Beta Jornal 1

Page 1


Comportamento

Quais as motivações de quem realiza intervenções para modificar o corpo radicalmente

Pág/7

Preservação

O projeto “Salve, Dyonélio!” busca a conservação da casa onde viveu o escritor, em Porto Alegre Pág/30

Ameaça digital muda rotina nas escolas

No Brique da Redenção, a música e os artistas de rua se destacam. Pág/12

Ronda Lilás busca ampliar proteção a mulheres vítimas de violência em São Leopoldo. Pág/19

Liga Atlética da Unisinos celebra campeonatos conquistados e união no campus. Pág/25

Na capital, ONG Voluntários da Fauna se dedica à recuperação e preservação de animais silvestres. Pág/28

Coletivo realiza opcupações culturais em praças de Porto Alegre. Pág/29

Nas telas, palcos e hábitos sociais, o olhar nostálgico agora se volta para os anos 2000. Opinião/Pág/10

Cinco mil pessoas dormem nas ruas em Porto Alegre – e passam despercebidas pela maioria de nós. Opinião/Pág/15

JONATAS DE SOUZA
LEONARDO WAINTRUB
CAMARGO

2 n NOVIDADE

Curso de Jornalismo lança novo jornal impresso

A fusão de Babélia e Lupa marca uma nova etapa para os estudantes e responde a uma demanda atual de mercado

nO curso de Jornalismo da Unisinos inicia um novo ciclo em sua história a partir da unificação de dois de seus jornais impressos. Babélia, do campus São Leopoldo, e Lupa, do campus Porto Alegre, vão ser reunidos em um único produto: o Beta Jornal. A decisão foi tomada para melhorar a interação dos alunos de ambos os campi e unir as produções em uma única edição, que circula uma vez por semestre.

O coordenador do curso de jornalismo da Unisinos, Daniel Feix, explica que a escolha de criar o Beta Jornal surge como um reflexo de como a profissão está atualmente. Assim como nas redações, as turmas de jornalismo também estão menores e, com isso, é necessário unir as produções feitas em uma única plataforma. “Nós pensamos ‘por que não juntar e fazer uma única edição?’. Esse intercâmbio entre os alunos rendeu muitos frutos durante as disciplinas de produção textual”, recorda.

No mercado profissional, este tipo de decisão é cada vez mais comum, quando é necessário incorporar diferentes produtos de comunicação em apenas um. No Rio Grande do Sul, um exemplo é a GZH, que realizou uma ponte entre os produtos oferecidos pelos grupos Zero Hora e a RBS (Rede Brasil Sul).

Mas essas decisões impactam diretamente os alunos e egressos do curso, pois a mudança mexe diretamente com a memória afetiva de quem já participou das publicações. A professora de jornalismo Taís Seibt escreveu uma parte da sua história a partir do jornal Babélia. Como egressa do curso e atual professora da disciplina de Reportagem em Jornal, ela comenta que essas medidas são feitas a fim de preparar os estudantes aos novos cenários da profissão, que está sempre se atualizando. “Minhas primeiras experiências com o

Babélia me marcaram muito, pois, após me formar, trabalhei com o jornal Zero Hora, e agora tenho a oportunidade de ensinar sobre os novos desafios do mercado de comunicação multiplataforma”, comenta.

A partir de reuniões de briefing e conversas com os professores do curso, foi solicitada a equipe da Agência Experimental de Comunicação (Agexcom), uma proposta de atualização da marca e do nome dos jornais Babélia e Lupa. Além disso, a encomenda também devia considerar as publicações como parte integrante de um ecossistema de produtos jornalísticos do site Beta Redação, que já completa 13 anos no ar.

Além de atualizar a marca da Beta para um único produto, o conceito central buscou reforçar algumas essências do jornalismo. “A realidade atual, perpassada pela tecnologia, por vezes nos convoca a voltar no passado, ao âmago dos suportes que fizeram o mercado e a profissão jornalística, como o jornal, a TV e o rádio”, aponta a coordenadora da Agexcom, Cybeli Moraes.

A equipe que desenvolveu o projeto foi orientada pela profes-

sora Letícia Gomes da Rosa, com participação dos estagiários Ana Carolina Lico, Beatriz Pilla, Fábio Florisbal, Giordano Martins e João Vitor Lindohl.

n A JORNADA ATÉ AQUI

Os jornais produzidos já trouxeram diversas histórias durante sua existência. O Babélia surgiu primeiro, no ano de 2003, funcionando como a primeira oportunidade dos alunos expe-

A realidade atual, perpassada pela tecnologia, por vezes nos convoca a voltar no passado, ao âmago dos suportes que fizeram o mercado e a profissão jornalística, como o jornal, a TV e o rádio.”

Cybeli Moraes Coordenadora da Agexcom

Jornal produzido semestralmente por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campus São Leopoldo/RS). REDAÇÃO – Textos e fotos: alunos das disciplinas de Notícia em Jornal, Reportagem em Jornal e Jornalismo Opinativo, sob orientação dos professores Taís Seibt (tseibt@unisinos.br), Micael Behs (vierb@unisinos.br) e Ronaldo Henn (henn@unisinos. br). ARTE – Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico e diagramação: Marcelo Garcia (marcelog@unisinos.br). IMPRESSÃO – Gráfica UMA.

rienciarem como funciona uma redação jornalística. O Lupa, por sua vez, surgiu em 2013, com a inauguração do campus de Porto Alegre. Juntos, os jornais somam um total de 61 edições, feitas inteiramente pelos graduandos. Os jornais ainda ultrapassam as 50 mil cópias em circulação dentro e fora dos campi. Além disso, os projetos gráficos de ambos os jornais já tiveram vários designs feitos inteiramente pelos alunos, durante a antiga disciplina de Planejamento Gráfico, hoje extinta do currículo do curso. Atualmente, a diagramação fica por conta da Agexcom, pelas mãos do também egresso Marcelo Garcia, mais conhecido como Marcelinho. Marcelinho se formou na Unisinos de São Leopoldo em 2001, dois anos antes do surgimento do Babélia. Porém, carrega consigo a memória da produção dos jornais, por ter participado de todas as edições. O novo design do Beta Jornal surge com algumas diferenças no seu projeto gráfico original. “A cor da marca passou de azul para vermelha, as fontes foram modificadas e o jornal ganhou uma nova formatação. Tudo para proporcionar uma leitura mais

agradável e fácil”, fala Garcia. Além disso, os jornais já foram premiados diversas vezes. Babélia já recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo, em 2010, e o Prêmio Ministério Público de Jornalismo, em 2022. Lupa conquistou o terceiro lugar na categoria Acadêmico do 36º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, em 2019, com o tema “Por mais Consciência”.

Babélia e Lupa foram marcos para a vida de diversos jornalistas, principalmente pelo engajamento dos estudantes durante a sua produção. É isso que revela o egresso Denilson Flores, que escreveu a matéria premiada da 13° edição do jornal Lupa. Ele diz que ter participado do projeto foi um desafio que ensinou muito. “Meu conselho é aproveitar cada etapa. É nela que a aprendizagem realmente acontece”, conclui o jornalista.

n OS PRÓXIMOS PASSOS

A primeira tiragem do Beta Jornal será de mil exemplares, e a fusão das antigas produções do curso marca um novo momento para os estudantes de jornalismo da Unisinos. Uma delas é a maior integração entre os diferentes produtos, disciplinas e formatos, unindo notícia, reportagem, opinião, e integrando em uma única plataforma: o site da Beta redação - www. betaredacao.com.br

A produção integrada abre horizontes para os graduandos, que irão interagir entre as diferentes turmas, trocando experiências e histórias em apenas uma plataforma em múltiplo formato. “Então, os dois campi irão trabalhar juntos, no digital e impresso. É nessa transformação que a gente busca focar”, acrescenta Daniel Feix. Os próximos passos dos produtos Beta irão acontecer durante o ano de 2026. Ainda no final deste semestre, o grande destaque ocorre em dezembro, com a primeira edição do Beta Jornal.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei - CEP 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos. br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vice-Reitor: Artur Eugênio Jacobus. PróReitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Gustavo Severo de Borba. Pró-Reitora de Administração: Silvana Cristina da Silva Model. Diretora de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Decana da Escola da Indústria Criativa: Laura Dalla Zen. Coordenador do curso de Jornalismo: Daniel Feix (danielfeix@unisinos.br).

TEXTO | FÁBIO FLORISBAL GOULART

O Vale Germânico também é negro

Clubes resgatam a memória da ocupação negra em bairros de Novo Hamburgo para fortalecer identidade cultural

nEm uma cidade que se orgulha das tradições da imigração alemã, celebradas em 2024 com extensa programação pelos 200 anos da chegada dos primeiros colonos ao Vale do Sinos, a população negra segue reafirmando seu papel na construção da história de Novo Hamburgo. Nos bairros Primavera e Boa Saúde, as sedes da Cruzeiro do Sul e da Aí Vem os Marujos mantêm viva a herança da cultura negra, ensinando às novas gerações valores de convivência, identidade e resistência. São territórios de pertencimento, criados e sustentados por gerações que resistem para manter vivas suas origens. Antes mesmo da chegada dos imigrantes alemães, a área que viria a se tornar Novo Hamburgo já era ocupada. “A gente erra muitas vezes ao achar que quando os alemães chegaram, aqui não existia nada”, explica Paulo Daniel Spolier, professor de história do município e atual responsável pelo Arquivo Público Municipal. “Além dos Kaingang, já havia propriedades portuguesas e, dentro delas, pessoas negras escravizadas. Eles já estavam aqui quando a cidade nasceu”. Posteriormente, com o fim da escravidão, os primeiros núcleos dessa população se fixaram no Bairro África, área que hoje compreende parte do bairro Guarani.

Com o avanço urbano e a valorização da área central, essas famílias foram empurradas para regiões mais afastadas, como o bairro Primavera, conhecido historicamente como Bairro da Mistura. “Quanto mais alto você subia a Rua da Limpeza, atual Osvaldo Cruz, mais negra ficava a população”, explica Spolier. “Por ser o destino dos dejetos de toda a cidade, era uma área marginalizada, com terrenos mais baratos”.

n CRUZEIRO DO SUL

E é no início da Rua da Limpeza, em 1922, que surge o primeiro clube social negro da região do Vale do Rio dos Sinos. A Sociedade Cruzeiro do Sul, mais velha que a própria emancipação de Novo Hamburgo, nasce três décadas após o fim da escravidão, com o desafio de

desmarginalizar a comunidade negra, que não tinha acesso aos mesmos espaços de lazer que o restante da população. Organizada inicialmente em torno do futebol e do carnaval, a Cruzeiro se consolidou ao longo de seus 103 anos preservando a memória para as gerações futuras. Além do desfile da escola de samba, a sociedade realiza outros projetos sociais e oficinas culturais du-

rante todo o ano, como o Sábado da Gente e o Sarau da Cruzeiro. Para Isabel Milano, diretora de Carnaval e professora nas aulas de samba gratuitas que acontecem toda segunda-feira na sede, o espaço é mais do que

n Na sede da Cruzeiro, as aulas de samba e os murais do sambaenredo integram a programação cultural aberta à comunidade

um clube, é um lar: “A Cruzeiro representa empoderamento e autonomia sobre a nossa origem, existência e futuro. Nas aulas, ensinamos a técnica da dança, mas também convivência, respeito e identidade. É um grito de liberdade, de ‘eu posso’.” A dança, segundo a passista, é uma das maiores expressões culturais, e o samba transmite as origens e a alegria do povo preto. “Muitas crianças crescem aqui dentro, e elas aprendem a não ter vergonha da cor, do cabelo ou da sua cultura”, completa.

O vice-presidente da entidade, Cassius Silva, reitera o compromisso da Cruzeiro com o resgate histórico da comunidade. “Uma parte do nosso samba-enredo atual fala ‘quando as ruas se formavam, eu estava lá / Quando a cidade nascia, eu estava lá.’ Trouxemos esse tema para dar um contraste da ideia que foram os imigrantes alemães sozinhos que construíram Novo Hamburgo”, observa. Cassius também é um dos idealizadores do Museu do Samba do Rio Grande do Sul. “É um projeto sonhador, pensado com carinho e respaldo para trazer o olhar histórico dos nossos precursores”, destaca.

n AÍ VEM OS MARUJOS

Vizinho do Primavera, o bairro Boa Saúde abriga a segunda sociedade negra mais antiga da região. Fundada em 1951 como bloco carnavalesco, a Sociedade Recreativa Aí Vem os Marujos é uma dissidência da Cruzeiro. Com 74 anos de história, o espaço é exemplo de resistência cultural. Há mais de quatro décadas no Parque do Trabalhador, em área cedida pela Prefeitura, a escola de samba já funcionou em um antigo estábulo, sobreviveu a um incêndio e, no início deste ano, recebeu uma notificação de despejo.

O atual presidente, Fábio Lima, mais conhecido como Bilaco, cresceu no galpão e hoje lidera o processo de reconstrução da sede: “A gente está buscando a realocação da Marujos

n Isabel Milano e Fábio “Bilaco” Lima são vozes centrais na preservação da cultura nos espaços que ocupam

Muitas crianças crescem aqui dentro e aprendem a não ter vergonha da cor, do cabelo ou da sua cultura.”

Isabel Milano Diretora de Carnaval

como um espaço cultural para a população, com projetos como o Samba no Mar e várias reformas. Uma entidade que passou 15 anos fechada, reunir no primeiro evento de reabertura 300 pessoas é incrível. Tudo com recursos próprios e muito esforço coletivo”.

Parte importante para preservação da memória e da criação de um vínculo com as origens são as crianças. Em outubro, a sociedade recebeu mais de 120 crianças dos bairros Rincão, Primavera, Boa Saúde e Petrópolis em uma ação especial, reafirmando sua missão de promover educação, arte e inclusão por meio de iniciativas comunitárias. “A importância da Marujos está em muito mais do que um desfile. Ela é primeiro uma escola, que deixa legado e ensinamentos”, reflete Bilaco. “Aqui, a primeira coisa que aprendemos é o respeito pelos mais velhos. Daí vêm as baianas, as mães do samba, que cuidam do sagrado, do axé e passam adiante a memória das agremiações”.

Com o tempo, os espaços criados pela população negra passaram a acolher todas as origens. Agora, as reivindicações são pelo reconhecimento. Desde o final de 2024, Novo Hamburgo enfrentou dois decretos de calamidade pública, o que impactou diretamente o setor cultural por conta de uma norma municipal que proíbe o uso de recursos públicos em eventos festivos durante períodos de emergência. A medida resultou no cancelamento de diversas atividades, inclusive do carnaval de 2025. Apesar do fim do decreto em outubro deste ano, ainda não há garantias sobre a realização da festa no próximo.

TEXTO E FOTOS | GABRIELA PANASSAL

POLÍTICA

LARISSA HAR

Por dentro da Câmara

Num ano pós-enchente, em que os termos “casa de bombas” e “hidrojateamento” entraram para o cotidiano dos gaúchos, o legislativo de Porto Alegre teve como maior desafio o debate sobre a concessão parcial do Departamento Municipal de Água e Esgoto. O saldo, no entanto, é positivo para o Governo Melo. Aprovado em outubro e sancionado em novembro, com publicação do Diário Oficial de Porto Alegre, o projeto de lei permite a delegação temporária, à iniciativa privada, da prestação dos serviços de distribuição de água tratada e da coleta e tratamento de esgoto. A votação foi calorosa e finalizada quando já era madrugada do dia 25 de outubro, por 21 votos a favor e 14 contrários.

Em suma, a empresa concessionária ficará responsável pela distribuição de água tratada e o serviço de esgoto. Já a prefeitura segue à frente dos serviços de captação e tratamento da água, além da gestão dos sistemas de manejo de águas pluviais e drenagem urbana, atuando na manutenção e operação do sistema de proteção contra cheias, junto à União.

Cotas trans

Em 2025, Porto Alegre tornou-se a primeira cidade brasileira a ter cotas para pessoas transsexuais no funcionalismo público. De autoria da vereadora Natasha Ferreira (PT), o texto se aplica à seleção de servidores efetivos e estagiários no município, reservando apenas 1% das vagas para pessoas trans. A matéria, no entanto, foi polêmica e causou silêncio do prefeito Sebastião Melo. Sem a sanção pelo executivo, coube a presidente da Câmara de Vereadores, Comandante Nádia (PL), promulgar a lei.

Pousada Garoa

Instaurada em fevereiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou as responsabilidades sobre o incêndio da Pousada Garoa, aprovou, em plenário, o relatório final. No total, foram 11 votos, sendo sete favoráveis e quatro contrários. O documento elaborado pelo vereador Marcos Felipi (Cidadania), relator do caso, concluiu que houve negligência grave por parte do proprietário, André Kolgeski, e sugere que ele seja responsabilizado civil e criminalmente. O documento não cita responsabilidade da prefeitura, apesar do empreendimento ter assinado contrato com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC). O incêndio, ocorrido em abril de 2024, deixou 11 mortos e outras 14 pessoas feridas.

Saúde

As mudanças no Fundo Municipal de Saúde (FMS) também foram aprovadas pelos parlamentares. A proposta, pautada pelo executivo, prevê uma maior flexibilidade na aplicação do orçamento da saúde, que passa a ter mais autonomia para aprovar despesas. A proposição foi acatada com 22 votos a favor e 9 contrários.

RAFAEL LUZ

Embora não tão acalorados quanto os debates (ou seriam embates?) na Câmara Municipal ou na dos Deputados, em Brasília, importantes pautas passaram pelo Palácio Farroupilha em 2025, vamos a algumas delas:

Nova gestão

Logo no início do ano, Adolfo Brito (PP) passou a chefia da ALRS para o ex-prefeito de Caxias do Sul, Pepe Vargas (PT), promovendo uma alternância de poder na Casa, algo que vem sendo bastante comum nos últimos anos no Palácio Farroupilha.

Lei Anti-Oruam

O rapper Oruam é um dos músicos mais ouvidos do Brasil em 2025 e coleciona polêmicas país afora. Por ser filho de Marcinho VP, líder do Comando Vermelho, vereadores de vários municípios propuseram leis proibindo o uso de recursos públicos em apresentações que envolvam apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas. Ou seja, proibindo exatamente o que acontece nos shows do artista. O assunto também respingou no estado, tanto na Câmara de Vereadores de Porto Alegre quanto na Assembleia Legislativa, mas não ganharam tração e acabaram ficando só nas manchetes dos portais de notícia mesmo.

Show da enchente (1)

Dando continuidade ao show da desgraça humana promovido pelos três poderes, a Secretaria de Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul (Secom/RS) lançou um documentário intitulado “Todos nós por todos nós” que, é claro, fala da enchente. Leite lavou as mãos e jogou no colo de Caio Tomazeli, titular da pasta. Convidado a prestar esclarecimentos pelo deputado Miguel Rossetto (PT), Tomazeli matou no peito e foi transparente. Deu números e justificou o motivo de se fazer o documentário.

Show da enchente (2)

No entanto, aqui questiono: será que já não deu? Não creio que o caminho, numa democracia – como a que vivemos, embora alguns acreditem que não – seja o da censura. Jamais. Mas acredito que é necessário deixar o assunto descansar para que ações mais concretas possam ser tomadas. Quantas vezes já ouvimos sobre como o prédio de (tal instituição) ficou alagado e os desafios que isso representou? Já sabemos de cor e de salteado. Mas e as famílias do Mathias Velho, em Canoas? E as famílias de Cruzeiro do Sul? De Caraá? Do Vale do Taquari? Quando terão suas vozes ouvidas e, mais ainda, suas necessidades atendidas?

Sem luz, sem pagamento

Com a chegada do inverno – e da temporada de chuvas aqui no estado – o gaúcho já sabe que tem que ter aquele estoquezinho de velas em algum canto da casa, pois vai faltar luz. É uma certeza. No entanto, em junho, a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade uma indenização para quem ficar mais de 24 horas sem luz no RS. A população, farta do mau serviço prestado tanto pelas empresas de energia, agradece imensamente.

Violência contra a mulher

O ano de 2025 tem sido desafiador neste âmbito da segurança pública gaúcha. De acordo com o coletivo Lupa Feminista, que monitora os números da violência contra a mulher no estado, 111 mulheres foram mortas neste ano – número que pode aumentar até a publicação desta edição. Para tratar especificamente deste assunto, a Assembleia Legislativa aprovou um projeto do Executivo para recriar a Secretaria da Mulher, extinta no governo de José Ivo Sartori. Para comandar a pasta, Leite escolheu a ex-prefeita de Cristal, Fábia Richter, e a delegada de Polícia Viviane Nery Viegas para o cargo de secretária-adjunta. Espera-se que a criação desta secretaria tenha efetividade em diminuir as mortes de mulheres no estado, e que não seja “só para inglês ver”.

Desejo um ótimo final de ano a você e que tenhamos um 2026, ano de eleição, com muita paz e, acima de tudo, democracia!

GASTRONOMIA

TAIANA SOUZA

A criatividade que alimenta Porto Alegre

O povo gaúcho cansou da mesmice. E desse cansaço nasceu uma nova cena gastronômica porto-alegrense, onde a surpresa virou tempero obrigatório e criatividade faz parte do cardápio. Hoje, comer não é apenas se alimentar, é viver uma experiência que rende assunto até o próximo café. Nos últimos anos, muitos estabelecimentos têm apostado em maneiras inesperadas de conquistar o público com ideias que ninguém pediu, mas que todo mundo agradece.

Cinema à la carte

Um dos lugares que comprovam essa nova tendência é a sala VIP do Bourbon Country, inaugurada dois meses atrás, que transformou a simples ida ao cinema em um ato gastronômico. Agora, além de assistir um filme, você pode saborear um belo hamburguer com fritas, que chega quentinho na sua poltrona. Como se você estivesse num restaurante que achou educado colocar uma tela de 15 metros para não te deixar sozinho enquanto come. Neste ambiente, a obra cinematográfica é só metade da diversão.

Sorvetes improváveis

Essa busca por experiências diferentes também aparece em sabores que, até pouco tempo atrás, só existiam na cozinha da nossa vó. Tenho lembranças muito claras da minha preparando chá de marcela quando eu reclamava de dor de barriga — sim, aquele gosto que fazia qualquer criança querer fugir. Lembro também da gemada quentinha, doce do jeito que só vó sabe fazer, que eu comia com pão como se fosse a melhor parte do dia. Pois bem...e se eu te dissesse que marcela com gemada é sabor de sorvete na Quati Gelateria Artesanal? A nostalgia ganhou textura gelada e, surpreendentemente, funciona! É o tipo de combinação que provamos por curiosidade e terminamos pensando no que ainda pode virar sorvete por aí.

O menu que muda de humor

A mesma ousadia que transforma lembranças em sorvete também guia o menu do Libertino, que altera o humor com a mesma frequência que o clima da capital. Lá, o cardápio rotativo não é truque de marketing, é personalidade. O cliente até sabe o que vai encontrar, mas não exatamente como, porque, se ele voltar dali a dois meses, o prato já terá outra cara. A estrutura da comida é a mesma, mas os ingredientes mudam mais rápido que tendência em rede social. Um detalhe simples, mas o suficiente para tornar cada ida ao restaurante uma descoberta.

