Eternas Reticências

Eternas

Reticências ... Nicole Castellan Deppe ...

Assim como o oceano Só é belo com luar Assim como a canção Só tem razão se se cantar Assim como uma nuvem Só acontece se chover Assim como o poeta Só é grande se sofrer Assim como viver Sem ter amor não é viver Não há você sem mim E eu não existo sem você

Eternas

Reticências ... Nicole Castellan Deppe ...

Nasci pra ser eterna reticências... não me mostro amiúde por completo, porque assim sempre haverá algo de mim a ser descoberto.

Nicole Castellan Deppe

Pedantismo gramatical, o mal dos antipáticos Certa feita, ao ouvir o saudoso Exmo. Ministro Marco Aurélio Mello dizer que o Presidente da Corte deveria restringir-se a coordenar a ação de seus pares, “servindo de algodão entre cristais”, analogia por sinal muito bem empregada, percebi, repentinamente, que há tempos eu também fora acometida desse mal (ou seria, quiça, uma patologia?).

Sim, porque há vezes, não raras, em que padeço de pequenas síncopes ou acometem-me mini-AVC’s, a depender do teor daquilo que leio ou escuto.

Sinto como que reflexos corporais involuntários que tencionam, a todo custo, desvelar minha insatisfação frente ao menor deslize ortográfico, morfológico ou sintático. Percorre-me, pois, o corpo, certa espécie de descarga elétrica que me apruma os pelos e me ouriça a nuca.

Os lábios, então, se me retesam como que para evitar que me saltitem boca afora as palavras corretas, a boa conjugação verbal, o uso inflexivo dos advérbios, das conjunções e conetivos e o enlaçamento perfeito de todas essas classes na formação de uma oração fluida, clara, escorreita e, por que não, poética.

Mas meu corpo insiste em me trair!

Por mais que tente coordenar todos meus reflexos corporais para que não deixem transparecer o verdadeiro misto de arrepio, vergonha alheia e estranheza que aquilo me causou, ainda assim o perfeccionismo resplandece, travestido de antipatia.

E eu, no afã de conter meus chiliques linguísticos involuntários, contorço-me em uma vã tentativa de brecar os sinais emanados de cada mísero pedaço de meu corpo. E, então é tarde!

Já dei na vista! Foi-se!

Quando revirei os olhos, quando torci o nariz, franzi a testa ou mordisquei o lábio, foi-se minha infeliz tentativa de deixar o “menas” passar despercebido. Foi-se minha ensaiada discrição ao repetir a frase, dita equivocadamente, com o acréscimo da forma correta.

Assim: “Verdade, minha filha se entretém com essa boneca”, sutilmente corrigindo o doído “ela se entrete com essa boneca né?”. Há um tempo, escutei que o atendimento público de saúde atende de acordo com a “faixa etária de renda” da pessoa. Aí meu olho começou a dar faniquitos e, sem perceber, eu já transformara a boca em um recôncavo retorcido. Às vezes, preciso de forças para deixar passar o “isso é para mim fazer” ou aquele “ontonte, quando teve o jogo”. Eu sei que a chatice é minha e eu que lute com ela, mas assim como escrevo, eu também falo.

Então, fico repetindo “para EU fazer” e “para TU fazeres” umas 450 vezes ao dia, até que, vez ou outra, alguém tenta me surpreender, dizendo: “esta conversa será entre eu e tu”. E eu retruco: “Opa! Pera lá! Entre MIM e TI” e a pessoa enlouquece comigo porque diz que eu repeti o dia todo que “mim não ex-

iste”. E não há argumentos que provem que eu disse apenas que mim não conjuga verbo.

Triste e solitária a vida dos pedantes mal-compreendidos, muitos dos quais eruditos, deveras. Outros, todavia, chatos, prolixos e antipáticos. Em qual desses grupos hei de encaixar-me?

Espero, todavia, esclarecer que não corrijo ninguém, longe de mim (sofro calada mas não verbalizo)! Exceto, por óbvio, meus filhos e aqueles de quem recebo autorização expressa.

Aliás, quanto aos primeiros, faço mesmo questão! Corrijo o “mamá” da minha pequena para que diga o som anasalado que derrete meu coração: “mamã”!

Ah, e me encho de orgulho se ouço o mais velho, de 6 anos, verbalizando palavras e expressões mais elaboradas, como as corriqueiras “catástrofe”, “cataclisma”, “eficiente”, “nossa caixa de guloseimas” e “posso levá-lo conosco?”, “Mãe, fiz a Lia sorrir!”

