Boletim da UAEM Brasil - Resistência a Antimicrobianos

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RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS

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ara muitos estudantes como nós, os finais e começos de ano se tornam momentos para explorarmos os limites de nossos corpos e a liberdade da juventude. As férias universitárias e o verão trazem a vontade de aproveitar tudo como se não houvesse amanhã. Esquecemos até de dormir e comer. Queremos noites de festas e resenhas intermináveis; tomar banhos de chuva; pôr o pé na areia; sentir a água gelada das cachoeiras; viver romances (ou lances!) de verão. Queremos viver intensamente o presente enquanto deixamos pausados os planos e sonhos para o futuro. Somos jovens, afinal, e acreditamos ter a vida inteira pela frente. Como vocês verão neste Boletim, boa parte dessa liberdade de explorar os limites de nossos corpos nos foi dada pela possibilidade de prevenirmos e tratarmos doenças infecciosas. A descoberta da penicilina por Alexander Fleming foi um enorme avanço na história da medicina e da humanidade. Se antes tínhamos medo de morrer com um simples corte infeccionado, hoje fazemos cirurgias e até transplantes. O controle de doenças infecciosas aumentou não apenas nossa expectativa de vida, mas nossas expectativas de vivermos vidas longas e felizes. Sonhamos contar para nossos netos as nossas aventuras da juventude! Ocorre que, se, por um lado ainda existem pessoas que não alcançaram essa tal liberdade, por outro, tem faltado BOLETIM DA UAEM BRASIL

responsabilidade para aproveitá-la. O uso inadequado de antimicrobianos pela humanidade resultou em uma das maiores ameaças à saúde pública global: a resistência a antimicrobianos (AMR). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 700 mil pessoas morrem anualmente devido a doenças resistentes a medicamentos. Casos de doenças que tínhamos parado de escutar estão voltando: sífilis, infecções urinárias complicadas, pneumonias graves. Nossos antibióticos têm perdido eficácia enquanto carecemos de novas opções terapêuticas, cujo desenvolvimento não atende aos interesses do mercado. Se não tomarmos providências, a OMS estima em 10 milhões o número de mortes anuais até 2050 pela AMR. Já Ada Yonath, ganhadora do Prêmio Nobel de Química, alerta: se não tomarmos providências, as pessoas voltarão a morrer com 50 ou 60 anos.

Marina Certo – UAEM Rio de Janeiro.

EDITORIAL

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PÁGINA 2 Mas se a AMR é uma ameaça tão grande, por que não estamos falando mais sobre isso? A UAEM tem buscado somar às iniciativas daqueles que têm tentado aumentar a conscientização sobre esse grave problema. Um de nossos projetos em 2019 focou exatamente nisso e lança, hoje, orgulhosamente, este Boletim como um de seus produtos. Aqui o leitor encontrará textos que explicam a AMR e diversas estratégias para seu enfrentamento. Para iniciar, o coordenador do projeto, Rafael, nos fornece informações básicas para entendermos melhor a ameaça de uma “era pós antibióticos”. Em seguida, os integrantes da equipe do projeto, Isak e Bárbara, nos contam um pouco sobre duas importantes estratégias para o enfrentamento à AMR: o uso racional de antibióticos e o fortalecimento da vigilância epidemiológica. Para agregar a nossa discussão, o leitor terá, ainda, a incrível oportunidade de aprender com a Ana Paula Assef, chefe do Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto Oswaldo Cruz, entrevistada como nossa crush da vez! Como você verá, para enfrentar a AMR devemos olhar não apenas para a saúde humana, mas também para a saúde ambiental e animal. Assim, Mariana Dall’Agnol, autora convidada, traz uma importante reflexão sobre o impacto de contaminantes ambientais na AMR enquanto Rafael aponta a importância do saneamento básico nesse contexto. Rafael nos fornece, ainda, reflexões sobre saúde

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alimentar e animal em um texto sobre o uso de antibióticos em animais de produção. Para finalizar, na seção diz que é verdade, que tem saudade, temos o privilégio de conhecer um pouco da história da Sara Helena, última Diretora Executiva da UAEM Brasil, e refletir sobre a importância de nossa organização na luta pelo enfrentamento à AMR e pelo acesso universal a medicamentos. Esperamos que este Boletim seja uma ferramenta para maior conscientização e engajamento de estudantes, e outros atores nessa importante missão que é ampliarmos e preservarmos a liberdade dos dias de juventude em que não temos tempo a perder, com sonhos de um futuro em que temos todo o tempo do mundo. Boa leitura! Luciana M. N. Lopes Diretora Executiva da UAEM Brasil

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Mariana Paiva - UAEM Pouso Alegre.

