Boletim da UAEM Brasil: #JulhoAmarelo (Jul/Ago 2018)

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BOLETIM DA

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JULHO AMARELO

Nesta edição: Entrevista com Eloan Pinheiro, nosso Crush da vez; conheça o papel do SUS no combate às hepatites Virais; como a sociedade civil tem se organizado na luta por tratamento universal e gratuito; e mais...


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UAEM BRASIL E A LUTA PELA ELIMINAÇÃO DAS HEPATITES VIRAIS O advento dos Antivirais de Ação Direta (AADs) para a cura da Hepatite C deixou claro como as tecnologias em saúde e seu sistema de Pesquisa e Desenvolvimento têm servido, majoritariamente, aos lucros das multinacionais e não ao bem-estar das pessoas. Em prol do acesso universal a esses importantes bens sociais, a Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais do Brasil (UAEM Brasil) vem, há algum tempo, unindo forças aos movimentos sociais que lutam pela eliminação das hepatites virais.

Nesta página: UAEMers organizaram ações do Julho Amarelo em Fortaleza, BH e Rio de janeiro em 2017.

Em 2015, no 10º Congresso de HIV/Aids e 3º Congresso de Hepatites Virais em João Pessoa, integramos o movimento da sociedade civil que questionava os altos preços praticados pela indústria farmacêutica para os novos tratamentos para Hepatite C e a consequente necessidade de priorização de pacientes a serem tratados pelo Sistema Úni-

co de Saúde (SUS). Auxiliamos o Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual (GTPI) a escrever um subsídio de oposição à patente do medicamento sofosbuvir para o exame do INPI, que, em duas oportunidades, já emitiu parecer negativo à concessão da patente ao laboratório Gilead. Nas discussões em que a UAEM Brasil participou nas Assembleias Mundiais de Saúde seguintes, esse medicamento, que ficou conhecido como a pílula de mil dólares, foi um dos grandes exemplos debatidos de como o monopólio gerado pelas patentes é barreira importante para o controle da Hepatite C. Em 2017, por meio da parceria com o Fórum Social Brasileiro para Enfrentamento de Doenças Infecciosas e Negligenciadas

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Boletim da UAEM Brasil Reunião da sociedade civil sobre hepatites em Bangkok em 2018.

(FSBEIN) e com a Coalition PLUS, intensificamos nossas ações nesse campo. Em julho, participamos, pela primeira vez, de uma reunião mundial em Bangkok, Tailândia, de atores sociais envolvidos na luta pela eliminação da doença. No #JulhoAmarelo 2017, a UAEM Brasil replicou, em seus capítulos em Fortaleza, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, as ações acordadas pelo FSBEIN para a ocasião, com distribuição de panfletos, conversas com a população, etc.

Com algumas vitórias no campo das Hepatites Virais no Brasil - como o andamento da tramitação do Projeto de Lei de instituição do Julho Amarelo e o registro no Brasil de um genérico do sofosbuvir, 2018 tem sido o ano de maior discussão dessa temática

Sociedade civil reunida em São Paulo durante a Cúpula Mundial de Hepatites Virais em 2017.

Em novembro de 2017, participamos da Cúpula Mundial de Hepatites Virais, em São

Paulo. Um dia antes do evento, nos reunimos com outras organizações da sociedade civil do Uruguai, Peru, Argentina e Colômbia para discutir as barreiras ao tratamento da Hepatite C. Lançamos uma carta conjunta e participamos de um protesto realizado em frente à sede da Gilead América Latina.

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dentro da UAEM Brasil. Em junho, participamos novamente de uma reunião em Bangkok para discussão dos avanços e desafios para o enfrentamento das Hepatites em países de renda baixa e média, como o Brasil. Neste mês de conscientização sobre as Hepatites Virais, fomos convidados pelo Projeto Bem-me-quer para o Seminário Nacional “Avanços e desafios na resposta ao HCV no Brasil - Rumo a 2030”.