Quando o cliente vira chef

E há ainda a pizzaria em que o chef simplesmente chama os clientes para botar a mão na massa, literalmente. Na Villa Positano Pizzeria & Spritz, você entra para jantar e sai com um diploma informal de pizzaiolo e, às vezes, com farinha até no cabelo. É divertido, bagunçado e inesperado. No fim, toda essa onda mostra um movimento curioso na gastronomia local. As experiências deixaram de ser só sobre o que chega no prato e passaram a envolver a sensação de pertencimento. E, no meio disso tudo, seguimos reinventando sabores, modos de aproveitar a cidade e deixando que essas pequenas ousadias reinventem também um pouco de nós mesmos.

Centro Árabe Palestino resiste no RS em meio a conflitos em Gaza

Entidade mantém viva a cultura e a solidariedade palestina enquanto a guerra escala no Oriente Médio

Há cerca de 40 anos, no coração da Região Metropolitana de Porto Alegre, uma casa simples abriga um dos mais profundos símbolos de resistência cultural e comunitária palestina no Rio Grande do Sul. A Sociedade Árabe Palestina de Sapucaia do Sul é mais do que uma casa: é um espaço de memória, reconstrução e pertencimento, onde identidade, fé e cultura se entrelaçam e sobrevivem ao tempo.

A história da casa começou no fim da década de 1970, quando mulheres da comunidade palestina se mobilizaram para adquirir o imóvel. Organizaram campanhas, bateram de porta em porta, buscaram apoio em comércios locais e conseguiram parte dos fundos com a Embaixada da Palestina. O esforço coletivo resultou na compra do espaço – um gesto simbólico de autonomia e resistência. Com o passar dos anos, porém, a frequência foi diminuindo. “Só vinha o pessoal mais velho, jogar canastra. Nós, que crescemos aqui, sentimos que a casa foi ficando para trás, como se a vontade de vir tivesse se perdido”, recorda a coordenadora Karina Mustafa. Sem uma diretoria formal e com poucos recursos, a manutenção passou a depender de mutirões voluntários, organizados em sua maioria por mulheres. Mesmo assim, o espaço continua recebendo celebrações tradicionais, encontros religiosos e jantares de memória, que são realizados quarenta dias após a perda de um ente querido, conforme o costume árabe.

n CONFLITOS EM GAZA

Segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, reconhecidos por agências da ONU e veículos internacionais, o número de mortes no território desde o fim de 2023 ultrapassa 67 mil palestinos, cerca de 3% da população local. A guerra atual figura entre as mais letais da história recente no território onde vivem 2,2 milhões de pessoas. Mas o conflito que hoje domina os noticiários é apenas mais um capítulo de uma longa trajetória de tensões. Após a Segunda Guerra Mundial, a ONU propôs um plano

de partilha da Palestina. Com a criação do Estado de Israel, em 1948, cerca de 750 mil palestinos foram expulsos ou fugiram, episódio conhecido como Nakba, a “catástrofe” palestina. Desde então, sucessivas ofensivas e deslocamentos mantêm viva uma ferida que atravessa gerações e fronteiras. O impacto dessa história ecoa nas comunidades palestinas espalhadas pelo mundo. Segundo a Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal), cerca de 60 mil palestinos e descendentes vivem hoje em terras brasileiras. O professor Gilberto Feres Abrão, pesquisador da imigração palestina, explica que os primeiros chegaram antes mesmo de 1948, fugindo da opressão do Império Otomano. “Os primeiros eram cristãos, depois vieram muçulmanos, após a fundação de Israel”, explica. “Muitos se estabeleceram no comércio, e seus filhos hoje são acadêmicos, médicos, advogados e professores. A nova geração mantém viva a identidade do povo palestino, mesmo diante da dor e da distância”, destaca.

Em Sapucaia, a recente escalada da violência em Gaza reacendeu o sentimento de união. “Nada do que fazemos aqui vai mudar a realidade dos nossos parentes lá, mas parece que dá vontade de estar mais perto, de se unir”, diz Karina. A juventude, antes afastada, voltou a frequentar o espaço. Em 2024, a casa sediou o Congresso da Juventude Islâmica, que reuniu mais de 100 pessoas de diferentes cidades do Rio Grande do Sul. “Foi tudo organizado por eles. A velha guarda só deu suporte”, conta, com orgulho.

Nada do que fazemos aqui muda o que acontece em Gaza, mas parece que dá vontade de estar mais perto, de se unir.”

Mustafa Coordenadora da Sociedade Árabe Palestina de Sapucaia do Sul

O esporte, em especial o futebol, também é uma forma de resistência e integração. O time Palestinos RS, coordenado por Eduardo Abed e Kalil Mustafa Rizeq, pratica futebol de campo e de sete, e participa de amistosos contra equipes formadas por refugiados de diversas nacionalidades – venezuelanos, senegaleses, peruanos e libaneses.

“O mais importante é levantar esta causa através do esporte, reafirmando um compromisso com todos os refugiados que sofreram muito para chegar até aqui”, afirma Kalil. O clube conta com 18 atletas de diferentes cidades, como

Santa Maria, Pelotas e Livramento, e participa da Copa do Mundo de Refugiados, torneio nacional que celebra a convivência e o respeito entre os povos. Mais do que competição, os jogos funcionam como elo cultural. “Quando a gente entra em campo, não é só por futebol. É por memória, por família, por quem ficou e por quem partiu”, resume um dos jogadores.

n PROTAGONISMO

FEMININO

Se o patriarcado ainda aparece como herança cultural, por outro lado são as mulheres que mantêm a sociedade palestina viva. Desde a fundação, elas lideram arreca-

n Apesar das dificuldades na organização, a Sociedade Árabe Palestina segue sendo uma ampla referência na comunidade árabe do Rio Grande do Sul. Abaixo, área de oração mantém viva tradições do povo palestino

dações, organizam eventos, cozinham, limpam e ensinam danças e tradições aos mais jovens.

O Grupo Folclórico Palestino Terra, formado por cerca de dez mulheres e coordenado pela advogada Fairuz Saleh, segue apresentando danças tradicionais em festivais e eventos pelo estado. Os ensaios ocorrem semanalmente no Memorial Luís Carlos Prestes, em Porto Alegre.

As apresentações do grupo já integraram o Festival Intercultural de Canoas, a Conferência Estadual de Direitos Humanos e a Mostra de Danças Folclóricas de Novo Hamburgo. “É uma forma de mostrar que estamos aqui, que seguimos dançando mesmo quando a notícia lá fora é de destruição”, conta Fairuz.

Apesar de suas raízes muçulmanas, a Sociedade abriga uma comunidade cada vez mais diversa. Filhos de casamentos entre muçulmanos, cristãos e evangélicos convivem em harmonia, respeitando diferentes formas de fé e de vida. “A gente entendeu que essa terra é muito diferente da Palestina, e que precisamos viver com as diversidades”, diz Karina. O sentimento de acolhimento também se estende à comunidade LGBTQIA+. Embora não haja membros assumidamente declarados, o ambiente é de respeito. “Os mais velhos que poderiam ter resistência já não frequentam mais. Quem está aqui hoje tem uma cabeça mais aberta”, acrescenta. Mais do que um espaço comunitário, a Sociedade Árabe Palestina de Sapucaia do Sul tornou-se um ponto de encontro entre gerações, onde tradição e modernidade caminham juntas, preservando a memória de um povo que encontrou no Rio Grande do Sul uma forma de continuar sua história. Entre reuniões, danças e partidas de futebol, a casa segue cumprindo o papel de reunir pessoas em torno de algo comum: o desejo de manter viva a identidade do povo árabe palestino em meio aos conflitos que afligem milhões pelo mundo.

n Prédio do ICDRS, inaugurado em 2004, acolhe mais de 4 mil crianças e jovens com diabetes Tipo 1

Instituto beneficia crianças e jovens no combate a diabetes

Com a intensificação dos casos de diabetes Tipo 1 no Rio Grande do Sul, o ICD é referência no tratamento contra a doença

TEXTO | MARIA LUIZA DUTRA FOTO | ANA BERTUOL/ICD

n O Rio Grande do Sul registra mais de 9 mil casos de diabetes

Tipo 1, doença que tem se tornado cada vez mais comum entre crianças e jovens, sendo impulsionada por fatores hereditários, hábitos alimentares e sedentarismo.

Segundo dados do IBGE divulgados em 2019, o RS ocupa a terceira posição no ranking de estados brasileiros com mais casos da doença. Todavia, o Estado também é referência no tratamento. O Instituto da Criança com Diabetes (ICDRS) beneficia mais de 4 mil crianças e jovens, que aprendem a lidar diariamente com a doença e recebem auxílio financeiro para o tratamento.

Segundo a superintendente do ICD, Ana Bertuol, o Instituto nasceu do sonho de um médico endocrinologista e de um grupo de pessoas que tinham o objetivo de assistir crianças e adolescentes no combate a diabetes. Em 1998, eles conseguiram a primeira doação para o ICD, que passou a realizar, anualmente, a tradicional “Corrida para Vencer”, evento direcionado à captação de recursos para a manutenção do projeto. Mais tarde, em 2003, o Instituto assinou convênio com o Ministério da Saúde e o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), garantindo recursos humanos. Contudo, a data mais emblemática é 19 de janeiro de 2004, quando a entidade privada e sem fins lu -

Reiki é aliado no tratamento do câncer n TÉCNICA

n Sediada em Porto Alegre, a Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan) oferece suporte gratuito a pessoas com diagnóstico oncológico em situação de vulnerabilidade social, mantendo-se por meio de doações. Também dispõe de oficinas, palestras e grupos de apoio, com o intuito de fornecer experiências e fortalecimento emocional, valendo-se do reiki como técnica de auxílio às usuárias.

Largamente utilizada no SUS, o reiki é uma técnica originada do Japão que oferece conforto e alívio a sintomas de fadiga, insônia, dores e ansiedade por meio das mãos. “Nós temos vários pontos energéticos no corpo chamados de chakras. O reiki limpa e equilibra esses chakras, aliviando a dor e o desconforto”, explica a terapeuta reikiana e voluntária da Aapecan, Ana Rocha. Segundo ela, o reiki não tem relação com qualquer tipo de religião, mas sim com a energia universal que existe em todas as coisas.

Martha Velleda Santos, 71 anos, enfrenta um câncer peritoneal, sem possibilidade cirúrgica, há mais de duas décadas. Segundo ela, a técnica do reiki oferece alívio e conforto. “Após as sessões fico mais calma e consigo dormir melhor”, enfatiza.

A usuária Cristina Arrieche, 52 anos, em tratamento contra o câncer de fígado, também relata efeitos semelhantes. “Eu gosto muito. Fico descansada, sinto meus músculos e o meu corpo relaxarem”, afirma.

O preparo prévio para a sessão do reiki já representa um diferencial, pois a organização do ambiente proporciona o equilíbrio energético das usuárias. Para as mulheres mais agitadas, essa etapa é fundamental. Adrianna Stobbe Machado, 49 anos, evidencia a transformação de seu humor e os impactos do reiki na sua rotina. “Eu sou uma pessoa ansiosa. Quando entro na sala para fazer o atendimento, a terapeuta põe uma música instrumental para acalmar e aplica um óleo essencial através de um difusor. Então começo a relaxar e sinto a energia fluir”, descreve.

Os resultados relatados revelam a eficácia da prática. Há casos em que o ingresso na associação dá-se, inclusive, por indicação médica. É o caso de Iolanda Egar de Almeida, 69 anos, que frequenta a Aapecan há 4 anos e indica que “desde que tive o câncer o meu próprio médico me indicou o local e o tratamento de reiki”. Ela também demonstra contentamento após as sessões, indicando relaxar e, até mesmo, adormecer. “Eu sou muito feliz aqui”, reitera.

crativos abriu pela primeira vez as portas para que crianças e jovens de até 20 anos pudessem receber o tratamento.

Além de cuidados médicos especializados, Ana explica que os pacientes têm acesso a um processo educativo estruturado para ensiná-los a manter a doença estável e a tomar decisões que facilitem a sua rotina.

O Instituto se mantém através de doações que podem ser mensais ou anuais e conta com o apoio de projetos solidários como o “Tampinha Legal” e a “Nota Fiscal Gaúcha”. Após 15 anos de história, o ICD recebeu o prêmio International Diabetes Federation (IDF), referência na América Latina em orientação preventiva a diabetes.

TEXTO | DAIANE GENESINI E THAIS DE MELLO FOTO | DAIANE GENESINI

n Modificações corporais aparecem em diferentes estilos, da tatuagem à performance, como forma de expressão individual

Entre estigma e identidade

Pessoas que mudam radicalmente o corpo enfrentam o preconceito para viver sua autenticidade na própria pele

nTatuagens, piercings, alargadores, tinturas capilares. As possibilidades são inúmeras. Seja por motivações culturais, estéticas ou até mesmo políticas, modificações corporais ganham espaço. Há os que preferem tratá-las de forma mais discreta, e também quem decide ir mais além, transformando-as em estilo de vida. O que para muitos pode parecer estranho ou até assustador, para eles é questão de identidade.

Para Dandara Zick Gross, 20 anos, natural de Bento Gonçalves (RS), o desejo de se tatuar surgiu ainda na infância. “Desde muito criança, eu já era envolvida com arte e criação. Meu sonho era ser desse jeito, estilosa”, relembra. Hoje em dia, ela reside em Garibaldi (RS) e trabalha como tatuadora em seu próprio estúdio. O início foi cauteloso, muito por conta do conservadorismo paterno. “A primeira (modificação corporal) foi um piercing transversal na orelha. Eu tinha 15 anos”, relata. “Depois, com 16, fiz uma tatuagem pequenininha escondida do meu pai, porque ele não deixava”. Apesar disso, ela garante que mantém uma boa relação com a família: “Ele (o pai) já se acostumou. Até agradeço. Se eu tivesse feito as tatuagens antes dos 18, elas não seriam tão legais”. Atualmente, além de piercings implantados, Dandara já

contabiliza mais de 20 tatuagens. A mais chamativa se encontra no braço direito, onde foi aplicada uma técnica conhecida como blackout – que consiste em cobrir uma grande parte do corpo com tinta preta. “Não tem nenhum significado em si. É uma tatuagem que eu admiro e queria fazer”, comenta. Em relação ao simbolismo das modificações, Dandara aponta um viés terapêutico. “Levo a tatuagem como um momento da vida que estou registrando. Se aconteceu alguma coisa que está me prendendo, eu penso em algo para fazer e eternizo”, declara. Ela reconhece que certas formas de julgamento são corriqueiras, mas já aprendeu a lidar com a situação. “É uma coisa diária (o preconceito). Quando ando na rua, as pessoas me olham bastante com cara feia. Mas eu super entendo e até acho engraçado, sabe? Não

é algo que me afeta mais. Até porque tem os que acham legal também”, observa.

Dandara garante que deseja continuar se tatuando. “Eu pretendo fechar o corpo como um todo, só não a cabeça. Mas estou deixando muitas áreas livres para, mais para a frente, pensar em um projeto anatômico e bonito. Não dá para fazer tudo jogado”, assegura.

n ESTÉTICA DE RUPTURA

Natural de Osasco (SP), T. Angel é uma pessoa trans não-binária que trabalha na educação pública. Aos 43 anos, está se preparando para iniciar o doutorado na Universidade de São Paulo (USP), pela qual já cursou mestrado. Pesquisadora na área de corpos modificados desde a década de 1990, foi na época da adolescência que T. Angel começou a praticar suas modificações corporais: “A primeira foi um body piercing na região do lábio”.

“Acredito que todo o corpo vivo é modificado e passa por modificações ao longo dos anos. E dentre tantas possibilidades existentes de se alterar corpos, há esse pequeno recorte que costumo chamar de ‘modificações corporais não-hegemônicas’, como tatuagens, implantes, entre outros”, argumenta. “As pessoas são multiplicidades, assim como também serão as motivações (para se modificar). Em minhas pesquisas, percebo que passam pelo campo do ritual de passagem, estética, artística, afetividades, memória, etc.”.

Sobre o preconceito, Angel revela que está em todos os espaços sociais: “Precisamos urgentemente nos perguntar por que algumas modificações são aceitas e outras satanizadas. É uma emergência a luta pelo direito de decidir sobre os autousos do corpo”.

no site oficial. O nome escolhido faz referência ao “Orgulho Freak” (em português, esquisito ou anormal), movimento social que celebra a individualidade excêntrica e a subjetividade dos corpos modificados.

n PSICOLOGIA DA DIFERENÇA

Precisamos urgentemente nos perguntar por que algumas modificações são aceitas e outras satanizadas.”

T. Angel

Professora

Hoje em dia, ela afirma não ter interesse em contar tudo o que possui no corpo, mas já realizou uma série de procedimentos estéticos. Além das tatuagens e piercings, também fez implantes, alargadores, nulificações e escarificações – cicatrizes propositais para marcar a pele permanentemente. Outro detalhe peculiar que pode ser observado é a bifurcação da língua, cortada na ponta de tal forma que a deixa semelhante à dos répteis.

Hoje em dia, ela se autodeclara “monstra”. “É uma desistência da espécie humana. É uma negação. É pegar uma palavra que utilizavam para me desumanizar, ressignificá-la e vesti-la dizendo: ‘vocês que fiquem com a humanidade’. Essa humanidade corrompida que está levando o mundo ao colapso”, comenta.

Desde 2006, T. Angel gerencia o “FRRRKguys”, maior fórum online de modificações corporais do Brasil, com mais de 8.300 seguidores no Instagram e centenas de artigos publicados

Para Bernardo Misturini, especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC) e neuropsicologia, as modificações corporais podem ser interpretadas de diversas formas. “Não é errado dizer que se trata de uma forma de arte, e também de uma construção ou reafirmação da própria identidade”, define. “Mesmo um corpo inteiro modificado não seria suficiente para expressar tudo o que o ser humano representa. Entretanto, essas simbologias de identificação demonstram traços daquilo que se quer representar”. O psicólogo explica que o tipo da modificação ou a quantidade delas não definem uma patologia. Entretanto, segundo ele, modificações que precisam ser feitas a qualquer custo e que colocam a saúde ou a integridade física em risco devem acender um sinal de alerta.

“Se a gente simplesmente se permitir a se abrir e a conversar com essas pessoas, olhando para além das modificações, acredito que seria uma evolução muito importante. É a diferença que nos enriquece”, finaliza.

TEXTO
ARQUIVO PESSOAL LEONARDO WAINTRUB

n RESILIÊNCIA

Comerciantes do Litoral vivem desafios em tempos incertos

Digitalização e proximidade com os clientes são algumas das estratégias adotadas pelos empresários

nSeparadas pela Ponte Giuseppe Garibaldi, Imbé e Tramandaí, no Litoral Norte gaúcho, somam cerca de 80 mil habitantes, segundo o Censo 2022 do IBGE. Durante a temporada de verão, essa população se multiplica, trazendo alívio a comerciantes locais. A estação atrai visitantes de diversos lugares, que acabam fazendo compras nos municípios, desde alimentação, vestimenta, lazer e aluguéis. Toda a cadeia é impulsionada pelo movimento típico do veraneio, mas acontecimentos recentes, como a pandemia de Covid-19 e as enchentes de maio de 2024, provocaram mudanças que impactam os empreendedores da região litorânea.

Luzia Martins tem comércio há 16 anos em Tramandaí, e sente que as vendas caem 50% na baixa temporada. A loja Todo Dia fica na Avenida Fernandes Bastos, uma das mais movimentadas do centro da cidade, e trabalha com vestuário feminino, masculino, plus size, infantil, cama, mesa e banho. Anteriormente, dona de uma fruteira em Porto Alegre, ela se mudou para o Litoral Norte para empreender, trazendo marido, filhos e nora, que hoje também empreendem em cidades vizinhas. A comerciante conta que houve impacto nas vendas da loja em detrimento da facilidade de compras online, que se tornaram mais comuns após a pandemia. É visível também a chegada de novas redes de supermercadistas à região, como Desco, Stok Center e Bistek. Porém, também é notável a aproximação de grandes marcas já consolidadas no mercado, enquanto o pequeno empreendedor segue sendo encurralado, tendo que se reinventar a cada dia. Apostando em estratégias que vão desde diminuição nas compras de mercadorias e investimento em propagandas nas redes sociais. Independente do setor, quem possui comércio tem que encontrar alternativas para superar os desafios, além daqueles já esperados. Para manejar os gastos, Luzia, por exemplo, compra uma quantidade menor de mercadorias, porque sabe que vai vender menos, esperando chegar

n Loja de variedades no centro de Tramandaí acompanha as transformações dos hábitos de compras dos consumidores há quase duas décadas

Os clientes vêm até a loja porque me conhecem, e também aproveito as redes sociais para fazer propaganda.”

Daiana de Oliveira Lojista

o verão para faturar um pouco mais. Nesses períodos, quando a movimentação cai significativamente, suas compras são planejadas com cuidado, visando manter o fluxo de caixa. Daiana de Oliveira, proprietária da Oliveira Eletrônicos e Perfumaria, ao lado da loja de Luzia, empreende desde 2002, passando pelo ramo da marcenaria até chegar ao setor de bazar,

com o que trabalha desde 2012. Durante a trajetória, ela considera como período mais difícil o da pandemia, quando pensou até mesmo em desistir da loja própria. Na época, ela decidiu apostar nas redes sociais. “Como eu nasci aqui, conheço bastante gente, tenho vínculo com as pessoas, eles vêm até aqui porque me conhecem, e também aproveito as redes sociais para as propagandas da loja”, comenta Daiana. O vínculo com a comunidade continua sendo um diferencial dos empresários locais, apesar da concorrência das grandes redes. Clientes do ano todo valorizam a atenção personalizada, a possibilidade de experimentar produtos e receber recomendações diretamente do lojista –algo que grandes cadeias ainda não conseguem oferecer. O relacionamento próximo ajuda a manter a fidelidade do consumidor, mesmo nos períodos de menor movimento.

n PARAPREPARAÇÃO O VERÃO

O movimento nas principais avenidas de Tramandaí e Imbé anda a passos lentos no mês de outubro, que já é um período de preparação para o verão. De acordo com a empreendedora Daiana, as calçadas do comércio vazias são reflexos da mudança drástica no comportamento dos consumidores após a pandemia. Agora, as pessoas aproveitam o final de semana para o lazer ao lado da família, indo à praia ou à pracinha com as crianças, por exemplo. Antes, utilizavam o final de semana para fazer compras e passear pelas lojas.

De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Imbé e Tramandaí, Márcio Seibel, há uma mudança visível nos turistas que têm passado pela cidade nos últimos tempos, que é acompanhada de perto pela CDL. "É perceptível uma vinda das pessoas ao lito-

ral nos finais de semana, principalmente para passeios, e não necessariamente para compras", finaliza o dirigente. O cenário do comércio em Imbé e Tramandaí mostra que, embora o verão traga o auge das vendas, os pequenos negócios têm aprendido a equilibrar desafios e oportunidades ao longo de todo o ano. Entre inovação, proximidade com o público e planejamento estratégico, os comerciantes encontram maneiras de manter suas portas abertas, garantindo variedade, qualidade e atendimento diferenciado para moradores e turistas. A capacidade de adaptação revela não apenas a força da economia local, mas também a resiliência e criatividade dos empreendedores do Litoral Norte, que seguem apostando em um futuro mais sólido, mesmo em tempos incertos, na esperança de que a próxima temporada de verão seja lucrativa.

