnias e religiões – gregos, semitas, partos, romanos –, conviviam pacificamente. Essa diversidade étnicoreligiosa é atestada pela quantidade de templos dedicados aos mais diferentes deuses, que foram encontrados durante as escavações, pois cada grupo tinha seu próprio lugar de culto. Acredita-se que os judeus se estabeleceram em Dura durante o domínio parto. Não há, no entanto, achados arqueológicos que confirmem sua presença em épocas anteriores ao conjunto de construções das quais era parte a sinagoga. A construção dessas casas data do final do século 8 | USf | ANO 3 - Nº9 | PESSACH 2021

1, início do 2 da E.C. e corresponde ao período de maior prosperidade vivido pela cidade. Vivendo em um meio totalmente pagão, os judeus eram uma minoria étnica de pouca representatividade. Apesar de a cidade estar localizada a apenas 400 quilômetros ao norte de Nehardea, importante centro do judaísmo babilônico, e ter estreitas ligações com Palmira, onde havia uma comunidade judaica, os historiadores acreditam que os judeus de DuraEuropos viviam relativamente isolados.

As modestas dimensões e a localização da primeira sinagoga, próxima ao muro ocidental da cidade, entre as torres 18 e 19, são forte indício de que a comunidade era inicialmente pequena. No início do século 3 da E.C. já aumentara e prosperara. O maior indicativo desse crescimento foi a expansão da antiga sinagoga. Foram compradas casas adjacentes à mesma, que, em seguida, foram incorporadas através de passagens entre elas. O conjunto que se criou incluía várias salas, um pátio cercado por pórticos e um “salão da congregação” para as orações. Algumas das salas eram usadas, provavelmente, para alojar viajantes e, outras, para os funcionários da sinagoga. Uma inscrição em uma lajota do teto, encontrada entre as ruínas, revela o nome de quem iniciou o projeto de ampliação da sinagoga – Samuel ben Yeda’ya, “o Ancião”, e o nome de seus dois assistentes – Abraham, o tesoureiro, e Samuel bar Sapahara. Uma inscrição em aramaico traz gravada a data de 244-245 desta Era, marcando o término das modificações na arquitetura da nova sinagoga, e não de sua decoração.

A primeira sinagoga A primeira sinagoga era uma modesta residência particular, escolhida pelos judeus de Dura para atender suas necessidades comunitárias e religiosas. Apenas pequenas modificações foram


feitas, para adaptar a residência adequadamente. A mais significativa foi a construção, no muro ocidental do salão onde passariam a realizar as orações, de um nicho para os Sifrei Torá, uma edícula, como era chamado na arquitetura romana. Na arquitetura sinagogal, Dura fornece o primeiro exemplo de um local específico, fixo, onde eram colocados os Sifrei Torá, que acabaria evoluindo para o Aron Hakodesh. Nas sinagogas da Galileia, esse arranjo somente apareceria no século 3. O salão para orações era do tipo “sala ampla”, com dois portões no lado oriental e a edícula com os rolos da Torá no lado ocidental. As mulheres ficavam em outra sala adjacente.

Os arqueólogos conseguiram reconstruir parcialmente a decoração da primeira sinagoga graças aos restos encontrados durante as escavações. As paredes e o teto do salão de orações eram pintados. Nas paredes, não havia desenhos de símbolos judaicos ou representações de seres vivos. A faixa central era de mármore incrustado, acima e abaixo da qual havia uma pintura, imitando mármore, nas cores ocre, amarelo e verde sobre fundo amarelo. O teto era totalmente coberto, imitando lajotas, decorado em uma rica variedade de cores. Na sala reservada às mulheres, as paredes eram pintadas com motivos florais, folhas e frutos. 9


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HISTÓRIA

A segunda sinagoga e seus afrescos Diferentemente da primeira sinagoga, onde só foi possível fazer uma reconstrução aproximada, os muros da sala de orações da segunda sinagoga foram protegidos pela areia ao longo de 17 séculos. Isso permitiu a restauração do muro ocidental, em sua quase totalidade, e, parcialmente, a dos outros muros. A decoração da segunda sinagoga foi um projeto ambicioso em termos artísticos e foi executada em duas etapas. O projeto original incluía apenas a decoração do teto e do local onde se guardavam os rolos da Torá. Ao término da execução da segunda etapa do projeto, a sala de orações – que media 13,65 X 7,68 metros – todas as paredes e a área destinada à Torá, haviam sido completamente cobertas por cenas figurativas de episódios bíblicos da Torá e dos Livros dos Profetas, com alusões aos ensinamentos contidos no Midrash e no Targum. Os afrescos narrativos eram organizados em faixas, uma em cima da outra. O estilo das pinturas foi uma combinação das tradições greco-orientais. Os artistas empregaram a técnica al secco e uma gama de cores bastante limitada, tendo predominado as cores terrosas –vermelho-brique, 10 | USf | ANO 3 - Nº9 | PESSACH 2021

rosa, amarelo claro, os marrons, verdes e usaram a fuligem para fazer as vezes de preto.

Não há precedente na arte da Antiguidade de uma narrativa – na forma de pinturas – tão complexa como a que foi criada na Sinagoga de Dura. Ao longo dos anos, inúmeras foram as tentativas de interpretar as pinturas nas paredes, e decifrar sua mensagem. Para a descrição e análise das cenas neste artigo, seguimos a linha adotada no livro “Arte Judaica”, de Gabrielle Sed-Rajna, baseada no trabalho de Carl H. Kraeling. Historiador, arqueólogo e teólogo luterano norteamericano, Kraeling publicou sua análise dos afresco em seu livro, The Synagogue (Excavations at Dura-Europos, Final Report), inicialmente publicado em 1956 pela Yale University Press. Painel após painel, os afrescos retrataram importantes momentos na história de nosso povo, sem, no entanto, seguir uma ordem cronológica. O objetivo ia além de um exercício artístico, havia um propósito teológico: mostrar a excepcional Providência Divina em relação ao Povo Judeu, que se manifestou em várias vicissitudes de nossa história e, ao mesmo tempo, servir como uma reafirmação de que, apesar de todas as provações


enfrentadas por Seu povo, a Aliança selada entre D’us e os Filhos de Israel e Sua promessa de Redenção eram eternas e imutáveis. Como era de se esperar, um dos principais destaques da narrativa é Moshé, nosso maior profeta. Os artistas retrataram, entre outros, seu resgate do Nilo, a revelação da Sarça Ardente, a saída dos Filhos de Israel do Egito, o milagre da abertura do Mar Vermelho e o recebimento da Torá diretamente de D’us. Nos paineis sobre a saída do Povo de Israel do Egito, a Mão de D’us simboliza Sua milagrosa intervenção. A Arca da Aliança, o símbolo da Presença Divina entre Seu Povo, é o tema de mais uma série de paineis – desde a consagração do Tabernáculo no deserto, sua captura pelos filisteus, até sua transferência para o Templo de Salomão. O Rei David, do qual vai descender o Massiach, é tema de outra série de afrescos. O artista retratou, entre outros, o jovem David no meio de seus irmãos sendo ungido pelo profeta Shmuel, e numa outra cena o Rei David tocando a harpa. Estão também retratados momentos importantes da vida do profeta Eliyahu; a visão de Ezequiel sobre a ressurreição dos mortos e a volta das Dez tribos perdidas para Eretz Israel.

monumental, também pintada em ouro, um lulav e um etrog. Esses três símbolos que aparecem em conjunto com o Templo fazem referência à Festa do Tabernáculo, a celebração mais formal realizada no Templo. Esta associação sugere que o Templo que brilha acima do nicho é o da Era Messiânica. No lado direito está retratada uma cena da Akedá, o sacrifício de Yitzhak. Nosso patriarca Avraham domina a cena. Sobre o altar, a Mão de D’us emerge em meio às nuvens, símbolo da intervenção Divina a favor de Seu Povo. As pinturas representam a ligação entre o passado – representado pela Akedá, e o futuro, pelo Templo de Jerusalém, que será reconstruído com a chegada do Massiach, quando se realizarão as promessas que D’us fez a Seu Povo. Em 1999, por iniciativa da França, Dura-Europos foi declarada Patrimônio da Humanidade.

Bibliografia:

Sed-Rajna, Gabrielle, Jewish Art, Ed. Harry N. Abrams, 2005 Jarrasse, Dominique, Synagogues, Ed. New Line Books, 2001.

Há também painéis sobre a história de Purim: de Esther, Mordechai e da intervenção Divina que salvou os judeus de Shushan. Este episódio destinou-se a acender a esperança de que a Proteção Divina iria manifestar-se mais uma vez aos judeus de Dura e os iria resgatar das ameaças de outro governante persa, o rei sassânida. A narrativa era interrompida, no meio do muro ocidental – onde ficava o local côncavo, o nicho, onde eram colocados os Sifrei Torá – por uma composição artística central. As pinturas nas paredes calcadas em episódios do passado tinham como objetivo dar sustentação a essa composição, que era o tema central da obra. No lado esquerdo aparecem o Templo de Jerusalém pintado em ouro, uma menorá 11


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RAÍZES

Jorge Amado:

ÁRABE OU JUDEU?

Comentarista de um jornal do Rio de Janeiro aventou a possibilidade de ser Jorge Amado descendente de libanese Cecília Fonseca da Silva* Fonte: Correio Braziliense

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omentarista de um jornal do Rio de Janeiro aventou a possibilidade de ser Jorge Amado descendente de libaneses. Paloma Jorge Amado, sua filha, respondeu: “Os Amados vieram de Portugal com Nassau no tempo da Inquisição.

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Isso fez um primo nosso (...) achar que éramos holandeses. Papai o chamou à realidade: éramos judeus sefardi fugindo... E estou certa de que era isso mesmo. Sem dúvida nenhuma, papai tem cara de árabe”.