A ERA PÓS ANTIBIÓTICOS

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rovavelmente você já deve ter utilizado antibióticos em algum momento da sua vida, seja para tratar uma simples infecção de garganta ou após um procedimento cirúrgico invasivo. Por acaso o caro leitor já se perguntou como era a vida em um período em que esses medicamentos não existiam? Imaginem um mundo cheio de epidemias, onde as pessoas morriam de doenças como tuberculose, sífilis, lepra, coqueluche, peste bubônica, e até mesmo de um simples coqueluche, peste bubônica, e até mesmo de um simples corte infeccionado ¹. A população daquela época sentia medo de adoecer ou se cortar, pois isto poderia significar a morte. Segundo estudos, em países desenvolvidos, uma em cada três crianças não chegava à idade adulta. Entre as classes mais pobres, metade dos recém-nascidos não chegava ao primeiro ano de vida ¹. A descoberta da penicilina em 1928 por Alexander Fleming revolucionou a medicina. Graças a essa nova opção terapêutica foi possível tratar doenças como tuberculose, meningite e pneumonia, que, antes, tinham alta letalidade. Nesse sentido, os antibióticos ajudaram a aumentar a expectativa de vida das populações². Hoje, o uso dessa classe terapêutica nos permite desde curar doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis³ até realizar procedimentos como transplantes de coração e cirurgia cardíaca4. Ademais, a utilização desses medicamentos promove até o bem-estar dos nossos animais de estimação e garante a segurança alimentar humana por meio do uso de antibióticos no tratamento de animais de produção5. No entanto, os antibióticos vêm se tornando cada vez menos efetivos no combate às infecções bacterianas. Nas últimas décadas, houve um aumento significativo da incidência da resistência a antimicrobianos (AMR) em todo o mundo6. Somente na Europa, estima-se que cerca de 37 mil pessoas morram por ano em decorrência de infecções bacterianas originadas em ambiente hospitalar7. No Brasil, não existem dados sobre a mortalidade provocada pela AMR, todavia o problema tem chamado a atenção das autoridades brasileiras, que estão desenvolvendo estratégias para enfrentá-lo. O nosso país está passando por um período de ressurgimento de epidemias de doenças que já tinham sido controladas há décadas. Entre o período de 2014-2015, o Ministério da Saúde identificou um aumento de 32% nos casos de sífilis em adultos – e mais de 20% em mulheres grávidas3. O cenário de epidemia é agravado pelo aumento da incidência de sífilis resistente à penicilina8 e pelo desabastecimento BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 4 do medicamento no mercado2.

MAS, AFINAL, O QUE É A RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS (AMR)? A resistência a antimicrobianos é um processo natural de resposta adaptativa provocado pela interação entre os microrganismos no meio ambiente4. Ela ocorre devido à capacidade da bactéria de se modificar e desenvolver mecanismos em respostas a ameaças ambientais, tais como as moléculas de antibióticos4. A AMR é um fenômeno antigo que precede a existência humana9. As moléculas de antibióticos estão no ambiente desde o início da vida e as bactérias sempre possuíram mecanismos para se defender dessa ameaça9. No entanto, acredita-se que a utilização de antibióticos pelos seres humanos, para as mais diversas finalidades, tenha promovido um ambiente de pressão seletiva que impulsionou o processo da disseminação de resistência, aumentando, dessa forma, o número da população e a diversidade de cepas bacterianas resistentes a antimicrobianos10. Desde a descoberta do primeiro agente terapêutico, o pesquisador Alexander Fleming disse que o uso do medicamento de forma inadequada poderia promover a resistência a antimicrobianos11. Hoje, sabe-se que tanto o uso correto como o incorreto promove pressão seletiva, e a única diferença entre as formas de utilização é que a forma correta nos traz mais benefícios12. Os fatores que promovem o aumento da resistência a antimicrobianos são: o uso excessivo e inadequado do medicamento por nós, humanos; a utilização inadequada dos antibióticos na produção agropecuária; e a poluição do meio ambiente promovida pelo despejo de resíduos do medicamento no solo ou na água. O problema ainda é agravado por outros fatores, tais como a ausência ou insuficiência de legislação regulatória sobre o uso desses medicamentos; a falta de fiscalização do consumo de antibióticos por parte de instituições governamentais; a falta de pesquisa e desenvolvimento de novas classes terapêuticas; e o preço de algumas classes de antibióticos3,13,14,15,16,6,17, 18.