CRUSH DA VEZ!! Nossa querida Eloan é a crush da vez deste Boletim Especial. Ela é química e especialista em produção de tecnologias farmacêuticas. Trabalhou por anos na indústria farmacêutica privada e também no laboratório público Farmanguinhos, instituição da qual foi presidente. Atuou no marco das políticas

Hoje, no dia Mundial de Combate às Hepatites Virais, a UAEM Brasil lança esta Edição Especial de nosso Boletim dedicada à causa. Esperamos que este produto de nossas ações sirva para a capacitação e o empoderamento dos atores e movimentos sociais que, assim como nós, acreditam que, através do envolvimento e compromisso de toda a sociedade para o enfrentamento das barreiras de acesso ao diagnóstico e ao tratamento, é possível alcançarmos as metas da Organização Mundial de Saúde de controle das Hepatites Virais até 2030. Luciana M. N. Lopes Coordenadora da UAEM Brasil

Eloan Pinheiro

públicas de enfrentamento do HIV/Aids no Brasil, nos anos 1990, e no programa de HIV/Aids da Organização Mundial de Saúde, em Genebra. Atualmente, é consultora do Fórum Social Brasileiro para Enfrentamento de Doenças Infecciosas e Negligenciadas (FSBEIN) e uma grande apoiadora da UAEM Brasil. Confira seguir nossa entrevista com a Eloan. 4

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Como foi sua trajetória na luta pelo acesso a medicamentos? Minha trajetória começou quando resolvi deixar de trabalhar no setor privado em 1988 e fui trabalhar no setor público. Eram nítidas naquele tempo as demandas por acesso a medicamentos com preços adequados para diferentes tipos de tratamentos.

Quando assumi meu emprego na Fiocruz, percebi a importância dos laboratórios públicos (Farmanguinhos e Biomanguinhos) como instituições estratégicas na produção de medicamentos essenciais e vacinas. Para além disso, a capacidade técnica instalada nestas instituições poderia gerar novas tecnologias na produção destes insumos e criar uma referência em preços dos medicamen-

tos e vacinas. A Fiocruz é uma instituição rica em competência acadêmica e tecnológica em diversos setores da Saúde e tem um vínculo direto com o Ministério da Saúde. Quais são os maiores desafios atuais para o acesso ao tratamento de Hepatite C no Brasil? Sempre considero que a primeira barreira advém da decisão política do Governo de ter um programa em medicamentos e vacinas não como um programa de Estado e sim como um programa de governo. O governo não entende que Saúde é um direito de todos e um dever de Estado, conforme artigo 196 de nossa Constituição. A segunda barreira é a atual legislação de patentes, que garante a obtenção de patente de produto, bloqueando a qualquer instituição pública ou privada efetuar sua produção, usando diferentes processos de fabricação, sintéticos ou biotecnológicos. Como considero que qualquer cidadão deveria ter direito à Saúde e Educação, como princípios básicos de existência humana (Convenção Direitos Humanos), não posso aceitar a atual legislação de patente estar submetida à Organização Mundial do Comercio (OMC), local onde se discute tarifas de comércio, onde se fala em lei da concorrência, mas permite monopólios de produção. Além disso, o poder dos países ricos é bem maior que dos países em desenvolvimento. Apesar da garantia do uso das flexibilidades obtida na reunião de Doha para se contrapor aos preços exorbitantes de medicamentos patenteados, é muito difícil um país em desenvolvimento aplicá-las. Países menos desenvolvidos são exportadores de commodities, vivem de suas exportações agrícolas, etc. Portanto, seus governantes e congressos têm medo de sofrer punições tais como

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impostos adicionais sobre suas exportações se implementarem uma política de Licença Compulsória, por exemplo. Assim, o desafio é a implantação de uma correta política de saúde pública que busque ter como foco o paciente e não aceite a predominância dos interesses comerciais. Especificamente em relação à hepatite C, deveria-se considerar os novos medicamentos (DAAs) como estratégicos para atingir a meta da OMS em 2030 e, portanto, nenhuma patente deveria ser concedida. Se concedida, Licenças Compulsórias para o uso governamental deveriam ser feitas.

deveriam se unir em um grande movimento contra as privatizações em curso. Estamos próximos ao processo eleitoral, portanto é o momento de levantar estas bandeiras e fortalecer aqueles candidatos que se apresentem contra as privatizações do SUS, contra as arbitrariedades jurídicas, contra este estado de exceção que existe no momento no nosso País.

