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Guitarras na terra das violas
O Centro-Oeste das duplas sertanejas se tornou um dos grandes polos do rock nacional, com festivais independentes entre os mais importantes do Brasil
Por Paulo Henrique Faria, de Goiânia
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Banda Mugo
Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone, Lucas & Marcelo, Luan Santana... Fácil entender porque o Centro-Oeste é associado ao mundo sertanejo. Algumas das maiores estrelas deste que inegavelmente é o mainstream musical por aqui são produto legítimo de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. O que muitos não esperam é encontrar, fora de Brasília, uma cena roqueira tão forte e tradicional no Cerrado. Os festivais goianos Goiânia Noise, Bananada, Vaca Amarela, o mato-grossense Grito Rock e o brasiliense Porão do Rock são legítimos lugares de encontro e troca de ideias e sons, vitrines do mercado independente onde surgiram ou se consolidaram várias bandas que acabaram ganhando projeção nacional.
Mais importante evento dedicado às guitarras na capital goiana, o Noise, como é conhecido na cena, chega este ano à 20ª edição. Criado em 1995, ganhou forma e corpo pelas mãos dos produtores culturais Leo Bigode e Márcio Júnior. Diretor de comunicação do evento, Leonardo Razuk lembra que as primeiras edições tiveram papel fundamental como celeiro roqueiro no estado. “Na época estavam rolando outros festivais de rock em cidades do interior de São Paulo, em Recife, e percebeu-se que poderia acontecer algo também em Goiânia. Leo e Márcio fizeram o primeiro na raça. Trouxeram algumas bandas e deram espaço às de Goiânia, num diálogo de igual para igual”, conta Razuk, ressaltando a importância do deslocamento do eixo de produção de Rio-São Paulo-Porto Alegre-Belo Horizonte-Brasília para o interior.
A lógica deu tão certo que acabou fortalecendo o improvável movimento heavy metal goiano. Fundada em 2006, a banda Mugo é presença constante na cena da cidade. Para o vocalista, Pedro Cipriano, Goiânia estimula a criação. “A nossa cidade tem produzido grandes festivais por muitos anos consecutivos, sem parar, e, se você frequentar esses eventos, vai ver que eles são constituídos basicamente de bandas daqui, bandas profissionais, com talento, material gravado, merchandising a postos e tudo o que pode se esperar de um grupo de verdade. A cidade tem colocado em circulação não só no Brasil, mas em outros países, bandas de rock de verdade, sem frescura, sem conversa fiada, como Hellbenders, Black Drawing Chalks e Boogarins. Essa galera não está de brincadeira, não. São todos muito esforçados e comprometidos com seus trabalhos”, analisa.
Dos mais fortes representantes do stoner rock no país, o Black Drawing está em processo de composição do próximo álbum. “Estamos vindo de uma média de quase cem shows por ano, às vezes mais. Nos últimos sete anos, rodamos o Brasil todo e alguns lugares do mundo”, conta o guitarrista Edimar Filho. “Em Goiás existe há uns 20 anos um processo contínuo de produção de música autoral e alternativa. Todo mundo da minha geração cresceu ouvindo bandas autorais do mundo inteiro vindo tocar aqui em Goiânia, e acho que isso fortaleceu demais na formação de uma cena. Acho que temos, hoje, a cena alternativa mais interessante e ativa do Brasil”, crê o músico.
A própria Mugo se conecta com a cena local há bastante tempo. Com nova formação, eles se preparam para um retorno aos palcos justamente onde tudo começou, o festival Vaca Amarela, que terá sua 14ª edição no mês que vem. “O Vaca Amarela, que é um festival já consolidado na cidade, sempre teve uma qualidade de produção inquestionável”, Pedro elogia. O Vaca se soma ao Bananada, 14ª edição em maio passado, realização da produtora A Construtora Música e Cultura. A turma é encabeçada por Fabrício Nobre, líder da veterana MQN, uma das bandas mais tradicionais do rock goiano.

Raimundos no Goiânia Noise
Em Brasília, o Porão do Rock, surgido em 1998 a partir da união de produtores e 15 bandas que ensaiavam no subsolo da comercial da Quadra 207 Norte, dando mais cor à movimentada cena roqueira da capital federal, é outro dos festivais celebrados nacionalmente. Com o passar dos anos, o PDR foi se fortalecendo e, no final deste mês, vai para a sua 17ª realização. Brasília, que, a partir dos anos 1980, viu nascerem nada menos que Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Raimundos, continua a efervescer. Além de integrar constantemente o circuito de shows do calibre de Iron Maiden, Judas Priest, Whitesnake, Aerosmith e Scorpions, vê no PDR uma respeitável média diária de público de dez mil pessoas.
A força do heavy metal na capital federal também é notável. Khallice, Vougan e Dynahead estão na estrada há muitos anos, com vários CDs lançados e experiência de shows internacionais. O Khallice já fez abertura do grupo americano Symphony X, além de astros como Sebastian Bach e Guns n’ Roses, todos ocorridos em Brasília. Flertando com outros palcos, seu vocalista, Alírio Netto, vive Judas no musical “Jesus Cristo Super Star”, sucesso em São Paulo.

Black Drawing Chalks
No Mato Grosso, terra do Festival Calango e do Grito Rock, um dos destaques é a banda Revoltz. Surgido em meados da década passada, com sonoridades que misturam uma onda pós-punk oitentista, new wave e garage sessentista, o grupo da vocalista e tecladista Marcella Carmo teve passagem marcante pelo Goiânia Noise. “Foi o primeiro festival em que a gente tocou em Goiânia. Eu me lembro de ficar maravilhada com tudo, com a estrutura, com o público... Achei o máximo estar em contato com pessoas de outras bandas de que eu já gostava e ainda conhecer grupos novos. É muito importante esse intercâmbio”, ressalta, destacando como a troca entre os criadores ajuda a fortalecer a cena.
O produtor André Luiz Donzeli faz coro com ela. Ele exalta a união e o intercâmbio de ideias e sonoridades para fortalecer a turma que, apesar das dificuldades, produz em todo o Centro-Oeste e até em parte do Norte (Donzeli é responsável pelo Tendencies Rock Festival, que acontece anualmente em Palmas). “A chamada cena rock é sempre cheia de dedicação, suor, gente que se doa ao extremo. Mato Grosso é cheio de bandas. Goiás também... Todos incríveis”, elogia.

Revoltz
Como quaisquer artistas independentes, os roqueiros que militam na terra das violas enfrentam dificuldades para viver só da música. Pedro Cipriano, da Mugo, afirma que a agenda incerta de shows torna a arrecadação variável. “Às vezes entra (grana), mas fazemos um tipo de som muito menos requisitado por rádios e TVs. A circulação do material é mais limitada, principalmente por se tratar de metal. Conciliamos os shows e a venda de produtos com a arrecadação de direitos autorais”, ele explica.
O vocalista e baixista da Revoltz, Ricardo Kudla, diz que a própria natureza independente torna os integrantes dessa cena mais aptos a se virar, a cuidar da carreira como um todo. “Acredito que qualquer banda que tenha uma construção de carreira sólida pode ter sucesso. Para isso, além de estar numa associação como a UBC, é preciso acompanhar a legislação. A associação protege o autor e cuida da arrecadação. Acho que funciona. Tem país de primeiro mundo que não tem essa estrutura”, compara.

Vaca Amarela