E COMO PODEMOS SALVAR NOSSOS ANTIBIÓTICOS? O aumento da incidência da resistência a antimicrobianos chamou a atenção de diversos atores, tais como pesquisadores, políticos, funcionários governamentais, defensores da saúde pública e consumidores. Todos eles estão preocupados com a disseminação rápida da resistência a antimicrobianos e temem a chegada de uma era pós antibióticos18. Recentemente, uma força tarefa internacional formada pela BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 5 Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), Organização das Nações Unidas (ONU), e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) desenvolveu um plano global para enfrentamento à AMR18. Posteriormente, diversos países desenvolveram estratégias de enfrentamento ao problema, inclusive o Brasil 19-23. A resistência a antimicrobianos é um problema complexo já que, como abordado anteriormente, existem inúmeros fatores causais associados24. Sendo assim, uma estratégia unilateral não seria suficiente para controlá-lo. Para enfrentar a resistência a antimicrobianos é necessária uma ação coordenada, colaborativa e intersetorial25. Considerando as características peculiares do problema que é AMR, o plano para seu enfrentamento foi desenvolvido com base na premissa da Saúde Única. O conceito Saúde Única pressupõe uma relação entre a saúde humana, animal e o meio ambiente24. Nesse sentido, para solucionar os problemas de saúde contemporâneos, seria necessária uma integração entre diferentes áreas do conhecimento, tais como a medicina humana, veterinária, saúde pública, economia, ciências sociais e ecologia26. Sendo assim, diferentes profissionais, bem como governos e a sociedade civil, devem trabalhar em conjunto em nível local, nacional e global para promover saúde para os seres humanos, animais e o meio ambiente27. Fundamentado no pressuposto da Saúde Única, a estratégia de enfrentamento à AMR envolve diversos eixos, sendo eles: promoção do uso racional de antibióticos em seres humanos e animais; vigilância epidemiológica; saneamento básico; descarte adequado do medicamento; e desenvolvimento de novas classes terapêuticas e outras tecnologias. O problema da resistência a antimicrobianos está posto; e todos devemos nos envolver para evitar uma futura catástrofe na saúde pública global. Continue a leitura para saber mais como se envolver nesta importante tarefa. Por Rafael Almeida

Médico Veterinário. Coordenador do projeto “Acesso a antibióticos e resistência a antimicrobianos” da UAEM Brasil. Mestre em Saúde Pública e Doutorando em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca- FIOCRUZ.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aventurasnahistoria.uol.com.br. Brasil: Como Fazíamos sem antibióticos. [Acesso em novembro de 2019]. Disponível em:https://aventurasnahistoria.uol.com.br. 2. Achilladeli B.The dynamics of technological innovation: The sector of antibacterial medicines. Research Policy. 1993. 22(4): 279–308. 3. Superabril.com.br. Brasil A nova cara da sífilis. [Acesso em novembro de 2019]. Disponível em: https://super.abril.com.br/saude/a-nova-cara-da-sifilis/. 4. Munita JM, Arias CA. Mechanisms of Antibiotic Resistance. In: Virulence Mechanisms of Bacterial Pathogens, Fifth Edition.. EUA: American Society of Microbiology; 2016. p. 481–511. 5. Bengtsson B, Greko C. . Antibiotic resistance—consequences for animal health, welfare, and food production. Upsala journal of medical sciences. 2014 119(2): 96102. 6. Roca I, Akova M, Baquero F, Carlet J, Cavaleri M, Coenen S.The global threat of antimicrobial resistance: science for intervention. New microbes and new infections,. 2015. 6: 22-29. 7. European Center for Disease Prevention and Control. Antimicrobial Resistance and Health Care associated infection programme.2018. [Internet] [Acessado em novembro de 2019]. Disponível em: https://ecdc.europa.eu/en Acesso em setembro de 2018. 8. Organização Pan americana de Saúde (OPAS). Crescente resistência aos antibióticos obriga alterações no tratamento recomendado para infecções sexualmente transmissíveis. 2016. [Acessado em novembro de 2019]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/. 9. Ministério da Saúde. Plano de ação nacional de prevenção e controle da resistência aos antimicrobianos no âmbito da Saúde Única. 2018. [Acessado em novembro de 2019] Disponível em: saúde.gov.br 10. Hoelzer K, Nora W, Coukell A Antimicrobial drug use in food-producing animals and associated human health risks: what, and how strong, is the evidence?. BMC veterinary research,, 13(1): 211. 2017. 11. Schipp M. Australian veterinarians–global challenges. Australian veterinary journal,.96(1-2): 4-10. 12. Boqvist S, Soderqvist K, Vagsholm I.. Food safety challenges and One Health within Europe. Acta Veterinaria Scandinavica. 2018. 60(1):1. 13. Alder R, Bruyn, Wong J. One Health, veterinarians and the nexus between disease and food security. Australian veterinary jornal.2017. 95 (12):451-453.