Quais dicas e conselhos você daria para os jovens ativistas de movimentos sociais por acesso a medicamentos? Eu penso que os movimentos sociais e os novos ativistas têm tido uma visão conseqüente em relação ao acesso a medicamentos, lutando por menos preços e contra patentes farmacêuticas. Há muitas discussões sobre patentes e como enfrentar esta barreira. No meu ponto de vista, algumas questões ainda estão necessitando entrar na agenda do movimento social como: “Pesquisa e Desenvolvimento” para obtenção de novas drogas para doenças negligenciadas e infecciosas e fortalecimento da produção local de insumos farmacêuticos ativos (IFAs). A Indústria Farmoquimica está na UTI. A dependência tecnológica nos coloca reféns das inovações e tecnologias geradas no mercado internacional. Também considero que há uma tendência crescente de privatização do Sistema Único de Saúde. Privatização significa menor acesso à saúde de maneira geral. As populações carentes estarão condenadas à morte ou debilidades que impedirão seu acesso a uma vida saudável. Considero que os movimentos sociais e os jovens ativistas

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A IMPORTÂNCIA DO SUS NO COMBATE ÀS HEPATITES Estima-se que 145 milhões de brasileiros dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) para se manter saudável ou para se tratar em caso de adoecimento, correspondendo 70% da população do Brasil. O SUS oferece nas Unidades de Saúde vacinas contra hepatites (A e B), testes para o diagnóstico das hepatites, além do tratamento seguro, incluindo a cura para a hepatite C, tudo isso de forma 100% gratuita para toda população. O esquema de vacinação infantil do SUS oferece a imunização contra a hepatite A e hepatite B, ainda não existe a vacina para a hepatite C. A vacina contra hepatite A é disponibilizada para crianças em dose única aos 15 meses de idade ou até 4 anos, 11 meses e 29 dias. Para a imunização da hepatite B, os recém-nascidos devem receber uma dose nas primeiras 24 horas de vida e poste-

Quadro 1: Calendário nacional de vacinação 2018

Crianças

Crianças dos povos indígenas DEMAIS POPULAÇÕES* (adolescentes, adultos, gestantes, idosos e povos indígenas)

Alinhando-se à meta da Organização Mundial de Saúde, no ano de 2018, o Ministério da Saúde (MS) pactuou com os estados e municípios um plano para a eliminação da hepatite C no Brasil até o final de 2030, através da ampliação de diagnósticos e tratamentos. Além disso, o MS está investindo em comunicação para redes sociais para ampliar a conscientização sobre as hepatites. Um avanço para a saúde pública brasileira no ano de 2018 foi a autorização para

IDADE DO PÚBLICO ALVO

HEPATITE A

HEPATITE B

Ao nascer 2 meses 4 meses 6 meses 15 meses 2 meses 4 meses 6 meses 15 meses -

Dose única Dose única -

Uma dose 3 doses: 2ª dose - 1 mês após a 1ª dose; 3ª dose - 6 meses após a 1ª dose.

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PENTAVALENTE (CONTÉM IMUNIZAÇÃO PARA HEPATITE B)

1ª dose 2ª dose 3ª dose 1ª dose 2ª dose 3ª dose -

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*Se não tiver recebido o esquema de imunização anteriormente.

PÚBLICO ALVO

riormente o esquema da vacina será garantido com a aplicação da vacina pentavalente em 3 doses, com intervalos de 60 dias entre as doses. Para as demais pessoas que não foram vacinadas na infância, incluindo adolescentes, gestantes, adultos, idosos e povos indígenas, o esquema de vacinação é de 3 doses (esquema 0 - 1 - 6 meses) com o intervalo de de 1 mês entre a 1ª e 2ª dose, e de 6 meses entre a 1ª e 3ª dose (quadro 1).