Podemos deduzir, então, que os ascendentes da família Amado chegaram ao Brasil no séc.17, saídos não diretamente de Portugal, mas da Holanda; e são judeus sefarditas, não são árabes. Se estavam fugindo da Inquisição, eram cristãos-novos, ou seja, já eram convertidos ao cristianismo, pois a Inquisição não tinha jurisdição sobre judeus, mas só sobre os batizados na religião católica romana. Sefarad é o nome hebraico da Península Ibérica, mencionado na profecia de Obadias, vers.20, como um dos lugares habitados pelos exilados de Jerusalém. O termo sefaradi, ou sefardita, ou sefaradita, refere-se aos descendentes dos judeus espanhóis e portugueses expulsos da Península Ibérica no final do séc. 15 que conservam as características culturais hispânicas. À época, houve duas expulsões. A de 1492, cujo decreto foi assinado por Isabel de Castela e Fernando de Aragão, ordenava a saída dos judeus que não se convertessem ao cristianismo. A intenção dos reis era que o território que hoje compõe a Espanha fosse exclusivamente cristão. A de 1497, quando os judeus são expulsos de Portugal (ou convertidos à força), sob D. Manuel, o Venturoso. Desde a fundação do Estado de Israel (1948), o termo sefardi vem sendo usado para designar os judeus de origem distinta da dos asquenazis (de origem alemã ou da Europa Central) e dos mizrahis (de origem árabe). O ano de 1492 é marcante na história da Espanha. Ocorre a conquista de Granada, último território dos mouros na Península Ibérica; a expulsão dos judeus, que levaram sua cultura e seu idioma para os países que os acolheram; a publicação da primeira gramática escrita em língua neolatina, o castelhano; o descobrimento da América, em 12 de outubro. O dialeto predominante naquele momento na Espanha, o castelhano, começa a se espalhar por todo o mundo: por um lado, judeus; por outro,

cristãos-velhos, cristãos-novos, criptojudeus. Não se sabe ao certo quantos judeus saíram. Segundo estimativas mais tradicionais, os que se converteram seriam cerca de 50 mil; os que preferiram emigrar, cerca de 180 mil. Dirigiram-se para Portugal, Navarra ou França; Países Baixos (Holanda e Bélgica). Alguns escolheram fixar-se na Itália; outros seguiram caminho em direção ao Império Otomano. Muitos foram para o norte da África. Então, o que deduzimos é que a família Amado saiu de Portugal para os Países Baixos e de lá veio, com Maurício de Nassau, para o Brasil. Nassau permitiu a liberdade de culto entre cristãos e judeus. Em 1637, foi fundada a sinagoga Kahal Zur Israel (Rocha de Israel), em Recife, a primeira das Américas. Com a expulsão dos holandeses, vários judeus regressaram à Holanda. Outros foram para o Caribe e de lá chegaram a Nova Amsterdã, atual Nova York. Os que permaneceram no Brasil se espalharam pelo Nordeste ou se dirigiram para Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, atraídos pela descoberta de ouro e de pedras preciosas. Para essa região já haviam ido os bandeirantes, a maioria cristãos-novos ou declaradamente judeus. Os remanescentes que permaneceram no Nordeste encontraram acolhida nos engenhos de cana-de-açúcar que pertenciam a judeus assumidos ou a cristãos-novos que judaizavam, ou seja, eram criptojudeus. Atualmente, passados séculos das perseguições inquisitoriais, brasileiros, principalmente nordestinos e descendentes, buscam suas raízes judaicas. São os bnei anussim, os “filhos dos forçados”. Paloma Amado acrescenta, na resposta, que o pai “adorava o fato de ser de origem sefardi. Dizia: “Árabe judeu e obá de Xangô, quer coisa melhor?” * Escritora e palestrante. Autora de Os caminhos de Sefarad - Uma língua e sua história 13


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LITERATURA

“La Judía de Toledo”:

Uma mulher, múltiplos personagens Através do personagem ficcional e histórico(?) de Raquel, é possível refletir sobre o imaginário coletivo espanhol relativo à imagem dos judeus em Espanha

Elias Salgado

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eguindo a trilha apontada por Lion Feuchtwanger, autor do livro La judia de Toledo, nossa análise será baseada, principalmente, em estudo de algumas peças teatrais espanholas escritas e encenadas no período que vai do século XVI ao XIX. As grandes questões aqui levantadas são: * Por que o personagem da Judia de Toledo (que no século XIII é chamada de “La Fermosa” pelas crônicas reais e, a partir do século XVI, será conhecida como Raquel), atravessa tantos séculos e dezenas de autores escrevem peças sobre tal figura? * “La Fermosa” foi uma lenda ou um ser histórico? * No romance de Feuchtwangter, há “um jogo” narrativo no qual o autor nos apresenta os personagens principais (Afonso VIII, Yehudá Ibn Ezra, Raquel e a nobreza cristã) baseando-se (numa referência) nos/aos personagens do Livro de Esther – Ahashverus, Mardoqueu, Esther e Aman. O livro La Judía de Toledo é um clássico romance de cavalaria, gênero que, acredito, melhor nos permite vivenciar alguns aspectos fundamentais do universo medieval. Escrito pelo autor judeu alemão Lion Feuchtwanger, foi editado pela primeira vez em 1954, em alemão, com o título Dien Judin Von Toledo. A primeira edição em espanhol é de 1992 (Edaf, Madrid). Usamos para leitura e elaboração do presente trabalho, a 16ª edição da publicação espanhola. Os personagens centrais da trama são: a judia Raquel (“La Fermosa!); seu pai, o rico comerciante judeu Don Yehudá Ibn Ezra e o Rei de Espanha, Afonso VIII. A narrativa se dá no século XI.

Um pouco de história do período: No ano de 711 da Era Comum, os muçulmanos almorávidas, vindos do Norte da África, cruzaram o estreito de Gibraltar e invadiram a Espanha, vencendo os visigodos cristãos. Uma parte destes fugiu e se refugiou no norte do país. Os mouros trouxeram com eles uma cultura altamente sofisticada. Córdoba, a capital do Califado, tornou-se a cidade mais importante do mundo muçulmano ocidental à época.

Fundaram 3 mil escolas, uma universidade e inúmeras bibliotecas. Aos judeus que ali viviam e que antes sofriam restrições dos cristãos, foi concedida igualdade de cidadania. Quatro séculos depois, os visigodos avançam rumo ao sul na tentativa de expulsar os muçulmanos, dando início ao que a História chama de Reconquista, período que se estenderá do século XI ao XV. No século XII, os amoadas, oriundos do Marrocos e comandados pelo Califa Yussuf, derrotam os almorávidas e estabelecem, como capital do Califado, a cidade de Sevilha. Os judeus são obrigados a se converter ou abandonar o califado. Muitos se foram para Portugal e para Castela e Aragão, onde a princípio são bem aceitos, dada sua importância na reconstrução dos reinos destroçados pela guerra. Outros permaneceram e se converteram por vontade própria, para manter seu patrimônio. Estes ficaram conhecidos como os mesumad. Este é o caso de Ibrahim de Sevilha (Yehudá Ibn Ezra), o pai de Raquel, personagem que dá nome ao livro.

O livro e sua trama: Um grande romance. Trabalho de enorme documentação e grande cuidado na elaboração. Narra as paixões humanas de um rei, de um homem. As contradições de um amor passional, as convicções religiosas e a política. Muçulmanos, judeus e cristãos coexistem em Toledo no período

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LITERATURA

Raquel: uma lenda ou um ser histórico?

anterior e posterior ao desastre da batalha de Alarcos, em 1195. O livro de Lion Feuchtwanger, é uma apaixonada história de amor e violência e que, através de séculos vem ocupando a imaginação dos espanhóis. Ele narra a paixão que o rei Afonso VIII de Castela, sentiu pela judia Raquel, fato que registram as crônicas de seu bisneto, o rei Afonso X, o Sábio. O romance entre Raquel e Afonso será causa de grandes intrigas da nobreza e do clero cristão castelhano, que não concordavam com ele, por ela ser judia. Raquel e Afonso tiveram um filho, Emanuel, que o rei fazia questão de converter. E temendo alguma consequência trágica com o bebê, Yehuda, o avô, tirou-o de Toledo, mandando-o para um lugar que ninguém sabia, nem mesmo Raquel, para que estivesse a salvo. O destino da história é bastante trágico: Raquel e seu pai, Yehuda Ibn Ezra, são assassinados pelos nobres, que aproveitaram a ausência de Afonso, quando este estava na batalha de Alarcos, em 1195, contra os muçulmanos, na qual foi derrotado. 16 | USf | ANO 3 - Nº9 | PESSACH 2021

Os historiadores e estudiosos que se debruçaram sobre o tema da paixão de Afonso VIII pela judia Raquel estão divididos em dois grupos: O daqueles que a veem como uma lenda criada para justificar a derrota do rei na batalha de Alarcos, em 1195. Estes apontam, como primeiro testemunho da dramática história, um trecho que aparece em Los castigos e documentos para bien vivir, de Sancho IV, o Bravo (1284-1295), no qual adverte seu filho de que deve evitar os “pecados de fornicio”, para que não lhe ocorra o que aconteceu ao rei Afonso VIII. O segundo grupo acredita ser Raquel um personagem histórico e não uma lenda, baseando-se no único rastro histórico deste apaixonante conto de amor, que está nas Crónicas Reales de Afonso X, o Sábio, bisneto de Afonso VIII, que reinou um século depois que ocorreram os fatos. Ele conta que seu bisavò: “pagóse mucho de una judía que auie nombre Fermosa, e olvidó la muger, e ençerróse con ella gran tiempo en guisa que non se podié partir d’lla por ninguna manera, nin se pagaua tanto de cosa ninguna: e estouo ençerrado con ella poco menos de siete años… Entonçe ouieron su acuerdo los omes buenos d’l reino cómo pusiesen algún recado en aquel fecho tan malo e tan desaguisado… e con este acuerdo fuéronse para allá: e entraron al rey diziendo que queríen fabrar con él: e mientras los unos fabraron con el rey, entraron los otros donde estaua aquella judía en muy nobres estrados, e d’golláronla”.

