Jornal da ABI 386

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LIBERDADE DE IMPRENSA

Brasil subiu em mortes de jornalistas em 2012 Encerrado o ano, o País foi considerado o quinto mais perigoso do mundo para profissionais de comunicação.

MUNIR AHMED

O Brasil desponta em 2012 entre os mais letais do mundo para os jornalistas nas análises das principais organizações internacionais defensoras da liberdade de imprensa. Todas elas registram um aumento expressivo da violência em relação a anos anteriores. De acordo com o relatório anual da Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil fecha o ano como o quinto país mais perigoso do mundo para os profissionais da imprensa, com cinco assassinatos relacionados à profissão, dois dos quais, ao que tudo indica, por investigarem casos ligados ao narcotráfico. Em 2011, foi registrado um total de três casos. Já a Press Emblem Campaign (PEC, na sigla em inglês), organização civil com sede na Suíça que busca a proteção dos comunicadores de todo o mundo, destaca que nunca antes houve tantas mortes de jornalistas no Brasil e classifica o país como o quarto pior do mundo, empatado com o México, para o exercício do jornalismo. A organização registrou 11 casos de homicídios de jornalistas este ano; no ano passado, quase a metade, seis. Em 2012, o Brasil ficou atrás apenas de Síria, Somália e Paquistão. Somando os assassinatos no Afeganistão, Iraque e Gaza, países que se encontram em situação de

guerra, o número de vítimas chega a oito. Segundo a entidade, o Brasil é historicamente um dos mais perigosos para a imprensa, mas havia sido cenário de poucas mortes entre 2005 e 2010, o que faz que esta recente elevação no número de casos seja especialmente preocupante. A divergência entre os números divulgados decorre dos diferentes critérios usa-

dos por cada entidade para determinar se o crime está ou não relacionado à atividade jornalística das vítimas. Entre os jornalistas assassinados citados pelas organizações estão Laércio de Souza (Bahia), Mário Randolfo Marques (Rio de Janeiro), Paulo Roberto Cardoso Rodrigues (Mato Grosso do Sul), Divino Aparecido Carvalho (Paraná), Onei de Moura (Paraná), Décio Sá (Maranhão), Valério Luiz de Oliveira (Goiás), Luís Henrique Georges (Mato Grosso do Sul), Anderson Leandro da Silva (Paraná), Edmilson de Souza (Sergipe) e Eduardo Carvalho (Mato Grosso do Sul). A maioria deles perdeu a vida após denunciar a influência de máfias criminosas nos setores políticos e econômicos, casos de corrupções de autoridades locais e crimes ligados ao narcotráfico. A falta de uma apuração rigorosa destes crimes é uma das razões para que eles se repitam. No Brasil, apenas 10% dos homicídios são solucionados, segundo estudo divulgado pelo jornal O Globo. Esse baixo índice reflete a inclusão do País no Índice de Impunidade do CPJ. O período das eleições municipais, ocorridas em outubro, também contribuiu para o clima de insegurança dos jornalistas, que sofreram tentativas de censura e agressões por parte de candidatos ou de seus correligionários.

Radialista assassinado no interior do RJ Repórter de rua da Rádio Barra FM, Renato Gonçalves foi abatido com quatro tiros quando chegava em casa. A violência sobre profissionais da imprensa fez na noite de 8 de janeiro mais uma vítima. Em São João da Barra, no Norte fluminense, o radialista Renato Machado Gonçalves, de 41 anos, foi assassinado com pelo menos quatro tiros quando chegava em sua residência, que fica ao lado da Rádio Barra FM, emissora em que era gerente e fazia reportagens de rua. No momento da execução, ele, a esposa Danúzia e a sobrinha Maria Luiza, de seis anos, voltavam de uma festa. Testemunhas ouvidas pela Barra FM disseram que dois homens em uma motocicleta esperavam o jornalista para atacá-lo. Amigos da vítima informaram que a Polícia Civil analisou imagens de câmeras de segurança que registraram a movimentação dos criminosos – que não estariam usando capacete ou touca. Renato foi sepultado no dia 9 no Cemitério São João Batista, no Centro de São João da Barra. O assassinato de Renato Gonçalves acontece onze meses depois da execução de Mário Randolfo Marques Lopes, jornalista que mantinha um blog sobre a cidade de Vassouras e foi assassinado em Barra do Piraí junto com sua companheira. Em ambos os casos, não está descartada a hipótese de motivação política para os crimes. O radialista de São João da Barra chegou a ser agredido na Câmara de Vereadores do Municípío no mês de setembro. As investigações prosseguiram em janeiro na 145ª Delegacia de Polícia, em São João da Barra, a qual ouviu parentes de Renato e testemunhas que podem fornecer informações que conduzam à descoberta da autoria do crime.

Repórter ameaçado no Paraná deixa o País Sem condições de segurança para trabalhar em seu Estado, o jornalista Mauri König se muda para o exterior. Mauri König, diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji e repórter da Gazeta do Povo, do Paraná, exilado com a família após receber ameaça anônima de que teria a casa metralhada por policiais militares, disse que as ameaças “não o silenciarão”. O jornalista confessou o desejo de retornar logo ao Brasil. Exilado por questões de segurança pessoal desde os últimos dias de 2012, König explica que imediatamente após as ameaças, no dia 17 de dezembro, o jornal contratou quatro seguranças. Naquele mesmo dia ele dormiu, com a mulher e o filho de três anos, em diferentes hotéis de Curitiba. “No dia 22 de dezembro, deixei o País, com apoio da Gazeta, do Comitê para a Pro-

teção dos Jornalistas (CPJ), sediado nos Estados Unidos e do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru. A Abraji, da qual sou diretor, também está me dando um apoio incondicional. Mas eu continuo fora do País, por tempo indeterminado”, disse. Disse König que sabe de quem partem as ameaças, mas não tem como provar. “Tenho certeza de que são policiais civis. Em maio, quando fui ameaçado, eles me chamaram de inimigo número 1 da Polícia Civil, num blog assinado por policiais. Pelo linguajar, dá para saber que são eles que escrevem”, comentou. Questionado sobre o que espera das autoridades, König fez cobranças e disse que não é somente ele que está em risco, mas

a sociedade brasileira. “Espero que o Ministério Público e a Polícia Civil do Paraná consigam enxergar os autores dessas ameaças. Não sou eu apenas que estou em risco. É a sociedade brasileira, que tem direito à informação e direito de saber como a corrupção afeta seus direitos elementares”, disse. “Se a Polícia Civil não levar adiante as investigações, teremos para sempre esse risco de ameaça sob nossas cabeças. Se não forem encontradas, essas pessoas se sentirão autorizadas a continuar a fazer ameaças. Em maio, o Governo do Estado foi condescendente quando não levou adiante as investigações. É corresponsável pelas ameaças que sofremos agora”, completou.

Apesar dos riscos, ele é categórico ao afirmar que “não podemos ceder às ameaças”. “Se cedermos, os agressores vão notar que venceram e se sentirão autorizados a repetir. Talvez precise encontrar apenas uma maneira alternativa de fazer essa cobertura. Ceder, jamais”, ressaltou. Esperando retornar ao País, König diz que vai continuar seu trabalho. “Depois que você percebe que o jornalismo de profundidade dá resultado, incomoda a parte denunciada e faz diferença na vida das pessoas, não consegue mais fazer outra coisa”, afirmou. “Esse é o meu caminho, quero esgotar os assuntos. E não tenho como abrir mão dessa estrada trilhada há tanto tempo. Não vou ceder a ameaças.”

JORNAL DA ABI 386 • JANEIRO DE 2013

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