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a produção do sofosbuvir pela Farmanguinhos, que garantirá o abastecimento do SUS e consequentemente ampliará o acesso ao tratamento. Um outro possível avanço é a instituição do “Julho Amarelo” como o mês de luta e prevenção das Hepatites Virais. A proposta que já foi aprovada pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, ainda será avaliada pelo plenário do Senado. Instituir o Julho Amarelo é importante para a conscientização sobre as hepatites através de campanhas por todo o Brasil e firma um compromisso ainda maior do governo no combate às hepatites virais. O acesso universal, integral, igualitário e gratuito ao tratamento para as hepatites virais é o que queremos, e é através do nosso SUS que tudo isso pode ser concretizado. Ultimamente, o sistema público vem sofrendo ameaças de desmonte e privatização. Desde sua criação, o SUS nunca foi adequadamente financiado e, com a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos, esse cenário ficará ainda pior, favorecendo os discursos de que a iniciativa privada solucionaria o problema da saúde no país. Além de lutar pela eliminação das hepatites, devemos lutar pela defesa do SUS. Ele é a melhor estratégia para que toda a população brasileira tenha garantido o seu direito à saúde. Daniela Pena, Farmacêutica e mestranda em Saúde Pública pela UFMG.

HISTÓRICO DO TRATAMENTO DAS HEPATITES B E C As hepatites virais B e C são um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo. A primeira, ou seja, a infecção crônica pelo vírus da hepatite B (HBV) afeta aproximadamente 350 milhões de pessoas, sendo a causa principal de cirrose e carcinoma hepatocelular em todo o mundo. Já a segunda, ou seja, a hepatite C é responsável pela maior parte dos óbitos por hepatites virais em nosso país, e representa a terceira maior causa de transplantes hepáticos. O tratamento, quando indicado, é fundamental para evitar a progressão de danos hepáticos e suas complicações, como o câncer e a cirrose. Ao longo dos anos, o país começou a criar Protocolos clínicos de tratamentos (PCDTs), contendo critérios de diagnóstico e tratamento que auxiliassem os hepatologistas e infectologistas uma ferramenta que possibilitaria uma prescrição segura e eficaz, além de claro oferecer um tratamento eficaz para os pacientes portadores de cada tipo de hepatite viral. A história das ações de hepatites virais iniciou em 2002 com a publicação da Portaria nº 263 que criou o Programa Nacional de Hepatites Virais que tinha como visa a estabelecer diretrizes e estratégias junto às diversas áreas programáticas do setor Saúde e aos níveis do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de sistematizar os esforços que vêm sendo empreendidos pelos profissionais ao longo dos anos, desde a identificação das hepatites, além de inserir a temática dentro das políticas públicas de saúde, visando ao controle efetivo das infecções em nosso meio. No mesmo período,esta portaria gerou “frutos” que foram a Portaria nº 860, que

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institui a terapêutica para HBV, e Portaria nº 863, que institui a terapêutica para HCV. O tratamento para HBV consistia somente no uso de Lamivudina, Interferon-alfa. Já o tratamento para HCV consistia no uso de Interferon-alfa (2a ou alfa-2b), Interferon-alfa peguilado (2a ou alfa-2b), Ribavirina. Todos os medicamentos utilizados para tratar os dois tipos de hepatites virais tinham o objetivo de diminuir a progressão do dano hepático através da supressão da replicação viral para que negativação sustentada dos marcadores de replicação viral ativa fosse atingida e assim ter uma a remissão clínica,bioquímica e histológica da doença. Em 2005 que foi implementado a triagem sorológica das hepatites B e C nos Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) e quase que concomitantemente foi realizada uma chamada na mídia para estimular que a população realizasse a testagem para esses tipos de hepatite. Esse foi um passo importante na promoção da prevenção da hepatite, uma vez os CTAs tem como objetivo proporcionar às pessoas condições para que avalie seus próprios riscos e tomem decisões realistas quanto à sua prevenção e aos problemas que possam estar relacionados às hepatites virais. Os protocolos de tratamento medicamentoso contra a hepatite C e B foram evoluindo em 2007 e 2009 com atualizações dos PCDTs. O PCDT de hepatite C foi aprimorado e passou a mostrar um nível maior de detalhamento no tratamento do paciente durante as diferentes fases de doença. Já o PCDT da hepatite B passou a considerar as coinfecções de DSTs, HIV ou HCV desse tipo de hepatite, incorporou novos tratamentos medicamentosos como tenofovir, entecavir, adefovir, além de indicar a combinação de

