Jornal da ABI 387

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Odylo Costa, filho e Wilson na Redação do JB na Avenida Rio Branco , em 1958.

ótimo. Sempre foi um homem de talento. Disse a ele que havia achado os desenhos muito bons, mas pedi que voltasse no dia seguinte, pois eu teria que conversar com o Diretor, que estava jantando, para mostrar sua produção... "Tá bom, eu passo aqui mais tarde!", disse o Ziraldo, cheio de vontade de agarrar aquela oportunidade. O Diretor gostou e decidiu contratá-lo logo, até para não haver interrupção na publicação: saía o Borjalo e, quase que de imediato, Ziraldo entrava em seu lugar. Cheguei a fazer um texto de apresentação do novato para os leitores do jornal. "Ziraldo Alves Pinto, guardem bem este nome, que ainda será muito famoso". Escrevi isso ou alguma outra bobagem do tipo, o que deixou o Ziraldo emocionado. Mas, ao longo de décadas, nos encontramos várias vezes e eu sempre mexi com ele. "Ziraldo, você é um sujeito engraçado! Me agradece pessoalmente, mas nunca publicou isso. Nunca deu um depoimento sobre isso, dizendo que fui eu quem te revelou". Sacaneei tanto o Ziraldo com isso que, agora, acho que ele cansou e começou a falar desse episódio... (risos)

do equipamento gráfico para atender às necessidades do novo prédio, localizado na Avenida Brasil, 500. Ali o jornal provou a embriaguez do sucesso. A nova sede era o sinal exterior da opulência. Jornal da ABI – Você citou o fim da ditadura. Como foi trabalhar no período militar, pós-1964? Wilson Figueiredo – O JB era um jornal que estava por baixo, pouco mais de um caderno de classificados, por isso mesmo não tinha nada que travasse ou impedisse sua reforma. O jornal começava a sair do anonimato para se apresentar ao grande público. Neste contexto da reforma, o novo posicionamento político da publicação foi definido, em grande parte, pelo Alberto Dines. A partir do golpe, quase todos os jornais sofriam absurdamente com a censura, num confronto penoso e direto. O JB atuava com certa liberdade, pois sempre que era proibido de publicar algo, dava um jeito de fazê-lo pelas entrelinhas, de forma sutil, inteligente e sem caráter ostensivo. O Jornal do Brasil sabia burlar a censura. Dines foi um chefe de Redação com grande capacidade de pensar, e com o talento de fazer as pessoas pensarem. O JB foi um veículo publicitário competente, uma escola de jornalismo e uma empresa na qual tínhamos orgulho de trabalhar. Não havia limites para o jornalismo. Nós fomos uma espécie de 'urubus da crise' – florescemos num momento em que o País mergulhava nas trevas da ditadura militar. O Estado de S. Paulo também agia assim, mas era uma publicação mais séria, carrancuda... No lugar de uma reportagem censurada, eles publicavam versos de Camões. O JB publicava uma paródia de Camões... (risos) Jornal da ABI – Como foi o processo de saída do Dines? Wilson Figueiredo – Geralmente, chefe em jornal não dura tanto tempo como Dines ficou, acho que por 12 anos. Ele conseguiu equilibrar o jornal. Antes dele, em poucos anos, o JB teve meia dúzia de chefes de Redação. O Alberto Dines era um jovem conhecido, com boas referências junto a escritores e empresários. A sua ida para lá foi fundamental para o crescimento do jornal. Ele teve uma visão que foi correta: atendeu às necessidades de uma empresa que estava voltando ao jornalismo, pois o JB de então, como já disse, era basicamente feito de classificados. E ele soube costurar bem a relação entre a Redação e sua parte comercial. Soube conduzir as reivindicações da Redação junto à direção do jornal, e não só no aspecto salarial, mas na abertura de espaço para inovações, de tolerância, de experimentações, para se contratar mais gente, abrir campo para sobra de energia criativa. E, por outro lado, deixava claro para o pessoal da Redação que os interesses da empresa eram legítimos. Tudo era discutido, até se

achar um foco adequado, que acomodasse a situação como um todo... Jornal da ABI – Mas isso certamente gerou um desgaste... Wilson Figueiredo – Ao longo do tempo, isso cansa, não é? A repetição dos problemas cansa... E ele saiu de uma maneira inesperada para todo mundo e até para ele mesmo. Não foi uma saída negociada. Houve uma divergência, um corte na relação dele com a empresa. E, no campo do jornalismo, pelo menos de imediato, não aconteceu nada demais, não houve conseqüência, pois o Dines já havia deixado tudo definido, consolidado... Jornal da ABI – Como era exercer a função de colunista ou editorialista sob a tensão de atender às expectativas da empresa jornalística? Wilson Figueiredo – Antigamente, um dono de empresa falava diretamente com o dono de um jornal. Hoje isso não acontece, porque se um jornal apóia uma determinada companhia, em um momento de crise empresarial, a imagem do veículo será manchada. Atendendo a um pedido do Dines, assumi uma coluna no primeiro caderno do JB. O contato diário com os diretores do jornal ajudaria a temperar o tom político do espaço, que se chamou Segunda Seção e depois passou a Informe JB. Acabei saindo da coluna em janeiro de 1965, assim que o Castello Branco começou a escrevê-la. Optei por sair após algumas divergências de opinião sobre como a coluna deveria ser. Não queria que fosse um espaço para notinhas ou fofocas. Já a direção do veículo queria que seus colunistas não divergissem da ortodoxia do jor-

