Jornal da ABI - 170 Anos da Caricatura no Brasil

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ALVARUS E SEUS BONECOS DE HUMOR SUTIL Nascido em 27 de dezembro de 1904, no então Distrito Federal, Álvaro Cotrim publicou seu primeiro boneco no pequeno jornal clandestino A Bola, de quatro páginas, em 1923. A partir de 1925 começou a publicar profissionalmente em A Pátria. Depois, não parou mais: A Noite, A Manhã, A Platéia, Diário de Notícias, O Radical, A Maçã, Shimmy e muitos outros jornais e revistas do Brasil e do exterior tiveram o privilégio de contar com o traço refinado e o humor sutil de Alvarus. Influenciado pelo paraguaio Guevara, o mexicano Figueroa e os argentinos Valdivia e Alvarez, ele ajudou a arejar a caricatura brasileira, nessa época ainda presa à sua irmã francesa. Apesar de cultor declarado de Daumier e Charles Leandré, Alvarus se inspirava no grande J.Carlos: “Sou e sempre fui seu admirador impenitente” – declarou certa vez. Estudioso e autor de numerosas crônicas, ensaios e palestras sobre o trabalho dos cartunistas, possuía provavelmente uma das mais completas bibliotecas especializadas sobre o tema no mundo. Inclui-se aí também uma riquíssima coleção de originais de Daumier, Charles Leandré, Willete, Gavarni, Sem e J. Carlos, entre outros. Em novembro de 1978, em entrevista ao Jornal do Brasil, afirmou que não havia na história da caricatura no Brasil o registro da prisão de nenhum artista da pena, “mesmo dos mais violentos, por perpetrar o retrato de algum membro do governo”. Isto na época em que o Pasquim estava sendo processado por alegadas ofensas à dignidade do Presidente da República e de vários ministros de Estado, caricaturados na edição 486, de 20 de outubro daquele ano. O pedido de processo era do então Chefe da Casa

Civil, o General Golbery do Couto e Silva: “Quando a turma do Pasquim foi mandada para a cadeia em 1969”, recordou, “lá estavam o admirável Ziraldo e o não menor Fortuna. Mas não foram presos por serem caricaturistas e sim porque faziam parte do corpo redacional do semanário. Esse processo abre um precedente na História do País, pois não havia até agora nenhum exemplo semelhante no passado”, afirmou Alvarus. Alvarus publicou álbuns de suas caricaturas produzidas em mais de 50 anos de jornalismo, como Hoje tem Espetáculo e Alvarus e seus bonecos. Mas não esqueceu outros artistas, e escreveu Pedro Américo e a Caricatura e J.Carlos – época, vida e obra. Este não chegou a ver publicado; viu apenas sua boneca antes de ser impresso. Em 1979, passou Alvarus a ser responsável pela última página do Jornal da ABI, abrilhantando esse espaço até 1985, quando as Parcas, como diziam seus contemporâneos, chamaram-no para conversar. Certamente uma conversa bem humorada sobre caricatura, tema de que as ditas senhoras não entendem bulhufas e que Alvarus dava um show à parte. (Carlos Amorim)

Alvarus fez caricaturas de outros desenhistas, como J.Carlos (acima) e Mendez (à esquerda). No meio do texto, o ex-presidente da ABI, jornalista Herbert Moses. Abaixo, Guevara retratou Uma tarde inesquecível no Jóquei Clube: aparecem, em cima, da esquerda para a direita: Salgado Filho; Gerona, Vice-Presidente do Uruguai; Getúlio Vargas; Osvaldo Aranha e Herbert Moses; embaixo, Roberto Seabra; Peixoto de Castro; Nélson Seabra e Carlos Palhares. No desenho menor, no meio do texto, o ditador Mussolini.

GUEVARA, UM PARAGUAIO BRASILEIRO Definido por Humberto de Campos como “o único paraguaio que venceu o Brasil”, o cartunista Andrés Guevara deixou sua marca no Brasil desde 1923, primeira vez em que aqui aportou, aos dezenove anos. Colaborou, entre outros periódicos, em A Maçã e O Paiz, mas sua oportunidade chegou quando Mário Rodrigues lançou o jornal A Manhã no ano de 1925. Foi por essa época que conheceu seu melhor parceiro, Aparicio Torelly, o Barão de Itararé, que mais tarde lançaria uma sátira a esse jornal suprimindo um til e transformando A Manhã em A Manha. Guevara criou a caricatura do Barão de Itararé antes mesmo que o personagem fosse inventado – tornando-se o primeiro caso de a caricatura vir antes do caricaturado – e mais tarde Torelly adaptou seu próprio aspecto físico à carica-

tura, quando assumiu o personagem. Guevara passou por quase todas as publicações importantes da época e fez um vasto grupo de amigos brasileiros, até à Revolução de 1930, quando foi para a Argentina. Mas voltou em 1943, para assumir a função de diretor de arte da Folha Carioca, e seu trabalho é considerado um marco na história do design brasileiro. Sua obra durante o período da guerra é memorável. Mas Guevara fez mais do que isso: influenciou toda uma geração de caricaturistas brasileiros. Alternando-se entre ilustrador e diretor de arte, também participou do projeto da Última Hora, de Samuel Wainer. Depois retomou a parceria com o Barão, cuidando da parte gráfica dos Almanhaques da Manha, já na década de 50. Guevara faleceu em agosto de 1964, aos 60 anos, em Buenos Aires. Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

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