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PÁGINA 7 14. Collignon P. Antibiotic resistance: are we all doomed? Internal medicine jornal. 2015. 45,(11):1109-1115. 15. Shea KM. Nontherapeutic use of antimicrobial agents in animal agriculture: implications for pediatrics. Pediatric.2004.114(3): 862-868. 16. Nobel prize.org. Penicillin. Nobel Lecture. The Nobel Prize. 1945. Disponivel em: https://www.nobelprize.org. Acesso em março de 2018. 17. CDDEP. Org. Acces barriers to antibiotics. The center for diseases dynamic.2019. Disponivel em:https://cddep.org. 18. Kaae S, Ma Slaj A, Hoxha I.Antibiotic knowledge, attitudes and behaviours of Albanian health care professionals and patients – a qualitative interview study. Journal of Pharmaceutical Policy and Practice. 2017.10(1). 19. Pavyde E, Velkutis V, Maciulene A, Maiciuis V, Petrikonis K, Stankevicius V.. Public Knowledge, Beliefs and Behavior on Antibiotic Use and Self- Medication in Lithuania. International Journal of Environmental Research and Public.2015,12(6):7002. 20. Michael CA, Dominey-Howes D, Labbate M. The antimicrobial resistance crisis: causes, consequences, and management. Frontiers in public health. 2014. (2):145. 21. Davis MA, Hancock DD, Besser TE. Multiresistant clones of Salmonella enterica: The importance of dissemination. The Journal of laboratory and clinical medicine. 2002 140(3):135–141. 22. BRASIL. Decreto –lei n° 8448, de 6 de maio de 2015. Brasília, DF, 2015Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. .[Acessado em novembro de 2017]. 23. Centner TJ. Recent government regulations in the United States seek to ensure the effectiveness of antibiotics by limiting their agricultural use. Environment international. 2016. 94,:1-7. 24. UN Interagency Coordination group on Antimicrobial Resistance (IACG). No time to wait: Securing the future from drug- resistant infections.. 2019.[Acessdo em Janeiro de 2019] Disponível em: https://www.who.int/antimicrobial resistance/interagency-coordination-group/final-report/en/. 25. Agencia Brasileira de Vigilância Sanitária. Plano Nacional para a Prevenção e o Controle da Resistência Microbiana nos Serviços de Saúde. 2017. [ Acessado em Novembro de 2019]. Disponível em: www. Portal.anvisa.gov.br. 25. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no âmbito da agropecuária. 2018. [Acessado em novembro de 2019]. Disponível em: www.agricultura.gov.br.

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USO RACIONAL DOS ANTIBIÓTICOS

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Alan Rossi – UAEM Rio de Janeiro.

rovavelmente você utilizou aquela velha amiga amoxicilina na terrível inflamação de garganta, ou até mesmo naquela gripe que não passava por nada. E se te dissermos que cerca de 50% das inflamações de garganta e gripe são tratadas incorretamente com antibióticos¹? E o uso irracional do medicamento (URM) contribui para o aumento da incidência da resistência a antimicrobianos. Somente na última década estima-se que o consumo de antibióticos cresceu 35% em todo o mundo. Segundo Boeck², nos anos 2000 o consumo mundial era de cerca de 53 bilhões de unidades (comprimidos, cápsulas ou ampolas) farmacêuticas e em 2010 este valor chegou a 71 bilhões de unidades.

MAS POR QUE CONSUMIMOS TANTOS ANTIBIÓTICOS? O aumento do consumo de antibióticos se deve a dois fatores fundamentais, sendo eles a prescrição inadequada e a automedicação feita pelo paciente. No que diz respeito aos profissionais da saúde, avalia-se que 50% das prescrições de antibióticos feitas por médicos são desnecessárias¹. Outra pesquisa demonstrou a relação entre a prática desses profissionais com BOLETIM DA UAEM BRASIL

o consumo inadequado de antibióticos. Neste mesmo estudo, os médicos afirmaram que os resultados de testes para escolha terapêutica demoram e que, por esse motivo, eles prescrevem antibióticos de acordo cordo com a observação clínica e a experiência profissional. Também há casos em que o paciente pressiona médicos e farmacêuticos para conseguir antibióticos e, diante da pressão, ambos cedem e prescrevem o medicamento sem necessidade, com receio de perder o paciente para outros profissionais3. Outro ponto importante a ser discutido no enfrentamento à AMR é a prática da automedicação comum na população brasileira. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 4, apenas 50% dos pacientes tomam corretamente seus medicamentos. Metade dos pacientes desconhecem as informações básicas para utilização correta do medicamento.

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O PARADOXO ENTRE O CONSUMO EXCESSIVO E DA FALTA DE ACESSO A ANTIBIÓTICOS

Magno Maciel – UAEM Rio de Janeiro.