drogas para tratar pacientes em casos de resistência viral e propiciar o uso racional dos medicamentos. Somente em 2010 que a vacina contra hepatite B ficou disponível no SUS, inicialmente era somente destinada a populações vulneráveis, posteriormente em 2011 ocorreu a ampliação da faixa etária para a vacina contra a hepatite B para 20 a 24 anos, assim como a distribuição de testes rápidos e hoje em dia é disponível para todas faixas etárias. Também foi iniciada implantação do Siclom e Campanha do Dia Mundial de Luta contra as Hepatites Virais. No ano seguinte, ocorreram novas inclusões medicamentosas no tratamento das hepatites virais, os inibidores de protease (boceprevir e telaprevir) para o tratamento da hepatite C. Ambos os PCDTs foram atualizados e o documento relacionado a hepatite C passou a considerar as doenças de base daquele participante. Importante realçar que ,exceto a vacina da hepatite b, os medicamentos utilizados no tratamento de ambas hepatites apresentam eventos adversos graves e nenhum deles cura efetivamente a hepatite, apenas tem o potencial de diminuir os níveis de vírus no sangue. Novas tecnologias e medicamentos seguros e custo efetivos são necessários para que este cenário seja melhorado. Soma-se a isso a necessidade de ampliar as campanhas de conscientização e de prevenção. Beatriz Kaippert, farmacêutica formada pela UFRJ, mestre em tecnologia de imunobiológicos pela Fiocruz/RJ - membra do ComEx, mandato 2018-2020) e líder de capítulo do RJ.

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NOVIDADES NO ENFRENTAMENTO DA HEPATITE C Em 2017, durante a Cúpula Mundial de Hepatites, o Brasil anunciou a adesão à meta global de erradicação dos vírus da hepatite B e C. Assim, a partir de 2018, todos as pessoas diagnosticadas com essa enfermidade contariam com os novos esquema de tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente do grau de dano no fígado.

suem custo-efetividade mais apropriado para a realidade do sistema de saúde brasileiro. Ademais, também foram incorporados métodos não invasivos para avaliar fibrose e indicação de tratamento imediato: APRI e FIB4 como primeira escolha. Assim, o paciente obterá o diagnóstico de forma mais eficiente e menos invasiva. Thiago Nébias, Médico, membro da UAEM BH

O Protocolo Clínico lançado em março de 2018 pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) confirmou a universalidade do acesso aos medicamentos para Hepatite C incorporados no sistema público. Os novos tratamentos introduzidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de 2018 fazem parte do grupo de medicamentos antivirais de ação direta (ADD), cujos primeiros representantes foram introduzidos ao SUS em 2015. Esses medicamentos são bem tolerados, mais seguros para o paciente e possibilitam tratamentos altamente eficazes com curta duração. As novas terapias incorporadas em 2018 visam o tratamento dos genótipos 1 e 4 da hepatite C, e incluem a associação de medicamentos elbasvir + grazoprevir (HARVONI) e ledispavir + sofosbuvir (ZEPATIER). Essas combinações facilitam a adesão ao tratamento, pois, na maioria dos casos, requerem somente uma dose por dia durante 12 semanas e ainda apresentam uma taxa de cura de 94% e 94 – 97% para o genótipo 1 e 97 – 100% para o genótipo 4, respectivamente. Além disso, os novos esquemas pos-

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RESPOSTAS DE OUTROS PAÍSES À HEPATITE C

O alto custo do tratamento fez com que alguns países recebessem processos de oposição às patentes concedidas, caso da União Europeia e China, ou negassem os pedidos ainda em andamento, como ocorrido com o Egito e Bangladesh.

possui uma das maiores produções de genéricos em escala global. As empresas incluídas na LV podem produzir genéricos a serem ofertados a países de baixa renda (LCD) inseridos na delimitação geográfica abordada pelas licenças, o que favorece o acesso ao medicamento. Mas as LV excluem muitos territórios onde há grande prevalência da doença. Dentre eles se encontram o Brasil, a China e a Rússia, que como consequência disso pagam pelos AADs o valor estabelecido pela Gilead ou BMS. A Gilead, por exemplo, excluiu a maioria dos MICs (onde vivem 72% das pessoas com VHC) de sua LV por considerar que esses locais são lucrativos.