Raquel e o judeu no teatro espanhol do século xvi ao xx O judeu está presente no teatro espanhol no período que vai do século XII ao XIX. O personagem Raquel, em particular, é tema de dezenas de textos teatrais, entre os séculos XVI e XIX, os quais ainda são encenados até os dias atuais. Já os textos nos quais Leon Feuchtwanger se baseou para escrever seu romance, têm como autores:


-Drama, Las paces de los reyes y la judia de Toledo - Félix Lope de Vega y Carpio – século XVII – 1617 - Raquel - Vicente Antonio Garcia de la Huerta – Sec. XVIII - 1778 - Die Jüdien von Toledo - Franz Seraphicis Grillparzer – Sec. XIX - 1851 História ou lenda, o tema tem sido abordado pela ótica antissemita do Século de Ouro, a xenófoba do século XVIII contra os ilustrados Bourbons e também pela mediavelística do pós-romantismo alemão, com poemas, obras teatrais e novelas como Las Paces de los Reyes y Judía de Toledo, de Lope de Vega (1617). Em meados do século XX, Lion Feuchtwanger, como já dito, talvez eleve o tema a uma obra mestre com sua documentadíssima Spanische ballade ou Die Jüdin von Toledo (1955), na qual tece o relato a partir do ponto de vista judaico. Quanto à resposta ao intrigante fato de o personagem Raquel ter atravessado tantos séculos, uma das hipóteses mais aceitas pelos estudiosos do período seria que a atmosfera antissemita gerada pela proteção que Olivares dispensava aos judeus (Auto de Fé de 4 de julho de 1632) e a execração contra os judeus em 20 de julho de 1233, etc.) pode ter levado tais autores

a escrever sobre Raquel com uma visão tão negativa.

A Raquel de Lion Feuchtwanger A Raquel de Lion Feuchtwamger não é outra se não a Esther bíblica. E não somos nós quem afirmamos isto. O autor do romance La judia de Toledo, escreveu no seu Epílogo, em 1955, como sentiu, por décadas, atração pela rainha Esther (Hadassa), elevada à posição de rainha pelo rei persa Ahashveros. Como esposa do rei, ela salvou seu povo, os judeus, do extermínio. Ele considera o ”Livro de Esther” um dos mais populares e cheios de efeitos, da Bíblia Hebraica. E que o livro o comoveu profundamente e a muitos, nos mais de 2 mil anos transcorridos desde sua escrita. E finaliza o Epílogo, afirmando: “ Eu disse a mim mesmo: aquele que conte de novo a história dessas pessoas, não só estará escrevendo História, se não, que esclarecerá e dará sentido a alguns problemas de nosso tempo.”

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Sefarad Universo

RESENHA

O último cabalista de Lisboa de Richard Zimler Cristina Konder

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ocê já está sorumbático e meditabundo com a situação política no Brasil e com os rumos da pandemia e novas cepas? Pois tenho a solução para os seus problemas! Isto é, se você gosta de ler um bom livro, bem escrito e envolvente, que leva para longe, mas muito longe mesmo, numa viagem no Tempo, de volta à Idade Média. O livro é o primeiro escrito por Richard Zimler, nos anos 90 do século passado. Trata-se de O último cabalista de Lisboa. O autor, por contingências ou exigências de seus estudos universitários, vai para Istambul e se hospeda numa casa bem antiga. Logo começam obras pra modernizá-la. Porém, para não incomodar o hóspede, o próprio autor, as obras começam pelo porão.

Escava de cá, escava de lá, os operários descobrem um nicho camuflado, “um esconderijo secreto, ... que tinha sido tapado com tábuas de madeira e uma cobertura de cimento. Dentro estava um tik, o pequeno cofre de cilindro que os judeus sefarditas 18 | USf | ANO 3 - Nº9 | PESSACH 2021

usavam para guardar a Tora, os primeiros cinco livros do Antigo Testamento”. Porém, ao examinar o objeto, ... “decorado com uma elaborada filigrana de prata e pavões de esmalte, verificou-se conter não a Tora, mas vários manuscritos encadernados em couro, nove ao todo”. Os manuscritos eram escritos em linguagem judaico-portuguesa, um português antigo, escrito em caracteres hebraicos. Com exceção de três deles, os manuscritos tinham capas com títulos desenhados com iluminuras de letras com cabeças de aves. Várias aves... E todos exibiam “uma assinatura em forma de íbis egípcia de um homem de nome Berequias Zarco. As datas mostram que foram escritos no decorrer de 23 anos, de 5267 a 5290 do calendário judeu, ou seja, de 1507 a 1530 da Era Cristã”. O autor começa a ler os manuscritos em julho de 1990 e vê que seis manuscritos tratam de aspectos da Cabala, “a filosofia mística que a partir da Provença se propagara pela diáspora


judaica no início da Idade Média”. Porém, os três restantes, os que não tinham títulos, são de natureza mais secular. Unidos por uma tira de couro, o primeiro data de 1507 e os dois últimos de 1530. E trata do massacre de Lisboa de 1506, onde cerca de 2000 cristãos-novos, judeus forçados a renegar sua fé e batizar-se, foram mortos, alguns queimados em fogueiras no Rossio, praça até hoje conhecida no centro de Lisboa. Este livro conta a história contida nesses três volumes. Trata-se da saga da família de Berequias Zarco, “durante os trágicos acontecimentos de abril de 1506”. Mas contam especialmente a perseguição movida por Berequias contra o assassino de seu querido tio Abraão, “famoso cabalista, provavelmente responsável por algumas das obras da Escola de Lisboa, até hoje consideradas anônimas, incluindo, por razões que narrativa torna claras, Batendo às portas e o Livro do fruto divino. Zimler tenta manter-se o mais fiel possível ao texto de Berequias. E justifica-se dizendo: ‘Berequias Zarco é moderno tanto na visão como no estilo. O segundo manuscrito, em especial, manifesta uma técnica direta que se assemelha à do romance picaresco espanhol, que começou a aparecer logo depois de Berequias ter terminado sua obra. Curiosamente, muitos dos autores picarescos espanhóis eram também judeus convertidos”. Mas o tom do texto de Berequias poucas vezes é irônico e jamais burlesco. Também se faz de herói ou vilão, sendo o narrador e personagem principal na história. Ele se descreve como deve ter sido: um adolescente, inteligente, sagaz e ao mesmo tempo confuso, com muito medo e coragem de enfrentar o inimaginável desenrolar de tragédias que se sucedem

naqueles tempos de trevas. A Inquisição mostra até onde a ignorância, o ódio ao diferente, a fome e o terror podem levar o ser humano! Os atos impensáveis que podem ser cometidos. Os crimes mais ignominiosos que podem ser cometidos... Este livro é um aviso, quando pensamos em nossa realidade atual, sobre o que devemos evitar. Contra o que devemos lutar! E Berequias, depois de aventuras sem fim, foge com a família de Lisboa para a então Constantinopla. Mas termina seu terceiro manuscrito voltando à mesma Lisboa para salvar uma prima que lá ficou e todos de seu povo que puder convencer a sair da Europa, pois seu tio Abrão, o último cabalista de Lisboa, já previa que seu povo devia sair da Europa para evitar o Extermínio! Se você quiser fazer essa viagem aprenderá muito sobre Idade Média, os judeus sefarditas de Portugal e da Espanha, sobre o terror da Inquisição. Mas também sobre bondade, solidariedade, sabedoria e amor. E de quebra ainda saboreia os dons detetivescos de Berequias e de seu amigoirmão Samir, tentando solucionar o crime contra o Cabalista Abraão. Em meio aos pobres e aos nobres... Os costumes da época dos judeus convertidos, cristãos-novos, e os dos cristãos-velhos. O terror, as trevas e a peste. O último cabalista de Lisboa Richard Zimler Rio de Janeiro: Edições BestBolso, 2010

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HOMENAGEM


Suplemento Universo

EDIÇÃO DE PESSACH - MARÇO 2021

10 ANOS DE EDIÇÃO:

Uma Hagadá única em seu gênero


CAPA

UMA HAGADÁ QUE ENTROU PARA A HISTÓRIA DO JUDAÍSMO MARROQUINO SEFARDITA FAZ 10 ANOS Em busca de nossas tradições, vendo em casa como meu pai fazia o Bibhílu Iatsánu Mimitsárim, busquei durante muitos e muitos anos em todas as Hagadot que passavam por minha mão onde estava este trecho tão simbólico e tão tradicional da noite do Seder de Pessach 1

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Por David Salgado

22 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - PESSACH 2021

Hagadá de Pessach de rito marroquino inclui o Bibhilu Iatsanú Mimitsárim-, editada pelo chazan David Salgado (Elmaleh)


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as não encontrava nada. Vi que meu paizinho, apesar de que não era nenhum Chacham (sábio e conhecedor do judaísmo), pois não teve a oportunidade de estudar muito a Torá, sabia e fazia o Bibhílu, porém o fazia praticamente de cor, sem a famosa frase constar nas Hagadot. Mas, com certeza, tal passagem não era fruto da cabeça de meu pai que, aliás, seguia o costume de levantar a bandeja que estava sobre a mesa do Seder, lindamente preparada com todos os simbolismos que uma Keará3 de Pessach possui, e passála sobre as cabeças dos presentes, 3 vezes, cantando o Bibhílu, e porque posso afirmar isso, pois muitas outras famílias da comunidade de Manaus também praticavam e faziam aquele mesmo ritual.

Muitos e muitos anos depois, já vivendo aqui em Israel, passando por uma loja de livros litúrgicos de origem sefardita em Jerusalém, em plena Rechov Yaffo – rua Jaffa -, é que vi pela primeira vez uma Hagadá com Bibhílu, e o mais interessante foi o destaque dado à passagem na própria capa da Hagadá chegando ao ponto de o autor denominar a Hagadá de Hagadat Bibhílu!!! Bem, daí pra frente é história. Não demorou muito e eu elaborei a Hagadá de Pessach com Bibhílu, transliteração e tradução para o português, assim como faço com todos os meus livros de orações. Na época estava trabalhando na Shavei Israel, daí a parceria no lançamento da Hagadá de Pessach com esta brilhante organização. Já se passaram exatos 10 anos.