Enquanto alguns utilizam antibióticos excessivamente, outros não têm acesso a esses medicamentos quando necessário. Em 2018, a OMS analisou o consumo de antibióticos em 65 países. O relatório5 publicado pela instituição apontou uma enorme diferença entre o consumo dos medicamentos entre os países analisados. A taxa de consumo encontrada variou entre quatro a sessenta e quatro doses diárias definidas para cada habitante. Esta evidência indica que alguns países estão usando antibióticos excessivamente, enquanto outros podem não ter acesso suficiente a esses medicamentos que salvam vidas. Uma das principais barreiras de acesso ao medicamento é o preço, por exemplo: o tratamento de tuberculose resistente feito com o antibiótico bedaquilina chega a custar R$4.963,446. Já imaginou o quanto isso pode pesar no bolso do brasileiro que ganha um salário mínimo para sobreviver? Sabendo da importância do medicamento para tratar populações negligenciadas, organizações como o Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançaram uma campanha global para que a empresa fabricante (Johnson&Johson) reduza o preço do medicamento. Especificamente para o Brasil, a instituição também requereu que o Ministério da Saúde incorpore o antibiótico na lista de medicaBOLETIM DA UAEM BRASIL

mentos distribuídos pelo SUS 6.

O QUE O BRASIL TEM FEITO PARA PROMOVER O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS Em 2004, o Brasil lançou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, que tem como um dos objetivos promover o uso racional dos medicamentos mediante ações que estimulem a prescrição, dispensação e consumo adequados dos medicamentos7. Com o objetivo de promover o acesso, o Estado brasileiro também adotou uma lista padronizada de medicamentos: a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), a qual orienta a oferta, prescrição e a dispensação de todos os medicamentos disponibilizados no SUS8. Uma outra iniciativa importante para promover o uso racional de medicamentos foi instituída pela ANVISA através da Resolução Diretoria Colegiada (RDC) de FEV 2020


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Créditos: Rafael Almeida.

nº 20/2011, que dispõe sobre o controle dos antimicrobianos e proíbe a dispensa de antibióticos sem receita9. Apesar dos avanços feitos na legislação brasileira para regular o uso de medicamentos no país, incluindo os antimicrobianos, ainda existem muitos problemas a serem enfrentados, tais como a falta de fiscalização e de educação sanitária dos profissionais e da população. Sabendo disso, o Ministério da Saúde, juntamente com o Ministério da Educação, planeja, para os próximos anos, invesir na formação e capacitação de profissionais e gestores da área da saúde, como também promover a sensibilização e compreensão dos usuários sobre a AMR10. Ademais, recentemente o Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos (CNPURM) /Ministério da Saúde desenvolveu o relatório “Uso de medicamentos e medicalização de vida: recomendações e estratégias”. Entre as recomendações feitas estão: (a) orientar pacientes quanto ao uso racional de medicamentos antimicrobianos, (b) qualificar os processos de prescrição, e também a formação de profissionais, (c) promover a logística reversa eficiente e o descarte de medicamentos e (d) realizar e fomentar ações de comunicação e conscientização sobre a AMR 11. Contudo, apesar dos avanços, existem os retrocessos.

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Em 2018, o Senador Guaracy Batista da Silveira (PSL/TO) protocolou um Projeto de Lei (PL 545/2018) 12 que objetiva dispensar a necessidade de prescrição médica para ter acesso aos antimicrobianos. Destacamos aqui o posicionamento contrário da UAEM a esse projeto que representa o oposto de todos os avanços conquistados pela ANVISA e outras instituições da saúde que regulam a produção, dispensação e consumo dos medicamentos no país. Diante disso, é fundamental o desenvolvimento de ações que trabalhem a educação e comunicação em saúde como eixo primordial no combate à AMR, sendo necessária, também, uma reflexão sobre o nosso papel enquanto agentes responsáveis pela promoção do uso racional de medicamentos e, consequentemente, enfrentando a AMR. A UAEM Brasil destaca três recomendações para o leitor: - Utilizar antibióticos apenas sob prescrição médica; - Utilizar o medicamento na dose, frequência e duração prescritas pelo profissional de saúde; - Incentivar as práticas de educação continuada dos profissionais de saúde e de educação sanitária da população. FEV 2020