Devido à grande crítica dirigida à Gilead pelo alto custo do sofosbuvir, medicamento chave no enfrentamento à doença, e buscando manter o domínio sobre suas fórmulas, o laboratório ofereceu Licenças Voluntárias (LV) às empresas indianas quando essas começaram a produzir seus dossiês sobre os AADs. Comumente chamada de “farmácia do mundo em desenvolvimento”, a Índia

O Egito, país classificado como menos desenvolvido (LCD), possui um critério de avaliação mais rigoroso aos pedidos de patentes o que confere ao governo maior autonomia em suas produções genéricas. Isso permitiu que a produção dos genéricos no país crescesse não apenas para suprir a demanda da sua população, mas também a da população de outros países. Já aqueles considerados

No início desta década, o tratamento da Hepatite C (VHC) ganhou novos reforços a partir do lançamento dos antivirais de ação direta (AADs), lançados pelas farmacêuticas Gilead e Bristol-Myers Squibb (BMS).

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de alta renda, tais como Canadå, Itålia e Austrålia, por conta dos altos preços impostos aos AADs, foram obrigados a limitar o tratamento a pessoas em estågios mais avançados atÊ que os valores fossem negociados e se tornassem mais acessíveis. O Brasil, assim como outros países considerados de renda mÊdia (MICs), sofre com diversas barreiras impostas pelas empresas produtoras ao acesso aos genÊricos dos AADs, tais como: exclusividade de dados, Propriedade Intelectual (PI), Licença Voluntåria (LV) e o atraso no registro para a fabricação em cada país. Mas, com o registro do genÊrico do sofosbuvir (originalmente produzido pela Gilead, Ê um dos antirretrovirais mais seguros, toleråveis e eficientes para o tratamento) concedido pela  Agência Nacional de Vigilância Sanitåria (ANVISA) no dia 21 de maio de 2018, espera-se que o cenårio da Hepatite C mude no Brasil. Segundo dados da própria ANVISA, o genÊrico deve entrar no mercado com o valor, no mínimo, 35% menor do que o do produto de referência. O governo da Malåsia emitiu uma Licença Compulsória para uso governamental do sofosbuvir, o que impactarå fortemente no acesso ao tratamento no país. Outros países têm demonstrado interesse em licenças compulsórias para os AADs, como Chile e Colômbia, mas retaliaçþes por parte das farmacêuticas são temidas pelos governos. Assim como os governos do Egito, �ndia e Malåsia, o brasileiro se comprometeu com a meta da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a eliminação do HCV atÊ 2030 e iniciou um projeto para o financiamento e ampliação da distribuição interna do tratamento com AADs. 12

GENÉRICO É VIDA <3 O alto custo dos medicamentos - possibilitado pelo monopĂłlio de produção e venda pela indĂşstria farmacĂŞutica garantido pelas patentes - dificulta o acesso da população de vĂĄrios paĂ­ses (principalmente aqueles de baixa e mĂŠdia renda) Ă cura de diferentes doenças. No caso da hepatite C, os Antivirais de Ação Direta (AADs) conseguem curar mais de 90% das pessoas vivendo com o vĂ­rus da doença, mas o preço praticado pelos laboratĂłrios ĂŠ tĂŁo alto que mesmo os sistemas de saĂşde dos paĂ­ses mais ricos nĂŁo tĂŞm conseguido garantir a disponibilidade desses medicamentos Ă população. Assim, a inserção de uma versĂŁo genĂŠrica dos AADs no mercado pode mudar o cenĂĄrio da doença e acelerar sua eliminação. No Brasil, o registro de um genĂŠrico do sofosbuvir foi publicado pela ANVISA em maio e consequĂŞncias positivas disso jĂĄ começam a ser identificadas. Em uma reuniĂŁo do MinistĂŠrio da SaĂşde em 11/07 com todos os laboratĂłrios detentores de registros de medicamentos preconizados para o tratamento da Hepatite C, uma redução de mais 80% do preço atual de compra para o sofosbuvir foi alcançada. Seguindo a mesma tendĂŞncia, o laboratĂłrio do daclatasvir (que ĂŠ utilizado em uma combinação com o sofosbuvir) abaixou em 70% o valor unitĂĄrio do seu medicamento. Isso significou uma redução de mais de 78% do preço atual da combinação sofosbuvir+daclatasvir para a aquisição de 50.000 tratamentos para a Hepatite C e uma consequente economia de mais de R$ 1 BILHĂƒO para o SUS!!! đ&#x;˜ą