A cerimônia do Bibhlu, num Seder de Pessach, no Marrocos

A Hagadá Bibhilu que serviu de inspiração a David Salgado, na edição de sua Hagadá de Pessach 1. “Saímos do Egito com pressa” – Sentença cantada em hebraico ou murmurada como parte do ritual marroquino da ceia celebrante da saída dos judeus do Egito, guiados por Moisés, em direção à Terra Prometida. 2. Hagadot - plural em hebraico de ‘Hagadá’, guia sobre a ordem – Seder - do jantar em família em celebração da saída dos judeus do Egito. 3. Keará – prato ou bandeja que contém os seis símbolos que lembram as agruras do deserto, como experimentadas pelos judeus que saíram do Egito. 23


TRADIÇÃO

Em memória de um escritor judeu sefardita na Amazônia “E os judeus se instalaram no Egito...” (Marcos Serruya) Alessandra F. Conde da Silva – Universidade Federal do Pará - UFPA

No século XIX, a Amazônia começou a receber imigrantes judeus sefarditas oriundos do Marrocos. Capitalizando anseios de encontrar na região um local propício para desenvolver atividades econômicas rentáveis, sonhos alavancados desde a abertura dos portos às nações amigas em 1808, os imigrantes viveram ou testemunharam que seus anseios e sonhos se tornaram muitas vezes devaneios e pesadelos.

A

braham Pinto (1879-1893), a propósito das suas memórias dispostas em La vida de Moyses y Abraham Pinto en la jungla del Amazonas, fala das venturas e desventuras que ele e o irmão Moyses sofreram no inóspito território amazônico, desbravando rios e floresta, tendo a companhia de enfermidades como a febre amarela, naufrágios e perdas de mercadorias, árduos trabalhos como regatões e a solidão. Mas, em algum momento, as dificuldades são vencidas e o relato de Abraham Pinto altera-se. O trabalho em Iquitos, no Peru, torna-se frutífero, logrando amizades e respeito das autoridades e da população. A prosperidade é procedente do comércio da borracha, peles de animais, produtos extrativistas etc. realizado nas cercanias do Pará, Manaus e Iquitos.

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Memórias como as de Abraham Pinto ecoam no estudo de Samuel Benchimol, Eretz Amazônia (2008) a propósito da chegada e estabelecimento dos judeus na Amazônia. Após mais de 200 anos da presença sefardita marroquina na região, contamse com os relatos literários de muitos escritores de origem sefardita, nascidos ou radicados na Amazônia. Sultana Levy Rosenblatt, Leão Pacífico Esaguy, Mady Benoliel Benzecry, Elias Salgado e Marcos Serruya são alguns dos escritores de origem sefardita que fazem retumbar em suas obras a história de sua etnia, dos seus antepassados, dos seus irmãos e amigos. Marcos Serruya ateve-se ao tema judaico amazônico, em desacordo aos demais que experimentaram temas diversos. Marcos Serruya, médico e escritor judeu sefardita,


nasceu em Belém do Pará em 4 de abril de 1947 e faleceu em 2010. Escreveu dois romances, O Cabalista (2008) e Cabelos de fogo (2010) e um ensaio sobre as pragas do Egito1 (Pequeno estudo sobre os segredos das pragas do Egito), publicado por David Salgado (2011) na Hagadá de Pêssach, de acordo com a tradição dos judeus do Marrocos. Neste texto, que se propõe a fazer um estudo alegórico sobre a presença judaica no Egito e as dez pragas, recordamo-nos do “alegorismo escritural”, bem ao gosto da exegese patrística, como expõe Irene Zavattero (apud ECO, 2010, p. 263). Segundo Ernst Robert Curtius (1996, p. 265), “no fim da Antiguidade a alegoria adquire novo poder sobre os espíritos, e o judeu Fílon aplica-o ao Antigo Testamento. Desse alegorismo bíblico judaico procede o alegorismo cristão dos Padres da Igreja”. Mas o que de fato interessa-nos esclarecer 1. Assim como Marcos Serruya, Sultana Levy Rosenblatt também se voltou ao motivo bíblico em contos e crônicas.

é que, reconhecida a tendência da tradição judaica à alegoria, há a inclinação ao didatismo que o narrador procura explicitamente expressar, mostrando uma postura de rigor rabínico, didascálico, utilizando eventos e fatos como imagens educativas. O estudioso belenense principia seu ensaio por narrar resumidamente a história dos judeus no Egito, fazendo uso de alguns aditamentos à matéria do Tanach, a Bíblia judaica, referenciando a prosperidade dos judeus na época do governo de José, Ministro de Faraó, e a decadência e opressão do povo em razão do esquecimento das benesses conferidas pelo judeu governante. O apagamento das boas memórias sobre as razões do estabelecimento dos israelitas na terra de Goshen trouxe escravidão, assim como o texto da Torá (Pentateuco) diz: “E um novo rei – que não conhecera José – se levantou

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TRADIÇÃO

Neste ensaio, Marcos Serruya explana sobre cada uma das pragas que são antecedidas por um prólogo aos comentários das maldições contra os egípcios

sobre o Egito (SHEMOT [ÊXODO] 1: 8). Com a condição de opressão e de escravidão, Moisés levantou-se como o libertador de Israel, protestando a Faraó pela tutela dos judeus. Ao ter o seu pedido negado, Moisés informa ao soberano que o Eterno, por amor a Israel, libertará os filhos de Jacó, enviando ao Egito dez pragas. Serruya procura em seguida esclarecer a razão de serem dez pragas. Ele elenca cinco motivos. Alguns deles assentam-se na tradição cabalística, outro diz que é proporcional ao número de “decretos malvados” instituídos pelo Faraó contra os judeus (SERRUYA, 2011, p. 52). Há um deles, o quarto, que adita informação não comum à tradição bíblica cristã, mas que é alargada no Midrash: os dez trabalhos do patriarca Abraham que equivaleriam às dez pragas do Egito. 26 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - PESSACH 2021

Neste ligeiro prelúdio estabelece-se que as pragas duraram um ano; foram manifestas como sangue no Nilo, rãs, piolhos, feras, peste, sarna, granizo, gafanhoto, escuridão e praga dos primogênitos; apenas atingiram aos egípcios e não aos judeus que ficaram resguardados em Goshen; que o Eterno privou Faraó de seu livre-arbítrio; e foram determinadas pelo Eterno que as administrou “com mão poderosa, com braço estendido, com terror estupendo, com sinais e com maravilhas” (SERRUYA, 2011, p. 54). A propósito de Faraó e o seu assujeitamento à vontade divina, o que poderia parecer um contrassenso, a ação do Eterno de endurecer o coração do soberano do Egito, como diz em Shemot (10: 1), para que este não se compadecesse dos judeus, do seu povo ou de si, tratar-se-ia de um ato de justiça em razão da escravidão e outros males praticados pelos egípcios. Para Marcos Serruya (2011, p. 54), isto ocorreu para que “o Eterno pudesse demonstrar à humanidade todo o alcance de Sua Justiça”. Esta é a tônica do ensaio de Serruya: a Justiça do Eterno. Toda a narrativa ampara-se em uma ideia educativa, protomoralizante: O Eterno é Justo e punirá o ímpio. As dez pragas, ou maravilhas, como claras hierofanias (manifestações do Sagrado) estão circunscritas em vários limiares que podem entrecruzar-se: o céu, a terra, a água, o vento; o reino animal e o humano; a mão divina e a mão humana. Do céu provieram a escuridão de três dias e o granizo; da terra vieram os piolhos e as feras que devoraram os egípcios; da água, do Nilo, pulularam fétidas rãs que contaminaram


todo o ambiente, e a mesma água foi tornada em sangue, por um golpe de cajado, não por Moisés em respeito, o retirado das águas, mas por Arão; do vento, nuvens de gafanhoto; da mão do Eterno procederam a peste e a morte dos primogênitos; da mão de Moisés levantada surgiram as trevas e das mãos de Moisés ao atiçar o pó do carvão aos céus surgiram as sarnas que ulceraram animais e homens.

O comentário à sétima praga traz uma narrativa sobre Abraham Avinu, ou Abraão, que servirá como uma figura de comparação, um exercício memorialístico em louvor aos feitos de Abraão. Cita Marcos Serruya (2011, p. 58): “ As cinzas retiradas do forno recordam que Abraham Avinu foi lançado por Nimrod ao forno de Casdim porque não aceitou renegar a D-us e de lá escapou milagrosamente”. O

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TRADIÇÃO

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Midrash tematiza esta narrativa na segunda das dez provas de Abraão. Condenado por Nimrod a morrer incinerado, o patriarca recebe a benção de Hashem de permanecer com vida três dias e três noites, tendo queimadas apenas as cordas que lhe prendiam as mãos (WEISSMAN, 2006, p. 108). O Midrash é um gênero da “literatura rabínica que consiste na exegese e interpretação, tanto da Halachá [normas e regulamentos da Torá], como da Hagadá [narrativas fabulares ou lendas criadas por sábios e rabinos]” (BEREZIN, 1997, p. 187). Este adendo à narrativa de Abraão, à guisa de comparação, conduz-nos a duas imagens: a da mão de Moisés espalhando as cinzas e a trajetória de mártir fiel de Abraão que não pereceu nas chamas. As cinzas em Moisés amparam a ideia de justiça e dor, as cinzas em Abraão sustentam a concepção de que Hashem é misericordioso e que age com justiça libertando o fiel. No Midrash, Ele

mesmo salva Abraão: “Yo mismo voy a descender y salvarlo del fuego” (WEISSMAN, 2006, p. 108). As narrativas paralelísticas, legitimadas pela imagem das cinzas que se repetem, evocam a vida e a história do judeu Abraão e de toda a sua descendência. Sobre a décima praga, Marcos Serruya (2011, p. 60) comenta que ela ocorreu à meia-noite, porque é à meia-noite que o Senhor senta-se no trono da Justiça e nesse dia desatou todos os laços da feitiçaria egípcia. Por outro lado, esse é um horário em que todos estavam em suas casas e puderam ver e testemunhar e não tinham como atribuir essas mortes a qualquer criatura vivente. E essa noite iluminou-se como o dia mais brilhante, para que todos vissem o que estava acontecendo.