PÁGINA 11 Por Isak Batista Serafim

É técnico em Vigilância em Saúde e Bacharel Interdisciplinar em Saúde pela Universidade Federal do Sul da Bahia, membro da UAEM Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Agência Brasileira de Vigilância Sanitária. Uso Indiscriminado de antibióticos e resistência microbiana: Uma guerra perdida? 2004. [Acessado em novembro de 2019]. Disponível em; www.portal.anvisa.gov.br. 2. Van Boeckel TP, Gandra S, Ashok A, Caudron Q, Grenfell BT, Levin SA .Global antibiotic consumption 2000 to 2010: an analysis of national pharmaceutical sales data. Lancet Infect Dis. 2014;14(8):742–750. 3. Kaae S, Ma Slaj A, Hoxha I.Antibiotic knowledge, attitudes and behaviours of Albanian health care professionals and patients – a qualitative interview study. Journal of Pharmaceutical Policy and Practice. 2017.10(1). 4. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Parcerias para diminuir o mau uso de medicamentos. Rev. Saúde Pública. 2006. 40 (1): 191-192. 5. Blogdasaúde.gov.br. Novo relatório da OMS revela diferenças no uso de antibióticos entre 65 países. [Acessado em novembro de 2019]. Disponível em:www.blog.saúde.gov.br. 6. Médicos sem fronteiras. MSF lança campanha global para a Johnson & Johnson reduzir o preço de medicamento contra tuberculose. [Acessado em novembro de 2019]. Disponível em: www.msf.org.br. 7. Brasil. Resolução N° 338, de 06 de maio de 2004. Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Disponível em: www.bvms.saude.gov.br. 8. Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais- Rename. [ Acessado em janeiro de 2020]. Disponível em: www.saude.gov.br/rename. 9. Brasil. Resolução-RDC N°20, de 5 de maio de 2011. Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de antimicrobianos. [ Acessado em janeiro de 2020]. Disponível em: www.anvisa.gov.br. 10. Ministério da Saúde. Plano de ação contra a resistência a antimicrobianos no âmbito da saúde única. [Acessado em janeiro de 2020]. Disponível em: www.saude.gov.br. BOLETIM DA UAEM BRASIL

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UM OLHAR SOBRE A RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA: VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

omo visto anteriormente, a resistência antimicrobiana é um problema complexo que precisa ser abordado de diferentes maneiras, e a vigilância epidemiológica é uma delas. "Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos ¹." O surgimento dos antibióticos contribuiu muito para um fenômeno que chamamos transição epidemiológica: quando o perfil de doenças de uma determinada população começa a mudar. Nesse caso, houve a diminuição das doenças infecciosas e o aumento das doenças crônicas (principalmente nos chamados países desenvolvidos)². Essas mudanças podem ser detectadas quando temos sistemas de monitoramento das Beatriz Kaippert – UAEM Rio de Janeiro. Agradecimento especial à Natália Moraes pelo cartaz maravilhoso. condições de saúde da população. Uma vigilância eficiente permite que possam ser pensadas estratégias efetivas de enfrentamento de problemas que possam ocorrer. Visto que a resistência antimicrobiana é um problema que preocupa o mundo inteiro, existem diversas iniciativas nacionais e internacionais para monitorar surtos de infecções causadas por microorganismos multirresistentes. O CDC (Centers for Diseases Control and Prevention), uma das maiores referências atuais em vigilância epidemiológica, lança relatórios periódicos e promove estratégias para controlar a resistência antimicrobiana3. Outras entidades também direcionam BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 13 seus esforços para essa causa, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que lançou em 2019 o programa AWaRe4, uma iniciativa que categoriza os antibióticos em três grupos, em mais uma tentativa de promover o seu uso racional: - Acesso: antibióticos que devem estar constantemente disponíveis, a preços acessíveis e com qualidade garantida; - Vigilância: antibióticos apenas para indicações específicas e limitadas; - Reserva: último recurso, quando todos os outros antibióticos tiverem falhado. No Brasil, grande parte da vigilância epidemiológica é feita através de bases de dados públicas como o SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação, para as doenças de notificação compulsória (como tuberculose ou HIV/AIDS); o SINASC Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos; e o SIM - Sistema de Informações sobre Mortalidade, entre outros5. A notificação em bases de dados comuns é importante para possibilitar que perfis populacionais sejam traçados e novas estratégias de prevenção e combate sejam pensadas. Por exemplo, se os casos de sífilis resistente à penicilina fossem todos notificados, o formulador da política pública teria noção do real tamanho do problema e poderia pensar estratégias de enfrentamento adequadas. Essa vigilância também pode ser feita em pequena escala, como, por exemplo, no ambiente intra-hospitalar. Levantar dados sobre o número de infecções hospitalares, antimicrobianos utilizados e o perfil bacteriano do hospital, entre outros, é extremamente importante. Atualmente, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) monitora o uso dos principais antimicrobianos nas unidades de terapia intensiva dos hospitais através da DDD (dose diária dispensada), uma unidade técnica internacional que possibilita a comparação do consumo de antimicrobianos em diferentes locais e épocas. Além disso, a ANVISA também monitora a taxa de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) e resistência microbiana6. Uma importante recomendação para o enfrentamento da AMR é o programa de gerenciamento e uso de antimicrobianos (Antimicrobial Stewardship), que é uma sistematização do uso desses medicamentos que objetiva: monitorar parâmetros laboratoriais de infecção (PCR, leucograma, procalcitonina); realizar cultura para identificar o microorganismo que está causando a infecção; detectar a quais antimicrobianos ele é resistente e a quais é sensível; e tratar a infecção de acordo com o resultado das culturas, priorizando os antibióticos de menor espectro7. Embora essas sejam estratégias úteis para promover o uso racional dos antimicrobiano, ainda existem alguns desafios a serem superados. Na vigilância epidemiológica, a subnotificação é um dos principais. Para contornar essa barreira, é necessário entender por que ela acontece: falta de treinamento e conscientização dos BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 14 profissionais da ponta, ausência de devolutiva em forma de dados para esses mesmos profissionais, medo de represálias no ambiente de trabalho (quando se trata de um erro ou IRAS), entre outros8. Tratar os dados que chegam, traçar um perfil epidemiológico da população, promover a educação em saúde necessária e desenvolver estratégias de enfrentamento aos problemas que se apresentam demandam tempo e pessoal qualificado. Em tempos de sucateamento da saúde pública e diminuição dos investimentos, essas atividades ficam ameaçadas. Por Barbara Carvalho