Dia desses perdi o rebolado com ele quando, ao indagar-lhe sobre se havia terminado sua tarefa, ele respondeu: “receio que não!” Imediatamente esqueci a tal tarefa e ceguei-me de amor e orgulho a tal ponto que eu mesma passei a recear que ele notasse. Acho que o danado já percebeu que as palavras dele, seu domínio lexical, me descompensam e ele as usa, agora, em seu favor.

No dia em que, além da próclise, mesóclise e ênclise, ele souber usar o “cujo” (refiro-me ao pronome relativo mesmo, não ao dito...), e perceber que “oxítona” e “paroxítona” levam acento porque são proparoxítonas, então meu deve estará cumprido.

Com eles, converso como o faço com qualquer pessoa, sempre em busca da forma mais escorreita e usando os mais diversos sinônimos!

Aqui é vedado o mimimi. Nada de diminutivos e onomatopeias. Volta e meia, venho e tasco: “Olhem, um batráquio à nossa porta!” ou, então, “Chega desta celeuma, que, nesta casa, algazarra tem hora!”.

Sou também afeta aos neologismos. Então, antes que me “futilizem” de graça, já aviso que sei que nada, absolutamente nada disso nos define e penso até que ponto precisamos escrever e falar bem se o objetivo final, apesar de tudo, é simplesmente comunicar-se, é enviar a mensagem.

Mas acontece que esta é justo a brincadeira que me diverte: a fluidez com que as palavras saltam no papel e a sonoridade de uma frase bem falada.

Desde pequena, meu passatempo era descobrir novas palavras e seus significados e incorporá-las na fala e na escrita diária por pura satisfação. Eu as usurpava da linguagem formal, para delas lançar mão em meus colóquios cotidianos.

Meus pais muito me incentivavam e também, seguidamente, me desafiavam com seus “ósculos”, “amplexos”, “convescotes”, “acepipes” e “vicissitudes”.

Não me diziam o que significavam. Eu mesma deveria descobrir. E, agora, carrego comigo meus dicionários digitais e deles me valho quase que diariamente.

Lembrei-me, aliás, que, em priscas eras, antes ainda do novo acordo ortográfico, um professor de Direito do Trabalho corrigiu-me uma palavra que escrevi na prova: “seriíssimo”, assim mesmo, com dois “is”. Disse ele que, se a coisa era mesmo

muito séria, então era “seríssima!”, com um “i” apenas!

Eu, por certo, revidei: “Acontece, professor, que os adjetivos terminados em ditongo crescente ‘io’, ao serem convertidos para o superlativo absoluto sintético, duplicam o ‘i’. Veja o Senhor que a regra vale para ‘sério’ e para ‘feio’, de modo que é também feiíssimo corrigir quem está certo”.

E o assunto encerrou-se tão repentinamente como iniciara.

Tá legal, eu sou pedante, confesso. Já me endereçaram tantos outros adjetivos simpáticos que minha modéstia não permite repeti-los... mas entre a soberda, sinônimo de altivez, quedo-me com esta última porque é também altivo o ser sublime, digno, ilustre e generoso, qualificativos que certamente aceito com mais tranquilidade.

Agora, cá entre nós, entre mim e ti, poucas coisas são mais prazerosas que uma leitura atilada em tempos como estes, em que o sentido de tudo é quase sempre ausente.

Penso que, quando partirmos, nosso conhecimento se vai de carona. Mas não todo. A alma, o sentimento e a verdade mais intrínseca daquele que se foi permanecerão eternamente acesos em sua arte.

Minha arte é a escrita. De minha mãe também o era.

Nossa arte será, por certo, o legado dos caminhos que trilhamos, será o reflexo das dores e amores que vivemos, dos sonhos que sonhamos, daquilo que ganhamos e perdemos.

Por isso, cada leitura de uma poesia dela é um nosso reencontro e cada vez que leio algo que escrevi de coração, é um encontro meu comigo mesma.

Menino meu Meu mundo Meu maior mistério Menino meu Meio Moleque Meio maduro Mais que maroto Ainda medroso

Menino malvado Me mata de medo Me mostra o momento Em que mudo de novo Me movo Me mexo Maravilhada Com tuas manias E tuas miradas A cada manhã

Menino meloso Menino maneiro Teus malabarismos Tuas melodias Maneiam meu mundo Me mostram o caminho Me tiram a dor

Esse molejo Menino malandro E as tuas malícias Molificam minh’alma Me emergem o amor

Em muitos momentos Me acodem memórias Minam minha mente Machuca e molesta A melancolia de ver-te crescer Mais que mudanças Enxergo milagres Te encho de mimos Te ensino a viver

Menino meu Te dou o mar Te entrego o mundo Te tiro o medo Te ensino a voar

Menino levado Menino travesso Filho amado Me mostra o momento Em que morre a menina Mana a mãe Em meio à mulher

Te amo mais do que posso, menino meu, Gabriel.