SAÚDE OCUPACIONAL n

Autuações trabalhistas em ritmos distintos no Vale do Sinos

Novo Hamburgo teve alta nas infrações, enquanto São Leopoldo reduziu ocorrências no último ano

TEXTO | BRUNA PEDROTTI FOTO | JOÃO MENDONÇA

n As autuações trabalhistas registradas pelo Ministério Público do Trabalho mostram um retrato da adaptação das empresas do Vale dos Sinos à nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). Em Novo Hamburgo, houve aumento de 33,3% nas infrações entre 2024 e 2025. Em São Leopoldo, a queda foi de 40% no mesmo período. As variações revelam ritmos diferentes de adequação, mas apontam para um desafio comum: incorporar a prevenção como prática contínua.

As infrações mais frequentes nos dois municípios seguem um padrão. Entre elas estão falhas na identificação de perigos, ausência de avaliação de riscos, Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) incompleto, falta de treinamentos obrigatórios e medidas preventivas inadequadas. Embora a norma tenha sido reformulada em 2020, esses pontos seguem entre os principais motivos de autuação, especialmente em setores metalmecânicos e de transformação.

Criada em 1978, a NR-1 estabelece diretrizes gerais da segurança e da saúde no trabalho e funciona como base para todas as demais normas. Com a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 1.419, de 26 de maio de 2025, passou a exigir que riscos psicossociais, como estresse, assédio, conflitos organizacionais e sobrecarga, sejam incluídos no PGR. A atualização acompanha o aumento dos afastamentos por transtornos mentais, que figuram entre as principais causas de licença médica no país.

Para o médico do trabalho André Castro, a mudança amplia o entendimento sobre prevenção. “É necessário fazer um raio-X completo dos perigos e transformá-lo em um plano de ação concreto”, afirma. Ele explica que considerar riscos psicossociais implica revisar práticas de liderança, cargas de trabalho e relações internas: “Treinar gestores para lidar com equipes de forma mais empática também faz parte da prevenção.”

n RITMOS DIFERENTES

Embora os dados indiquem comportamentos distintos entre os municípios, ambos registram dificuldades semelhantes. São

n Falhas na gestão de riscos e ausência de programas de prevenção lideram em infrações nos setores metal-mecânico e de transformação

Leopoldo, polo metalmecânico com histórico intenso de fiscalização, reduziu o número de autuações, o que pode indicar que ajustes feitos em ciclos anteriores surtiram efeito. Já Novo Hamburgo apresentou crescimento, sinalizando intensificação da fiscalização e maior registro de denúncias formais relacionadas à segurança e à saúde no trabalho. Mesmo com a queda em São Leopoldo, os dados reforçam que empresas da região ainda enfrentam obstáculos para cumprir itens básicos da norma, como avaliação contínua de riscos e registro formal

de medidas de controle. Falhas nesses processos afetam diretamente o cotidiano dos trabalhadores, que permanecem expostos a riscos desconhecidos e a ambientes com ergonomia insuficiente.

Entre as empresas que já incorporam práticas preventivas, a Infasul, de São Leopoldo, desenvolvia ações voltadas à saúde mental antes da obrigatoriedade imposta pela nova NR-1. O setor de Recursos Humanos informa que treinamentos sobre assédio, prevenção ao suicídio e promoção da saúde emocional são realizados periodicamente. A empresa

Há dificuldade para diferenciar riscos psicossociais profissionais e pessoais, e falta letramento sobre o tema entre gestores e empresários.”

Arthur Awad CEO

mantém atendimento psicológico on-line durante o expediente e uma Brigada de Emergência Psicossocial formada em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi). “Esse cuidado sempre fez parte da cultura da empresa”, explica Cristiane Faleiro, head de Recursos Humanos. “A nova NR-1 reforça a importância de olhar para a saúde mental como parte da segurança ocupacional”. Para especialistas da área de saúde ocupacional, essa postura ainda não é dominante entre as organizações. O CEO da Sant Saúde, Arthur Awad, avalia que muitas empresas adotaram uma posição de espera após a prorrogação das penalidades para 2026. “Há dificuldade para diferenciar riscos psicossociais profissionais e pessoais, e falta letramento sobre o tema entre gestores e empresários”, observa. Apesar disso, ele considera a norma um avanço. “A NR-1 reconhece que o adoecimento mental também é responsabilidade da organização. A verdadeira mudança ocorre quando os líderes enxergam isso como um dever de respeito, não apenas uma obrigação legal”, complementa.

O desafio, afirmam os especialistas, está em construir uma cultura que ultrapasse treinamentos pontuais. Indicadores como acidentes, afastamentos, satisfação dos trabalhadores e cumprimento de planos de ação precisam ser monitorados de forma contínua. A ausência desse acompanhamento provoca lacunas que afetam diretamente a segurança e o bem-estar dentro das empresas. A expectativa é que tecnologias de monitoramento, teleatendimento psicológico e plataformas digitais ganhem espaço, permitindo que as empresas antecipem riscos e fortaleçam políticas preventivas. O uso de dados tende a integrar as decisões sobre pessoas, processos e produtividade, criando uma abordagem mais estruturada de prevenção. Mais do que cumprir uma exigência normativa, a NR-1 propõe repensar o papel das organizações na promoção da saúde integral. A prevenção deixa de ser apenas uma obrigação legal e passa a compor a cultura empresarial, com impacto direto no bem-estar e na sustentabilidade das relações de trabalho.

Cultura Y2K

nNos últimos anos, um fenômeno curioso tem se intensificado: o retorno das décadas passadas como fonte de inspiração para filmes, séries e comportamentos culturais. Se, nas décadas de 1980 e 1990, o olhar nostálgico se voltava para os anos 80, agora é a vez dos anos 2000, que estão nas telas, nos palcos e até mesmo nos hábitos sociais. Este resgate é um movimento de revisitação e reinvenção de uma época que foi palco de profundas transformações culturais e tecnológicas.

Mas o que nos atrai nos anos 2000? Esse período, que marcou a transição do analógico para o digital, o início da popularização da internet e o crescimento das plataformas de mídia, foi um divisor de águas. A explosão da música pop, os reality shows e as séries voltadas para a juventude definiram uma geração. A moda da época, com calças de cintura baixa e estampas de animais, refletia uma era que já parecia futurista em seu presente. Hoje, longe da confusão do excesso de informações atuais, os anos 2000 ganham um novo significado, mais reflexivo.

O que filmes e séries de hoje resgatam dos anos 2000 é, em grande parte, a estética visual e as referências nostálgicas. As produções atuais buscam inspiração em elementos dessa década, como o escapismo, a busca por identidade e a exploração de mundos paralelos que pareciam mais simples, mas que, na realidade, já traziam os dilemas atuais de tecnologia, inclusão e saúde mental.

Na música, a retomada dos anos 2000 é ainda mais visível. Artistas como Britney Spears e Beyoncé, que dominaram as paradas de sucesso, são revisitados em remixes e novas interpretações. As plataformas de streaming,

com seus algoritmos cada vez mais precisos, têm contribuído para que essas músicas se tornem populares novamente, criando um ciclo de reverência e reinterpretação entre as gerações mais jovens.

O aspecto mais fascinante dessa ressurreição talvez seja o comportamento gerado por esse resgate cultural. Em uma era dominada pela velocidade das redes sociais e da internet, muitos encontram nos anos 2000 uma forma de desconstruir e reinterpretar o presente. Em tempos de incerteza e rápidas mudanças, parece que há uma busca por ancorar-se em um passado recente, um período em que, apesar de suas questões, havia uma sensação de novidade e de descobertas iminentes. Hoje, muitos jovens se veem imersos em uma realidade que, em vários aspectos, carece da mesma inquietação esperançosa que marcou os anos 2000.

Esse movimento de revisitação cultural das décadas passadas não é algo novo. Nos anos 2000, assistimos a um revival dos anos 80, e, agora, a nostalgia da década de 2000 reflete a necessidade de redefinir o presente com um olhar para o passado recente, muitas vezes idealizado.

A cultura é um campo dinâmico, e cada época, cada década, reverbera de uma maneira singular. O resgate dos anos 2000 não é um mero capricho, mas uma forma de reorganizar identidades culturais e artísticas, uma maneira de entender como o passado recente ainda influencia e até modela o futuro. O retorno a essa década, tão presente na música, nos filmes, nas séries e na moda, revela nossa necessidade de entender o presente e de reimaginar o futuro com base nas lições e estéticas que, por vezes, nunca fomos capazes de deixar para trás.

Sessentenário da Globo apresenta altos e baixos

BÁRBARA NEVES

n Em 2025 a TV Globo celebrou 60 anos no ar. Desde o início do ano foram exibidos programas especiais para comemorar a data. Em janeiro estreou a 25ª temporada do Big Brother Brasil. Com chamadas que prometiam uma grande edição, o que se viu no ar foi mais um fracasso de audiência e repercussão. O reality com maior saldo positivo foi o culinário Chefe de Alto Nível, que está garantido para 2026. Já a segunda temporada do Estrela da Casa conseguiu ser mais apagada que a primeira. Mas apesar da falta de audiência e repercussão, a terceira edição foi confirmada. Em março, estreou a maior aposta da Globo para o ano do seu 60º aniversário: o remake de Vale Tudo A novela foi marcada por grandes oscilações, mas manteve a audiência e gerou enorme repercussão nas redes sociais. Os destaques positivos vão para as atuações de Alexandre Nero, Malu Galli, Belize Pombal, Debora Bloch e Taís Araújo. Essa última, além de protagonista da história, também foi o principal nome envolvido nas polêmicas que marcaram a reta final da narrativa. Os pontos negativos centraram-se nas mudanças feitas pela autora, Manuela Dias, e no apagamento que ela gerou na Raquel, vivida por Taís. As reprises de História de Amor e A Viagem provaram que o público sente

falta de tramas leves e espíritas, respectivamente. Algo quase em extinção na teledramaturgia atual.

No mês de abril, que marcou o aniversário da emissora, houve 60 horas de conteúdos especiais. O Jornal Nacional foi produzido ao vivo na casa de telespectadores. O saudoso Vídeo Show voltou ao ar em uma edição especial, assim como o Video Game. A série documental Glória foi a minha estreia favorita. Com depoimentos de jornalistas negras de diversas emissoras e de familiares de Glória Maria, a narrativa é um prato cheio para quem estuda comunicação. As comemorações encerraram com um grande show reunindo atores e cantores que encenaram musicais sobre as grandes produções da casa ao longo do tempo. O destaque ficou para a esquete do encontro das vilãs. Entre elas: Nazaré, Carminha e Raquel.

Já no mês de junho foi ao ar um especial sobre os 100 anos do grupo Globo. Com Tony Ramos interpretando Roberto Marinho, a minissérie mostrou os bastidores das notícias que marcaram a história do jornal O Globo É um material jornalístico muito rico, apesar da chapa-branca e de depoimentos problemáticos do presidente do grupo, João Roberto Marinho. O sessentenário da emissora teve altos e baixos, mas nada a ponto de abalar aquela que é uma das maiores redes de tv do mundo e que lidera com folga sem se preocupar com concorrência.

Obras brasileiras retomam salas de cinema internacionais

n A ascensão recente do cinema brasileiro no cenário internacional não é um fenômeno isolado, mas sim fruto do reconhecimento do olhar latino em criações e representações de histórias. Após anos marcados por incertezas, o audiovisual nacional volta a ocupar espaços relevantes em festivais, críticas e circuitos estrangeiros. Esse crescimento surge de um processo que vem se consolidando com força autoral, e não pode ser resumido a um ou

nMARIA

Fundado em 2012 por Lucas Repullo, publicitário e designer, o Monkeybuzz nasceu com o propósito de unir novidades musicais com aquilo que já conhecemos e gostamos (as sugestões de um “macaco velho”). Em seus 13 anos de jornada, atuando de forma independente, a plataforma jornalística ganhou notoriedade, contando com dezenas de jorna-

dois filmes de sucesso.

Primeiramente, o cinema brasileiro nunca deixou de ser forte ou relevante. Suas obras marcaram gerações e moldaram a imagem do país no exterior. A diferença é que agora essa força voltou a ser percebida além das nossas fronteiras e o público estrangeiro reencontra o Brasil nas telas. Se antes eram poucos os títulos que ultrapassavam barreiras culturais, hoje há uma diversidade de filmes que reconecta o país ao cinema global. Obras como Ainda estou aqui

e Agente Secreto são apenas o lado mais visível desse movimento, mas não devem ser tratados como exceção. Estas obras são exemplos de que o Brasil voltou ao cenário internacional com vontade. O fato de esses filmes alcançarem os telões fora de nosso país indica que existe demanda global por narrativas nacionais.

O documentário Pictures of Ghosts (2023), de Kleber Mendonça Filho, foi selecionado para exibição no Festival de Cannes, na seção “Special Screenings”. A obra revisita com intimidade

a memória afetiva de Recife e de seus antigos cinemas, combinando história pessoal e coletiva. Outro exemplo é Cidade;Campo (2024), de Juliana Rojas, que estreou no Festival de Berlim, na seção de “Encounters”, e garantiu o prêmio de Melhor Direção nessa mostra. O reconhecimento em Cannes e em Berlim mostra que há espaço para o Brasil compartilhar sua identidade e história por meio do cinema. Além disso, o contexto internacional favorece uma reconfiguração da identidade do cinema

Chega ao fim o Monkeybuzz

listas colaboradores que puderam entrevistar grandes músicos, realizando eventos e cativando uma legião de leitores. O Monkeybuzz chegou a, inclusive, promover shows como Badbadnotgood com participação de Arthur Verocai, Cigarettes after Sex e diversos outros.

O anúncio de encerramento foi publicado no próprio site, que ainda permanecerá no ar. O objetivo é manter um arquivo, das

notícias, resenhas, reportagens, entrevistas e todo o acervo, para o acesso livre de fãs, jornalistas, pesquisadores e público em geral. A opção por encerrar suas atividades se justifica pelas mudanças que ocorreram no meio cultural e jornalístico entre a década de 2010 e a atualidade. Segundo o fundador, Lucas, “escrever sobre música é investigar por que certas coisas ressoam e outras não. Essa pergunta continua, mas quem a

faz mudou, assim como mudaram as formas de investigá-la.” Além disso, as dificuldades de se manter uma plataforma jornalística independente ressoam. Sem ligação com grandes negócios de imprensa e espaços publicitários, o Monkeybuzz se mantinha, principalmente, através do apoio coletivo dos leitores. O fim dessa era pode soar desanimador para amantes de música e aspirantes do jornalismo

nacional. Enquanto indústrias tradicionais enfrentam saturação de franquias e crises financeiras, o cinema do Sul Global ganha destaque por sua originalidade. Essa visibilidade do cinema brasileiro não é acaso, mas consequência de uma produção que constantemente se reinventa. A presença crescente em festivais e salas internacionais confirmam que a criatividade do brasileiro é merecedora de ir além das nossas fronteiras. O Brasil está retomando seu papel de protagonista e torcemos para permanecer.

independente, mas também representam 13 anos de trabalho que deixaram uma marca no jornalismo e na cultura brasileira. Entre entrevistas com novos talentos da música popular brasileira até análise de como ritmos árabes e funk se juntaram, o acervo Monkeybuzz há de servir como fonte e inspiração para novas gerações que ainda acreditam no poder da união entre a escrita e a música.

Arte e inteligência artificial se unem para recontar histórias

Exposição “Naturezas Desviantes”, da artista Giselle Beiguelman, é destaque da cena cultural de Porto Alegre

nCapaz de unir arte, ciência e tecnologia, a mostra “Naturezas Desviantes”, apresentada no Margs até o dia 30 de novembro, propõe uma reflexão sobre como o avanço digital, o colonialismo e o olhar científico definem a relação das pessoas com o meio ambiente e com os corpos marginalizados.

Dividida em três núcleos, a exposição explora diferentes dimensões desse diálogo entre natureza e tecnologia. Em “Beleza Corrosiva”, Giselle Beiguelman aborda os impactos ambientais das tecnologias digitais, criando imagens através da inteligência artificial de um futuro distópico em que rios e ecossistemas são tomados por lixo eletrônico. Conforme relatório da ONU, o mundo gerou 62 milhões de toneladas de lixo eletrônico em 2022. A artista ilustra este acontecimento através de uma paisagem em que a natureza tenta sobreviver em meio ao colapso tecnológico.

Já em “Botannica Tirannica”, a artista revela o caráter político e discriminatório presente na linguagem científica. A partir da

n EXPOSIÇÃO

n Série revisita o passado com uma visão crítica e questiona preconceitos negligenciados na botânica

pesquisa de nomes populares de plantas, como “judeu-errante”, “bunda-de-mulata” e “chá-de-bugre”, Giselle mostra como o racismo, o sexismo e o colonialismo se infiltraram na taxonomia botânica, perpetuando estigmas

contra mulheres, pessoas negras, indígenas e outros grupos marginalizados. Valendo-se da inteligência artificial, ela cria novas espécies de plantas com nomenclaturas científicas libertas dessas marcas de preconceito.

A visitante da exposição, Kimberly Fernandes, 28 anos, reforça que as mulheres são constantemente diminuídas, situação que se reflete, inclusive,

MACRS impulsiona o olhar contemporâneo da capital

n O Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS) vem se firmando como um dos principais espaços dedicados à arte contemporânea. Em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura (SEDAC), o museu atua na preservação da produção artística brasileira, regional e estrangeira, com foco em diversidade, representatividade e linguagem acessível.

Inaugurado em 1992, o MACRS reúne cerca de 2 mil obras em seu acervo, entre pinturas, esculturas, fotografia e experiências sensoriais. O museu também promove visitas guiadas e ativi-

dades educativas destinadas a escolas e universidades.

De acordo com a diretora Adriana Boff, o espaço busca ser um ambiente de diálogo e acolhimento. “Nosso objetivo é que o público se sinta parte desse processo de criação e reflexão. Nosso time é treinado para a melhor recepção possível”, afirma. O curador Raphael Fonseca explica que a escolha das obras se dá não apenas pelo valor estético, mas também pelo contexto social e político de cada produção. “As obras provocam o olhar e desafiam o visitante a pensar.

A arte está totalmente ligada a espectros sociológicos da nossa realidade, pois toda forma de

arte é política”, destaca. O museu recebe, em média, 75 mil visitantes por ano e seu público-alvo é diversificado e plural. A estudante de design Luiza Tavares, 22 anos, conta que visita o museu pela inspiração que encontra nas exibições. “Cada exposição traz um olhar novo. Saio daqui sempre com inspirações e reflexões”, comenta. A Associação dos Amigos do MACRS (AMACRS), organização sem fins lucrativos, auxilia na manutenção, divulgação e ampliação das atividades do museu. Para a presidente Maria Fernanda de Lima Santin, o envolvimento da comunidade é essencial. “O museu pertence à

na nomenclatura de plantas. “Na verdade, esse tipo de preconceito está em todo o lugar, então a exposição e todo esse olhar para o problema são muito necessários”, destaca.

O núcleo da exposição intitulado “Venenosas, Nocivas e Suspeitas” recupera a trajetória de mulheres botânicas esquecidas e questiona como o conhecimento feminino foi apagado ao longo da história da ciência. Por meio de imagens geradas por IA, o rosto destas pesquisadoras é ilustrado de forma a se misturar ao ambiente natural em que suas descobertas foram realizadas. Uma dessas mulheres foi Luzia Pinta, escravizada quando criança. Ao comprar sua alforria, ela iniciou rituais coletivos com funções terapêuticas, produzindo remédios com raízes de pau-santo e abútua. “Queria que Luzia fosse altiva, como as outras mulheres desta exposição, mas que também carregasse as dores que lhe foram impostas. Demorei para chegar a uma imagem que a homenageasse. Os dados hegemônicos são de mulheres brancas, jovens, cada vez mais contaminadas pelos

filtros”, argumenta Giselle em sua exposição. A obra também expõe plantas associadas ao feminino criminalizadas ao longo da história e interpretadas como ameaças, como a pimenta-malagueta, utilizada por mulheres indígenas para tratar problemas de saúde. Mais tarde, no período colonial, esse tipo de pimenta foi desprezado pelos europeus por ser considerada “primitiva”.

Mais do que uma exposição de arte contemporânea, “Naturezas Desviantes” se destaca por trazer à tona questões urgentes como o uso ético da inteligência artificial, a crise ambiental e a revisão de narrativas históricas. “A IA não é neutra, ela carrega nossos filtros, nossos apagamentos e nossos imaginários. Contudo, por ter um gigantesco acervo de dados (apropriado, muitas vezes indevidamente), ela nos permite também imaginar os arquivos contra-hegemônicos que não existem”, destaca Giselle. A mostra convida o público a contrapor passado, presente e futuro – tudo isso em um dos espaços culturais mais relevantes de Porto Alegre.

n Através de exibições os visitantes redefinem o olhar sobre a cidade

população. Cada visita ajuda a manter viva a arte no Estado”, afirma. Por meio de suas exposições, o MACRS se projeta como espaço ativo no processo de desenvolvimento contemporâneo da cidade. “Se através das exposições o olhar do público sobre determinado tema é revigorado, cumprimos nosso papel”, destaca Adriana Boff. Contribuindo para a reflexão e pluralidade cultural,

o MACRS amplia o olhar do público sobre o Rio Grande do Sul, reafirmando a arte como espaço de diálogo, pertencimento e aprendizado.

O Museu de Arte Contemporânea do RS (MACRS) está localizado na Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736, Porto Alegre) e recebe visitantes de terça a domingo, das 10h às 18h. Mais informações em www.macrs.rs.gov.br.

TEXTO E FOTO | BEATRIZ SCHLEINIGER
TEXTO E FOTO | ARTHUR MAYER

MÚSICA NO PARQUE

Por trás da trilha sonora do Brique da Redenção

Entre os diversos estandes de produtos, artistas de rua compartilham sua arte musical semanalmente

nQuem passa próximo à Avenida José Bonifácio aos domingos, em Porto Alegre, tem a oportunidade de experimentar um espaço reconhecido legalmente como patrimônio cultural do Rio Grande do Sul. O Brique da Redenção, feira que ocorre semanalmente desde 1978, reúne cerca de 300 expositores, que ofertam diferentes tipos de produtos. Mas, diferente do que muitos pensam, o local não se resume apenas ao consumo: com variadas formas de arte, desde o artesanato até as antiguidades, a música e os artistas de rua se destacam.

Segundo pesquisas do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), grande parte dessas pessoas desempenhavam um trabalho formal antes da decisão de apresentar sua arte na rua. A motivação dessa escolha seria o poder transformador da música nesses ambientes. Durante a visitação à feira, é fácil notar a presença de Maurício Colina, musicista e compositor que compartilha

seu trabalho no Brique desde 2023. O estudante de música da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) compreende a importância da musicalidade no cotidiano das pessoas. “Tocar

na rua tem disso: o público é diferente, gente de diversos pensamentos e gostos musicais. Eu tento apresentar um repertório que procure alcançar esse pessoal diversificado”, comenta.

Barra do Ribeiro redescobre sua identidade nas águas do Guaíba n VELEJAÇO

TEXTO

E ANANDA APOLINARIO

FOTO | ANANDA APOLINARIO

nSituada às margens do Guaíba, a cidade de Barra do Ribeiro está inserida no calendário da vela e promove, anualmente, o “Velejaço Solidário”, evento que tem como objetivo fortalecer o turismo, mas enfrenta desafios em torno da navegabilidade do rio. Mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo assoreamento, caracterizado pelo acúmulo de sedimentos que se depositam às margens do Guaíba, a Barra do Ribeiro mantém viva a tradição náutica do município. O “Velejaço Solidário” une o espírito da

vela à solidariedade e tem o intuito de ajudar famílias em situação de vulnerabilidade. O evento, que acontece desde 2021, beneficia mais de 100 famílias por edição através da doação de roupas e alimentos.