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TRADIÇÃO

O chamamento a testemunhar a Justiça guerreando contra os egípcios dá ao Eterno um perfil viril e guerreiro. No arremate do ensaio, Serruya (2011, p. 61) enfatiza: “O ataque das hostes celestiais contra o Egito, infligindo-lhes as dez pragas, é comparável ao de um exército que ataca o país inimigo até derrotá-lo”, assemelhando cada uma das dez pragas a armas psicológicas, letais, infantaria, prisões, julgamento e execução. Este jogo paralelístico utilizado por Serruya procura despertar a memória do leitor, louvando a narrativa religiosa, a proto-história judaica que, para os judeus, “desempenhou o papel de fator essencial da identidade coletiva” (LE GOFF, 1990, p. 61). Segundo Jacques Le Goff (1990, 60), não é estranho que os Antigos Judeus tenham revelado poderosos dotes narrativos e tenham sido os primeiros a produzir uma espécie de história nacional, os primeiros a fazer o esboço 30 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - PESSACH 2021

da história da humanidade desde a Criação”. Essa história nacional, viva na memória dos judeus, vê-se subsumida nos seus livros de orações, nos seus cantos litúrgicos, nos seus tratados éticos e religiosos. Na Hagadá de Pêssach, texto recitado durante a celebração da saída dos judeus do Egito, comemorase a libertação da opressão e escravidão impingidas pelos egípcios. O ato de celebrar é um exercício da memória, de memória coletiva (LE GOFF, 1990, p. 431). Um ato que a tradição judaica sempre procurou cumprir. Na Torá, há o mandamento: Escuta, Israel! O Eterno é nosso Deus, o Eterno é um só! E amarás ao Eterno, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas posses. E estas palavras que eu te ordeno hoje estarão sobre o teu coração, e as inculcarás a teus filhos, e


delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te. E as atarás como sinal na tua mão, e serão por filactérios [Tefilin] entre os teus olhos, e as escreverás nos umbrais [Mezuzá] de tua casa e nas tuas portas. (DEVARIM [DEUTERONÔMIO] 6: 4-9).

A Hagadá de Pêssach cumpre a missão de ser o texto escrito em que está depositada a memória dos judeus para relembrar e comemorar a Pêssach: um documento. Para Jacques Le Goff (1990, p. 431), celebração e documento/monumento são duas formas de memória, isto é, em que o ato memorável ocorre. No documento, a escrita tem duas funções principais: “Uma é o armazenamento de informações, que permite comunicar através do tempo e do espaço, e fornece ao homem um processo de marcação, memorização e registro”; a outra, “ao assegurar a passagem da esfera auditiva à visual”, permite “reexaminar, reordenar, retificar frases e até palavras isoladas” [Goody, 1977b, p. 78] (LE GOFF, 1990, p. 433). Há uma outra questão que se pode depreender dos registros das memórias. Paul Badde (2003, p. 50) comentando a obra de Zvi Kolitz, Yossel Rakover dirige-se a Deus, atesta que há uma ordenação rabínica “desde tempos imemoriais” de que se conserve qualquer documento em que haja escrito o nome de Deus. Badde (2003, p. 49), falando a respeito dos testemunhos e testamentos de judeus mortos ou

sobreviventes do horror nazista, afirma que há uma “uma longa tradição segundo a qual o último ato de resistência consiste em dar testemunho, sobretudo para transmiti-lo às gerações futuras”. Neste sentido, Marcos Serruya procurou testemunhar à sua geração e às futuras o que ele apreendeu da tradição de seus pais.

E os judeus se instalaram na Amazônia “E judeus se instalaram no Egito” (SERRUYA, 2011, p. 52). E judeus também se instalaram na Amazônia, enfrentando intempéries sazonais, enfermidades, antissemitismo e grande dificuldade em preservar a identidade judaica. Para Samuel Benchimol (2008, p. 175), “é muito difícil ser, viver e ficar judeu em qualquer parte do mundo e, sobretudo, na Amazônia”. Em Belém foram fundadas duas Sinagogas, uma em 1824 ou 1823, chamada Essel Abraham e a outra, a Shaar Haashamain (1889). Essas duas comunidades amparam a vida religiosa dos judeus sefarditas oriundos do Marrocos, auxiliando-os na manutenção da fé e da cultura. Marcos Serruya frequentava a Sinagoga Shaar Hashamain, dedicando-lhe muitas atividades. O seu Pequeno estudo sobre os segredos das pragas do Egito é fruto de um estudo rigoroso e intenso que o escritor procurava desempenhar. Aspectos da presença judaica na Amazônia e a vida religiosa podem ser vistos nos seus romances. Em O cabalista, Serruya abordará assuntos referentes à Cabala, a mística judaica, enfocando a peregrinação de um judeu amazônida em busca do sábio cabalista em Israel. Em Cabelos de fogo, o romancista comporá uma história semibiográfica, cujo cerne é a tentativa de Ionathan provar-se judeu, não por meio da conversão, mas por direito legítimo, pois era descendente da judia Ana Júlia, ou Hana, polaca

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TRADIÇÃO

trazida ao Brasil para prostiuir-se. Na Amazônia, Hana viveu e teve uma filha que foi dada para adoção. Nesse romance, o apelo didático, judicioso, moralizante surge como um ato de denúncia contra os maus judeus que seduziram e oprimiram judias, obrigando-as à prostituição. No epílogo, o narrador exproba: O que mais me surpreende é a constatação de que esta é mais uma história de irmãos explorando irmãos. E que naquela época havia muitas pessoas que foram capazes de assistir ao aviltamento da condição humana de suas irmãs de fé, sem qualquer tentativa persistente de corrigir aquela violência, resgatar as vítimas de seus algozes e assumir a responsabilidade de reintegrá-las ao seio da comunidade (SERRUYA, 2010, p, 124). O mesmo tom de reprovação vê-se no Pequeno estudo sobre os segredos das pragas do Egito, como vimos. Nele, o Faraó precisou reconhecer: “D-eus é justo e eu e meu povo somos malvados (Êxodo, 9: 27)” (SERRUYA, 2011, p. 61). A aceitação do discurso segundo a ótica judaica, de egípcios malvados, legitima a Soberania e a Justiça do Eterno, ideia que precisa ser repercutida às gerações, não apenas para celebração de um triunfo, no caso judaico, mas de um não-repetir-mais, como educação às nações. A conclusão de Faraó segundo o texto do Shemot acima referenciado permite-nos esta visão.

Neste sentido, é necessário considerar duas formas de ler o passado. Tzvetan Todorov (2000, p. 21), a propósito dos usos e abusos da memória, comenta que há a forma literal e a forma exemplar.

No primeiro caso, a memória lida de modo literal traz apenas continuidade do disposto na memória, do “acontecimento recuperado”, quer um evento, quer um sentimento passado. A ação aqui é de contiguidade. No segundo caso, há uma relação de semelhança quando se faz uso da memória de modo exemplar: La operación es doble: por una parte, como en un trabajo de psicoanálisis o un duelo, neutralizo el dolor causado por el recuerdo, controlándolo y marginándolo; pero, por otra parte — y es entonces cuando nuestra conducta deja de ser privada y entra en la esfera pública—, abro ese recuerdo a la analogía y a la generalización, construyo un exemplum y extraigo una lección. El pasado se convierte por tanto en principio de acción para el presente. En este caso, las asociaciones que acuden a mi mente dependen de la semejanza y no de la contigüidad, y más que asegurar mi propia identidad, intento buscar explicación a mis analogías. Se podrá decir entonces, en una primera aproximación, que la memoria literal, sobre todo si es llevada al extremo, es portadora de riesgos, mientras que la memoria ejemplar es potencialmente liberadora. Cualquier lección no es, por supuesto, buena; sin embargo, todas ellas pueden ser evaluadas con ayuda de los criterios universales y racionales que sostienen el diálogo entre personas, lo que no es el caso de los recuerdos literales e intransitivos, incomparables entre sí. El uso literal, que convierte en insuperable el viejo acontecimiento, desemboca a fin de cuentas en el sometimiento del presente al pasado. El uso ejemplar, por el contrario, permite utilizar el pasado con vistas al presente, aprovechar las lecciones

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malfeitores; os tiranos receberão justiça por seus atos contra a humanidade. Seus atos estão na memória das vítimas, em seus testemunhos, em suas histórias sejam religiosas ou não.

David Salgado, organizador da Hagadá de Pêssach, feita de acordo com os ritos dos Sábios do Marrocos segundo informações paratextuais, incluiu o texto de Marcos Serruya porque a memória de Marcos Serruya também precisava ser lembrada e celebrada.

de las injusticias sufridas para luchar contra

las que se producen hoy día, y separarse del yo para ir hacia el otro. (TODOROV, 2000, p. 22). Todorov (2000, p. 30) comenta que “la memoria ejemplar generaliza, pero de manera limitada; no hace desaparecer la identidad de los hechos, solamente los relaciona entre sí, estableciendo comparaciones que permiten destacar las semejanzas y las diferencias”. No seu estudo, Serruya utiliza as analogias intertextuais, como vimos, captando as semelhanças para reforçar o seu discurso. Todo esse aparato retórico flerta com o didatismo que deseja imprimir. Nas suas memórias literárias, evoca-se o passado da cultura religiosa judaica, celebrando-a e convidando a refleti-la. Talvez, em uma digressão, pudéssemos dizer que há alguns ensinamentos no estudo de Serruya, algo que ele não pontuou, mas que não está distante da sua própria prática discursiva: Não compactuar com os regimes nefastos e ideais sombrios de tiranos

Na Hagadá, David Salgado (2011) expõe: “Esta obra é dedicada à memória de um grande homem; de um grande médico; de um grande judeu. Esta obra é dedicada à memória de um grande amigo”. Este testemunho revela muito do homem, do médico, do irmão de fé que foi Marcos Serruya, O romancista surgiu dos trabalhos do estudioso da tradição e da religião judaica, segundo o relato de sua filha KarenSerruya Chevis, em um vídeo produzido pela família de Marcos Serruya para a Página do Facebook do Projeto Ecos Sefarditas: judeus na Amazônia1 e para o Arquivo e Portal Amazônia Judaica, coordenados por Elias Salgado. O tom exemplar que se percebe nos textos de Serruya, como vimos, ecoa nas homenagens que seus amigos e família se propuseram a dar a ele. Ele precisa ser celebrado, diz David Salgado, assim como celebrou e construiu pequenas narrativas e discursos exemplares, sem obsessão, sem superlativos, reconhecendo as semelhanças sem esquecer-se da diversidade. 1. O vídeo poderá ser acessado no seguinte endereço eletrônico: https://web.facebook.com/Projeto-EcosSefarditas-Judeus-na-Amaz%C3%B4nia-102685578104137/ videos/571551486834464.