É farmacêutica clínica no Hospital Federal Cardoso Fontes, mestranda em Saúde Coletiva - epidemiologia pelo IMS/UERJ e integra o capítulo Rio de Janeiro da UAEM Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brasil. Lei 8080 de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providência.. Brasília, DF,1990. [Acesso em novembro de 2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. 2. Araujo JD. Polarização epidemiológica no Brasil. Epidemiol. Serv Saúde. 2012. 21(4). 3. Centers for Disease Control and Prevention. Antibiotic resistance threats in the United States, 2013. [ Acessado em dezembro de 2019]. Disponível em: www.cdc.gov/drugresistance. 4. World Health Organization. AWaRe. Adopt AWaRe: Handle antibiotics with care. [ Acessado em 20 de outubro de 2019].Disponível em: <https://adoptaware.org/. 5. Ministério da Saúde. Guia de vigilância epidemiológica 7. ed. 2009. [ Acessado em novembro de 2019]. Disponível em: http://saude.gov.br/. 6. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Diretriz Nacional para Elaboração de Programa de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos em Serviços de Saúde. 2017. [ Acessado em novembro de 2019]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/.

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CRUSH DA VEZ

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nossa crush da vez é Ana Paula Assef - uma das maiores referências brasileiras quando o assunto é a resistência a antimicrobianos. Formada em Ciências Biológicas, Ana Paula é hoje pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e chefe do Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do IOC. Ela também é membra da Câmara Técnica de Resistência Microbiana (CATREM) da Anvisa e da Câmara Técnica de Prevenção e Controle de Infecção em IRAS do Estado do Rio de Janeiro (SVS-RJ), tendo vasta experiência na área de AMR. Para a UAEM Brasil, é uma honra poder contar com sua participação em nosso Boletim. Confira, abaixo, o que ela contou para a gente na entrevista que fizemos:

1 - EM SUA OPINIÃO POR QUE A RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS É UM DOS MAIORES DESAFIOS PARA A SAÚDE PÚBLICA GLOBAL? A resistência a antimicrobianos é um desafio para a saúde global porque cada vez mais a bactéria vem se tornando resistente aos antibióticos existentes e não têm sido desenvolvidas novas classes terapêuticas dos medicamentos. Logo, sem antibióticos efetivos, torna-se cada vez mais difícil tratar doenças causadas por bactérias resistentes.

2 - EM QUAIS PONTOS ESTRATÉGICOS TEMOS QUE INTERVIR PARA EVITAR A POSSIBILIDADE DE UMA ERA PÓS ANTIBIÓTICOS?

Ana Paula Assef, no Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

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PÁGINA 16 Temos que intervir em diversos pontos estratégicos para combater o avanço da resistência antimicrobiana (AMR, da sigla em inglês para antimicrobial resistance). O primeiro é a melhoria da saúde pública brasileira. Os hospitais são considerados fontes principais de AMR. Sendo assim, devemos investir em melhorias na qualidade dos hospitais e da atenção e cuidado aos pacientes. O segundo ponto é o controle do uso do medicamento em humanos e animais (agropecuária). Deve-se promover o uso adequado e consciente dos antibióticos tanto na medicina humana quanto na medicina veterinária. O terceiro quesito envolve a melhora do saneamento básico do nosso país, ou seja, ampliar o investimento no tratamento de esgoto. O quarto eixo considera o desenvolvimento de formas sustentáveis de descartar os resíduos dos antibióticos produzidos e os medicamentos que não foram utilizados. O quinto e último requer o investimento na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de antibióticos e novas formas de diagnóstico das infecções. Há uma falta de investimento por parte da indústria farmacêutica na P&D de novas classes terapêuticas. É necessário investir cada vez mais nesta área para desenvolvermos novas forma de tratamento para AMR.