A navegabilidade é a base do turismo náutico e da realização do “Velejaço”, que reuniu cerca de 40 embarcações na edição de 2025, realizada no dia 25 de outubro. Segundo o diretor geral da Secretaria de Turismo Desporto e Lazer da Barra do Ribeiro, Guilherme Papke Machado, “a preservação dos rios e arroios garante a segurança das embarcações, mas também a continuidade da vida aquática e o equilíbrio ambiental”.

Na avaliação de Guilherme, a

comunidade náutica barrense está consciente sobre a importância das ações ambientais. “Clubes, velejadores e entidades náuticas possuem um papel ativo na preservação dos rios e lagoas, pois são eles que vivenciam, diariamente, os efeitos da poluição e do assoreamento”, argumenta.

A relação da cidade com o rio, que sustenta o turismo e esportes náuticos, também traz desafios. Segundo o Diretor do Departamento de Hidrovias, Autorizações e Outorgadas, Reinaldo Gambim, a “Barra do Ribeiro está mais suscetível a inundações e à elevação dos níveis das águas, especialmente em períodos de chuvas intensas”. Segundo ele, nos momentos de

Em um espaço como o Brique da Redenção é perceptível a diversidade de gerações presentes, desde crianças até idosos, o que torna o gosto musical da audiência também variado.

Durante suas mostras, artistas como Maurício percebem quais gêneros, bandas e cantores abrangem o interesse da maior parte do público: “uma banda que chama a atenção de todo mundo quando toca: The Beatles. É impressionante. Vai das crianças aos adultos. É um negócio incrível. Uma banda que ainda consegue viver, e pelo jeito vai viver por muito tempo”, destaca.

Além dos visitantes, os trabalhadores também aproveitam e valorizam a trilha sonora apresentada. Juliana Tergolina, artesã expositora desde 2018, sempre se mantém atenta aos artistas e às canções apresentadas. “Tem alguns artistas que se sobressaem pelo carisma e pelo estilo que tocam. Música brasileira animada, MPB e samba são gêneros que animam o pessoal”, afirma.

O Brique da Redenção ocorre todos os domingos, na Avenida José Bonifácio, no bairro Bom Fim, das 8h às 17h. É possível acompanhar os expositores presentes e os produtos vendidos através das redes sociais da feira. A entrada é gratuita.

n Barco participa do “Velejaço Solidário” na Barra do Ribeiro, evento que arrecadou doações para moradores do município

fortes chuvas, rios e arroios ganham força e velocidade, aumentando a capacidade de transportar sedimentos. Quando a correnteza diminui, explica, esses materiais se acumulam, principalmente nos arroios que deságuam no Guaíba, o que dificulta o escoamento das águas. Essa questão não se limita à Barra do Ribeiro. Em todo o Rio

Grande do Sul, a profundidade dos canais influencia diretamente a navegação. No caso dos canais do Estado, é possível o acesso de embarcações com calado operacional de 5,18 a 17 metros em terminais como Guaíba, Porto Alegre, Rio Gravataí e Sinos, sendo a manutenção da dragagem desses terminais essenciais para a economia gaúcha.

n Maurício Colina é um dos artistas independentes que, aos domingos, se apresentam no Brique

GAÚCHAS EM PROSA n

Projeto destaca a literatura produzida no sul do país

Iniciativa criada em disciplina do curso de Jornalismo da Unisinos se transformou em programa autoral

nO projeto “Gaúchas em Prosa”, idealizado por um grupo de estudantes do curso de Jornalismo da Unisinos, ultrapassou os limites da sala de aula e tornou-se uma iniciativa independente, ganhando força dentro e fora da universidade. A proposta nasceu na disciplina de “Notícia em Audiovisual”, ministrada no primeiro semestre de 2025, e, hoje, se consolida como um espaço de diálogo sobre literatura, cultura e protagonismo feminino nas plataformas Instragram e YouTube.

Segundo a estudante Maria Victoria, a proposta surgiu durante uma atividade avaliativa que instigou a turma a produzir um telejornal inovador. “Uma colega sugeriu fazer um quadro sobre jornalismo literário. Na hora, pensei: como nunca associei literatura e jornalismo antes? A disciplina nos forçou a tirar a ideia do papel, mas quando vimos o resultado, percebemos que tinha potencial para continuar”, relembra. O grupo enfrentou os desafios

n PÃO DOS POBRES

n Jornalista e escritor Márcio Pinheiro foi o convidado da segunda edição do projeto Gaúchas em Prosa

típicos de quem concilia estudo, trabalho e projetos autorais. Mesmo assim, a dedicação coletiva transformou a proposta em algo concreto. “Mandamos e-mails, reservamos o estúdio de TV, organizamos as agendas e, quando percebemos, já estávamos gravando a primeira entrevista”, relata a apresentadora Maria Victoria. Para o coordenador do curso de

Jornalismo da Unisinos, professor Daniel Feix, ver o projeto florescer é motivo de orgulho. Ele destaca que o “Gaúchas em Prosa” representa o tipo de iniciativa que a universidade busca incentivar. “Fico muito orgulhoso de ver um trabalho nascer em sala de aula e se expandir para fora dela. O verdadeiro aprendizado acontece quando as experiências transcendem o ambiente acadêmi-

co. O curso dá a base técnica e ética, mas o aluno precisa desenvolver na prática improvisando, reagindo e experimentando”, explica.

Daniel ainda destaca que o curso reformulou o portal Beta Redação para abrigar produções autorais como o “Gaúchas em Prosa”, fortalecendo o vínculo entre prática e formação. “A escolha de abordar literatura e vozes femininas é valiosa. Em tempos de superficialidade nas redes, ver um grupo se aprofundando em temas relevantes nos enche de orgulho”, completa.

A professora Mariana Oselame, que acompanhou o grupo na disciplina que deu origem ao projeto, enfatiza o caráter inovador da iniciativa e o espírito empreendedor das alunas. “O que mais me orgulha é ver o grupo criar algo autoral, colocar uma ideia em circulação e fazer com que ela ganhe vida fora da universidade. Hoje, o mercado exige essa atitude empreendedora de criar as próprias oportunidades e não esperar que elas apareçam ou caiam do céu”, afirma.

Para Mariana, o “Gaúchas em Prosa” cumpre um papel formativo

essencial ao conectar teoria e prática, além de promover um olhar sensível sobre literatura e cultura. “Falar sobre leitura e dar espaço a autoras é um gesto de resistência e ampliação de repertório. Esse tipo de vivência torna as estudantes mais completas e com mais conteúdo e experiência”, conclui. Recém integrada à equipe, a produtora Lívia Souza acredita que o “Gaúchas em Prosa” tem um papel fundamental dentro e fora da Unisinos. “É uma experiência única. Falamos sobre assuntos pouco explorados no cotidiano e damos visibilidade a artistas locais e suas obras. É essencial abrir espaço para as mulheres na literatura e inspirar outras a contarem as suas histórias”, destaca.

Mais do que um exercício acadêmico, o “Gaúchas em Prosa” tornou-se símbolo de como o jornalismo pode unir cultura, propósito e protagonismo. Com novas gravações agendadas e mais de 130 seguidores nas redes, o grupo pretende seguir levando o projeto adiante e expandi-lo para outras plataformas.

Formato de inscrições para cursos profissionalizantes é alterado

TEXTO | EDUARDO LAMA

E MATHEUS SOFIA

FOTO | MATHEUS SOFIA

Motivado pela alta demanda de profissionais para as empresas parceiras, o Pão dos Pobres alterou o formato de inscrições para os seus 11 cursos profissionalizantes. O novo formulário está disponível na biografia do Instagram e no site da instituição.

Jovens entre 14 e 24 anos, regularmente matriculados ou que já tenham finalizado o ensino médio, estão aptos a se candidatar. A instituição privilegia o acesso de alunos de baixa renda aos cursos ofertados, todos com duração de 1 ano, alternando entre aulas práticas e teóricas.

“Como nem todos os alunos estão presentes nos mesmos dias, é preciso equilibrar o andamento

da matéria. Dos 12 alunos que tenho em sala, apenas três permanecem no curso durante o dia, enquanto os demais estão nas empresas”, destaca o professor do curso de refrigeração e climatização, Renan Silva, 37 anos. Segundo a aluna do curso de refrigeração e climatização, Jovanna Martins, 18 anos, quando os alunos chegam nas empresas parceiras para colocar em prática o que aprenderam nas aulas teóricas, um funcionário acompanha o jovem para explicar o funcionamento do setor e contar a história da organização.

“Cada estudante tem uma madrinha, funcionária da empresa responsável por orientar e ensinar quando chegamos nos locais de estágio”, destaca.

Moradora do bairro Restinga, em Porto Alegre, Jovanna

realiza o seu segundo curso profissionalizante no Pão dos Pobres. Ela conheceu o projeto por meio de um amigo, cujo tio é professor na instituição, e explica que o processo de seleção envolve uma entrevista com a coordenadora de aprendizagem do projeto.

Além dos cursos profissionalizantes, o Pão dos Pobres oferece projeto de acolhimento institucional, que tem por finalidade amparar jovens e crianças que tiveram seus direitos violados e, por decisão judicial, foram afastadas das famílias e direcionadas para a instituição.

O projeto conta com oito casas de acolhimento para que os jovens tenham garantido acesso a serviços de saúde, educação, moradia, profissionalização e convivência familiar, previstos no

n Grupo de jovens aprendizes do curso de refrigeração e climatização junto com a coordenadora de aprendizagem Lisiane Botelho

ECA e na Constituição Federal, por meio das políticas públicas e das parcerias firmadas com o setor privado e sociedade civil. As crianças e adolescentes amparadas pelo Pão dos Pobres também recebem acompanhamento psicológico, pedagógico e assistência social, conforme salienta a coordenadora Lisiane Botelho. “As crianças chegam aqui por motivos variados: maus-tratos, abuso e envolvimento familiar com o tráfico”,

destaca, ao reafirmar a relevância do projeto para a garantia dos direitos fundamentais dos jovens acolhidos.

A instituição, sediada no bairro Cidade Baixa, conta com uma sede no bairro Restinga e prevê ampliar a oferta dos seus cursos para a sua nova sede localizada na cidade de Canoas.

Interessados nos cursos profissionalizantes podem acessar o serviço através do perfil fundacaopaodosprobres no Instagram.

Capitólio reúne gerações de cinéfilos em Porto Alegre

Com programação diversificada e acessível, Cinemateca fomenta o resgate do cinema de rua na capital

n A Cinemateca Capitólio, localizada no Centro de Porto Alegre, reúne diariamente um público eclético, de faixa etária variável. Unidos pela cinefilia, os espectadores frequentam as três sessões diárias da cinemateca. Os jovens interessados podem filiar-se ao Clube do Filme, projeto gratuito e semanal, para se familiarizarem com a linguagem audiovisual. Aos demais, é possível usufruir de um cinema interativo, por vezes acompanhado de debates e análises fílmicas. Independentemente da faixa etária, o espaço contempla diferentes interesses e democratiza o contato cinematográfico, inaugurando um movimento de valorização do cinema popular.

As filas que ultrapassam os limites do prédio evidenciam a intensa movimentação em sessões especiais. Dona Rose Nascimento, 50 anos, é recepcionista da cinemateca e explica que as sessões de sábado à noite costumam ser as mais aclamadas. As projeções especiais, dentre as quais ressalta a recente mostra de filmes de terror, Fantaspoa, também costumam ser responsáveis pelo alcance do quórum máximo da sala de cinema.

Membro da Associação de Amigos e Amigas da Cinemateca Capitólio (AMICCA), Luiz Antonio Grassi é antigo frequentador da cinemateca. Relata que o espaço enfrentou desafios ao longo da reforma– finalizada em 2015–, a qual antecedeu um período de estagnação e, inclusive, propostas de privatização. No entanto, desde sua reabertura, a cinemateca permanece ativa e gerida pela Secretaria de Cultura, bem como pela Prefeitura Municipal. Nos dois anos subsequentes à reabertura do prédio, o Capitólio não possuía projeção digital, fator que impedia a exibição de estreias, e, por isso, limitava a programação à reexibição de películas antigas. Somente em 2017, com esse acréscimo, a cinemateca pôde desenvolver sua identidade de curadoria e multiplicar suas ofertas. Hoje, mantém uma média de público estável, de aproximadamente 30 pessoas por sessão– número que pode triplicar em exibições especiais.

n Cinemateca Capitólio, referência cultural de Porto Alegre, resgata o cinema de rua na capital

Qualquer filme pode suscitar reflexões. Há filmes mais populares que geraram estudos muito complexos e foram importantes ao pensamento de sua época.”

Leonardo Bomfim Curador da Cinemateca Capitólio

A cinemateca oferece produções diversas e, assim, mescla lançamentos inéditos com filmes restaurados, oferecidos pelas distribuidoras. Segundo o curador Leonardo Bomfim, a escolha dos filmes preza pela exclusividade da programação. A partir da curadoria, filmes em cartaz nos demais cinemas da cidade são evitados, com o intuito de que a capital possa abarcar concomitantemente todas as grandes

estreias do mercado. Ele alerta para a necessidade de dissolver a dicotomia, historicamente arraigada, entre um cinema artístico e um cinema comercial: ambas as características misturam-se em uma mesma obra. “Qualquer filme pode suscitar reflexões. Há filmes mais populares que geraram estudos muito complexos e foram importantes ao pensamento de sua época”, relata.

Com frequência, as sessões são acompanhadas de uma introdução realizada pelo curador, que contextualiza o período histórico de produção do filme e aponta as peculiaridades de direção. Semanalmente, são organizados debates após a exposição do filme, nos quais profissionais e público discutem os pontos de relevância na obra recém-assistida e, juntos, efetuam apontamentos sobre ela. São oportunizadas também, sempre no primeiro final de semana do mês, projeções de filmes infantis, em um projeto denominado “Sessão Vagalume”, destinado ao contato das crianças com o

cinema desde cedo. O Clube do Filme também representa um importante diferencial da cinemateca. Às quartas-feiras, das 18h às 20h, jovens de 15 a 21 anos reúnem-se, sob a coordenação de Juliana Costa, Leonardo Bomfim e Marcus Mello, para um projeto de alfabetização audiovisual. As reuniões são fluidas e dinâmicas. São doze os membros, número que pode oscilar, conforme Juliana. O projeto está, atualmente, em seu terceiro semestre de atuação, desde seu início, no ano passado. Durante os encontros, os adolescentes partilham as experiências cinematográficas recentes e debatem sobre as programações da cidade. Algumas cenas de obras culturalmente paradigmáticas são exibidas, com o intuito de instigá-los a aprender sobre a técnica a elas atrelada, bem como de assistirem ao filme na íntegra. Distante de uma aula expositiva, o Clube é um espaço lúdico, que, pautado na mistura entre cultura e entretenimento, fornece à juventude

cinéfila fontes enriquecedoras. A coordenadora Juliana comenta que gostaria de transmitir como legado ao jovem que deixa o Clube o interesse e o contato com o cinema, para além das plataformas de streaming. Guilherme, 15 anos, frequenta o Clube há um ano e meio. É membro desde o início do projeto. Decidiu ingressar porque, nesse mesmo período, passou a assistir a mais filmes e a procurar o consumo dessas mídias de forma autônoma. Segundo ele, o cinema simboliza uma forma de externalização dos sentimentos e o Capitólio, em sua perspectiva, é um importante espaço nessa construção individual. Espectador assíduo, costuma assistir a três filmes por semana, em casa, e dirigir-se ao Capitólio, ao menos, semanalmente. Na ótica de Guilherme, “Criar um espaço de valor acessível, com uma comunidade boa, que introduza os filmes para outras pessoas e que dê espaço para filmes novos e restaurados é inestimável. É uma comunidade da arte”, finaliza.

Uma legião de despercebidos

F3 2025: A Temporada que Redefiniu o Caminho para a F1

JOÃO PEDRO

n

A Fórmula 3 é uma categoria de competição do automobilismo. Os vários campeonatos realizados ao redor do mundo formam um passo importante para diversos jovens pilotos. A modalidade foi adotada pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo) na década de 1950 sob o nome de Fórmula Júnior. Ela tem sido tradicionalmente considerada como o primeiro grande passo para a Fórmula 1, sendo uma de suas principais categorias de acesso.

A temporada de 2025 foi composta por 10 etapas que acompanharam os finais de semana da F1. Os jovens pilotos visitaram circuitos lendários como Melbourne, Bahrein, Mônaco, Spa e Monza.

A temporada desse ano contou com uma novidade no grid: a equipe DAMS, tradicional na F2, que completou o grid de dez equipes, com três carros cada, totalizando 30 pilotos. Entre os destaques, estavam nomes como o do brasileiro Rafael Câmara, da equipe Trident, que viveu um ano espetacular, e jovens promessas novas em times fortes como a Prema e a Campos Racing.

Câmara dominou grande parte da

temporada. Ele venceu a principal corrida Feature, que é uma prova praticada nas categorias da F1 e F2 para os pilotos terem a oportunidade de se preparar para as corridas principais. Rafael Câmara ainda venceu a etapa de abertura em Melbourne no dia 15 de março, conquistou mais triunfos em Bahrein, Barcelona e Budapeste, e assegurou o título de pilotos com uma rodada de antecedência, algo inédito na F3.

No campeonato de equipes, a Campos Racing brilhou. Graças aos grandes desempenhos de seus pilotos Nikola Tsolov e Mari Boya, a equipe conseguiu o seu primeiro título por equipes.

A temporada de 2025 assim como as outras, tem uma importância cada vez mais relevante, pois ela funciona como uma ponte para a Fórmula 2 e subsequente a Fórmula 1. Vários pilotos hoje presentes no grid da F1 passaram e foram campeões da F3, como o brasileiro Gabriel Bortoletto.

A temporada mostrou que o Brasil está bem representado para o futuro, com Rafael Câmara que surge como um piloto de destaque e mostrando sua dominância dentro das pistas.

nBEATRIZ CARVALHO

n Hoje havia um homem deitado, dormindo, no banco da parada onde eu pego meu ônibus, com os pés descalços e o rosto sujo. Ao pé de uma árvore do Parcão, havia outro, com um cobertor fino que o cobria até a cabeça; a luz do sol devia estar incomodando. Na rua 24 de Outubro, uma idosa sentada na frente de um prédio comercial pedia “qualquer moedinha, minha filha”. Perto de onde eu trabalho, uma mulher dorme sobre a floreira de um prédio há tanto tempo que já se tornou amiga do dono do mercadinho da frente, que sempre lhe oferece um cafezinho. Como se fossem apenas mais um elemento do cenário urbano, uma pessoa após a outra passa, olha e segue seu caminho. Acostumados à realidade de que tantas pessoas dormem no chão da cidade onde vivem, seguem depressa para o seu destino: o trabalho, a casa, a cafeteria do outro lado da rua para encontrar um amigo, a farmácia para comprar algo de que talvez nem se precise tanto assim. Quantas opções de lugares todos os dias, quantas escolhas, quanta liberdade para entrar e sair de um shopping, de uma sorveteria ou de um ônibus. Estranho pensar que existem pessoas por aí que não se sentem livres dessa forma. Tento imaginar viver uma vida sem as liberdades simples do dia a dia. Não poder escolher o que comer no café da manhã, a roupa que vai vestir, o que assistir na televisão, o que ler, onde dormir, a hora em que vai tomar banho. Ou se vai tomar banho. Autonomias tão automáticas que a oportunidade de ter acesso a elas passa despercebida. E, despercebidas, essas pessoas passam pelos nossos olhos. Olhar periférico, olhar central, olhar periférico, fora do campo de visão. Uma sequência de constatação, compreensão e esquecimento. Porto Alegre acordou hoje com mais de cinco mil pessoas dormindo sobre suas ruas, enquanto a cidade, eu e você corríamos para cumprir com a rotina.

O Mundo do UFC em 2025

LÍVIA BOAZ

O UFC anunciou um acordo de 7 anos com a Paramount, de US$ 7,7 bilhões, para que, a partir de 2026, todos os eventos principais (PPVs) e “Fight Nights” sejam transmitidos no Paramount+ e alguns numerados até no CBS.

Em relação ao seu crescimento financeiro, o TKO Group, que controla o UFC, reportou um desenvolvimento considerável e há uma aposta forte no Brasil como mercado estratégico. Isso mostra, que o evento segue em expansão comercial, não só nos Estados Unidos, mas globalmente.

O lutador Ilia Topuria teve um ano gigantesco. Ele conquistou o cinturão peso-leve ao nocautear Charles Oliveira no UFC 317. Com isso, tornou-se um dos poucos a conquistar títulos em duas categorias diferentes.

No ranking do desempenho individual de lutadores, foi o campeão peso-galo Merab Dvalishvili que ganhou destaque como “Lutador do Ano” em premiação da ESPN. Também teve lutas muito impactantes, como por exemplo, o nocaute de Topuria sobre Oliveira, que entrou em várias listas de “nocaute do meio do ano”.

A minha avaliação geral é a de que foi

um ano forte para crescimento estrutural, tanto no lado da mídia e tanto na estratégia esportiva. Parece que o UFC está consolidando sua posição de ser mais do que apenas “organizadora de lutas”: está virando também uma marca de entretenimento esportivo mais ampla.

DIVULGAÇÃO / UFC

16 n SEGURANÇA ESCOLAR

Quando o perigo nasce

Ameaça de ataques em Novo Hamburgo paralisou ensino em agosto, alertando a comunidade escolar e autoridades

n Na tarde de 7 de agosto de 2025, a tranquilidade das escolas de Novo Hamburgo foi rompida por uma mensagem que circulou pelos grupos de Whatsapp de pais e professores: uma ameaça de ataque. Pai de dois alunos do Colégio Sinodal da Paz, Antônio Carlos Oliveira comenta que, inicialmente, levou a ameaça com desconfiança. “Pensei que poderia ser um trote, mas depois me preocupei. Logo pensei nos meus filhos”, lembra. Mas logo ele e centenas de pais correram às escolas para buscar os filhos e as aulas foram suspensas pela prefeitura. Durante dois dias, o silêncio substituiu o som das crianças nos pátios das escolas hamburguenses. O ataque, felizmente, não foi efetivado. Segundo o relatório D3e - dados para um debate democrático na educação - ataques em escolas têm se tornado mais frequentes no Brasil desde 2022. Foram 27 casos desde então, correspondendo a 62% de ocorrências totais no século. Desse total, 78% dos autores de ataques eram menores de idade e apenas um era uma garota. No caso de Novo Hamburgo, as mensagens que continham as ameaças foram interceptadas na dark web - um ambiente virtual desconhecido pela maioria das pessoas, que se tornou mais próximo com o caso na região. “A dark web é como um submundo da internet, similar ao modo que todos usamos. Porém, ela não pode ser encontrada em mecanismos de busca tradicionais na web, como o Google ou Firefox”, explica o inspetor da Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo Yan Cavalheiro.