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CULTURA

“…aos que entre familiares, parentes e amigos, nos referíamos como “los nuestros”, éramos os sefarditas do norte do Marrocos – o pequeno grupo de judeus que vivia nas cidades de Tetuán, Tânger, Larache, Alcácer, Arcila, Chauen, Ceuta, Melila e também Gibraltar – os descendentes dos expulsados de Espanha de 1492 e que seguíamos falando o “espanhol”, mas que de fato era um idioma muito especial, chamado Haquitia…

Haquitia:

Nosso Dialeto Quase Perdido (I) Por Yehuda Benguigui

34 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019


Era um grupo que tinha consciência de sua identidade distinta, orgulhoso de seus costumes e valores, mas muito pouco conhecido no exterior e que nunca chamou atenção aos investigadores até muito recentemente, e cuja saga e história, ainda não foi verdadeiramente escrita….”

Alegria Bendayan de Bendelac (a).

As “djudeolenguas” dos judeus sefarditas na Idade Média Os judeus viviam na Idade Média numa situação de isolamento físico em relação aos cidadãos de outras religiões, reclusos em bairros especiais. Esse fato trouxe, em consequência, um isolamento social, cultural, econômico e também linguístico. Os judeus desenvolveram, assim, umas formas características de comunicar-se entre si, tanto pelas peculiaridades e circunstâncias culturais como também por um sentido de autodefesa, para poder comunicar-se sem ser entendido pelos que os cercavam, que quase sempre os tratavam com atitudes hostis ou discriminatórias. Nasceram, assim, o que muitos eruditos modernos passaram a classificar como judeolínguas ou como no original em ladino, “djudeolenguas”, que eram variedades do idioma da cultura dominante, utilizadas na vida social, familiar e comunitária das “juderias”, “Melahs” e, no caso dos ashkenazim, nos “guetos” e “Shteitels”. Sabe-se, por exemplo, que a comunidade judaica de Roma falava, já nos tempos do Império, um latim com características bem específicas. Entre os ashkenazim, a judeolíngua é representada pelo idish, que é derivado do alemão, com muitas palavras do ivrit (hebraico)com pronúncia ashkenazí. Constam judeolínguas paralelas ao francês medieval e ao provençal. Os judeus do norte da África falavam uma variedade específica do árabe, ou “arbia”. Dessa maneira, o “djudeoespañol”, o idioma dos

judeus sefarditas, foi outra dessas judeolínguas.

Antes da expulsão dos judeus da Península Ibérica, os mesmos falavam um espanhol peculiar, determinado sobretudo por razões religiosas. Por exemplo, o uso da expressão “el Dio” ao invés de “Dios”, cuja letra “s” final parecia sinal de plural, o que seria incompatível com as bases do monoteísmo. Para não referir-se ao “domingo” da fé cristã, o indicavam com uma palavra de origem árabe “alhad”, que posteriormente originou a expressão “noite de alhad”, para referir-se a “motzaei shabat”, a noite da despedida do sábado (b). O “ladino” deriva da palavra em espanhol “latino”. De fato, era a forma que os judeus sefarditas utilizavam para transliterar as palavras do espanhol ou do “djudeoespañol” a textos litúrgicos em caracteres hebraicos. Em sua origem, se tratava na verdade de um idioma artificial, que em princípio foi criado com finalidade pedagógica: o hebraico havia deixado de ser o idioma de comunicação do povo já na Idade Média e a maioria dos fieis era incapaz de captar o sentido dos textos religiosos. Deste modo, paulatinamente, se recorreu ao artifício de transliterar os textos sagrados, escrevendo com palavras castelhanas, respeitando a sintaxe hebraica, para que o texto assim “ladinado”, servisse de guia a estudantes, fieis em geral, hazanim (cantores litúrgicos), etc. À raiz desse uso, o ladino entrou também na liturgia. E assim começou a ser também uma língua de comunicação. Ainda que não se conservaram textos medievais em ladino, se conhecem os primeiros livros impressos no século XVI. Nestes, os editores fazem referência a traduções antigas, peninsular e medieval como, por exemplo, a “Bíblia de Ferrara”. Dessa forma, o espanhol antigo que os sefarditas utilizavam para se comunicarem era conhecido como “judesmo”, posteriormente também chamado de “judeu-espanhol”, uma das “djudeolenguas”. O “ladino”, que era uma forma de transliteração 35


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países do Oriente existiram grandes centros e casas editoriais, quase todos controlados por judeus até o século XVIII. No entanto, no Marrocos não houve esse desenvolvimento editorial, sabendo-se que os livros de liturgia, Sidurim Mahzorim, eram publicados em Livorno, Itália.

Os textos em Haquitia se transmitiam basicamente por duas vias: manuscritos para uso pessoal ou familiar e pela tradição oral.

ao hebraico utilizando o alfabeto Rashí, passou a representar todas as formas de “judeu-espanhol” falado pelos judeus sefarditas em diferentes países (Turquia, Bálcãs, norte da África, etc), excluindo-se nesse caso a Haquitia, falada pelos judeus do norte do Marrocos (c).

A Haquitia, o judeuespanhol do Marrocos A etimologia da palavra Haquitia (*) é incerta. Alguns a interpretam como derivada de “haquito”, diminutivo de Ytzchak, Isaac, entendido como “um judeu” qualquer. Outros opinam tratar-se de uma derivação da palavra árabe “hekaia” ou “hakaita” (dito agudo ou engenhoso). Em qualquer dos casos, trata-se de um termo afetivo com um certo toque de humor, que refletia exatamente como o sefardita marroquino carinhosamente se referia ao seu dialeto. A grande dificuldade na determinação ampla da Haquitía e suas características é determinada por dois fatores: a escassez de testemunhos documentais de como era a língua até o século XIX e a desaparição praticamente do dialeto nas últimas décadas do século XX. Enquanto que o judeuespanhol ou ladino falado pelos sefarditas de vários países do Oriente foi amplamente documentado por textos impressos no passado, tal não ocorreu com a Haquitia, pelos seguintes aspectos: em vários 36 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

Os manuscritos, obviamente, tiveram conservação limitada, principalmente por sua característica de exemplar único e efêmero. Já a transmissão oral tem limitantes muito mais profundas pela perda de conteúdo para cada geração, levando à situação presente de sua quase desaparição. A Haquitia sofreu dois golpes entre o final do século XIX e o início do século XX: com a chegada de funcionários espanhois e suas famílias em grande quantidade durante a época do Protetorado Espanhol no norte do Marrocos, ocorreu o fenômeno da “reespanização” dessas comunidades, sobrepondo-se pouco a pouco à forma de comunicação pela Haquitia, considerada arcaica. Por outro lado, o fenômeno da imigração dos judeus marroquinos num crescente a diferentes localidades, especialmente na segunda metade do século XX, provocou a quebra de massas críticas populacionais e comunitárias, que falavam o dialeto. Por outro lado, a presença francesa em parte do Marrocos e a ação das escolas da rede da “Aliança Israelita Universal” contribuíram também para cosmopolizar os sefarditas, favorecendo a que abandonassem o dialeto. Consta que já em 1862, depois que uma escola da Aliança foi estabelecida em Tetuán, enquanto as pessoas maiores de quarenta --------------------------(*) Existem várias formas gráficas como o dialeto é referido: Haquitia, Hakitia, Haquetia, Jaquetia, etc. Optamos por “Haquitía”, que é como encontramos no Dicionário da Real Academia Espanhola como verbete: “Haquitia - dialecto judeoespañol hablado en Marruecos”.


anos seguiam comunicando-se no Melah (bairro favorecido por judeus) em perfeita Haquitia, os jovens se expressavam em fluente francês, sem nunca terem se ausentado da cidade.

A base da língua era o espanhol em sua versão medieval, muito preservado nas versões de judeu-línguas da Turquia e Oriente. No caso do Marrocos, houve um processo dinâmico de construção do idioma, influenciado pelas correntes migratórias. É interessante notarse certos vocábulos como “ueno” por “bueno”, “fraguar” por “construir”, esta que originou a expressão “fraguância”, “esnoga” para sinagoga, etc. (d). É marcante a influência da liturgia religiosa, com expressões em hebraico e aramaico. Palavras do léxico hebraico são compatíveis com conceitos semânticos da vida religiosa do cotidiano, como “se’ma” referente a “shemá”, “kohen”, “dinim”, “besimantô” em lugar de “be siman tov”, “meguilá”, “galut”, “malach”, “goel”; “mazaltó” por “mazal tov”, “mizvá” por “mitzvá”, “mizmará” por “mishmará”, bem como outras que vêm do hebraico, estando esta origem de certa forma camuflada ou modificada como, por exemplo: “chozmin” vem da expresão hebraica “chutz min (hashulchan)”, “sachen ou sachená” vem de “shachen”, “habreado” é originado de “chaver”, “sachór” equivale a “shachór”, “tanid” para “taanit”, “sadiká” para “tzadekét”, “tissabeá” ou “dissabeá” para “Tishá beAv”, “hossaná” para “Rosh Hashanáh”, etc. Por outro lado, várias expressões em hebraico, que já estavam no plural, ganharam na Haquitia uma roupagem com nova pluralização, como: “tefelim”, que passou a ser “tefelimes”, “tefelines” ou “tefelins” indicando o objeto litúrgico durante a cerimônia de Bar Mitzvah; “kahal” passou a “cahales”, etc (e) Do arbia, árabe falado pelos judeus, as inúmeras expressões absorvidas como termos comuns pela Haquitia, podem ser exemplificadas por: “alhad”

para designar o domingo ou o Motzaei Shabat “noite de alhad”, “ftenear”, “shofear”, “guezdrear”, “hadrear”, “hamshush”, “heal”, “meldar”, “mochlato”, “shenfeado”, etc. Nome de alimentos como: “adafina”, “mukalé”, “ourissa”, “mufleta”, “frijuelas”, etc. Dentro do folclore que envolve a Haquitia, havia pelo menos dois tipos amplamente citados na literatura, com muitos episódios cheios de humor que os cercavam: são Djoha e Yussico. Djoha era uma figura conhecida em Tânger, Alcácer, Chauen, Larache, Asilah e Melila, enquanto Yussico era o personagem típico de Tetuán (m). Iremos incluir, na planificação editorial futura de nossos artigos acerca deste tema, matéria alusiva a essas figuras, o que poderá certamente despertar, em famílias originárias dessas cidades do Marrocos, alguma informação ou lembrança que tenham recebido de seus ancestrais. A mais antiga e completa recopilação de dados, gramática e expressões sobre Haquitia, sem nenhuma dúvida, está incluída no já clássico estudo de autoria de José Benoliel que, embora publicado em separatas no período entre 1927 até 1952 nos Boletins da Real Academia Espanhola, em Madrid, na verdade reflete a maneira de falar a Haquitia em Tânger, no final do século XIX (e). Inúmeros outros autores estiveram produzindo importantes contribuições acerca do tema, no Marrocos, na Espanha, Venezuela, em Israel, etc. Alegria Bendayan de Bendelac, originária de Tetuán, se criou em Tânger, onde sua família se instalou e onde passou a infância. Radicou-se na Venezuela e, posteriormente, nos Estados Unidos. Como professora da Penn State University, se


CULTURA

dedica desde os anos 80 ao estudo da Haquitia, tendo publicado obras de grande relevância ao tema e aqui referidas (a, d).

