Homenagem Casa dos Estudantes do Império | 50 anos | Testemunhos, Vivências, Documentos

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homenagem

Casa dos Estudantes do Império

ser “um covil de perigosos comunistas e traidores dos ideais da mãe pátria” e de ter contactos com meios oposicionistas, nomeadamente o MUD juvenil e o Ateneu de Coimbra, movimentos com fortes ligações ao Partido Comunista Por‑ tuguês, única força política que, na altura, lutava efetivamente contra o regime de Salazar. De “filha da Mocidade Portuguesa”, a CEI transforma­‑se, aos olhos do regime fascista de então, num “alfobre de elementos anti­‑situacionistas”. No entanto, não obstante todas essas informações “negativas”, continuam, ainda hoje, a não ser inteiramente consensuais as verdadeiras razões que teriam levado o regime ditatorial de Salazar a permitir que a CEI tivesse conseguido ter, durante um período tão longo – quase metade do tempo que esteve Portugal submetido à ditadura do Estado Novo –, uma vida, atribulada, sim, mas notavelmente ativa e com um impacto enorme sobre o futuro das antigas colónias portuguesas e, quiçá, sobre o futuro de Portugal e do próprio povo português. O Professor de História da Universidade Nova de Lisboa, Dou‑ tor Fernando Rosas, numa alocução proferida, em dezembro de 1994, na sessão de lançamento das Antologias de Poesia da CEI – 1951­‑1963, na Fundação Gulbenkian, disse o seguinte: […] “A CEI é um processo, do ponto de vista do seu estudo histó‑ rico, muito curioso, porque é o processo de uma entidade que se transforma no seu contrário. […] A Casa começa a sofrer con‑ testação aberta e a polícia quer fechar a Casa desde 45­‑46. Esta longa hesitação do governo relativamente à liquidação da Casa dos Estudantes do Império mostra que o governo está agarrado à forma ideológica que criara. Quer dizer, o governo criou uma coisa de que não consegue libertar­‑se, mesmo quando ela se transformou no contrário daquilo que ele tinha criado”. É sobejamente sabido que praticamente desde a sua funda‑ ção não faltaram vozes, muitas até bem próximas de Salazar, a pedir que a Casa fosse encerrada. No entanto, ela resistiu a duas Comissões Administrativas, fez frente ao cerco apertado imposto pelo governo visando a sua asfixia financeira e só veio a sucumbir quando, em 1965, uma força policial encabeçada pela PIDE a invadiu, saqueou e encerrou. Nas eleições para a escolha dos titulares dos órgãos sociais da Casa para o ano letivo de 1945/46, a massa associativa que, na altura, já contava com cerca de 600 membros em Lisboa e 120 em Coimbra, escolheu, de forma clara e transparente, os seus

dirigentes, os quais, menos de um ano depois, já eram aponta‑ dos pela PIDE como sendo, na sua grande maioria, membros ou simpatizantes do Movimento de Unidade Democrática (MUD), próximo do Partido Comunista Português. E acon‑ teceu ainda que, em 1948 e 1949, os principais dirigentes da CEI são tidos pelo regime como apoiantes da candidatura à Presidência da República de Portugal do oposicionista general Norton de Matos e, um pouco mais tarde, em 1950, são os membros da Secção da Índia da CEI a recusarem­‑se, de forma bem expressiva, a subscrever uma declaração de repúdio às afirmações de Nehru contra a presença portuguesa na Índia. Não se torna, pois, difícil entender as razões que levaram a PIDE, a Legião Portuguesa (LP), outras instituições, como o Conselho Orientador do Centro de Estudos Políticos Ultra‑ marinos (CEPU), todas encabeçadas por altas personalidades ligadas ao regime do Estado Novo, a exercer, desde 1946, uma forte pressão sobre o Governo e sobre o próprio Salazar no sentido de encerrar a CEI, alegando que se estava perante “… um antro da oposição e de criptocomunistas, um centro acadé‑ mico de actividades pró­‑comunistas, controlado por indivíduos politicamente maus, cuja dissolução conviria para extinguir o mal que dali se espalha a todo o meio académico”, e que, outrossim, “… devia­‑se impedir que os africanos ou estudantes do Ultramar residissem juntos, na Casa dos Estudantes do Im‑ pério, ou residências equivalentes, porque isso cria hábitos de segregação em relação aos metropolitanos, podendo dar lugar a um espírito de fraternidade entre si, e de animosidade em relação aos metropolitanos”. Contudo, em vez de dissolver a CEI, como aconselhara a PIDE, a Legião Portuguesa (LP), o Centro de Estudos Políticos Ultramarinos (CEPU) e algumas altas personalidades afetas ao regime, preferiu Salazar – talvez por admitir que ainda era possível “regenerar” a Casa ou então por achar que a nova conjuntura política internacional desaconselhava tal ação – impor­‑lhe, em 1952, uma Comissão Administrativa que, durante cerca de cinco anos, tentaria, sem qualquer sucesso, diga­‑se, fazer a Casa trilhar os caminhos inicialmente traçados pelo regime, tendo, com isso, apenas conseguido que, durante esse período, não fossem realizadas eleições, que as Secções em que a CEI se encontrava estruturada fossem eliminadas e que figurasse nos novos estatutos, de forma clara, a consagra‑ ção da neutralidade política, religiosa e rácica da associação, o que, aliás, já constava dos estatutos de todas as associações de estudantes de Portugal. Retirada a Comissão Administrativa, retomada a normalidade, realizadas as eleições, empossados os titulares dos órgãos

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