Segundo Michele Prado, assessora especial do Núcleo de Prevenção à Violência Extrema do Ministério Público do Rio Grande do Sul (Nupve-MPRS), desde 2022, uma combinação de fatores têm colaborado para o aumento de ataques e comportamentos violentos em jovens. “A internet tem papel central tanto na origem quanto na difusão desses atos, fornecendo narrativas, modelos e rituais que jovens podem imitar, se inspirar e principalmente, auto radicalizar”, afirma. Estudos do Núcleo apontam que a maioria dos recentes ataques exibiram, nas evidências deixadas pelas pegadas digitais dos agressores, indicadores de radicalização online. “Grupos se formam onde há afinidades compartilhadas sejam ideológicas, identitárias ou mesmo estéticas, e na exploração de vulnerabilidades pré-existentes”, esclarece Michele. “Esses discursos se proliferam com mais eficácia quando

há possibilidade de anonimato e moderação fraca por parte das plataformas digitais”.

Embora apareça em alguns casos, nem sempre é a dark web o principal ponto de contato entre adolescentes e grupos extremistas. “A porta de entrada costuma ser a internet costumeira que usamos. A dark web funciona mais como espaço de aprofundamento e coordenação para quem já está radicalizado violentamente e criminosos em geral”, explica. “Agentes maliciosos às vezes aliciam o usuário a partir de memes, subculturas on-line, chats de games, humor ácido, canais no YouTube, fóruns, que depois os levam a grupos fechados (Telegram, Discord) e, em casos mais avançados, a espaços mais anônimos”, conclui.

n PERIGO DIGITAL

A psicanalista e mestre em saúde coletiva Priscila de Melo afirma que os jovens são mais suscetíveis a con-

teúdos violentos na internet devido a fatores como: busca por aceitação identidade e pertencimento; solidão e isolamento social; ansiedades, incertezas e pouca esperança sobre o futuro; vínculos familiares frágeis ou deteriorados. “É comum que grupos extremistas explorem essas fragilidades dos jovens e ofereçam falsas soluções fáceis e simplórias para mitigar esses problemas, o que atrai o indivíduo”, explica Priscila.

A adolescência é o período da vida em que são formados a identidade, valores e personalidade do ser humano. “O contato contínuo com discurso de ódio interfere na construção de vínculos saudáveis e na capacidade de convivência, podendo comprometer o desenvolvimento emocional e social do adolescente”, pontua a psicóloga. Ela esclarece ainda que o fato de autores dos ataques serem majoritariamente garotos pode ser explicado pela exploração de ideias de masculinidade ba-

n A rotina escolar voltou ao normal, mas a preocupação dos pais e educadores permanece

seadas em ódio, força e superioridade. “Isso pode levar meninos e homens jovens a construírem uma identidade frágil, com uma infinidade de traumas e problemas não solucionados, uma necessidade de dominação, então recorrem a instrumentos como agressividade para lidar com problemas”, observa a psicanalista.

Priscila destaca que as redes sociais e a Internet são espaços tão reais na vida dos jovens quanto qualquer outro, e é nesses espaços que muitos adolescentes encontram acalento para suas dores, um ombro com quem desabafar e chorar, uma palavra amiga ou de acolhimento. “Para que comunidades extremistas usem disso para manejar estes jovens é um passo muito pequeno”, frisa.

n ROTINA ESCOLAR

Poucos dias após a ameaça de atentado que assombrou as escolas de Novo Hamburgo, a prefeitura anun-

ciou o Programa Escola investimento de R$ implementar medidas nos colégios municipais proposta prometia câmeras gência artificial, entrada botões de pânico, reforço Municipal e ações convivência e saúde Coordenado pela nicipal de Educação Secretaria Municipal Pública (SMSP), com prazos para a ações. No entanto, meses, a rotina dos mostra uma grande o discurso oficial chegou às instituições.

De acordo com EMEB Francisco bairro Canudos, Daniela nenhuma das ações implementada de não está acompanhando saídas, a verba extra e continuamos sem a zeladoria da escola”,

Na EMEB Ana Saúde, a diretora Cristiane compartilha uma situação projeto de construção de instalação de interfone foi aprovado, mas até agora. “Foi concluída das câmeras de segurança estratégicos, o que desde o ano passado. a Guarda Municipal imagens, mas não ma orientação de como comenta. Ela também carga da equipe diretiva: secretária em tempo nós que abrimos o telefone, recebemos ainda tentamos dar nossas atribuições, Já na EMEB Elvira no bairro Rondônia, começaram a aparecer. Franciele da Rosa cola estabeleceu um criterioso para a entrada e está realizando dos responsáveis pelos que o portão de entrada uma câmera de facial. Apesar disso, Guarda Municipal rondas foram intensificadas, há periodicidade definida. de emergência, temos WhatsApp no qual auxílio”, explica Franciele. Outro ponto em escolas é a falta de vo e de acompanhamento Daniela Menezes

nas telas e vai à escola

autoridades para possíveis impactos de comportamentos violentos estimulados em comunidades virtuais

Escola Segura, com R$ 11,3 milhões para medidas de segurança municipais da cidade. A câmeras com intelientrada monitorada, reforço da Guarda ações pedagógicas de saúde mental. pela Secretaria MuEducação (SMED) e a Municipal de Segurança o projeto contava a execução dessas entanto, passados alguns dos colégios ainda grande diferença entre e o que realmente instituições. com a diretora da Xavier Kunst, no Daniela Menezes, ações prometidas foi fato. “A patrulha acompanhando entradas e extra ainda não chegou sem profissionais para escola”, reconhece. Néri, no bairro Boa Cristiane Brodbeck situação parecida: o construção de um muro e interfone com câmera sem verba liberada concluída a instalação segurança em pontos estava prometido passado. A princípio, Municipal acompanha as recebemos nenhucomo funcionam”, também aponta a sobrediretiva: “Não temos tempo integral. Somos portão, atendemos recebemos a comunidade e dar conta de todas as que são muitas”.

Elvira Brandi Grin, Rondônia, algumas medidas aparecer. A diretora explica que a esum protocolo mais entrada de terceiros o cadastramento pelos estudantes, já entrada conta com reconhecimento disso, a presença da Municipal é esporádica. “As intensificadas, mas não definida. Em casos temos um grupo de qual podemos solicitar Franciele. em comum nas três treinamento coletiacompanhamento psicológico. afirma que apenas

O contato contínuo com discurso de ódio interfere na construção de vínculos saudáveis e na capacidade de convivência, podendo comprometer o desenvolvimento emocional e social do adolescente.”

Priscila de Melo Psicóloga

ela participou de uma formação específica, enquanto o restante da equipe não recebeu orientações sobre o que fazer em caso de emergência. A Guarda Municipal afirma que o monitoramento das escolas é feito pela Patrulha Escola Segura, com qua-

tro viaturas e oito agentes realizando rondas. “Tivemos um simulador de agressor ativo e estamos elaborando um plano de evacuação em caso de ataques”, informa o inspetor-chefe Marcelo Ribamar.

Apesar disso, o cotidiano das escolas municipais segue marcado por improvisos e inseguranças, dependendo mais do esforço interno das equipes do que das ações do programa, conforme relatam as diretoras.

Instituições particulares de Novo Hamburgo também se mobilizaram após a ameaça. No Colégio Sinodal da Paz, a coordenadora Silvana Noll afirma que o acesso à escola está restrito a colaboradores com crachá, que destravam os portões para alunos e visitas agendadas. O colégio reforçou a segurança com câmeras, aumentou a altura dos portões e realizou dois treinamentos com especialistas em segurança. Além disso, uma comissão interna elaborou um protocolo, repassado a toda a equipe. Silvana destaca que essas ações aumentam a

segurança, embora todos permaneçam cautelosos.

Carla Beatriz da Silveira, gerente administrativa do Colégio Santa Catarina, também ressalta que a escola reforçou a segurança terceirizada, instalando mais câmeras e interfones faciais e mudando os horários de abertura e fechamento dos portões.

Ainda assim, ela reconhece que a segurança pública poderia oferecer mais suporte, com a instalação de câmeras nas vias próximas às escolas e maior presença policial.

Entre portões eletrônicos, câmeras, planos de emergência e conversas em sala de aula, as escolas privadas da cidade compartilham uma certeza com as públicas: de que a segurança escolar é uma pauta permanente, e cuidar da proteção e do bem-estar dos alunos e funcionários deve ser prioridade.

n MEDIDAS PREVENTIVAS

O Nupve-MPRS defende que a educação digital é crucial na prevenção. “Literacia para identificar mani-

pulação, análise crítica de fontes, compreensão de algoritmos e capacitação emocional são requisitos essenciais para um uso saudável da internet para os jovens”, pontua Michele Prado. Além disso, escolas precisam de currículos que integram tecnologia e noções básicas sobre extremismo online, cidadania e saúde mental e famílias precisam de orientação prática sobre diálogo aberto, supervisão e controle do acesso à internet, atenção a mudanças de comportamento. Para o inspetor de polícia Yan Cavalheiro, o controle parental é inestimável. Segundo ele, dar acesso ao celular a uma criança de 10 anos e deixá-la sem supervisão é como dar acesso ao mundo inteiro. “Tu não vais largar teu filho no meio da rua, no meio de uma praça, de noite. Então por que tu vais deixar teu filho mexendo no celular, duas da manhã, sozinho, sem saber o que ele está mexendo? É a mesma coisa”, compara.

A psicanalista Priscila reconhece que lidar com esses assuntos é um grande desafio: “É muito comum que não se saiba como abordar, de qual forma manejar e o que fazer com tudo que pode vir desta conversa”. Ela defende que a abertura do diálogo precisa passar necessariamente por uma escuta aberta, franca e que demonstre que os familiares estão realmente interessados em escutar e entender o jovem, e não apenas em o repreender e definir o que é certo ou errado. “Uma das melhores 'vacinas' contra esses grupos extremistas é o fazer o jovem se sentir percebido, olhado, escutado, valorizado, reconhecido”, recomenda.

A tendência, contudo, é de alto risco de crescimento desses casos. O próprio Nupve-MPRS organiza e participa de iniciativas para notificação e remoção de conteúdo e ações investigativas contra redes que distribuem material criminoso junto do Ministério de Justiça e Segurança Pública, Polícia Federal, Associação Brasileira de Inteligência Nacional (ABIN) e secretarias estaduais. “Minha aposta prática é que, infelizmente, isso é imparável”, lamenta Michele. “Podemos reduzir impacto se houver investimento sistêmico em prevenção, coordenação interinstitucional e responsabilização de atores que lucram com a difusão de ódio”.

n Escolas com pouca proteção e fácil acesso foram marcadas como possíveis alvos pelos agressores

FOTOS: PEDRO SCHLEICH

n VULNERABILIDADE

Casos de abuso infantojuvenil subiram 70% no RS desde 2018

Governo estadual criou núcleo especializado para reforçar investigações e atuar na prevenção

nEm setembro deste ano, foi finalizada no Rio Grande do Sul a Operação Darktrace, que tinha como objetivo identificar usuários com armazenamento e compartilhamento de pornografia infantil na internet. A ação foi comandada pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) e o Núcleo de Combate à Pedofilia e ao Abuso Infantojuvenil (Nucope). A investigação já durava meses e conseguiu apreender materiais eletrônicos, como celulares e computadores, além de desmascarar os predadores sexuais que habitavam em Santo Antônio da Patrulha, Capão da Canoa, Caxias do Sul, Gravataí e Porto Alegre.

A notícia da operação vem em um cenário de crescimento em casos de abuso infantojuvenil no Estado: dados recentes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mostram aumento de 70% nos casos de violência sexual infantil no Rio Grande do Sul em 2024 comparado a 2018. A vulnerabilidade infantil nos meios digitais é um dos fatores para esse crescimento. Conforme dados coletados pela SaferNet no período de 1º de janeiro até 31 de julho de 2025, o Canal Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos registrou 50 mil denúncias anônimas somente de abuso e exploração sexual infantil, correspondendo a mais da metade das notificações no período, que foi de 80 mil denúncias.

Para o ex-perito criminal da Polícia Federal e atual coordenador do Núcleo de Cooperação Internacional da Interpol, Luiz Walmocyr, no entanto, ainda há uma lacuna quando o assunto é enfrentamento especializado a essa situação. Ele mesmo decidiu escrever um livro de fácil acesso e linguagem simples, intitulado “Protegendo Anjos”, no qual conta as experiências que viveu em 14 anos dentro da área de combate ao abuso infantojuvenil. “Quando comecei a trabalhar na área, queria falar sobre isso, é uma coisa que as pessoas botam para baixo do tapete, e é muito mais comum do que se pensa”, compartilha. Um dos principais motivos para o medo em comunicar esse crime é que ele ocorre,

n Nucope faz investigações para apuração de fatos e resolução de crimes contra crianças e adolescentes

em mais da metade dos casos, em relações intrafamiliares. “Isso é como ter uma cascavel na sala. Se não tem noção que ela está ali, você está muito mais suscetível ao risco. Então a sociedade tem que entender que isso está lá para pelo menos minimizar os danos, já que o risco sempre vai existir”, analisa Walmocyr.

Outro fator que se deve considerar é o da vulnerabilidade social. O abuso infantojuvenil em si não é restrito a uma classe econômica ou a algum grupo cultural, mas é um fenômeno que permeia todos os grupos humanos. Isso é intensificado em camadas sociais que não

possuem rede de suporte e em que há privação econômica e cultural, pois essas comunidades têm maior exposição à violência física e falta de cuidado.

n NÚCLEO ESPECIALIZADO

O governo estadual criou o Nucope para realizar novas investigações e resolver pendências do passado. O núcleo é pioneiro no Brasil contra esse tipo de crime. O coordenador do setor, Marcelo Nadler, explica que o núcleo surgiu com a meta de dar respostas mais rápidas e trabalhar com prevenção e conscientização. “O Nucope é a junção de informática forense, genética forense e perícias psíquicas. Juntamos mais vestígios, integramos dados e os processamos de forma mais eficiente”, descreve. Contando com uma equipe com sete peritos criminais, as investigações ocorrem tanto em crimes virtuais quanto em crimes físicos.

O trauma impacta a formação da identidade e a capacidade de estabelecer vínculos seguros.”

Jeniffer de Mello Psicóloga

Também para prestar serviço à população que necessita de apoio, o governo investe em órgãos públicos, como o Centro de Referência em Atendimento Infanto-juvenil (CRAI), que bus-

ca dar assistência em casos de suspeita ou confirmação de abuso sexual até os 18 anos de idade. Eles possuem uma equipe com pediatras, psicólogos, ginecologistas, entre outros profissionais que fazem uma avaliação geral de casos, além de uma equipe de perícia. As unidades se encontram nas cidades de Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Rio Grande e Santa Cruz do Sul. Apesar disso, a médica-legista e psiquiatra Andréa Tocchetto atenta que o Estado peca em alguns quesitos: “Nós precisamos de mais locais para atendimento e equipes de profissionais que possam dar conta da demanda. O trabalho no Estado possui menos profissionais na rede do que se necessita”.

n CONSEQUÊNCIAS

Sofrer algum tipo de abuso com uma idade precoce pode gerar diversos problemas tanto na vida pessoal quanto profissional. Segundo a psicóloga e conselheira presidenta do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS), Jeniffer de Mello, as consequências de sofrer esse tipo de

violência na juventude pode variar conforme a gravidade, frequência e contexto, mas quase sempre incluem sentimentos de culpa, medo, vergonha e causam o isolamento, gerando em muitos casos depressão, ansiedade e dificuldades na escola. “O trauma impacta a formação da identidade e a capacidade de estabelecer vínculos seguros. Tudo o que se vive na infância habita a pessoa por toda a vida: é a base sobre a qual construímos nossas percepções, afetos e formas de estar no mundo. Por isso, cuidar da infância é cuidar do futuro coletivo”, diz. Isso tudo pode reverberar em uma vida adulta gerada por desconfiança e frequente presença em relacionamentos abusivos, gerando uma baixa autoestima e ciclos de sofrimento sem fim. O cuidado adequado nesse tipo de caso parte do apoio familiar e principalmente da busca por profissionais especializados que ajudem a tratar o sofrimento gerado tão cedo na vida. A sociedade, de forma geral, deve ter papel influente na prevenção e identificação de abusos. Primeiro, deve-se quebrar o estigma ao falar do corpo e tempo da criança. A exposição midiática precoce restringe o desenvolvimento cognitivo, emocional e cultural, e por isso se precisa incentivar a infância através de brincadeiras e construção de mundo com vigilância ética e presença afetiva de adultos responsáveis. Segundo, a escuta ativa sem julgamento e observar sinais como mudança de comportamento e retraimento pode ajudar a identificar casos de abuso, que devem ser levados imediatamente às autoridades. “Há um provérbio africano que diz que é preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança. Isso enfatiza a importância da participação da comunidade na criação das crianças, promovendo ambientes seguros por meio da participação de todas as pessoas e instituições”, diz Jeniffer de Mello. Somente assim pode se permitir que crianças habitem seu mundo, desenvolvam sua identidade e saibam identificar os possíveis perigos da sociedade.

DIVULGAÇÃO / POLÍCIA CIVIL

São Leopoldo aposta na Ronda Lilás para proteger mulheres

nFaltavam nove dias para São Leopoldo completar um ano sem feminicídios consumados quando Ketlyn Jennifer Vargas da Silva foi vítima do primeiro caso registrado em 2025. O episódio interrompeu um período de estabilidade e trouxe alertas sobre a violência de gênero na cidade. Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, a cidade do Vale do Sinos fica atrás apenas da capital, Porto Alegre, em casos de violência de gênero. No período de janeiro a setembro de 2025, foram registrados sete casos de feminicídio tentado, 466 ameaças, 35 estupros e 251 agressões contra mulheres no município. Ao mesmo tempo em que retratam uma realidade violenta, esses números também podem refletir maior procura por ajuda, indicando mais conscientização e confiança nos serviços de proteção, segundo especialistas. Medidas protetivas são uma forma de ação judicial do Estado para evitar novas agressões, embora o descumprimento seja recorrente. Segundo o Anuário de Segurança Pública, praticamente duas em cada 10 mulheres com medida protetiva sofreram com descumprimentos em 2024. O Rio Grande do Sul está entre os estados com mais descumprimentos, com 23,2% de violação. Em São Leopoldo, a Lei nº 10.044, de 13 de março de 2024, estabeleceu a criação da Ronda Lilás, com o objetivo de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas. A Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar, já realiza esse tipo de acompanhamento. No entanto, foi identificada a necessidade de reforçar a fiscalização. O guarda municipal André Bitencourt da Silva integra a equipe operacional da Ronda Lilás desde a fundação do grupamento e considera preocupante que a maior parte das agressões partiram de companheiros: dados estatísticos sobre o perfil das vítimas e agressores documentados pela Ronda indicam que isso ocorreu em 84,4% dos casos fiscalizados. “A palavra ‘companheiro’ é usada para abranger tanto quem ainda está junto quanto quem já se separou,

Município busca agir no combate à violência de gênero com medidas de acolhimento e monitoramento contínuo Às vezes começa com violência psicológica, moral e avança para física.”

reforçando que a violência vem das relações marcadas por afeto e poder”, cita Bitencourt em artigo sobre o Perfil da Violência Doméstica em São Leopoldo.

n COMO FUNCIONA

Primeiramente, é realizada uma visita para explicar o funcionamento da medida protetiva. “Os agentes falam tudo para a mulher, porque muitas vezes ela não entende direito o que é a medida, o que pode ou não pode. Além de orienta, deixamos contatos de emergência e o WhatsApp funcional à disposição”, explica a inspetora Fernanda Mossmann. Ela ressalta que este primeiro contato é fundamental, e que o prazo máximo para a Ronda Lilás realizar a primeira visita após

o registro da medida protetiva é de 48 horas. A Ronda também atende ocorrências de emergência, trabalhando em plantões de 24 horas, sete dias por semana.

A prioridade de atendimento é estabelecida por um escalonamento de casos, que avalia o histórico do agressor. Quando há situações mais graves, como ameaça com arma ou perseguição, a vítima é levada diretamente à Delegacia da Mulher, garantindo maior rapidez no atendimento. “Você vai avaliando conforme as visitas e o histórico. Às vezes começa com violência psicológica, moral e avança para física, é o padrão que temos”, diz.

Para a inspetora, estabelecer um relacionamento de confiança com as vítimas é um dos principais desafios da Ronda: “Sempre defendo que é uma relação de confiança, ela tem que confiar em nós, e nós nela. Não posso julgar se está falando a verdade ou sendo pressionada. Nossa função é estritamente legal, e há vítimas que perderam tudo, ajudam o agressor e ficam sem nada. É difícil reconhecer essa manipulação”. Muitas vítimas optam por atendimento e fiscalização apenas via WhatsApp, evitando a exposição de receber a viatura em casa. Outras se

sentem seguras com a presença da Ronda em frente às residências, fortalecendo o convívio com os agentes e a sensação de acolhimento e proteção.

“É importante acolher as mulheres, mas o agressor também precisa ser parado, pois há homens que usam a violência como forma de se relacionar com mulheres”, opina Mossmann. Ela destaca a dificuldade da mulher em romper esse ciclo, citando casos em que o agressor possui múltiplas medidas protetivas contra diferentes vítimas. Segundo a inspetora, a prevenção deve começar desde a infância. “As escolas têm papel fundamental. Às vezes as crianças contam ao professor o que acontece em casa, porque confiam”, exemplifica.

“Na minha idade eu não sabia o que era um relacionamento tóxico, hoje crianças já sabem. Os meninos replicam o que veem em casa, e as meninas procuram relações parecidas com as dos pais”, finaliza.

n ACOLHIMENTO

Uma das formas de garantir o acompanhamento às mulheres em situação de violência em São Leopoldo é o trabalho realizado pelo Centro Jacobina, localizado na Rua Lindolfo Collor, no centro da cidade. "O trabalho

de acompanhamento é muito abrangente, envolvendo muito apoio e direcionamentos”, explica a coordenadora, Patrícia de Oliveira. “Fazemos encaminhamentos para outros órgãos, incluímos a vítima em programas, acionamos atendimentos no Centro, contatamos a Vara da Violência Doméstica para acompanhar o processo judicial, e encaminhamos à Defensoria Pública para divisão de bens e guarda das crianças”, detalha Geórgia Cardoso, assistente social do Centro.

De janeiro a setembro de 2025, foram realizados 3.981 atendimentos no local. Com base nos cinco tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), a instituição atende todas as formas de agressão contra mulheres, travestis e pessoas trans a partir de 18 anos. O agendamento de horário é feito de forma sigilosa pelos canais oficiais. A equipe conta com psicólogas, assistentes sociais e uma estagiária de Direito.

O Centro Jacobina não possui abrigo fixo com moradia temporária, mas pode direcionar a vítima a um abrigo sigiloso, garantindo segurança e afastamento do agressor, respeitando o espaço da mulher. “Sempre tentamos não tirar a mulher do seu ciclo familiar, da sua rotina, que muitas vezes envolve filhos e parentes”, explica Luciana Martins, psicóloga do Centro. Ela ressalta que o abrigo é sempre a última opção. “Ao ir para o abrigo, a mulher se afasta de tudo e vive em um lugar fechado, sem liberdade. Por isso, buscamos acordos para que ela se sinta segura em suas decisões.” conclui.

n LIGUE 180

Em todo o território nacional, é possível acionar a Central de Atendimento à Mulher pelo serviço Ligue 180 para registrar casos de violência ou solicitar orientação. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Também é possível acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do telefone 190.

