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Bons da cabe\u00E7a e dos p\u00E9s
Mais forte movimento cultural a emergir da Baixada Fluminense em muitos anos, a mistura de hip hop, funk e batalhas de passinhos reúne coletivos cheios de estilo que começam a conquistar o país todo
Por Patricia Espinoza, de Nova Iguaçu (RJ)
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A Baixada anda em alta. Terra vasta e populosa (com mais de 3,5 milhões de almas), essa região periférica do Rio está bem no centro de uma onda cultural que se espalhou pelo país. Não é de hoje que se faz bom funk (e samba e pagode e hip hop e rock e o que mais você puder pensar) por aqui. Mas a turma que tem movimentado a cena não tem bom ritmo só na voz - é nos pés que ela também manda seu recado. Epicentro do passinho, um fenômeno típico da Baixada Fluminense que ganhou o Brasil por meio de programas como “Esquenta”, da TV Globo, cidades como Nova Iguaçu e Duque de Caxias se orgulham de produzir, aos montes, coletivos que, numa saudável disputa, esquentam bailes e festas com apresentações completas.
Destaque no movimento, o Dream Team do Passinho é formado por moradores de diferentes partes da região e se agregou ano passado, depois da gravação do clipe da música
“Todo Mundo Aperta o Play”, versão funk do tema da Coca- Cola para a Copa do Mundo. Na época, a divulgação foi feita em sites de vídeos como o YouTube, e o “time dos sonhos” cravou mais de 2 milhões de visualizações em apenas duas semanas. Daí em diante, trocou o cenário humilde onde se criou pelo circuito VIP da cultura pop: camarote de Daniela Mercury no carnaval de Salvador, clipe com Ricky Martin, peregrinação pela TV, contrato com uma grande gravadora (a Sony Music Brasil)...
“O artista da favela entendeu que é possível levar seu estilo para fora dali, mostrar sua arte e se perceber como um atrativo. Isso fez com que rompêssemos as barreiras. Estamos nos profissionalizando e influenciando quem está começando”, lembra o cantor/compositor/dançarino Rafael Mike, que comanda o grupo.
Única mulher no Dream Team, Alessandra Aires, a Lellezinha, tem 15 anos, é fã de Beyoncé e Michael Jackson e, apesar de contar com um talento natural, genuíno, quer aprimorar sua técnica. Por enquanto, a agenda lotada de shows não tem permitido, mas a dançarina autodidata não perde tempo e vai se atualizando com passos que encontra na internet. “Sou uma menina normal que está realizando o sonho de ser dançarina e cantora. No começo, os homens não gostavam de ver mulher dançando o passinho, achavam feio, meio masculino. Eu nunca liguei, por isso fui a primeira menina a ser aceita dentro do movimento. Quero me tornar uma artista completa, daquelas que se permitem aprender coisas novas todos os dias.”
Os passos a que ela se refere não diferem tanto daqueles clássicos, do funk americano, dos bailes de charme oitentistas, turbinados por movimentos de rua, do break, mais explosivos. A base vintage ganhou roupagem pop, contemporânea. Uma estética maximalista, cheia de cores, de energia, que atrai um número crescente de jovens talentosos por aqui. Como os integrantes do Dream Team do Passinho, muitos têm o desejo de se profissionalizar, mas, sem condições financeiras, contam com projetos sociais como o Movimento Enraizados, de Nova Iguaçu. Criado em 1999, por iniciativa do rapper Dudu de Morro Agudo, o projeto abriga uma escola de hip hop, que ensina técnicas de grafite, rap, break e o ofício de DJ de graça. Forma por ano cerca de 30 alunos em cada um desses segmentos. Tudo com a ajuda de patrocinadores e de profissionais voluntários.
“Os meninos têm entre 15 e 18 anos, em média, e nos procuram porque realmente têm potencial e querem ganhar a vida dessa forma. Damos aulas e oficinas, e, depois de dez meses, eles saem daqui formados e aptos a gerenciar suas carreiras e produzir seus próprios eventos”, Dudu explica.
Da organização de militância cultural – como eles se intitulam – já surgiram grandes nomes da cena do hip hop, como o #ComboIO, composto pelo próprio Dudu junto com Marcão Baixada e Léo da XIII e que, no ano passado, excursionou pela França. Além deles, a Dupla Alma (formada por meninas DJs), a fera das batalhas Biel e os MCs Einstein e Petter lideram essa cena cheia de estilo. “A Baixada Fluminense é um polo cultural, e agora vivemos o melhor momento que o rap já teve até hoje. O movimento se pulverizou, saiu daqui e atingiu outras classes sociais. Mas o mais importante é que ninguém nega suas raízes. Os artistas saem daqui para cantar em outros lugares e trazem gente de fora para se apresentar na nossa área. Essa troca também é muito boa”, pondera Dudu.
Atualmente, o Enraizados se prepara para gravar o disco “Dia da Rima”, com a participação de 33 MCs, não só da Baixada, mas de outras regiões do Brasil e do mundo. E produz um documentário que explica todo o processo necessário para o lançamento de um disco, desde a criação até a venda do produto final. “Achamos importante também a distribuição digital, dependendo do público-alvo. Temos um canal no YouTube ensinando a outros artistas como ganhar dinheiro com suas músicas na internet por meio de ferramentas como a ONErpm, lembrando, porém, a importância de o artista estar associado à UBC para receber os direitos autorais das músicas arrecadados pelo Ecad”, segue Dudu.
Também formado pelo projeto, onde ministrava oficinas de rap, Petter MC acredita que, graças a uma forte demanda por manifestações desse gênero, a produção independente continua crescendo na região. “Aqui na Baixada, esquinas, praças, pista de skate, bares, tudo serve de palco para essa galera”, resume, empolgado, esse rapper que assina uma coluna no site do movimento, onde discute os rumos que a cena toma e orienta quem quer se lançar na onda cultural mais forte a emergir daqui em muitos anos. “Esse encontro democratiza o acesso e aproxima cada vez mais pessoas”, comemora.