Entre nós, a importante recopilação do General Abraham Bentes (z’l), Os Sefarditas e a Hakitia, publicada em 1981, foi o início do processo amazônida de resgate acerca do dialeto (f). Posteriormente, várias outras menções surgiram, como citações do Prof. Samuel Benchimol (z’l) em sua excelente obra Eretz Amazônia (g) e, em 1999, a tese de mestrado de Adriana dos Santos Romero com o titulo “A Sobrevivência da Música Tradicional Sefardita dentro das Comunidades de São Paulo e Belém do Pará”, que me chegou às mãos por cortesia do conterrâneo antropólogo e pesquisador Wagner Arieh Bentes Lins (i).

A Haquitia e as comunidades judaicas da Amazônia As comunidades judaicas do Pará e Amazonas são oriundas de judeus marroquinos, muitos deles das cidades do norte do país, justamente das áreas onde a Haquitia floresceu e se consolidou como dialeto da comunidade. Naturalmente, no séculos XIX e primeira metade do século XX, ainda como pioneiros marroquinos que aqui vieram e as primeiras gerações aqui nascidas, dominavam perfeitamente a Haquitia e a usavam como meio de comunicação corrente. Era um instrumento importante para comunicar-se sem que os de fora soubessem do que se estava falando. A transição cultural, em que as novas gerações passaram de comércio e negócios para profissões liberais, efeitos da assimilação, etc. foi paulatinamente fazendo com que a Haquitia deixasse de existir como idioma familiar, limitando-se a umas 38 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

poucas expressões que vão diminuindo em escala geométrica de uma geração a outra. Outro fator para o seu enfraquecimento foi o acesso ao hebraico, que fez com que muitos jovens passassem a ter o hebraico como instrumento de comunicação e de identificação judaica.

Como surgiu meu interesse no tema Pelo lado paterno, sou de primeira geração nascida no Brasil e, ainda que meu pai, Moysés Benguigui bar Shalom (z’l), nascido em Salé, Marrocos, fosse “forastero” (ver ampliação do conceito no Amazônia Judaica, edição número 6 de Setembro 2002, “Em busca de minhas raízes”), detinha um conhecimento profundo acerca das expressões hebraicas incluídas na Haquitia. Com ele tive oportunidade de aprofundar meus conhecimentos. Pelo lado materno, sou segunda geração e herdei uma respeitável quantidade de expressões em Haquitia que, juntamente com meus irmãos, crescemos escutando e utilizando habitualmente nas conversas familiares, lideradas por minha mãe, Esther Alves Benguigui (z’l). Foi ela quem verdadeiramente forjou nosso conhecimento de termos da Haquitia e sua precisa utilização. Minha esposa, Aziza Serruya Benguigui, também é de primeira geração nascida no Brasil, pelo lado paterno. Seu pai, David Jacob Serruya (z’l), nasceu justamente em Tânger e passou parte de sua juventude em Casablanca, antes de vir ao Brasil. O Sr. David, durante mais de 60 anos vivendo em Belém, jamais deixou de falar com pronúncia um tanto quanto “espanholada”, ao mesmo tempo que preservava o vocabulário de Haquitia. Aziza conviveu também com seus tios e tias, igualmente vindos do Marrocos e que, versados em Haquitia, utilizavam o dialeto na rotina das conversações em família.

Na maioria das famílias na comunidade, o uso da Haquitia servia para preservar uma certa privacidade em relação aos


empregados da casa, vizinhos e em particular das empregadas domésticas. Não era raro alguém dizer: “shofea la sachenita” e todos entendiam que se deveria imediatamente observar o que a empregada estava fazendo, etc. Ou no caso de dar alguma referência, mesmo com a presença de quem se tratava: “… ela é muito boa, eu a recomendo, é chalampona e tudo o mais…” ou então: “…ela é ótima…, muito chozmina,…” e estava tudo explicado… Muitas vezes, este estratagema do uso da Haquitia somente servia durante algum tempo. Como as empregadas costumavam muitas vezes tornar-se “cria da casa” e quase serem incorporadas aos costumes da família, depois de alguns anos também se tornavam versadas em Haquitia e se referiam aos termos mais comuns sem nenhuma dificuldade. Outro fato interessante, era o de que há cerca de 30 ou 40 anos, os jovens da comunidade, a turma do “grêmio” ou do “senado”, utilizavam com frequência termos de Haquitia em suas conversações coloquiais e inclusive os colegas, amigos e contemporâneos não judeus, passavam a conhecer e utilizar vários dos termos. Durante vários anos, na coluna “Reporter 70” de O Liberal, era comum encontrar-se expressões como “maót”, “chozmin”, etc.

Um fato curioso eram as cartas que circulavam de tempos em tempos. As cartas, muitas delas fictícias, serviam como exemplo de como se utilizavam os vocábulos da Haquitia.

São de data relativamente recente e todas com um caráter fortemente humorístico. Para obter um efeito cômico, os redatores utilizavam uma concentração de palavras ou expressões empregadas na Haquitia. Pretendemos, numa próxima abordagem, publicar três dessas cartas, a primeira, de autor desconhecido, circulou há alguns anos no Rio de Janeiro. Uma outra carta fictícia foi elaborada pela escritora Sultana Levy Rosenblatt, que também circulou pelas comunidades de Belém, Manaus e Rio de Janeiro. Segundo a autora me informou, a concepção da carta foi justamente com o objetivo de orientar uma pesquisadora da Universidade de Maryland, Profa. Dra. Regina Igel, interessada em escrever um artigo sobre a Haquitia. Diga-se de passagem, além de haver exitosamente ilustrado e permitido a pesquisadora elaborar um excelente “essay” a respeito, D. Sultana brindou-nos um importante exemplo de adequado uso dos termos e expressões comuns da Haquitia, havendo prestado uma relevante contribuição para a preservação de nosso dialeto. A terceira, é uma carta autêntica, escrita no início do século, emitida em Tânger e escrita para uma irmã que veio ao Brasil, em 1914. A carta foi publicada recentemente em Aki Yerushalaim, com autorização da família, para fins de pesquisa e documentação da Haquitia. Assim, no nosso caso em particular, tivemos o privilégio de ter continuado a utilizar inúmeras expressões comuns deste dialeto no seio familiar e, em consequência, fizemos com que nossos filhos, que são segunda e terceira geração pelo lado paterno e materno respectivamente, compreendam o sentido e utilizem corretamente vários dos verbetes mais comuns. Desta forma, depois de residir por cerca de 15 anos em outro país, juntamente com Aziza, passamos a observar, sempre que regressamos a Belém, um nível de desuso gradativo, ou falta de conhecimento, entre nossos parentes, amigos e membros da comunidade em geral, nos últimos dez anos, em especial entre as novas gerações. Resta, no entanto, um grupo ainda que cada vez menor, que utiliza 39


CULTURA

regularmente alguns termos em seus diálogos e comunicações. Por isto, decidimos iniciar uma pesquisa para, em primeira instância, conhecer com detalhes como estaria essa situação, comparando algumas variáveis, como: proporção de palavras e significados conhecidos versus o número de gerações passadas nascidas no Brasil; grau de coerência entre o vocábulo e o respectivo significado; conhecimento acerca das cidades do Marrocos de onde seu(s) ancestral(is) se originaram; referência a pessoas que acreditam ser conhecedoras de Haquitia na comunidade; comparação do perfil de conhecimento do dialeto pelas famílias residentes na Amazônia, com os descendentes atualmente radicados em outras cidades e países, bem como comparar com o grau de conhecimento e uso atual da Haquitia, por parte dos judeus remanescentes em Tânger e Tetuán, no norte do Marrocos, berço do dialeto.

Este trabalho inicial já alcançou cerca de 100 pessoas entrevistadas que se dispuseram a contestar individualmente o formulário proposto pela pesquisa. Os entrevistados estão divididos por grupos etários, de menos de 18 anos, 19 a 30 anos, 31 a 60 e 61 e mais. A amostra, até o momento, está constituída de cerca de 50% de pessoas de Belém e a outra metade procedente de outras localidades, como Santarém, Manaus, Rio de Janeiro e de outros países, como Venezuela, Israel, Estados Unidos e Marrocos. Consideramos que estamos no início dessa jornada, já que a ideia é ampliar o universo de partícipes do estudo, com vistas a obtermos dados mais amplos e representativos desse processo de quase desaparecimento da Haquitia. Graças ao Sr David Salgado, editor da Amazônia Judaica, que acolheu com entusiasmo esta proposta, vamos utilizar a capilaridade e acesso desse periódico à comunidade de judeus amazônidas e seus descendentes espalhados pelo mundo. Por 40 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

sua boa acolhida, o universo deste estudo está sendo ampliado. Desta forma, junto a esta edição, os leitores encontrarão o formulário da “Pesquisa sobre Haquitia”, que deverá ser preenchido individualmente e enviado à redação da revista, quando procederemos, num prazo de cerca de 30 dias, à tabulação dos dados para passarmos à fase seguinte. A colaboração de cada leitor da revista será fundamental, contestando a pesquisa através do preenchimento do formulário, para conseguirmos recuperar as informações básicas acerca de nosso dialeto – a Haquitia. Podem ser feitas quantas cópias forem necessárias, para que diferentes membros da família possam participar individualmente do estudo.