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Espera-se, agora, que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) negue, definitivamente a patente do sofosbuvir (o instituto já emitiu dois pareceres contrários à patente, mas o laboratório Gilead recorreu da decisão) para que esse avanço na luta pela eliminação da doença seja concretizado. A sociedade civil tem importante papel em pressionar para que o genérico seja garantido e para que os 50.000 tratamentos em negociação pelo Ministério da Saúde sejam efetivamente adquiridos. Vamos juntos na luta pela eliminação da Hepatite C? Luciana M. N. Lopes Coordenadora da UAEM Brasil

ESPAÇO DOS PARCEIROS O MBHV E O JULHO AMARELO O Movimento Brasileiro de luta contra as Hepatites Virais – MBHV - foi fundado em 15 de novembro de 2008, durante o VII ENONG – Encontro Nacional de ONGs de Hepatites Virais e Transplante Hepático, com a missão de representar o Movimento Social das Hepatites Virais e Transplantes Hepáticos, atuando na articulação, construção da identidade e coordenação das ações políticas. Sua forma de atuação é através do Controle Social na saúde, que é um instrumento democrático em que há a participação dos cidadãos no exercício do poder, colocando a vontade social como fator de avaliação para a criação de metas a serem alcançadas no âmbito de políticas públicas. O MBHV tem representação junto ao Ministério da Saúde: na Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais – CAMS, na Comissão Nacional de IST, Aids e Hepatites Virais – CNAIDS, e na Comissão de Hepatites Virais. Projeto do Julho Amarelo

O projeto iniciou com uma Ação de Sensibilização de Parlamentares em fevereiro de 2015, com 35 ONGs de várias localidades do país, empenhadas em contatar vereadores/deputados e sensibilizá-los para a prevenção, monitoramento, e enfrentamento das Hepatites Virais. A partir dali várias leis estaduais e municipais foram instituídas tornando a campanha obrigatória naquelas localidades, com iluminação de prédios públicos na cor amarela e o combate às Hepatites Virais durante todo o mês de julho.

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Em maio, uma comissão do MBHV esteve em Brasília, com o objetivo de criar uma Frente Parlamentar, para acompanhar a atuação do poder público, identificar deficiências, e influenciar na formulação e execução de políticas públicas em atenção às Hepatites Virais. A partir dali, 218 deputados e 15 senadores assinaram a petição para a instalação da FRENTE PARLAMENTAR MISTA DE COMBATE ÀS HEPATITES VIRAIS, formalizada em 14/julho/2015. O projeto de lei do JULHO AMARELO NACIONAL (dez-2015), já aprovado na Câmara, está no Senado aguardando ser pautado no plenário para aprovação final. Em 2017, o “JULHO AMARELO” foi trabalhado em municípios de 24 estados e no Distrito Federal; multiplicando ações de prevenção, diagnóstico e combate às HEPATITES VIRAIS. A OMS estabeleceu como meta, aceita pelo Brasil, a eliminação das hepatites virais como um grande problema de saúde pública, até 2030. O Julho Amarelo amplia para o mês inteiro o combate às hepatites virais. Esta é a nossa contribuição. Arair de Freitas Azambuja - Presidente do MBHV. Visite o site do MBHV - www.mbhv.org.br.