Fernanda Mossmann Inspetora
n O Centro Jacobina é uma das iniciativas de cuidado e proteção para as mulheres vítimas de violência

n Encontro online do clube

The Obsessed Readers Society em agosto, com a leitura do livro “Jogos Vorazes”

O Brasil que não lê redescobre os livros nas redes sociais

Enquanto pesquisas indicam que brasileiros leem menos, o hábito da leitura se reinventa nas plataformas digitais

n O Brasil perdeu cerca de 7 milhões de leitores entre 2020 e 2024, segundo a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O levantamento, realizado pelo Instituto Pró-Livro (IPL) em parceria com o Ipec, revela uma mudança significativa nos hábitos de leitura dos brasileiros e aponta as plataformas digitais como novos espaços de mediação literária.

Desde o primeiro levantamento, em 2001, é a primeira vez que mais da metade da população brasileira (53%) não leu nenhum livro, impresso ou digital, nos três meses anteriores à pesquisa. O estudo aponta que apenas 20% dos indivíduos dedicam parte do seu tempo livre à leitura, enquanto 81% recorrem às plataformas digitais. Para a influenciadora literária Maria Eduarda Carl Gaboardi (@dudagabooks), a lógica da rapidez pesa nesse cenário: “Muitas vezes, o acesso a conteúdos rápidos e imediatos parece mais atraente do que dedicar horas a um livro”.

n ALGORITMO LITERÁRIO

Apesar do cenário negativo, a leitura encontra novos caminhos. Fenômenos como o BookTok, comunidade literária no TikTok, vêm redesenhando

a forma como o público se relaciona com os livros.

A pesquisadora com pós-doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Carla Montuori Fernandes observa que há um movimento crescente de transposição do hábito de leitura para o ambiente digital, impulsionado por criadores de conteúdo literário. Segundo ela, a queda no número de leitores de livros físicos está diretamente relacionada ao uso intensivo das redes sociais, onde os booktokers apresentam obras de forma resumida e dinâmica, tornando o conteúdo mais atraente e acessível aos jovens.

“A migração do livro impresso para o digital é inevitável. Ela reflete a adaptação do leitor a novos meios e formatos de acesso à informação”, afirma Carla.

O BookTok se consolidou durante a pandemia de Covid-19, em 2020, e hoje soma mais de 60 milhões de vídeos e 2,5 bilhões de visualizações globais. A plataforma se tornou um espaço de troca entre leitores, autores e editoras. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, influenciadores literários são responsáveis por despertar o interesse inicial pela leitura em 22% dos casos, indicando que esse tipo de criação influencia o

A migração do impresso ao digital é inevitável e mostra a adaptação do leitor aos novos meios.”

Carla Montuori Cientista social

engajamento dos leitores. Para Maria Eduarda, essa influência vai além das recomendações. A influenciadora destaca que as plataformas digitais como TikTok e Instagram não apenas incentivam a leitura, mas também constroem comunidades de leitores que se retroalimentam.

No entanto, nem tudo é positivo nesse novo ecossistema literário. O influenciador André Pimenta Mota (@Arboreoliterario) aponta que, embora as redes incentivem o hábito de ler, elas também tendem a homogeneizar o consumo literário.

A tendência de homogeneização do consumo literário também se reflete no mercado editorial. De acordo com a Lista Nielsen-PublishNews de Livros Mais Vendidos, publicada com

apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL), que monitora as vendas no mercado brasileiro, há um desequilíbrio no consumo de literatura nacional e internacional. Na lista parcial anual, composta por 20 títulos, apenas seis são de autores brasileiros. Sobre a presença de literatura nacional no BookTok, André frisa: “Percebo poucas indicações de autores brasileiros, a maioria das recomendações parece orbitar unicamente os autores gringos, principalmente dos Estados Unidos ou da Europa Ocidental”. Ele diz que isso se deve à exposição intensa a conteúdos internacionais, o que influencia o gosto do público.

“Devemos valorizar os autores nacionais, pois o Brasil é palco de escritoras e escritores incríveis”, completa.

n LEITURA COMPARTILHADA

Em paralelo, a migração da leitura para o digital também trouxe novas formas de interação entre leitores. Durante a pandemia, clubes literários online se expandiram, oferecendo espaços para a discussão de livros e reunindo milhares de participantes em aplicativos de mensagens, fóruns e redes sociais. Um exemplo é o The Obsessed Readers Society (A Socieda-

de dos Leitores Obcecados, em tradução livre), criado em 2024 por Laura Beatriz de Barros, 25 anos, Milleny Silva Bizarria, 25 anos, e Marina Armani Monteiro Silva, 24 anos. O grupo, que já conta com mais de 100 membros, sorteia um livro por mês e organiza discussões online ao fim de cada leitura.

“É muito bom ter com quem conversar sobre os livros, e isso enriquece ainda mais a leitura individual”, afirma Marina, uma das fundadoras.

A participante Beatriz Rabelo, 24 anos, afirma que o clube fez a leitura voltar a ser um lugar de conforto, e não apenas uma obrigação acadêmica. Maria Eduarda Martins, 20 anos, complementa: “O impacto do clube na minha vida é muito positivo, pois me motiva a ler mais e manter o hábito de leitura”.

Para as fundadoras, o maior valor desses espaços está na criação de vínculos. “Ler é uma atividade solitária, e isso é positivo, mas é importante ter com quem compartilhar depois”, declara Laura.

Entre quedas e reinvenções, o cenário da leitura no Brasil mostra que, embora o número de leitores tenha diminuído, a forma de ler e de se relacionar com os livros está apenas mudando de página.

Síndrome de FOMO: o medo de ficar de fora

Transtorno reflete os efeitos sociais e psíquicos do uso excessivo de redes digitais no comportamento de jovens

n A síndrome de FOMO, sigla em inglês para “Fear of Missing Out” (medo de ficar de fora, em tradução livre), vem ganhando destaque nas redes sociais como reflexo dos impactos do ambiente digital no comportamento e na saúde mental de jovens e adultos. Em artigo sobre fundamentos teóricos do FOMO e sua relação com o uso problemático da tecnologia, Elhai, Yang e Montag definem esse fenômeno a partir de dois componentes principais: primeiro, a apreensão de que outras pessoas estão tendo experiências gratificantes das quais se está ausente; segundo, o desejo persistente de permanecer conectado com as pessoas da própria rede social.

Em outras palavras, o jovem que sofre de FOMO sente que “o que está acontecendo lá fora” pode ser mais interessante do que aquilo que ele próprio está vivendo. Ao mesmo tempo, sente que precisa estar conectado, ver, participar ou pelo menos acompanhar para não ficar para trás. Esse desejo constante de conexão e de presença alimenta o ciclo de comparação, ansiedade e, muitas vezes, o uso problemático de tecnologia.

“Eu tenho uma sensação constante de que, se eu ficar de fora de algum evento social, principalmente daqueles em que sei que meus amigos mais próximos estarão, vou perder algum momento significativo”, afirma o jovem Augusto Rocha, de 22 anos. Ele explica que esse sentimento pode estar relacionado ao medo de não se encaixar em conversas futuras sobre esses momentos. Augusto também revela receio de que sua presença não seja vista como algo significativo, a ponto de sua ausência não ser sentida de forma negativa.

De fato, a literatura revisada pelos pesquisadores da área aponta que a FOMO está associada a vários indicadores de mal-estar psicológico. A síndrome se relaciona, por exemplo, a um uso mais frequente de redes sociais ou tecnologias de comunicação online, e também a níveis mais elevados de “uso problemático” desses meios, ou seja, quando o acesso, a verificação

ou a interação se tornam quase automáticos, difíceis de controlar ou invasivos na rotina. Também foram encontradas associações entre FOMO e sintomas de ansiedade, depressão e afetividade negativa.

n PROBLEMA REAL

A psicóloga Stephania Teixeira, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), alerta que a FOMO já é considerada um problema real entre os jovens. Segundo ela, o uso intenso das redes sociais faz com que muitos passem a comparar constantemente suas vidas com o que veem online, o que pode gerar ansiedade, sensação de inadequação, dependência digital e dificuldade em aproveitar o presente. A busca por estar sempre atualizado ou participando de tudo leva ao esgotamento emocional e, em alguns casos, à baixa autoestima, já que o jovem, muitas vezes, sente que nunca faz ou vive o suficiente. O medo de exclusão social também pode causar comportamentos impulsivos, levando alguns a aceitar convites sem real interesse, conforme a especialista.

No âmbito teórico, a FOMO pode ser entendida à luz da Self-Determination Theory (Teoria da Autodeterminação, em tradução livre). Essa teoria sustenta que os seres humanos têm necessidades psicológicas básicas de competência, autonomia e relacionamento. Quando a necessidade de relacionamento (ou “sentir-se conectado”) não está satisfeita, pode surgir o desconforto que alimenta a FOMO. Além disso, o estudo de Elhai, Yang e Montag aponta

que traços de personalidade como o neuroticismo ou formas de narcisismo vulnerável se associam ao fenômeno, isto é, pessoas com mais ansiedade, instabilidade emocional ou desejo intenso de validação social tendem a apresentar níveis mais elevados de FOMO.

Os impactos práticos são visíveis. Estudos com estudantes universitários, por exemplo, identificaram que níveis mais elevados de FOMO se

DICAS PARA EVITAR A FOMO

Desenvolva o autoconhecimento: aprenda a reconhecer quando a comparação ou o desejo de estar por dentro está se tornando angustiante.

Estabeleça limites digitais: defina horários específicos para uso do celular e das redes sociais, evitando acessos automáticos ou constantes.

Priorize momentos reais: passe mais tempo com amigos, família e hobbies fora das telas.

Revise os conteúdos que segue: nas plataformas digitais, opte por perfis que inspirem, em vez de gerar comparação.

Eu tenho uma sensação constante de que, se eu ficar de fora de algum evento social, vou perder algum momento significativo.”

Augusto Rocha

Estudante

associam a pior qualidade do sono, maior uso de smartphone e mais sintomas de ansiedade ou depressão. No cenário das redes sociais, essa sensação de “estar perdendo algo” alimenta o ciclo: ver posts, stories, comentar, checar – e quando não está participando diretamente, sentir-se desconectado. Tudo isso acaba interferindo no momento presente, na atenção, na presença real. Para lidar com esses efeitos,

a psicóloga Stephania sugere algumas estratégias práticas (veja o quadro). Não é apenas sobre o “medo de perder um rolê”, a FOMO é um fenômeno psicológico com raízes e consequências reais, conectado às necessidades humanas de pertencimento, aos traços de personalidade e ao uso intensivo de tecnologia. O caminho para amenizá-la exige tanto consciência interna quanto escolhas práticas no uso digital.

Valorize o próprio ritmo: celebre suas conquistas, sejam grandes ou pequenas, entendendo que cada pessoa vive seus processos no seu tempo.

Influenciadores mirins afetam comportamento infantil

Profissionais alertam para o impacto de plataformas no desenvolvimento e na autoestima de crianças e adolescentes

nA popularização de plataformas digitais como YouTube, TikTok e Instagram fez com que histórias “moldadas” ultrapassassem as barreiras do digital, tornando-se parte da vida dos usuários. A variedade de temas publicados a cada minuto alcança diferentes nichos, faixas etárias e públicos – incluindo crianças e adolescentes – ainda que, no Brasil, exista uma faixa etária mínima para acesso a redes sociais.

A falta de supervisão sobre o conteúdo que as crianças estão consumindo – e criando –, tornou-se pauta de discussão entre profissionais da saúde, educação e até mesmo influenciadores. A exposição precoce e demasiada às redes sociais está alterando a forma como jovens interagem, pensam e se comportam. Em 2024, foi noticiado, no Brasil, o caso da influenciadora Antonella Braga, de 15 anos, que colocou próteses de silicone”. A normalização desses comportamentos expõe outras crianças a buscarem padrões e estilos de vida irreais e prejudiciais.

A pauta da “adultização infantil” ganhou maior visibilidade após o youtuber conhecido como Felca denunciar a sexualização de crianças em plataformas digitais. Os vídeos do youtuber ganharam tanta repercussão que deram origem à “Lei Felca”, que gerou como norma o “ECA Digital”, visando não apenas combater a sexualização de crianças na internet, mas protegê-las de outros riscos do ambiente digital.

n AUTOESTIMA INFANTIL

“Quando se fala em autoestima infantil, estamos falando sobre como a criança enxerga a si mesma”, explica a psicopedagoga e psicóloga infantil Bruna Cardoso Gonçalves. “Se ela está imersa num mundo tecnológico, ela é apenas um espectador. Se a interação dela é com uma tela, ela se torna um coadjuvante dentro do próprio desenvolvimento”.

A edição de 2025 da pesquisa do Panorama Mobile Time/ Opinion Box sobre uso de apps no Brasil, mostra que o TikTok está em grande ascensão, sendo o aplicativo que mais cresceu nos últimos 12 meses. Dados da pesquisa mostram que sua pre-

dominância está em celulares de jovens de 16 a 29 anos, contudo, pesquisas do IBGE mostram que em 2024, 88,9% da população de 10 anos já tinha celular próprio. O aumento de crianças nas redes sociais também popularizou o nicho de influenciadores mirins, resultando em mais crianças e adolescentes interessados em consumir e produzir conteúdo para as redes. Vídeos mostrando rotinas, testes de maquiagens, acessórios e roupas são populares entre o público infantojuvenil, e embora pareçam conteúdos inofensivos à primeira vista, acendem um alerta para um mundo de comparações.

“Aí vem uma comparação com algo que não existe. Ninguém é feliz o tempo todo”, diz Bruna Gonçalves. A psicóloga ainda ressalta sobre a necessidade do consumo que é despertada nas crianças: “Eles também querem usar um produto que uma blogueirinha utiliza”. Manuella, de 11 anos, conta que ganhou recentemente seu primeiro celular: “Todas as crianças da escola já tinham um celular, só eu que não, então pedi um para minha mãe de aniversário”. Mas a menina também relata buscar um celular novo, e o motivo são as influenciadoras digitais: “Se eu me comportar no resto deste

n Manuella mostra algumas das influenciadoras que gosta de assistir em sua rede social favorita, o Instagram

ano, vou pedir para minha mãe um iPhone 11. As meninas da internet já têm o iPhone 17, mas é muito caro, então eu pensei em pegar um mais baratinho”. Explicando como os jovens almejam adquirir ou se igualar ao que consomem na internet, Bruna Gonçalves cita que o ídolo de uma criança é com quem ela quer se parecer”. Manuella diz gostar muito das famosas Olivia Rodrigo e Ana Castela, para ela, são cantoras muito “simpáticas”. Coincidentemente, quando questionada sobre o que ela mais gostava em si mesma, Manuela respondeu: “minha simpatia”. Embora o caso de Manuella não se trate de uma influência considerada tóxica, prova o quanto uma criança busca aquilo que assiste, acendendo novamente um alerta para os conteúdos que são popularizados entre o grupo infantil.

n EDUCAÇÃO

Nas escolas, professores percebem a mudança no comportamento dos alunos cada vez mais novos. Dentre as dificuldades relatadas está a concentração. Para os professores é cada vez mais desafiador conquistar a atenção dos alunos, este fenômeno pode ser explicado pelos estímulos rápidos que as crianças recebem através de vídeos curtos que assistem na internet, fazendo com que não treinem a capacidade de se concentrar por muito tempo na mesma coisa.

“Eu noto isso neles, a falta de foco, de concentração, porque eu deixo de ser interessante”, relata a professora de séries iniciais Ana Cláudia Siebra. A professora ainda menciona a perda de capacidade social: “As crianças estão confinadas ou na televisão ou no celular dos pais, e quando estão ali, frente a frente com outras crianças, não sabem lidar. Não

têm habilidade social”.

A perda dessas habilidades assusta a professora. As dificuldades que surgem pela falta de atenção contribuem para a baixa autoestima infantil, pois as crianças deixam de acreditar na sua própria capacidade de aprendizagem. Ana relata que, durante a execução de atividades em sala de aula, já ouviu crianças se chamarem de "burras" por não conseguirem cumprir algum exercício.

n

VÍCIO DOS PAIS

Segundo a psicóloga Bruna Gonçalves, crianças de até 11 anos, idade em que inicia a transição para a adolescência, são impactadas por não possuírem a mesma habilidade que outras crianças vistas na internet, sobretudo, quando os pais assistem e exaltam outras crianças. Segundo Bruna, com a influência das redes sociais, as crianças estão apresentando maiores sinais de ansiedade e depressão. Segundo o Ministério de Saúde, crianças e adolescentes já sofrem mais com transtornos de ansiedade do que adultos atualmente. Atendimentos envolvendo transtornos de ansiedade no SUS aumentaram 1.575% entre as crianças de 10 a 14 anos. Entre 2015 e 2024 foram feitos 65.789 procedimentos clínicos ambulatoriais relacionados à ansiedade em menores de 17 anos

Se a interação dela é com uma tela, ela se torna um coadjuvante dentro do próprio desenvolvimento.”

Bruna Gonçalves Psicóloga

O confinamento dos pais pelas redes sociais também é responsável pela perda do mundo da criança, pois os responsáveis passam a não monitorar seus filhos, deixando-os vulneráveis a conteúdos prejudiciais. “Se a mãe está ali no celular em busca de uma perfeição que não existe, ela esquece o filho, e a criança sente isso”, diz a professora Ana. As profissionais frisam que a tecnologia pode ser benéfica para o desenvolvimento infantil, se usada com moderação. O que as crianças veem nas redes ou observam os adultos assistindo, reflete em suas percepções de mundo e pode impactar diretamente no presente e no futuro. “Esse é um assunto da rotina de um consultório de psicologia infantil, no momento que a gente vive, tudo é muito novo. Estamos nos adaptando e ainda não temos uma dimensão real do problema que vai vir”.

O poder da alimentação para o bem-estar e

a saúde

mental

Escolhas alimentares podem melhorar a qualidade de vida e combater transtornos como depressão e ansiedade

n

Em um mundo cada vez mais acelerado e ansioso, cuidar da mente se tornou uma necessidade urgente, e a alimentação tem um papel essencial nesse processo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada quatro pessoas será afetada por algum transtorno mental ao longo da vida. Dessa forma, entender melhor a relação entre o que comemos e como nos sentimos pode ajudar a prevenir problemas mentais e até ajudar nos tratamentos.

Um estudo divulgado pela Associação Paulista de Medicina (APM) revelou que o consumo frequente de alimentos ultraprocessados pode aumentar em até 58% o risco de uma pessoa desenvolver depressão. Alimentos ultraprocessados são produtos industrializados com alto teor de açúcares, gorduras, sódio e aditivos, como conservantes e corantes. Na pesquisa, os participantes foram divididos em grupos de acordo com a proporção de calorias desses produtos. Um dos grupos consumia entre 0% e 19% das calorias de alimentos ultraprocessados, enquanto o

outro chegava a ingerir de 34% a 72%. Os resultados mostraram que quanto maior o consumo desses alimentos, maior foi a probabilidade de apresentar sintomas depressivos.

A nutricionista Leticia Vargas explica que a má alimentação está diretamente ligada à piora da saúde mental. “Normalmente ela está associada a uma rotina alimentar deficiente em alimentos naturais ou minimamente processados, e rica em ultraprocessados”, observa. Segundo ela, esse tipo de alimentação prejudica a saúde intestinal, que está conectada com o cérebro, podendo causar inflamações, desequilíbrio de neurotransmissores e aumento do risco de ansiedade, depressão e doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.

n MUDANÇA DE HÁBITOS

Saindo das estatísticas, histórias como a de Samara Reis, 31 anos, mostram na prática como o ato de se alimentar com consciência pode mudar vidas. Ela decidiu transformar sua alimentação e, com isso, perdeu 12 quilos, mas os maiores ganhos vieram na forma de bem-estar

Em muitos momentos, o que comemos é guiado por como nos sentimos.”

Letícia Vargas Nutricionista

e autoestima. “O que me motivou foi perceber que eu não estava me sentindo bem comigo mesma. Um dos principais motivos foi quando eu descobri que tenho artrose grau 3 no meu joelho direito e o meu sobrepeso estava prejudicando ainda mais a minha condição”, relata. Samara iniciou um processo de reeducação alimentar, diminuindo o consumo de doces e adotando refeições mais equilibradas. “Eu descontava as minhas emoções na comida, tinha compulsão alimentar principalmente por doces”, conta. “O maior desafio foi lutar contra mim mesma, não deixar o desânimo, o cansaço do dia a dia me vencerem e dizer não para muitas coisas”, complementa.

Além da perda de peso, a mudança também impactou a relação de Samara com o filho, já que agora tem mais disposição para brincar com o pequeno.

n FOME EMOCIONAL

De acordo com a nutricionista Letícia Vargas, as emoções realmente influenciam nossas escolhas alimentares. “Em muitos momentos, o que comemos é guiado por como nos sentimos. É o chamado ‘comer emocional’. A comida entra como uma forma de conforto diante de sentimentos negativos, e normalmente escolhemos alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar e gordura, que trazem prazer imediato, mas prejudicam o bem-estar a longo prazo”, explica.

Uma alimentação equilibrada pode ser uma grande aliada da mente. Nutrientes como as vitaminas do complexo B (B6, B9 e B12) são fundamentais para as funções cerebrais, ajudando na produção de neurotransmissores e na regulação do humor. Já a vitamina D atua na produção de serotonina, essencial para a sensação de bem-estar. Minerais como ferro, zinco e magnésio também estão relacionados à melhora da disposição, concen-

tração e à redução dos sintomas de ansiedade e depressão. Entre os alimentos que mais contribuem para o bem-estar emocional estão frutas, verduras e legumes variados, ricos em antioxidantes que combatem os efeitos do estresse oxidativo no corpo, além de grãos integrais e fontes de ômega-3, como peixes, castanhas, sementes de linhaça e chia, que possuem propriedades anti-inflamatórias e auxiliam na saúde cerebral.

“Uma dieta rica em alimentos naturais e minimamente processados fornece antioxidantes e anti-inflamatórios que ajudam a controlar o estresse oxidativo, fortalecem o intestino, melhoram o sono e dão energia para o corpo e a mente”, conclui a especialista.

Enquanto os ultraprocessados dominam as prateleiras e o ritmo acelerado da rotina favorece escolhas rápidas e pouco nutritivas, olhar com atenção para o que colocamos no prato pode ser um ato de autocuidado e um passo importante para uma vida mais saudável. Casos como o de Samara reforçam que alimentar-se bem é essencial não apenas para a saúde física, mas também para promover equilíbrio emocional e qualidade de vida.

TEXTO | CAROLINE LOPES

n“Isso aqui, para mim, é vida”. É assim que Susana Freitas, de 65 anos, define a experiência de participar do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas Idosas (Pró-Maior), programa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) que, há cerca de 30 anos, promove o envelhecimento ativo por meio de atividades físicas, educacionais e de convivência. Susana não deixou que o estigma da “terceira idade”, muitas vezes associado ao sedentarismo e à limitação, definisse sua realidade.

Mais do que disposição física, manter atividade tem impactos diretos na saúde mental. Foi através da mãe que Susana conheceu o projeto e, mesmo após a perda dela, continuou participando das atividades. Fazer parte do Pró-Maior ajuda Susana não só com os problemas nos joelhos que a afetam, mas também a manter uma rotina saudável. “Chega o dia das atividades, eu faço minha rotina de casa e já venho para cá. Eu gosto muito. Por mim, faria todas as atividades”, conta.