Não quero promessas quebradas Nem amores fugazes Não gosto de sentimentos superficiais Encontros casuais Ou namoros virtuais Odeio palavras não ditas Sonhos vazios E ideias triviais Não me interessao por pessoas incompletas E amizades finitas A minha, ofereça seu tudo ou Ou até nunca mais

Recluso em si O CORPO despertou de novo aprisionado. Disse: - “Bom dia!”. Ou seria “boa-tarde?”.

Olhou o relógio. Marcavam 6h. E perguntou-se se eram 6 horas da manhã ou da tarde. A MENTE então respondeu:

- “Bom dia pra quem? É só mais um dia dentre tantos pelos quais somos obrigados a passar”.

O CORPO pensou nela como um ser amargurado. Mas de que importava, afinal? Acordou, era hora de romper as amarras e viver. Forçou-se a sair dali.

Vivia recluso naquela sua MENTE inquieta, dividido entre ideais intrusivos e ideias geniais. E ambos cresciam e fundiam-se em um emaranhado de pensamentos silêncios e vazios que lhe orbitavam a MENTE até o ponto em que se tornava insuportável estar preso dentro dela e era preciso explodir em palavras.

Como uma supernova. Mas diferente da estrela, achava que não dispunha daquele feixe radiante que sucede o caos. Aquilo lhe tomava toda a energia.

E então, o CORPO apenas se permitia ficar naquele estado de inércia que, a todo instante, lembrava-lhe que estar vivo não é viver. Tinha que se livrar desses pensamentos sucumbiria à

letargia que lhe consumia e assim seguia em um ciclo eterno e vicioso entre esgotar-se e estar esgotado.

A ALMA, assistindo à cena, também despertou e, sem paciência, bradou ao CORPO: - “Solte-me. Reaja! Não quero estar para sempre presa aos seus grilhões de melancolia”.

Então o CORPO voltou-se outra vez à MENTE:

“Mande-me forças! Preciso sair e viver. Dê-me um pouco de energia!”.

A MENTE, porém, irredutível, respondia:

- “Nem pensar! Preciso lançar mão deste resquício de energia que te resta para manter a apatia deplorável em que te encontras”.

Mas o CORPO insistia:

- “Já me doem os músculos, o dia está se esgotando. Serei obrigado a vagar de novo sozinho pela noite.”

A MENTE nem assim cedia, indiferente às súplicas. Cogitou o CORPO então: - “Muito bem, se não posso ter energia, reunirei toda a coragem de que disponho”.

Mas a MENTE retorquiu implacável:

- “Faz-me rir com tuas lamúrias. Larga de ser inocente e di-me: é preciso mais coragem para viver ou para morrer?”

O CORPO refletiu. Deveras. Mas a verdade é que não tinha am-

bas. A ALMA, já fatigada daquela discussão, almejando apenas libertar-se, opinou:

- “Pois bem! Se não tem coragem, ao menos acelere o processo!

Entregue-se aos vícios mundanos e encurte o caminho. Faça o atalho e me deixe sair!”

Então, desesperançado e exausto, o CORPO rogou ao deus em quem não acreditava que lhe mandasse as forças de que não dispunha. A MENTE, contudo, diante da cena, toma-se de ira e, rispidamente impassiva, retruca:

- “Ora essa agora! Clamando em vão! Bem sabes que os homens são incapazes de viver com a própria ignorância e onde não podem encontrar respostas, criam-nas em forma de deuses”.

O CORPO ficou aturdido. Se não podia ter energia, faltava-lhe coragem e não havia a quem rogar, restava-lhe entregar-ser?

Mas então, o CORAÇÃO, calado até então, de inopino manifesta-se: - “Busca-o!”

E o CORPO:

- “Buscar a quem?”

- “Ao deus em quem não acreditas”.

Confuso, o CORPO não sabia se dava ouvidos à emoção ou à razão. E ali transcorreram-se horas:

Enquanto o CORAÇÃO The CORAÇÃO lhe acalentava com esperanças, a MENTE as extorquia. E a ALMA inquieta impacientava-se aguardando, cética, o esperado desfecho. Estava aturdido e perdido naquela batalha incessante entre CORPO, MENTE,

ALMA e CORAÇÃO e tudo isso só o deixava mais apático e exaurido. Cansado da guerra e percebendo que não podia vencer-se a si próprio, viu a noite aprochegando-se e tornou a cerrar os olhos: - “DE VAGAR sem rumo, DEVAGAR cansei-me”.

O CORPO pensou nela como um ser amargurado. Mas de que importava, afinal? Acordou, era hora de romper as amarras e viver. Forçou-se a sair dali.

Eternas

Reticências ... Nicole Castellan Deppe ...