É inevitável o desaparecimento da Haquitia? Acreditamos que, absolutamente, não é inevitável o desaparecimento da Haquitia! Haquitia é diferente de ladino. E na atualidade, existe um movimento a nível internacional para a preservação das judeu-línguas dos sefarditas. Entre elas, o ladino ou djudeoespañol que conta, neste momento, com uma relevante quantidade de publicações e boletins periódicos editados em vários países. Há cursos de gramática para monitores e professores de ladino realizados


regularmente em Jerusalém, além de existir uma revista semestral Aki Yerushalaim, publicada em Israel. Além destes impressos, há um programa com horário fixo semanal na rádio estatal israelense Kol Yisrael totalmente em ladino. Por outro lado, o ex-presidente de Israel, Ytzchak Navón (z’l, 19212015), foi presidente honorário do movimento para resgatar o djudeoespañol. Ele fez muito nesta direção. E muitas pessoas seguem seus passos. Portanto, queremos propor, com o apoio do editor da Amazônia Judaica, como já mencionado, uma série de pelo menos cinco medidas com o objetivo de resgatarmos, para as próximas gerações, o legado de nossos antepassados do Marrocos, o dialeto “Haquitia”, já que o ladino está recebendo a merecida atenção. O mesmo precisa ser alcançado pelo estudo do dialeto menos conhecido e restrito aos judeus marroquinos, como é a Haquitia. Nossa proposta inclui: 1-Pesquisa sobre Haquitia – A ideia é expandirmos as 100 entrevistas já coletadas utilizando o formulário específico, incluindo todo o universo de leitores da Amazônia Judaica. Com este propósito, anexo a esta edição se está enviando cópia do Formulário que se agradecerá seja preenchido individualmente e devolvido à redação da revista, para ser consolidado em cerca de 30 dias. Essas informações são fundamentais para estabelecermos uma adequada linha de base acerca da situação atual da Haquitia nas comunidades judaicas da Amazônia e entre seus descendentes, onde quer que se encontrem. 2- Publicação, de nossa autoria, de uma série de artigos na sequência “Haquitia: nosso dialeto quase perdido”, onde continuaremos a aprofundar os conceitos, passar listados de expressões e verbetes comuns de Haquitia como falado pelas gerações passadas da comunidade, bem como informar acerca dos resultados e dados consolidados da pesquisa sobre o tema. 3- Criação de um espaço para publicação periódica

da coluna “Cantinho da Haquitia”, onde projetamos estimular os membros da comunidade e os leitores da Amazônia Judaica, em geral, a enviarem suas contribuições em forma de relatos com expressões em Haquitia, experiências, ocorrências humorísticas, cartas reais ou fictícias escritas em Haquitia, os famosos “refranes”, adágios e frases feitas para situações especificas, enfim, um espaço aberto para documentarmos e recuperarmos todos os traços idiomáticos da Haquitia ainda existentes entre nossos correligionários. O grande desafio é passarmos todo este potencial de um estado latente a um processo renovador de utilização de nossa cultura popular amazônidajudaica-sefardi-marroquina, para as próximas gerações. 4- Publicação em forma de livro de um guia prático sobre a Haquitia, como falada pelas comunidades da Amazônia, descendentes dos judeus do Marrocos, incluindo cerca de 500 verbetes, representativos das expressões mais comumente utilizadas. A ideia é dispor da publicação em um período não superior a um ano, a fim de que a mesma se constitua em um instrumento útil neste processo de resgate do dialeto. 5- Estimular, através de diferentes mecanismos, a utilização no cotidiano, especialmente com as novas gerações, das expressões comuns e vocábulos conhecidos de Haquitia em situações apropriadas. Sugerir a inclusão, nas programações educativas e culturais das várias instituições da comunidade (como Grupo Kadima, Wizo, Pioneiras, etc,), discussão e análise em grupo, sobre artigos e produções acerca da Haquitia, criando-se assim, espaços onde o tema possa ser incluído no costume e na rotina das conversações e diálogos. Acreditamos que estaremos todos participando de um histórico processo de resgate cultural de uma das marcas relevantes, que nossos antepassados trouxeram do Marrocos às terras amazônicas onde se estabeleceram. 41


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Referências, bibliografias a- Bendelac, Alegria Bendayan de – “Los Nuestros- Sejiná, Letuarios, Jaquetía y Fraja”- Un retrato de los sefaradíes del norte de Marruecos a través de sus recuerdos y de su lengua (1860 – 1984), New York, USA, 1987. b- Diaz-Mas, Paloma – “Los Sefardíes: Historia, Lengua y Cultura”, Barcelona, Espanha. c- Elnecave, Nissim – “Los hijos de Ibero-Franconia: Breviario del Mundo Sefaradi desde los Orígenes hasta Nuestros Días”, Ediciones La Luz, Buenos Aires, Argentina, 1981. d- Bendelac, Alegria Bendayan de- “Diccionario del Judeoespañol de los Sefardíes del Norte de Marruecos”, Caracas, Venezuela, 1995. e- Levy, Simon – “Judeo-espagnol et judeo-arabe marocains” en “Essais D’Histoire & de Civilisation Judeo-Marocaines”, Centre Taryk Ibn Zyad & Fondation du Patrimoine Culturel, JudeoMarocaine, Rabat, Maroc, 2001. f- Benoliel, José– “Dialecto judeo-hispano-marroquí o Hakitía”, publicado como opúsculos no Boletim da Real Academia Espanhola, no período de 1927 a 1952, Madrid, Espanha. g- Bentes, Abraham Ramiro – “Os Sefardim e a Hakitia”, Mitograph Editora, Belém Pará, Brasil, 1981. h- Benchimol, Samuel – Eretz Amazônia: os judeus na Amazônia, Editora Valer, Manaus, Amazonas, 1998. i- Romero, Adriana dos Santos- “A Sobrevivência da Música Tradicional Sefardita dentro das Comunidades de São Paulo e Belém do Pará”- Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia

O Amazônia Judaica, por iniciativa do Dr. Sergio Benchimol e com apoio de inúmeras empresas, entidades e pessoas, está lançando o ZEJÚT ABOT – FESTIVAL DE HAQUITIA. Trata-se de um concurso no dialeto haquetia, ao qual concorrem pessoas de várias comunidades sefardimarroquinas em todo o mundo.

Sobre o concurso e suas regras:

• Os participantes podem concorrer com textos ou vídeos

curtos (1.5 minuto) • O conteúdo pode ser qualquer gênero de texto, fala, representação teatral ou apresentação musical 42 SUPLEMENTO AMAZÔNIA JUDAICA - DEZEMBRO 2019

Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1999. j- Laredo, Isaac – Memorias de un Viejo Tangerino, Ediciones La Porte, 1935, reimpresso em Rabat, Marrocos, 1992. k- Assayag, I. J. – “Tanger… Regards sur le passé”, Tânger, Marrocos, 2000. l- Berdugo, Serge, Editor – Les Juifs du Maroc – Images & Texts, Editions du Scribe, Casablanca, Marrocos, 1992. m- Aki Yerushalaim – Revista Kulturala Djudeo-Espanyola, Número 70, Anyo 23, Jerusalém, Israel, Novembre 2002. n- Entrevistas e/ou preenchimento de questionário da pesquisa, realizados em diferentes oportunidades e citados em ordem alfabética: – Alves, Rubens José, - Ashland, OR, USA – Bengio, Bella Benchimol, Tânger, Marrocos. – Bengio, Prof. Leon, Caracas, Venezuela. – Benguigui, Abraham Moysés, Rio de Janeiro, RJ. – Benguigui, Marcos, Belém, PA. – Benguigui, Shalom, Rio de Janeiro, RJ. – Bentes, Messody Serruya, Belém, PA. – Benzecry, Jacob & Helena, Belém, PA. – Dahan, Dr Isaac Shalom, Manaus, AM. – Ohana, Elizabeth Abrahão, Atlanta, GA, USA. – Rosenblatt, Sultana Levy, McLean, VA, USA. – Serruya, Fortunato & Marlene, Santarém, PA. – Tobelem, Reuven & Myriam, Bat Yam, Israel. – Zagury, Salomão Benjamin, Rio de Janeiro, RJ.

• O conteúdo pode ser produzido, total ou parcialmente,

em haquitia.

Prazos:

• Envio do material: Até 15/05/2021 • Divulgação resultados e premiação:24/07/2021

Prêmios:

• 1o. Lugar: Coleção de gravuras da renomada artista

plástica Donna Benchimol; medalha e certificado de participação

• 2o. Lugar Par de óculos de sol da marca Rayban;

medalha e certificado de participação

• 3o. Lugar: Medalha e certificado de participação

Envio de materiais:

O material deve ser enviado para: ed.amazoniajudaica@gmail.com Contato WhatsApp: 21-993458731 (Elias Salgado)


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MENSAGENS

Parabenizamos o chazan David Salgado pelos 10 anos de edição da Hagadá de Rito marroquino. Feliz Pessach a todos. Jaime e Anne Benchimol e família

Sergio Benchimol e família, com muita alegria parabeniza David Salgado pelos 10 anos da edição da Hagadá de Pessach marroquina. Chazak Ubaruch e Chag HaPessach Sameach Le Kol Am Israel


O judaísmo amazônico está em festa! Comemoramos 10 anos da publicação da Hagadá de Pessach de Rito marroquino do Chazan David Salgado. Mazal Tov! E Pessach Kasher VeSameach

Desejam Marcos Nahon e família.

O CIAM – Comitê Israelita do Amazonas, com muita simchá ve tzahalá (alegria e júbilo), parabeniza nosso chaver, o chazan David Salgado, pelos 10 anos de edição da sua Hagadá de Rito marroquino. Chazak Ubaruch Ve Pessach Kasher Ve Sameach


AMAZÔNIA JUDAICA

A maior referência em seu gênero no mundo.

www.amazoniajudaica.com.br


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