O Pró-Maior é estruturado com a finalidade de contribuir para que a pessoa idosa possa enfrentar as transformações do processo de envelhecimento com autonomia e protagonismo. Ao todo, são 12 atividades, todas gratuitas, e ocorrem de segunda a sexta-feira, no horário da tarde, no Campus de São Leopoldo da Unisinos e em um salão Paroquial na Vila Kennedy. Além das práticas de exercícios físicos, a iniciativa explora outras áreas, como Humanidades e Ciências, Alemão, Gerontologia, Plantas Medicinais e Letramento. A iniciativa também conta com uma parceria com o Projeto EuCidadão, oferecendo oficinas de informática para os idosos do Pró-Maior e da comunidade leopoldense.

O educador social Airton Luís Schiell coordena as atividades físicas, como pilates, ginástica sentada e jogo de câmbio no Pró-Maior. O professor avalia a evolução dos alunos observando a melhora na coordenação motora e nas interações em grupo. “A atividade física é um bem. Percebemos a evolução quando eles participam com regularidade e persistência. No entanto, é o convívio social que tem o impacto mais significativo. É o convívio social que faz com que eles se sintam bem e retornem às aulas”, afirma.

n TRANSFORMAÇÃO

O envelhecimento envolve transformações tanto físicas quanto psicológicas. É comum que, nessa fase, ocorra um estreitamento das relações sociais, seja pela perda de entes queridos, seja por mudanças na

Um novo sentido para o envelhecer

Iniciativa gratuita da Unisinos promove autonomia e bem-estar entre pessoas idosas, por meio de ações que motivam a viver em movimento e em comunidade

rotina, como a aposentadoria. Nesse contexto, preservar o convívio social desempenha um papel importante no estímulo emocional e cognitivo. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, pessoas entre 60 e 64 anos são as mais afetadas pela depressão, que

É o convívio social que faz com que eles se sintam bem e retornem às aulas.”

atinge cerca de 13% das pessoas dessa faixa etária.

Quem participa do Pró-Maior desde o início, como a Vilma Silva, sente de perto a importância da iniciativa. Sempre ativa e participativa, Vilma percebe como o programa contribui não apenas para sua saúde física, mas também para o bem-estar emocional. “Eu já passei por uma depressão. Foi quando comecei a participar das aulas de artesanato. Eu ficava lá sentada, costurando um paninho, enquanto escutava elas falando. Aquilo me curou. Em casa, eu não queria costurar. Nas aulas, eu me distraía conversando com as colegas, e costurar me tirou daquele pensamento depressivo”, relata.

Experiências como as de Vilma e Susana refletem o impacto

positivo que atividades coletivas e criativas podem ter na vida de pessoas idosas. O envolvimento em grupos como o Pró-Maior fortalece laços sociais, estimula o cérebro e ajuda a prevenir o isolamento, fatores que são considerados essenciais para manter a saúde mental equilibrada na terceira idade. Assim como elas, cerca de 225 participantes encontram nessas atividades um espaço de acolhimento, aprendizado e superação emocional.

“Nós somos seres sociais, então precisamos conviver. E, nessa etapa da vida, isso é ainda mais importante, porque a tendência, muitas vezes, é o recolhimento. Justamente por isso o trabalho do Pró-Maior é dar condições para que aprendam a conviver com as diferenças”, explica a geron-

tóloga Maria Rita Toralles, que coordena a atividade de Gerontologia, abordando o processo de envelhecimento com foco em autocuidado e superação de barreiras etárias.

Pensar em ações voltadas à população idosa se torna ainda mais importante ao observar os indicadores populacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) classifica o Brasil como a sexta nação com maior número de idosos, isso porque, o país possui cerca de 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda de acordo com dados do IBGE, o Rio Grande do Sul é o estado brasileiro com maior proporção de pessoas com 65 anos ou mais, chegando a 14,1%. Nas aulas, os participantes aprendem não apenas sobre ginástica, música ou plantas medicinais, mas também sobre si mesmos, descobrindo novas formas de viver essa fase com leveza, aprendizado e propósito. No Pró-Maior, o ensino é uma via de mão dupla: quem participa não só aprende, mas também ensina que a vida não deve parar depois dos 60.

n Entre risadas, aprendizado e superação, participantes demonstram que a terceira idade é uma fase para redescobrir o prazer de viver

Airton Luís Schiell Educador social

LAU, o time que virou símbolo de pertencimento na Unisinos

Formada por estudantes de diferentes cursos, equipe transformou esporte em identidade e união no campus

TEXTO | RAFAEL VALDUGA

União foi a palavra escolhida pelos jogadores para definir a Liga Atlética Unisinos (LAU). Mais do que um time, a LAU representa um grupo que nasceu do desejo de aproximar pessoas, criar laços e transformar o ambiente universitário em algo vivo e participativo.

A atlética foi criada no dia 3 de outubro de 2023 pela presidente Stefany Fontana, em um momento em que o retorno às atividades presenciais ainda era recente após a pandemia. O objetivo era integrar universitários e criar uma cultura de pertencimento dentro da Unisinos, um campus grande, com muitos estudantes que ainda sentiam falta de interação após o isolamento social. Assim, a LAU surgiu como um ponto de encontro entre diferentes cursos e realidades.

O mascote escolhido, o Kraken, simboliza força e imprevisibilidade, enquanto as cores roxa e amarela representam mistério, descontração e otimismo. A equipe define assim os símbolos que traduzem sua identidade e energia.

O time de futebol surgiu pouco depois. Sua primeira aparição foi em 9 de março de 2024, em um evento divulgado pela Liga das Atléticas. “Na semana da copa, foi feita a primeira peneira, em que basicamente todos entraram, para conseguirmos formar o primeiro elenco”, conta Eduardo Santos, um dos capitães e diretor financeiro da atlética.

A estreia, apesar de modesta, foi simbólica. “Foi um campeonato relativamente pequeno, durou só um dia, onde a LAU, por não ter um preparo tão grande no momento, não teve um bom desempenho, mas isso não nos parou”, diz Santos. Desde então, o futebol virou um dos pilares da organização.

n ROTINA

Hoje, os atletas dividem o tempo entre aulas, trabalho e a equipe. No futebol 7, os treinos são realizados em um campo society próximo à Unisinos, das 22h30 até meia-noite. Já no futsal, no semestre passado, eram na quadra da própria universidade, no mesmo horário. Buscando acolher todos os jogadores, agora os trei-

nos acontecem nas quintas-feiras, das 17h30 às 20h30.

Conciliar o futebol com a rotina acadêmica e profissional não é tarefa simples, mas é justamente dessa dedicação que vem o significado de “união”, como explica Guilherme Bento, jogador presente desde o início do projeto. “Ano passado nós ficávamos depois da aula para treinar, saíamos quase uma da manhã da Unisinos, nos dedicávamos e todo mundo assumiu esse compromisso”, lembra. “Nos unimos, e conquistamos nosso objetivo, correndo e jogando uns pelos outros. Desde então, somos uma família.”

Além da dedicação, o time também enfrenta desafios fora das quatro linhas. Atualmente, todos os custos com transporte, uniformes, taxas de inscrição e demais despesas são custeados pelos próprios atletas. “Infelizmente, a atlética não recebe nenhum tipo de verba ou apoio financeiro da universidade. Mesmo assim, seguimos firmes graças ao comprometimento dos jogadores, que sempre arcam com os investimentos necessários. Hoje, também contamos com o apoio de alguns patrocinadores, que acreditam no nosso projeto”, explica Eduardo.

n MISTER ALEX

Nos unimos, correndo e jogando uns pelos outros. Desde então, somos uma família.”

A presença do treinador Alex Alves, conhecido por todos como Mister Alex, foi um divisor de águas para a equipe. Ele chegou à faculdade por meio de um convite informal e se tornou rapidamente uma peça fixa. Foi convidado para dar algumas dicas para a equipe da Unisinos que iria para o JUGS (Jogos Universitários Gaúchos) e se disponibilizou para dar dois treinos, conhecer o elenco e observar como poderia orientá-los no torneio. “O pessoal da LAU

gostou da metodologia e abordagem, e após algumas conversas, fechamos a parceria para o futsal e fut7”, relembra.

Com experiência em equipes amadoras e mentoria com grandes nomes do futsal, Mister Alex implementou mudanças profundas. “Tudo foi modificado. Posições foram readaptadas e fiz uma avaliação física, técnica e tática para entender os pontos fortes e fracos.

O elenco inteiro comprou a proposta e treinou pesado. O resultado veio”, relata o técnico. Ele também destaca a vantagem de trabalhar com estudantes. “É tranquilo. Chega a ser até mais fácil que equipes de campeonatos municipais e regionais, pois a própria Unisinos concentra o elenco numa região, por se tratarem de seus estudantes. Posso contar com o elenco completo em 99% dos treinos”, compara.

Desde 2024, o time da LAU participou de diversas competições universitárias e torneios. Entre os principais estão a Copa Interatléticas, a Copa Wallau, o Torneio Universitário de Futsal e, principalmente, a Liga das Atléticas, o maior torneio esportivo de atléticas

do Rio Grande do Sul atualmente. No total, a equipe já disputou mais de 50 partidas representando a Unisinos em diferentes campeonatos. O primeiro título veio na Série Prata de Futebol 7, que funcionava como uma espécie de segunda divisão dentro da Liga das Atléticas. No futsal, a consagração aconteceu no ano seguinte, com o título da Série Ouro. A final ficou marcada por uma virada marcante: o time perdia por 4 a 0, mas, empatou e virou o jogo faltando 30 segundos, vencendo por 6 a 5. “Eu avalio como um feito histórico. A LAU é a única equipe fora do eixo Canoas-Porto Alegre, então furar essa bolha foi importante para mostrar o nosso trabalho”, avalia o treinador. Mais do que conquistas e troféus, o que sustenta a equipe é o espírito coletivo que move cada integrante. Como resume Eduardo Santos: “O que mantém o time vivo é justamente essa determinação e união entre os atletas e a atlética. Um time nasce da dedicação de muitos e se sustenta pela união entre eles, e isso nunca faltou para nós”.

Guilherme Bento Jogador
n Recentemente, a LAU foi vice-campeã da Copa Wallau, em Novo Hamburgo; equipe segue buscando diferentes campeonatos para participar

O abraço perverso

do tráfico O

AGNÊS NOLL

n Recentemente, em uma conversa familiar, falávamos sobre o fato de haver mais mulheres do que homens no Brasil, quando meu tio disse: “Não é à toa, só ontem morreram mais de 100, e todos homens”. Ele estava se referindo ao massacre ocorrido no estado do Rio de Janeiro, no dia 28 de outubro de 2025.

O cenário, tão chocante e ao mesmo tempo tão familiar. Pergunte a qualquer pessoa na rua se ela já viu notícias na TV sobre operações policiais que deixaram dezenas de mortos. Esse cenário se repete por todo o Brasil. E, para muitos, nem precisa ligar a TV para ver: basta olhar pela janela.

As pessoas se perguntam “por quê?”. Por que esses meninos entram para o tráfico, por que escolhem o crime, por que largam a escola. A verdade é que o tráfico faz promessas, promessas que a escola e os estudos nunca poderiam cumprir, não no cenário em que vivemos.

Nossas crianças veem os pais morrendo de trabalhar diariamente, saindo de casa às 5h e voltando às 22h. Trabalhando infinitamente por um futuro que está cada vez menos promissor. Elas veem os primos, amigos, irmãos morrendo de cansaço ou morrendo por uma bala de revólver. Então, eu não me pergunto “por quê”; eu me pergunto “como não?”. Como esses meninos não vão flertar com uma opção que parece tão mais fácil, onde as promessas são tão mais palpáveis?

E o mais impressionante — o que me deixa mais furiosa — é que as pessoas continuam acreditando que a solução é meter o pé na porta e dar tiro na cara. Precisamos, como sociedade, entender que o caminho é a oportunidade: dar oportunidade para os jovens, oferecer outro caminho, mostrar que existem outras opções que não sejam trabalhar incansavelmente ou morrer no cano de uma arma. Se a escola abandona, o tráfico acolhe. E o acolhimento do tráfico mata.

“O caminho sem cobras”

VITÓRIA RIBEIRO

n

Sinto, às vezes, que a vida é, de certa forma, um reflexo dos nossos sonhos. O que acontece durante o dia anterior, o que vem acontecendo a meses ou o que sentimos. Funciona como um espelho, que reflete tudo em nossa cabeça, enquanto dormimos. Certo dia, sonhei com cobras aparecendo em meu caminho, uma atras da outra, como se o universo estivesse tentando me dar um aviso. No mundo real, acredito que elas não têm escamas, mas nome, lembrança, cheiro e saudade de coisas que não voltam. Quando acordo, antes mesmo de colocar os pés no chão, já começo desviando delas. Das mensagens que não chegam, da pressão que eu mesma crio, das coisas quebradas no apartamento que eu não sei arrumar, e que, dependia dos outros fazer para mim. Muitas vezes, penso que crescer é isso: aprender a trocar o próprio chuveiro, embora tenha medo de levar um choque emocional. Em meus sonhos, normalmente há algo para me “salvar”. No último, era um gato cinza que me ajudava. Como se fosse um sinal de que eu não estou totalmente sozinha, mesmo quando me sinto. Busco acreditar que é a minha vó, falecida há um ano, de quem sinto muita falta. Na realidade também aparecem esses “gatos”: uma amiga que sai para tomar um café e responde meus áudios longos quando eu não sei o que fazer, uma oportunidade nova, um abraço inesperado numa semana difícil. Pequenas coisas que podem até não salvar o mundo, mas salvam o meu dia. Entretando, quando acho que as cobras venceram, algo muda. Eu corro e consigo voltar para “casa”. Só o silêncio, esse, me assusta mais que o barulho. A gente sempre acha que não vai dar conta, seja da cidade nova, das pessoas que vão embora, dos dias que pesam. Mas, no final, sempre tem um trechinho do caminho que não há cobras. Como se fosse um respiro, alguns minutos de paz. Então, eu lembro que mesmo tropeçando, sempre chegamos no final. Talvez essa seja a vida, seguir andamento. Como a Dory no filme “Procurando Nemo” – Continue a nadar, nadar, nadar.

Ônibus e o Marinheiro

n Feliz após sentar no assento que vagou no ônibus, peguei o celular e descobri que escrevo boas poesias. Foi algo fora do eixo e até me emocionei. Sendo tão expressiva, recompus o olhar quando percebi uma senhora olhando fixamente na minha direção e, possivelmente, pensando que sou louca ou estava triste de estar indo trabalhar após um feriado. Bem, talvez fosse um pouco de cada coisa. O fato é que, ao despretensiosamente ler alguns escritos, me senti um balão sendo estufado de ego.

No entanto, o momento inflável durou menos do que meu tempo no assento — a boa educação me obrigou a ceder lugar para um homem de muletas —, pois recordei algo: reconhecer talento em si mesmo é quase uma ofensa aos dogmas do que seria considerado humildade. É o primeiro passo para cometer um dos sete pecados capitais, a tal soberba. O certo, então, seria esperar o elogio alheio? Bom, enquanto o motorista se sentia o Dominic Toretto e se aproximava cada vez mais rápido do ponto de descida, tratei de contar mentalmente quantos elogios havia recebido pelos meus escritos. Amigos, familiares e professores preenchiam a lista. Mas o Eu foi o último da listagem, e essa constatação, sim, é motivo de vergonha. Desci do transporte público e, contrariando as normas sociais, deixei toda a tal humildade dentro da lataria. Um absurdo, em plena sexta-feira, absorver e respeitar pudores sociais que obrigam um artista a ficar cego diante dos próprios feitos. Afinal de contas, apenas uma classe maldiz os talentosos: os amargurados sem talento.

Para os curiosos, deixo, ao lado, uma das poesias que li.

Epifania do Marinheiro

O ponto de partida ele não lembra, mas não pensa voltar; Prisioneiro da liberdade do mar revolto, navega nas próprias incertezas; Encontra, na imensidão do oceano, seu verdadeiro lar.

Marinheiro só? Que nada. Faz do vento companhia.

Se deixa levar pelo sopro do amigo genioso; Cantarola sobre as aflições, levadas pela brisa certa, criando harmonia.

Terra à vista, mas o mar ainda é sua poesia. Atracar no escuro da própria tristeza é solidão; Seguir refém do oceano o faz libertário. Epifania.

Crime, Caos e Cortina de Fumaça

MA.VICTORIA ENSSLIN

n O Brasil acorda, abre o celular e já leva um choque matinal: o ex-presidente foi parar trás das grades. O cidadão médio nem se dá mais ao luxo de se surpreender; apenas toma gole de café forte e murmura. “Ah, ótimo, começou a quinta temporada dessa novela infinita.” Enquanto isso, um certo banco que se dizia “Master” exibe ao país inteiro o único “master” ali, era o master-bluff, desabando com um rombo tão monumental que faria até o buraco da lava-jato parecer um vazamento de pia. Fraudes criativas, ativos invisíveis, dinheiro evaporando como mágica barata, é quase uma obra de arte do caos financeiro, se arte fosse feita por alguém com experiência em golpes. E claro que, no meio dessa zona generalizada, surge ele: o ministro careca mais famoso da República, a figura que aparece mais do que propaganda de farmácia. Esse personagem onipresente assina decisões com a mesma naturalidade com que

outras pessoas assinam recibo de entrega de pizza. Não importa o desastre do dia, apagão, escândalo financeiro, briga de condomínio, cachorro desaparecido, sempre tem alguém apontando para ele como causa, consequência ou culpado conveniente. Enquanto isso, o governo observa o colapso do banco com cara de quem finge surpresa, mas claramente adora que o assunto do momento seja outro que não ele próprio. A ala indignada, sempre muito criativa, reage como previsto. Um senador do nordeste sobe no palco político para anunciar sua teoria dramática: a prisão do ex-presidente seria “holofote demais”, desviando a atenção do verdadeiro problema, que estaria sendo empurrado para atrás da cortina como sujeira escondida antes da visita da sogra. Logo depois, uma ex-ministra conhecida por declarações cinematográficas reforça o coro, afirmando que a prisão foi “desnecessária”. Na cabeça desse pessoal, existe aparentemente um calendário oficial definindo qual

é o dia apropriado para prender alguém sem atrapalhar a programação dos escândalos. E, para apimentar ainda mais a fofoca institucional, surgem suspeitas espalhadas nas redes de que o tal ministro careca teria “ligações indiretas” com o banco implodido, fato que poderá ser comprovado em um futuro próximo, tudo dependerá da veracidade da situação e daqueles que a contarão. Entretanto, se esse tipo de conexão bastasse para decretar culpa no Brasil, não sobraria ninguém fora do xadrez, talvez nem para operar o elevador do Planalto. No fim, o país inteiro se torna plateia permanente desse circo que se auto-alimenta, um espetáculo de fumaça, trapézio quebrado e palhaços trocados semanalmente. Cada semana traz um incêndio novo debaixo da lona. E o povo segue ali, firme, mastigando pipoca e repetindo com aquele misto de orgulho e desespero que só brasileiro entende: “Só aqui mesmo.”

n Expositores apresentam seus cães durante mostra promovida pelo Kennel Clube do Rio Grande do Sul

Clube incentiva criação responsável de cães de raça

Kennel Clube do Rio Grande do Sul orienta criadores e regula registros de canis, reforçando compromisso com boas práticas

TEXTO | GUILHERME PEDROSO ALVES FOTO | THÁBIA PADOIN

n

Há mais de 80 anos fazendo parte da história da cinofilia brasileira, o Kennel Clube do Rio Grande do Sul (KCRGS) é a mais antiga associação de direito privado, sem fins lucrativos, dedicada à criação e registro de cães de raça no Estado. Com sede em Porto Alegre, o clube é reconhecido pela Federação Cinológica Internacional e responsável por regulamentar a filiação de donos de canis, qualificando-os para obter exemplares de alto nível técnico.

Diretor de Criação do KCRGS, André Rafael Plentz, 62 anos, é veterinário e atua no ramo cinófilo há cinco décadas. Segundo ele, “a função de todo criador é aprimorar a raça, ao mesmo tempo em que a mantém dentro de um bom padrão”. A participação dos associados envolve trocas de experiências e contato direto com profissionais renomados, além de reforçar o compromisso com o bem-estar dos cães, documentando adequadamente as

necessidades específicas conforme suas características.

Em meio aos recorrentes casos de exploração animal e flagrantes de condições precárias, pesquisa do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais (DPDA), realizada entre 2022 e 2023, indicou que 45% dos 440 municípios brasileiros envolvidos na consulta não possuem um órgão específico responsável pelo controle de criação e combate aos maus-tratos, enquanto 65% não têm qualquer plano para o enfrentamento do problema.

No KCRGS, a fiscalização ainda é insuficiente. “Deveria haver um acompanhamento melhor. Acredito que o próprio clube acha isso”, comenta Plentz. Ainda não há um setor específico responsável, mas a associação possui controle de fiscalização por meio dos registros. “Quando percebemos algo errado ou recebemos denúncia, averiguamos. Há casos, por exemplo, em que criadores registram filhotes de uma cadela e, em menos de quatro meses, já querem registrar uma nova ninhada do mesmo animal”, denuncia.

n 101 VIRALATAS

ONG acolhe animais abandonados

n Em Viamão, a ONG “101 Viralatas” tem transformado histórias de abandono em finais felizes. Com um trabalho dedicado à adoção, a instituição abriga e cuida de 400 animais resgatados das ruas, oferecendo a eles a oportunidade de ter um lar.

Fundada por Aline Orestes Vieira e Vladete Orestes Vieira, a ONG nasceu do amor pelos animais e do desejo de dar uma nova chance àqueles que foram deixados para trás. “Começamos pequenos, acolhendo poucos animais, mas sempre com o mesmo intuito de garantir que cada um encontre um lar amoroso e definitivo”, conta Vladete, presidente da “101 Viralatas”. O processo de adoção é realizado com cuidado e acompanhamento. Antes de serem disponibilizados, os animais passam por atendimento veterinário, são vacinados, castrados e recebem acompanhamento até estarem preparados para o novo lar. “O foco é que o adotante entenda a responsabilidade e o compromisso de acolher uma vida. Por isso, fazemos entrevistas e visitas, buscando garantir que a adoção seja segura e duradoura”, explica Vladete.

As redes sociais da “101 Viralatas” representam uma ferramenta fundamental para unir os animais aos seus futuros cuidadores. Foi assim que Aline da Silva Flores, adotante, encontrou o “Fred”, seu novo companheiro. “Estávamos passando pelas enchentes e vi publicações da ONG no Facebook. O processo foi muito regrado e cuidadoso. Hoje, o Fred já está acostumado com as minhas filhas e é parte da nossa família”, comenta. Aline relata que, nas primeiras semanas, a adaptação do animal ao novo lar foi desafiadora. Segundo ela, Fred demorou para entender que aquela seria sua casa definitiva. “Para mim e minhas filhas, foi um período difícil, pois ele ficava muito sozinho e acabava mordendo os móveis e arranhando as portas. Porém, com a ajuda da Vladete, conseguimos acostumá-lo, comprando brinquedos e dedicando mais tempo aos passeios”, expõe Aline.

