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ROCK SP
A METRÓPOLE PARA ONDE TUDO CONVERGE VIVE UMA CENA INDEPENDENTE EXPLOSIVA, MAS, COMO DEFINEM SEUS INTEGRANTES, AINDA COM MUITO ESPAÇO PARA CRESCER
Por Alessandro Soler, de São Paulo
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São 23h de uma quinta-feira quente de dezembro, e o Beco 203, no Baixo Augusta, região que é o epicentro da renovação musical paulistana desde meados da década passada, nem começou a encher. Mas encherá. Transbordará ávidos roqueiros, que se espalharão entre sua pista regada a sets de indie e a vizinha festa Surdina, na boate Funhouse, onde, em noite garage-hard-metal, haverá apresentações dos goianos Hellbenders e dos curitibanos Water Rats. Alguns dos convivas que transitam nesse eixo chegam do Sesc Pompeia, um dos palcos mais constantes na nova cena rock da cidade. Outros virão do Alberta #3, na cêntrica Avenida São Luís, que tem happy hour roqueiro e pocket shows. Haverá ainda quem dê uma passada a caminho do Bar Secreto, em Pinheiros... O vaivém é constante e fervilha. Não podia ser diferente. Depois de fagocitar a música eletrônica e espalhar seus genes pelo pop que se faz por aqui, o rock se reinventa como símbolo máximo da juventude alternativa nesta metrópole de todos os estilos. E faz barulho, muito barulho.
A exemplo do que ocorre na cena MPB, São Paulo virou terra para onde convergem bandas roqueiras de todo canto – com trocadilho, por favor. Não é à toa que o Hellbenders fez miniturnê por aqui em dezembro. O quarteto goiano, formado por Diogo Fleury e Braz Torres (ambos voz e guitarra), Rodrigo Andrade (bateria) e Augusto Scartezini (baixo), é um novo e feliz fruto da cena goianiense, que se esparrama por Sampa e já salta para voos bem altos. Na noite do show na Funhouse, eles mostraram as músicas do segundo álbum, “Hellbenders Especial Rancho De La Luna”, gravado no famoso estúdio californiano por onde já passaram Foo Fighters, Arctic Monkeys e QOTSA. Privilégio que chegou a convite do próprio dono do lugar, Dave Catching, que os viu – e aprovou – no festival texano South By Southwest em 2014.

Apesar da sorte que tiveram e da convergência de talento na cena independente, eles veem espaço para mais. “Precisamos de mais mobilização, mais casas especializadas, mais divulgação. Isso permitiria o crescimento saudável do circuito”, afirma Diogo.
Diferentemente deles, que continuam com um pé em Goiânia e muitos tentáculos por diversas partes, os acreanos dos Los Porongas se fixaram de vez em São Paulo. Uma das melhores revelações do rock nacional em muitos anos, o grupo, surgido há 13 anos, em Rio Branco, e estabelecido há quase oito na capital paulista, tem girado o país apresentando as dez canções do novo álbum de estúdio, “Infinito Agora”, títuloemblema da onda que o quarteto vibra no momento.“Não há dúvida de que São Paulo virou um polo de atração para músicos. Mas o mercado de shows no Brasil é um não mercado, não temos uma oferta, fomos para São Paulo acreditando que teríamos um circuito de shows, coisa que não aconteceu, por isso é uma batalha diária”, opina o vocalista Diogo Soares, fazendo coro com o que pensa o xará do Hellbenders.
Para o baterista “poronguiano” Jorge Anzol, o esforço compensa: “Fomos a primeira banda de rock de Rio Branco a fincar bandeira em São Paulo, o que motiva as bandas de lá. É muito legal.”
Cria própria da terra, o power trio de rock alternativo O Terno bebe na fonte de paulistanos – autóctones ou adotivos – graúdos, gente do quilate de Rita Lee, Arnaldo Baptista, Arrigo Barnabé, Tom Zé. Com o arrasador álbum de estreia, “66” (2012), e o segundo, “O Terno” (2014), premiado com o Troféu APCA e indicado ao Prêmio Multishow, Guilherme D'Almeida (baixo), Tim Bernardes (guitarra e voz) e Biel Basile (bateria) produzem um som indie, lírico, elegante, internacional, mas salpicado de referências bem locais. “Eu confesso/Que gosto das moças do bairro onde eu moro/Do estilo indie-hippie-retrô brasileiro/Que habita os bares e ruas daqui/E eu não quero deixar ninguém ver que eu sou mesmo/O que pensam de mim quando me veem na rua/Classe média enjoada com pinta de artista/Será que eu sou tão previsível assim?”, diz a gostosa e autoirônica letra de “Eu Confesso”, composta pelos associados Guilherme e Victor Chaves (ex-integrante da banda) e pelo companheiro Tim Bernardes.

Previsíveis é o que eles não são. Para debelar a lendária dificuldade de produção e distribuição de música experimental no país, criaram o selo Risco, pelo qual lançaram o segundo disco e forjam novas produções de diferentes bandas da cena alternativa paulistana. A lógica do artista operário que arregaça as mangas e põe a roda para girar determinou o encontro de gente com estilos muito variados. Se faltam apoio, grana, mídia, distribuição, nada como espantar o chororô e assumir as rédeas.

“Começamos a nos encontrar para organizar os lançamentos dos discos e pensar em projetos, em estratégias de divulgação e eventos”, contou Victor Chaves na época do lançamento. “Não somos um movimento, mas podemos ser”, completou outro fundador do selo, Gabriel Millet, das bandas Memórias de Um Caramujo (MPB, pop alternativo) e Grand Baazar (música balcânica cigana).
Visto de longe, como deve ser apreciado um quadro grande, com muitos elementos, o panorama roqueiro de São Paulo já virou movimento há bastante tempo. A onda da autoprodução e as inúmeras parcerias surgidas entre diferentes integrantes das muitas bandas que habitam estas terras ou para elas convergem acabam criando um só corpo, um organismo colaborativo e de estética afim. E que pode se manifestar em outros coletivos, como o Avalanche Tropical, um amálgama de sons surgido em 2012 envolvendo o Holger, a Banda Uó, o Bonde do Rolê e outros criadores alternativos.
“A gente está fazendo a parada que gosta, do jeito que gosta, sem grandes pretensões além de estar satisfeito. Então, realmente, nossa grande busca é sacar quem a gente é realmente, e não tem muito mais o que ser, a não ser nós mesmos, e se divertir para caramba com isso”, explicou o vocalista e guitarrista do Holger Marcelo Altenfelder, o Pata, ao site Noisey. Com um disco lançado a cada dois anos, deve vir coisa por aí, uma vez que o terceiro (e mais recente),

“Holger”, saiu em 2014 e, como definem os rapazes, é marcado por “mais cabelo no peito”, mais tranquilidade e maturidade.
Naquela noite quente de dezembro, e apesar da agenda intensa de shows por todo o Brasil, eles não tocaram em São Paulo. Mas o fizeram João Gil, neto de Gilberto, e Bárbara Ohana, ex-backing vocal do mestre baiano e sobrinha da atriz Clauda Ohana. Cariocas com os pés e a cabeça fincados em Sampa, eles mostraram que o fermento indie-rock-eletrônico é tão forte que atravessa a ponte aeromusical e faz crescer a massa criativa também no balneário-metrópole. Mas isso já é assunto para outra apresentação...