“O Jornal do Brasil sabia burlar a censura. Dines foi um chefe de Redação com grande capacidade de pensar, e com o talento de fazer as pessoas pensarem.”

de escola. O Governo via a publicação como um lenço no bolso – não era a sua roupa inteira. Mas funcionava como enfeite social, uma gravata bonita. Era até engraçado, pois quando mudava o Governo era um alvoroço danado, até se encontrar a nova linha editorial de coerência... (risos) Ou seja, podia até mudar a figura do senhor, mas o jornal seguia firme em sua causa. O governismo é uma causa, não é?

nal. Ficou difícil trabalhar daquele jeito. Um colunista não pode se colocar contra a empresa, mas precisa de uma margem de liberdade crítica. Saí da coluna, mas continuei como editorialista e assinando matérias.

Jornal da ABI – Pelo visto, neste caso, era. (risos) Mas e o Ziraldo? Wilson Figueiredo – Ah, sim. Um dia o Ziraldo bateu na Redação, lá em Belo Horizonte. Naquele tempo o profissionalismo estava começando – os salários não eram bons, quase todo mundo tinha mais de um emprego em jornal. Todo mundo já havia saído, já era tarde. E eu ainda estava lá. Era uma quarta-feira, acho. A Folha de Minas havia acabado de perder o seu colaborador, que era o Borjalo, que tinha vindo para o Rio, para trabalhar na Manchete. Ele fazia uma página inteira, nos moldes em que as revistas francesas faziam, com personagens e piadas. E fazia isso muito bem! O Ziraldo viu a notícia da saída do Borjalo, correu para o jornal, entrou da Redação: "Dá licença!". E eu perguntei: "E aí meu filho? O que houve? Qual é o caso?". Ziraldo, do alto de seus 18 ou 19 anos, respondeu: "É que eu vim aqui para substituir o Borjalo". (risos) E eu: "Ah, não diga... Senta aqui pra gente conversar". E ele sentou-se e começou a me mostrar seus trabalhos, daquele jeito dele, de quem se tiver que morrer assassinado é pela frente... Pá, pá, pá! Começou a tirar páginas e mais páginas e a me mostrar tudo. Era um principiante, mas tinha um trabalho

Jornal da ABI – Você foi o responsável pelo lançamento do Ziraldo? Wilson Figueiredo – Fui. Acho que ele está falando nisso agora por uma questão de consciência... (risos) Podia já ter falado há mais tempo. Está falando só agora! A Folha de Minas era um jornal do Governo e, portanto, bastante limitado em sua atuação política. No noticiário, era obrigado a se conter e a tratar da defesa dos interesses do Governo. Aliás, esse caso serve para provar que governo não pode ter jornal, porque isso simplesmente não funciona. A Folha de Minas havia sido fundada por Afonso Arinos como publicação de oposição. Dois anos depois estava quebrada, quando foi vendida para um banco que era apenas o testa de ferro – era o Governo quem a estava comprando. Eu entrei nesse jornal logo depois disso. Estávamos numa democracia, no regime constitucional instaurado em 1946. Entrei em 1949 e lá fiquei até 1957, quando vim para o Rio. E aprendi muita coisa, era uma gran-

Jornal da ABI – Queria começar a falar do livro E a Vida Continua – A Trajetória Profissional de Wilson Figueiredo, lançado em 2011, pela editora Ouro Sobre Azul. Causou surpresa essa obra, pois você sempre teve aversão à idéia de uma biografia... Wilson Figueiredo – Isto foi resultado de um convite que a empresa em que trabalho atualmente me fez. Aqui, na FSB Comunicação, sou muito mais velho que todo mundo. Estou com 88 anos! E aqui é tudo garotada! O próprio dono deve ter uns 20 ou 30 anos a menos que eu. Fui me acomodando aqui e ali, e acabei virando para esse pessoal mais jovem uma espécie de referência. Sou 'o jornalista velho', que tem mais experiência. E aí me perguntam: 'Wilson, como é que a gente resolve este ou aquele problema? Como é que foi mesmo aquela história do Getúlio?'. E aí experimento sempre uma coisa muito boa, que é o jornalismo que traz. Jornal da ABI – Exatamente o quê? Wilson Figueiredo – O jornalismo reordena diariamente o seu modo de ver a própria História. Se você não lembrar das coisas, ou não souber relacioná-las com os novos acontecimentos, de nada valeu. Você ficou pra trás! Eu acompanhei o Brasil desde o Estado Novo – em 1937 eu tinha 13 ou 14 anos, e já lia jornal! Havia um esforço, uma tentativa de mobilização da opinião pública para a Guerra. E o Brasil não estava preparado para entrar nela. Primeiro, pelo fato de que tínhamos um Governo de direita. E havia um veto e uma censura permanentes à imprensa, de forma como não havia como pensar numa democracia por aqui – nem de

JORNAL DA ABI 387 • FEVEREIRO DE 2013

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