A comercialização de cães de raça se tornou um dos principais debates éticos no contexto da cinofilia. Embora a instituição não aborde diretamente a questão, orienta os criadores a seguirem práticas responsáveis, priorizando o bem-estar animal acima do lucro. André aponta a venda como o maior desafio: enquanto alguns mantêm seus canis por hobby e buscam vender um animal apenas para recuperar parte do investimento, outros acabam se valendo da exploração comercial e do excesso de reprodução, colocando em risco a saúde e a integridade dos cães. Por conta desses casos, qualquer forma de venda tende a ser vista de maneira negativa, distorcendo o propósito ético que o próprio clube busca preservar.

Apesar dos desafios, o Kennel Clube do Rio Grande do Sul segue fortalecendo sua infraestrutura e realizando atividades que reforçam as diretrizes norteadoras da cinofilia. A instituição conta com estádio cinófilo, onde promove eventos de exposição e, em breve, retomará a realização de aulas de adestramento.

Como adotar é um ato de amor e responsabilidade, a ONG promove campanhas de conscientização sobre adoção e castração. Seu principal objetivo é incentivar a população a adotar e não comprar animais. Por isso, cada adoção é comemorada pela equipe da ONG.

n Filhotes nascidos na ONG passam por cuidados veterinários antes do processo de adoção

28 n VOLUNTARIADO

Animais silvestres encontram abrigo em ONG na capital gaúcha

Trabalho de cuidado da vida silvestre passa por coletivos da região e pelo resgate de animais como gambás

TEXTO | ANANDA APOLINARIO

E ARTHUR MAYER

FOTO | CAIO BASEGGIO

E EDUARDA STANOSKI

n A ONG Voluntários da Fauna, idealizada em 2019 pela médica-veterinária Gleide Marscino, em Porto Alegre, dedica-se à recuperação e preservação de animais silvestres e conta com o apoio de veterinários especializados, estagiários, biólogos e moradores da região.

“Esse projeto nasceu do desejo de preservar espécies locais e devolver ao ambiente natural animais que, por algum motivo, chegaram debilitados à clínica”, explica a veterinária e voluntária Vívian Sampaio, ao pontuar que o segundo semestre costuma ser o período de maior procura por atendimento, devido à proliferação de filhotes. Em média, a ONG recebe 5 mil animais por ano, sendo 62% de aves, 35% de mamíferos e 3% de répteis. As espécies mais comuns incluem ouriços, bugios, aves aquáticas e de rapina, além de gambás, que ainda sofrem com preconceito e maus-tratos.

Após a chegada dos animais à ONG, o primeiro passo é o acolhimento, que inclui uma conversa com quem realizou o resgate. Logo após é realizada a triagem veterinária, cirurgias - quando necessárias – e posterior recuperação. A soltura ou transferência dos animais para outros espaços só acontece com a autorização dos órgãos governamentais.

A ONG não realiza resgates, envolvendo-se exclusivamente

n Filhotes de gambás são soltos na natureza após período de reabilitação

ral, acontece devido à expansão urbana que "forma ilhas verdes, obrigando os animais a cruzar pelas residências e ruas para encontrar alimentos". Os gambás se alimentam com um pouco de tudo, incluindo frutas, restos de lixo, até aranhas, cobras, escorpiões e caramujos. Imunes ao veneno, eles são predadores naturais destas espécies que, quando fora de controle, representam perigo à saúde pública. Em áreas urbanas os gambás costumam sofrer ataques de outros animais, como cachorros e gatos. Entretanto, há diversos registros de morte intencional causadas por moradores que não reconhecem sua importância na fauna local. Casos de queimaduras com água quente e óleo fervente ainda são recorrentes a esses animais inofensivos que desempenham papel crucial no equilíbrio da fauna. Isso se dá por conta de pessoas que acabam tendo medo da espécie, em especial, por conta de uma crença equivocada de que eles usam um jato de urina como forma de defesa. Essa confusão ocorre devido aos nomes populares que fazem com que muitas vezes o gambá seja confundido com o zorrilho, espécie que, de fato, é capaz de produzir um jato com substâncias malcheirosas.

No caso do gambá, o odor característico aparece principalmente para atrair parceiros, ou em situações de extremo estresse. Ainda assim, não é tão forte quanto aquele de personagens que costumamos assistir em desenhos animados.

A constante presença desses animais em cidades acontece devido à expansão urbana que forma ilhas verdes, obrigando os animais a cruzar pelas residências e ruas para encontrar alimentos.”

Izidoro Sarmento Amaral Biólogo

na reabilitação dos animais que chegam à clínica. De acordo com Vívian, a limitação do trabalho realizado pelo projeto ocorre devido ao reduzido número de voluntários. Por isso, a cooperação de órgãos públicos, como o Ibama e a Secretaria do Meio Ambiente, é essencial. “Caso o animal não tenha condições de retornar à natureza, esses órgãos direcionam o bicho para locais

adequados como zoológicos ou centros especializados”, aponta a veterinária. Embora a ONG “Voluntários da Fauna” seja responsável pelo atendimento clínico, o resgate inicial acontece através de parceiros locais, a exemplo do Coletivo Mato do Júlio, que também atua de maneira voluntária na região de Cachoeirinha e nas cidades vizinhas, localizando e recolhendo

animais em áreas urbanas. É por meio desse coletivo que vários animais em situações de risco chegam à clínica parceira da ONG. Entre muitos casos de resgates realizados, há uma espécie que aparece com frequência, o gambá. A constante presença desses pequenos animais marsupiais em cidades, segundo o biólogo voluntário do Mato do Júlio, Izidoro Sarmento Ama-

O trabalho da “Voluntários da Fauna” pode ser apoiado por doações via Pix: 35815847000109. A ONG também recebe doações de alimentos, equipamentos e recursos, além de vender produtos personalizados. Assim como a ONG, o Coletivo Mato do Júlio também mantém seu funcionamento por meio da venda de camisas, broches e bonés, além de doações através do Pix: salveomatodojulio@gmail.com

Tais projetos mostram que, com dedicação e apoio da comunidade, é possível transformar a realidade de animais fragilizados e devolver a eles a chance de viver. Acompanhe, também, o trabalho nas redes sociais: @voluntariosdafauna e @matodojulio.

A ocupação que reformula o espaço público de Porto Alegre

Embalados por música eletrônica, coletivos transformam festas de rua em local de resistência cultural

n O final de semana chega na região metropolitana de Porto Alegre e a capital se torna o cenário perfeito para aqueles que buscam um pouco de diversão. O plano é o seguinte: curtir a noite com os amigos, de preferência, sem gastar muito. Calçadas e praças públicas são o ponto de encontro. A música embala, o ritmo contagia, expressões artísticas independentes invadem as noites em que coletivos de música eletrônica redefinem espaços públicos da cidade com ações culturais gratuitas.

Dentre essas ações, surge o Coletivo Plano, que está presente desde 2017 nas ruas da capital. A primeira festa surgiu a partir de um evento criado pelo Facebook, com o objetivo de reunir as pessoas na rua para escutar música. Após quase 10 anos, o Plano junta cada vez mais pessoas, em espaços que celebram a diversidade cultural da cidade. As principais influências estão em coletivos e festas da própria região, como a Vorlat Cerne e o Coletivo Arruaça. Além da cena local, eventos noturnos de São Paulo, como a Mamba Negra, também influenciaram. Assim, os coletivos abraçam diferentes comunidades, dando espaço para que pessoas marginalizadas difundam a cultura underground a partir da música eletrônica, segundo o Coletivo Plano. Só que ocupar os espaços públicos não é uma tarefa simples para esses grupos. O Coletivo Plano, por exemplo, não faz mais eventos sem autorização pública devido a denúncias feitas por moradores da região, que reclamaram do som alto vindo da festa. “Tivemos que mudar o evento de lugar enquanto ele acontecia. Fomos da Praça da Alfândega para o Anfiteatro Pôr do Sol. Procuramos sempre manter o diálogo aberto com a vizinhança para que tudo ocorra bem”, explica o coletivo.

Porém, a ajuda do poder público para que essas festas ocorram, é mínima, segundo os organizadores. Muitas vezes, os coletivos de rua passam por restrições de local e hora, especialmente pelo chamado “horário de silêncio”, que exige a diminuição do som a partir das 22h e fica mais exigente com o passar da noite.

Para Jonara Cordova, jornalista e pesquisadora do Cultpop, Labora-

tório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), essas restrições partem dos próprios comércios que ficam nas redondezas de onde esses eventos acontecem, tornando esse tipo de festa quase impraticável: “No Brasil, temos mecanismos

n Música, arte e convivência transformam eventos ao ar livre em palco de diversidade

Quando tomamos essas decisões, fortalecemos o senso de coletividade que sustenta tudo o que fazemos.”

Coletivo Plano

de incentivo à cultura popular e de rua, inclusive. O caminho, sem dúvidas, seria escolher melhor os nossos representantes”.

Os estudantes Bruno Campos e Manoella Lucena, que frequentam essas festas, também percebem os problemas, e consideram cada vez mais visíveis. “A política do Estado acabou com os eventos de rua, chegando ao ponto de ter cavalaria a partir da 1h da manhã na Cidade Baixa”, conta Manoella. “Acredito que ter um evento como o da Coletivo Plano, que segue firme e tem um apoio e representatividade das minorias, ajuda na recuperação dessa cultura de rua que já existiu na região”, complementa Bruno.

O grande desafio está nas limitações impostas por políticas que ainda não reconhecem o valor social e cultural das festas de rua. Os coletivos procuram outras for-

mas de continuar mesmo após o horário de silêncio. Para o Coletivo Plano, uma forma de manter as atividades durante a noite veio a partir da criação dos afters, que são eventos fechados feitos após a festa de rua. Para continuar acessível, os ingressos são vendidos a partir de R$ 15, além de contar com listas de acesso que garantem a entrada gratuita para pessoas pretas, trans e indígenas.

n IDENTIDADE

Os coletivos se tornam importantes por conseguirem reunir diferentes comunidades dissidentes a partir das festas de música eletrônica, que geralmente acontecem em grandes festivais. Algo que pode estar fora da realidade de grupos marginalizados.

Além disso, os coletivos são formados por artistas e produtores que

compartilham da mesma realidade social, o que fortalece o senso de identidade que eles buscam trazer. “Um exemplo é o coletivo Turmalina, formado integralmente por pessoas pretas, e o coletivo T, formado majoritariamente por pessoas trans. Isso destaca a importância dessa dissidência de gênero na cena eletrônica de POA”, exemplifica a pesquisadora Jonara.

A identidade é o maior vínculo que os coletivos conseguem ter com a comunidade e isso incentiva cada vez mais a participação das pessoas nos eventos, que reúnem música, arte e performances em um mesmo lugar. “Os coletivos têm um posicionamento forte contra qualquer forma de discriminação. Isso faz com que o público compartilhe desses valores, criando um espaço mais seguro para a afirmação e expressão de identidades diversas”, diz Bruno.

A diversidade e a representatividade guiam as escolhas feitas pelo Coletivo Plano, principalmente na curadoria de artistas escalados para os eventos. Os line-ups, que são a programação do evento, buscam valorizar nomes locais e em início de carreira, que dialoguem com a proposta do tema da festa. “Quando tomamos essas decisões, fortalecemos o senso de coletividade que sustenta tudo o que fazemos”, conclui o coletivo.

n PRÓXIMO PLANO

Além de estarem criando um espaço cultural na capital, o Coletivo Plano busca consolidar sua presença em todo o Brasil, conectado a outros grupos de música eletrônica underground e, se possível, fora do país também. Para o coletivo, o mais importante não é a ocupação, mas como cuidar desses locais, para que continuem sendo palco de futuros eventos. “Queremos promover ações sustentáveis em nossas festas, reduzindo os impactos ambientais e estimulando uma relação mais responsável com os espaços ocupados”, informa a equipe do coletivo. O trabalho dos coletivos redefine a cultura urbana ao ocupar ruas e espaços públicos com música, arte e convivência, promovendo diversidade e inclusão de forma acessível. Através disso, é possível unir diferentes comunidades e manter os espaços públicos da cidade vivos a partir da cultura, política e lazer, fora de circuitos comerciais ou formais.

30 n MEMÓRIA

n Antiga residência de Dyonélio Machado, no bairro Petrópolis, é cenário de mobilização da capital

Bairro Petrópolis é palco de resistência literária

Movimento “Salve, Dyonélio” luta pela preservação patrimonial em Porto Alegre e pelo resgate da memória de autores gaúchos

nLeitores, estudantes e interessados reúnem-se pela preservação da memória de um autor regional pouco conhecido fora do eixo literário: Dyonélio Machado. O projeto sociocultural “Salve, Dyonélio!” é destinado à conservação da casa onde viveu o escritor, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Com frequência, são realizadas visitas guiadas pela região – as Caminhadas Literárias–, com leituras coletivas e debates acerca da importância da manutenção de patrimônios na cidade. O grupo também instiga o contato com a literatura gaúcha, ao relembrar a trajetória de outros autores gaúchos, como Caio Fernando Abreu, Josué Guimarães e o recém-falecido Luis Fernando Verissimo.

O movimento, surgido em 2022, iniciou em reação à súbita demolição da casa de Caio Fernando Abreu. A negligência à conservação do patrimônio gaúcho motivou os interessados a mobilizarem-se pela preservação da residência de Dyonélio Machado. Em princípio, foram reunidos materiais fotográficos e recordações atreladas à sua vida e obra, com o intuito de propagar a imagem do autor, com a formação de um acervo. A partir dessa iniciativa, o projeto ampliou sua atuação e passou a realizar Caminhadas Literárias pelo bairro Petrópolis. Os encontros, desde então, tornaram-se mais frequentes e, a cada dia, acumulam mais membros engajados pela defesa patrimonial da casa. Jonas Dornelles, fundador do projeto, explica que “o movimento representa uma parcela da população descontente com a destruição dos espaços de memória, assim como com o sucateamento dos órgãos de proteção do patrimônio”. Nesse sentido, “busca-se uma relação de diálogo com o poder público, principalmente instâncias como o Ministério Público e o Tribunal de Justiça, que procuram defender os direitos da sociedade perante grupos de interesse privado”, continua. A organização, então, está pautada

em uma intersecção direta entre a força coletiva e a tramitação jurídica patrimonial, que permanece obstaculizando o sucesso da iniciativa.

Os desafios enfrentados pelo movimento, relata Jonas, estão centrados nas relações para com o Poder Público. Ele destaca que o processo de reforma administrativa realizado pelo governo Melo, no início de 2025, demarcou um grave empecilho. “Isso gerou um processo de desmonte e desregulamentação dos órgãos de controle do patrimônio, já que autorizou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS) a emitir sozinha licenciamento para obras que, antes, deveriam ser avaliadas pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc), órgão ligado à Secretaria Municipal da Cultura”, constata.

A possibilidade de que a residência venha a transformar-se em um centro cultural, hoje, é pequena. Por ser uma propriedade particular, a articulação depende estritamente da vontade do proprietário – que não parece ter a intenção de reformá-la. Para que essa transformação ocorresse, a casa teria de ser adquirida pelo Estado, o que demanda interesse político. Jonas, desiludido, afirma que “ao invés da preservação, há em curso um processo de desregulamentação e precarização dos órgãos responsáveis pelo Patrimônio Histórico e Cultural no Estado”. Assim, como não há fomento à memória cultural da região, a aquisição do imóvel pelo Poder Público também é dificultada. No entanto, apesar dos obstáculos enfrentados desde sua consolidação, o projeto tam -

bém tem alcançado conquistas significativas. “Em novembro de 2022, a casa de Dyonélio Machado foi inventariada pelo Município de Porto Alegre, resultado direto da campanha realizada pelo Movimento “Salve, Dyonélio!", comenta Jonas. O grupo solicitou à Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC) a inclusão do imóvel na lista de bens inventariados, disponibilizando registros documentais que subsidiaram os debates no Conselho do Patrimônio Histórico Cultural (COMPAHC). Atualmente, a residência do escritor é inventariada como “Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do Município de Porto Alegre”, consequência da mobilização e interferência dos membros do movimento.

Dalvyn Nunes, bibliotecário, 27 anos, participa do movimento há dois anos e descreve que o contato com o projeto o aproximou da literatura de Dyonélio. “Foi através das Caminhadas Literárias, passando pela casa do autor, que me pareceu urgente a leitura de alguma obra sua. Então, comprei uma edição usada de ‘Os Ratos’ e tive uma grata surpresa: tornou-se um dos meus livros favoritos”, comenta. Ele aponta também que, desde sua entrada no movimento, incrementou o consumo da cultura gaúcha e conheceu diferentes

pessoas com interesses em comum. “Conheci pessoas que sonham com uma Porto Alegre que preserva seu patrimônio histórico e mantém viva a memória de seus escritores”, expõe. Na perspectiva de Dalvyn, é preciso estar atento aos descasos passados para que a trajetória de abandono estatal não se repita. “É importante lembrar do que aconteceu com a casa do Caio Fernando Abreu, derrubada às pressas para que não chamasse a atenção do Poder Público”, afirma. A recordação das tragédias culturais ocorridas é fundamental para a construção de novos caminhos, mais atentos à cultura local. Para ele, “hoje, o discurso em torno do ‘progresso’ é mais importante, e, assim, se passa por cima do patrimônio histórico, como se esse fosse um empecilho”. Conclui, ainda, pessimista: “A cidade engole sua história e vomita desenvolvimento”.

O estudante Enzo da Silveira, 19 anos, adentrou no universo literário de Dyonélio a partir das Caminhadas. Conheceu a iniciativa nas páginas de Zero Hora. A divulgação, aqui, tem um importante espaço: para além das redes sociais, a propagação do movimento em mídias impressas é capaz de ampliar o alcance de público. Ele assinala que o contato com os eventos alterou sua ótica sobre a capital: “o projeto sugere a

rua enquanto lugar prenhe de história”, compartilha.

“Salve, Dyonélio” ainda representa a força popular e o poder de construção coletiva. Não há recursos ou apoios estatais que financiem o movimento. É por essa razão que ele enfrenta desafios de ordem econômica e estrutural, que são inerentes à escassez de fundos de investimento. Além disso, aprimoramentos culturais também são levantados pelo público. Questionado acerca da realização de possíveis melhorias, Enzo sugere que “a mais ativa intervenção dos colaboradores, esmiuçando aspectos arquitetônicos e políticos, faria bem ao projeto”.

Aos interessados, é possível contribuir diretamente por meio da divulgação nas plataformas sociais, bem como pela participação nas Caminhadas e demais propostas. A cobrança ao Poder Público pela mudança na metodologia de gestão também tem lugar, já que a recente reforma administrativa prejudicou os órgãos atrelados ao patrimônio. A colaboração de novos membros pode favorecer a expansão do projeto e, consequentemente, o alcance de novos triunfos. Conforme Jonas, “toda vitória no âmbito da preservação do patrimônio permite ressignificar nossa identidade coletiva, transmitindo um legado de orgulho de nossa história cultural para as novas gerações”.

A cidade engole sua história e vomita desenvolvimento.”
Dalvyn Nunes Bibliotecário
n Leitores celebram autores gaúchos em edição da Caminhada Literária
DIVULGAÇÃO / SALVE DYONÉLIO

Portal reformulado para reunir produção multimídia do curso de Jornalismo

n

O novo portal da Beta Redação foi reformulado para reunir, em um só lugar, tudo o que o curso de Jornalismo da Unisinos produz nos campi São Leopoldo e Porto Alegre. A proposta é criar um ambiente que concentre reportagens, entrevistas, perfis, vídeos, podcasts, produções impressas e também o

acesso às redes sociais da Beta, deixando a produção dos alunos mais organizada e fácil de encontrar.

Segundo a professora Mariana Oselame, responsável pela coordenação do portal, as mudanças ainda estão em andamento, mas a estrutura principal já está definida. A aba “Sobre” traz informações do curso e, em breve, contará com mais detalhes sobre la -

boratórios, atividades práticas e notícias institucionais, um espaço pensado para quem quer conhecer melhor a rotina do Jornalismo.

A sessão “Notícias” organiza as matérias produzidas nas disciplinas, reunindo reportagens, entrevistas e perfis feitos com orientação dos professores. As produções impressas têm um espaço próprio, assim como os podcasts e outras iniciativas

Beta Esporte no Gauchão Feminino

A turma de Beta Esporte da Unisinos viajou a Caxias do Sul, no Estádio Alfredo Jaconi, para cobrir o primeiro jogo da final do Gauchão Feminino 2025 — Juventude x Grêmio — realizado em 16 de novembro. A cobertura contou com reportagem, fotos e posts em redes sociais, aproximando prática acadêmica e mercado.

Nas arquibancadas da final, mais do que torcida: a moda esportiva tomou conta. O estilo dos torcedores do Juventude misturou camisas retrô, bonés verdes e jaquetas autografadas em desfile espontâneo. A matéria revela como a estética virou expressão de clube e identidade.

Negócios em pauta na Beta Economia

Uma alergia a metais pesados fez mãe e filha transformarem um problema em oportunidade: nasceu uma marca de cosméticos veganos, naturais e acessíveis. A reportagem mostra como o empreendedorismo familiar virou alternativa segura e sustentável no mercado da beleza.

A história da Gisa’s revela como uma tradição familiar se tornou negócio: o cultivo de morangos “abençoados” por São Guiseppe. A matéria acompanha o trabalho da família, os bastidores da produção artesanal e o impacto econômico dessa tradição na comunidade.

Mapa das praças em Jornalismo de Dados

dos alunos. A área de vídeos reúne conteúdos do YouTube e trabalhos audiovisuais feitos em aula.

O portal também ganhou uma aba de arquivo, preservando produções anteriores à criação da Beta Redação. Com isso, o site reforça seu papel como vitrine do curso: é onde muitos estudantes assinam sua primeira matéria e começam a aparecer para o mercado.

Produções multimídia no YouTube e Spotify

Em paralelo, as redes sociais vêm sendo atualizadas pelos monitores para dar ainda mais visibilidade às produções. O objetivo da reformulação é simples: criar um portal vivo, que valorize o que os alunos produzem, fortaleça a prática jornalística na universidade e mostre ao mercado a qualidade dos futuros profissionais formados pela Unisinos. Veja alguns destaques:

As produções de audiovisual do curso ficam concentradas principalmente no YouTube da Beta Redação, onde são publicados os vídeos produzidos nas disciplinas de audiovisual e outros projetos dos alunos. Já os podcasts são disponibilizados no Spotify, reunindo programas e outras iniciativas criadas nas aulas. Essas duas plataformas ajudam a dar visibilidade às produções e facilitam o acesso do público aos conteúdos feitos pelos estudantes. Dá o play!

Seguimos também no Instagram!

As produções e coberturas dos alunos também ganham destaque no Instagram da Beta Redação. Por lá, você acompanha reportagens, bastidores, vídeos, fotos e o dia a dia das disciplinas. Siga e fique por dentro do que está sendo produzido.

Reportagem premiada!

Um mapa interativo com a lista de praças adotadas por empresas na cidade de Porto Alegre foi produzido pela turma de Jornalismo de Dados em colaboração com o Observatório de Transparência de Porto Alegre, uma parceria da ONG Fiquem Sabendo, especializada no acesso a dados públicos, com os cursos de Jornalismo da Unisinos, PUCRS e UFRGS.

O 5º Prêmio Themis de Jornalismo é delas! A reportagem revela que quase quatro mil crianças vivem acolhidas em abrigos no RS, mas só 14% estão aptas para adoção. Parabéns às autoras Bárbara Neves, Luisa Bell, Bárbara Buhler e Eduarda Cidade pelo reconhecimento merecido!

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.