Herivelto Martins: clássicos nascidos das dores do amor Outro de nossos grandes compositores que também está completando 100 de nascimento é Herivelto Martins, que apareceu no cenário da música popular brasileira no início dos anos 1930, na chamada “Década de Ouro”. Ele nasceu no dia 30 de janeiro de 1912, na cidade de Engenheiro Paulo de Frontin, no interior do Rio de Janeiro, e tem sua trajetória dividida em duas partes: antes e depois de Dalva de Oliveira, ou seja, de 1936 até 1950, quando se separaram definitivamente, e de 1950 até o ano de sua morte, ocorrida em 12 de setembro de 1992. Herivelto fez de tudo um pouco na vida. Era filho do agente ferroviário Félix Bueno Martins e da costureira e doceira Carlota. Sempre viveu com dificuldades financeiras, pois seu pai, envolvido com sociedades dramáticas e teatrais na cidade, ia aos poucos perdendo tudo e teve que hipotecar a casa, acabando por perdê-la. As atividades artísticas do pai motivaram o pequeno Herivelto a criar o seu próprio grupo teatral, com seus irmãos Hedelacy, Hedenir e Holdira e algumas meninos da vizinhança, em Barra do Piraí, para onde a família mudou-se. Aos nove anos, compôs a paródia Quero Uma Mulher Bem Nua (Quiero una mujer desnuda) e o samba Nunca Mais, que não foi gravado. Talento precoce Aos 10 anos, aprendeu música na Sociedade Musical União dos Artistas, de Barra do Piraí, onde tocou bombardino, pistom e caixa, até a idade de 19 anos, mas tinha preferência pelo violão e cavaquinho, que já “arranhava”. Entre 1922 e 1931, participou como músico da banda da Sociedade Musical União dos Artistas de Barra do Piraí. Com o dinheiro sempre ausente, Herivelto foi vendedor de doces feitos por sua mãe e caixeiro ambulante. Em 1925, com apenas 13 anos, conheceu os artistas circenses Zeca Lima e Colosso, que passavam pela cidade, e com eles formou um trio e seguiu para Juparanã, onde apresentaram um grandioso espetáculo. Durante um ano, o trio perambulou pelo interior do Rio de Janeiro, até que, procurados pela Polícia (não se sabe por quê), Colosso e Zeca Lima foram presos em Vassouras e o delegado mandou Herivelto para casa. Em 1930, a família mudou-se para o bairro do Brás, em São Paulo, e Herivelto conseguiu emprego como balconista de um botequim. Aos 18 anos, mais uma vez briga com os pais e resolve sair de casa e viajar para o Rio de Janeiro, com apenas 1 conto e 200 mil réis. No Rio, Herivelto foi palhaço de circo, vendedor, ajudante de contabilidade; aos sábados, fazia barbas na barbearia onde o irmão Hedelacy trabalhava. Com o di-
São Cristóvão, bairro do Rio de Janeiro. A vida conjugal de Herivelto e Dalva foi sempre muito tumultuada. Após 10 anos de casamento e dois filhos, Pery Ribeiro (que fez muito sucesso bem mais tarde, principalmente ligado à Bossa Nova) e Ubiratan, separaram-se, protagonizando um escândalo nacional, divulgado pela imprensa. O episódio serviu para fortalecer a carreira de Herivelto, que, diante do sofrimento da separação, fez letras maravilhosas, retratando a crise pela qual passava e que era o retrato fiel de milhares de histórias iguais vividas por casais do Brasil afora. A partir daí houve um verdadeiro duelo musical, ele de um lado, juntamente com David Nasser, jornalista e compositor, e Dalva de outro, sustentada por letras/músicas de Ataulfo Alves, Nélson Cavaquinho, Mário Rossi, J. Piedade e Marino Pinto. A imprensa divulgava as ofensas e acusações de parte a parte e explorava o mais que podia o assunto, que cada vez que rendia uma manchete vendia jornais e revistas aos milhares. O duelo começou com o samba de Herivelto Cabelos Brancos, respondido por Dalva com Tudo acabado, de J. Piedade e Osvaldo Martins. Herivelto respondia com outras canções como Caminhemos, Quarto Vazio, Caminho Certo e Segredo. Dalva rebatia com Calúnia, Errei Sim, Que Será e Mentira de Amor. E o público ganhava. A época era de viver uma boa fossa e as músicas embalavam os suspiros a favor, ora de Herivelto, ora de Dalva. Herivelto resolve reorganizar o Trio de Ouro por duas vezes, com Noemi Cavalcanti e Nilo Chagas, que tinha reaparecido, e depois com Lurdinha Bittencourt e Raul Sampaio, dissolvendoo em 1957. Daí para a frente, prefere afastar-se da vida artística. Na década de