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UMA ABORDAGEM DE SAÚDE PÚBLICA PARA A EPIDEMIA DE HEPATITE C: Como estender o tratamento com antivirais de ação direta para populações negligenciadas

Mais de 71 milhões de pessoas vivem com hepatite C no mundo. A doença causa 400.000 óbitos por ano. Embora já existam tratamentos altamente eficazes, menos de três milhões de pessoas foram tratadas, e o número de pessoas infectadas a cada ano ultrapassa o número de indivíduos tratados. A Organização Mundial da Saúde pretende que 80% das pessoas diagnosticadas com HCV tenham iniciado tratamento até 2030. Atualmente há consenso de que para que tal meta seja atingida os novos tratamentos precisam ser: 1) pan-genotípicos, ou seja, cubram as seis distintas cepas (variações) do vírus da Hepatite C; 2) simples de usar, em outras palavras, que esteja vinculada a uma estratégia que simplifique o cuidado e a atenção do paciente, descentralizando-o para a atenção básica e envolvendo menos testes de diagnóstico e visitas hospitalares; 3) acessíveis o suficiente para que os sistemas de saúde possam fornecê-lo para todos os indivíduos afetados e para que ampliem o número de pessoas tratadas. Para contribuir com o enfrentamento da hepatite C, a DNDi – Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas, uma organização de P&D, sem fins lucrativos, que trabalha para oferecer novos tratamentos a pacientes negligenciados, especialmente para a doença do sono, doença de Chagas, leishmaniose, filária, HIV/AIDS em pacientes pediátricos e hepatite C, está desenvolvendo uma nova terapia e com custo mais acessível para o tratamento da hepatite C. O tratamento inclui um novo candidato a fár-

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maco, ravidasvir[1]. A DNDi realizou uma parceria com o laboratório egípcio Pharco e com os laboratórios Insud e Elea para que, na América Latina, o tratamento do sofosbuvir com Ravidasvir possua o custo meta de lançamento por US$500[2] por tratamento. Os países da América Latina pagam atualmente por semelhante tratamento o valor aproximado de US$4.500. Adicionalmente, a DNDi possui um trabalho de incidência (advocacy), em conjunto com governos, ONGs, associações de pacientes e outras organizações chave para promoção do acesso aos novos medicamentos para hepatite C para que ocorra da forma mais sustentável possível, inclusive por meio de ações para superar as barreiras que tornam os atuais medicamentos inacessíveis, como, por exemplo, barreiras regulatórias e de propriedade intelectual.

novos tratamentos. Também exigirá o envolvimento ativo dos profissionais de saúde e grupos de pacientes, a fim de garantir que esses tratamentos cheguem a todos aqueles que necessitam. Francisco Viegas Neves da Silva Consultor de Advocacy da DNDi América Latina fviegas@dndi.org

[1]https://www.dndi.org/2018/media-centre/langues-press-releases/nova-terapia-combinada-e-acessivel-para-hepatite-c-apresenta-97-de-taxa-de-cura/ [2]https://www.dndi.org/2018/media-centre/langues-press-releases/pharmaceutical-companies-non-profits-team-up-affordable-hepc-treatment-latin-america-es/

Por último, a DNDi avaliando que atualmente a hepatite C é considerada como uma doença complexa, de difícil diagnóstico e tratamento, ainda manejada por especialistas e hospitais centrais, além de envolver diversos exames complexos e caros de diagnósticos, pretende que seja promovido maior debate entre especialistas sobre as formas de simplificação dessas etapas e de incorporação do cuidado da hepatite C na atenção básica. O enfrentamento da hepatite C com vistas à atingir os objetivos da OMS perpassa o desenvolvimento de novas abordagens e novos modelos que garantam a sustentabilidade da resposta e de estratégias simplificadas de diagnóstico e tratamento. Tal objetivo exigirá uma liderança sólida pelos ministérios da saúde e governos de implementar políticas de acesso e promoção da acessibilidade de

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UAEM Brasil Equipe de Comunicação Edição: Luciana M. N. Lopes Capa e diagramação: Walter Britto Gaspar


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