nheiro da gorjeta, garantia o “Feijão à Camões” (prato fundo com feijão-preto e uma colher de arroz no meio), do Bar de “Seu” Machado”. Ali é convidado para gerenciar uma barbearia no Morro de São Carlos, reduto de bambas da época, e passa a conviver com cantores e compositores de um mundo que começava a se abrir e a dinamizar o panorama musical brasileiro: as gravadoras e o rádio. Conhece então o compositor José Luís da Costa – Príncipe Pretinho –, que o AS CRIAÇÕES apresentou a J.B. de CarvaMAIS FAMOSAS lho, do Conjunto Tupi, amiDO GONZAGÃO go de Mr. Evans, diretor da gravadora RCA Victor. E dali Assum Preto para frente a porta da vida Asa Branca artística definitivamente se Baião abre para ele. Vida tumultuada Herivelto integrou a dupla Preto e Branco e, em seguida, o grupo Trio de Ouro, com a participação da cantora Dalva de Oliveira, dona de uma voz poderosa, por quem Herivelto se apaixonou ao conhecê-la em 1935, durante uma apresentação no Cine Pátria, de Pascoal Segreto, no Largo da Cancela, em
Dezessete e Setecentos Entrada do Canindé Juazeiro Lorota Boa No Meu Pé de Serra Paraíba Qui Nem Jiló Respeita Januário Xamego Xote das Meninas
OS SUCESSOS DO FECUNDO HERIVELTO Atiraste Uma Pedra Ave Maria no Morro Cabelos Brancos Caminhemos Caminho Certo Camisola do Dia Hoje Quem Paga sou Eu Laurindo Praça Onze Quarto Vazio Que Rei Sou Eu Segredo Vermelho 27
1970, adquire um sítio na cidade de Bananal, interior de São Paulo. Ele adorava a cidade, que o adotou como cidadão bananalense. Lá fez vários shows com Sargentelli, Grande Otelo, Emilinha Borba. O mais emocionante foi protagonizado por ele com o filho Pery Ribeiro: os dois cantaram juntos, choraram no palco e levaram o público a comoção. Vida amorosa Herivelto teve duas mulheres muito especiais em sua vida: Dalva de Oliveira e Lurdes Nura Torelly, mas foi Maria Aparecida Pereira de Mello, que ele conheceu no início da década de 1930, sua primeira mulher, com quem teve os filhos Hélcio Pereira Martins e Hélio Pereira Martins. A convivência durou, aproximadamente, cinco anos. Separaram-se por Maria não agüentar as bebedeiras e traições de Herivelto. Em 1935, ele conhece Dalva de Oliveira, com a qual passa a cantar em dueto. Começam um namoro e no ano seguinte iniciam uma convivência conjugal, oficializada em 1939 num ritual de umbanda, que gerou os filhos Pery Ribeiro e Ubiratan de Oliveira Martins. A união durou até 1947, quando as constantes brigas e traições da parte dele deram fim ao casamento. Mesmo casado, passava as noites fora de casa, bêbado e com prostitutas. Em 1949, após a separação oficial do casal e o final da primeira formação do Trio de Ouro, as brigas entre os dois chegam ao auge: quando, após uma pequena turnê na Venezuela, Herivelto sai de casa e decide tirar de Dalva a guarda dos filhos, mandando-os para um colégio interno. Ele passa então a declarar aos jornais que Dalva é prostituta e promove orgias dentro de casa, o que a levou a responder às acusações com as canções “de guerra”, já tão comuns de um para o outro. Pouco antes disso, em 1946, Herivelto inicia um namoro com a aeromoça Lurdes Nura Torelly, uma mulher desquitada que tem um filho do primeiro casamento, rica e prima do Barão de Itararé. Em 1952, eles passam a viver juntos; em 1978, Herivelto e Lurdes tiveram três filhos: Fernando José (já falecido), a atriz Yaçanã Martins e Herivelto Filho oficializam a união. Ele criou o filho de Lurdes como seu. O casamento durou 44 anos, até à morte de Lurdes, em 1990. Para ela foi composta a música Pensando em ti, que acirrou ainda mais o duelo musical com Dalva. Algum tempo depois Dalva e Lurdes tornaram-se muito amigas; Lurdes foi o esteio de Dalva até o fim de sua vida. Em sua longa e conturbada carreira de compositor, Herivelto Martins deixou clássicos, além dos já citados como Camisola do Dia, Hoje quem paga sou eu, Lá em Mangueira, Vermelho 27, Atiraste uma Pedra, Ave Maria no Morro, Laurindo, Praça Onze, Que Rei Sou Eu. O povo brasileiro agradece!
JORNAL DA ABI 381 • AGOSTO DE 2012
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