3 - EM SUA OPINIÃO, O ESTADO BRASILEIRO DEVE SER RESPONSÁVEL PELO DESENVOLVIMENTO DE UMA ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO À AMR EM TERRITÓRIO NACIONAL? SE SIM, QUAIS OS DESAFIOS QUE ELE TERÁ PARA ENFRENTAR O AUMENTO DA INCIDÊNCIA DA RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS? Sim, o Estado brasileiro atua no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento à resistência aos antimicrobianos. No final do ano passado, o Ministério da Saúde lançou o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única. O plano contempla todos os pontos estratégicos que mencionei anteriormente. Agora temos que colocar em prática o plano que foi escrito.

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PÁGINA 17 4 - COMO CONSCIENTIZAR A POPULAÇÃO SOBRE O PROBLEMA DA AMR E COMO PROMOVER O USO RACIONAL DE ANTIBIÓTICOS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS? Para promover a conscientização sobre os riscos e os impactos da resistência antimicrobiana e sobre a importância do uso racional de antibióticos é necessário disseminar o conhecimento sobre o assunto para os profissionais de saúde e para a população em geral. Médicos e responsáveis por prescrever antibióticos precisam saber exatamente quando e como prescrever esse tipo de medicamento. Da mesma forma, a população deve ter conhecimento de que estes medicamentos não podem ser utilizados de maneira aleatória, mas sim quando se tratar de infecções bacterianas e de forma correta. Para promover a educação desse público, é necessário que pessoas que tenham conhecimento sobre o assunto divulguem as informações, seja por meio de mídias sociais ou outros veículos de informação.

5 - SABENDO DA IMPORTÂNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PARA DESENVOLVER POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENFRENTAMENTO À AMR E QUE UM SISTEMA DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA EFICAZ PODE FORNECER ESTAS INFORMAÇÕES, EM QUAIS PONTOS A VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA BRASILEIRA PODE SER APERFEIÇOADA? Existe uma rede de monitoramento da resistência aos antimicrobianos da Anvisa, da qual fazem parte os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) e o Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do IOC. Precisamos fortalecer esta rede. Primeiro, é necessário melhorar os laboratórios de microbiologia dos hospitais para que possamos identificar os surtos de infecções bacterianas resistentes e responder de forma rápida. Sobre a vigilância do consumo de antibióticos, a Anvisa monitora a compra de antibióticos e só permite a compra do medicamento mediante a

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PÁGINA 18 prescrição de um profissional de saúde. No entanto, mesmo com esta restrição, é possível comprar antibióticos sem prescrição em algumas farmácias. Logo não conhecemos o consumo real destes medicamentos no Brasil. O plano nacional prevê o aperfeiçoamento de todo o sistema de vigilância epidemiológica.

Rafael Almeida - UAEM Rio de Janeiro.

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RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS INDUZIDA POR CONTAMINANTES EMERGENTES O QUE SÃO OS CONTAMINANTES EMERGENTES?

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rovenientes das ações antrópicas, os contaminantes emergentes (CE) são compostos oriundos da produção e consumo de medicamentos e seus metabólitos, produtos de limpeza, de higiene pessoal, pesticidas, aditivos industriais, entre outros. Eles estão presentes em efluentes domésticos, industriais, hospitalares e também naqueles oriundos das atividades agrícola e pecuária, que acabam por contaminar cursos d'água e solos ¹. As pesquisas desses compostos ganharam destaque na última década, juntamente à crescente Bárbara Almeida - UAEM Rio de Janeiro preocupação com a preservação ambiental. Artigo de revisão demonstra que CE já foram identificados em esgoto, águas superficiais e subterrâneas, bem como em águas tratadas e envasadas para consumo humano 2. No entanto, mesmo representando riscos ao ecossistema, não há legislações ou programas de monitoramento de rotina para busca desses compostos em efluentes, sendo necessários, assim, mais estudos que visem entender as vias de transporte e destinos; as concentrações; as transformações; e os efeitos que esses contaminantes provocam ao meio ambiente e ao ser humano. A partir do levantamento destas informações será possível desenvolver políticas públicas para enfrentar este problema 2.

O QUE SÃO OS CONTAMINANTES EMERGENTES? Dentre os CE presentes no meio ambiente encontram-se diversas classes de fármacos, como analgésicos, antibióticos, anti-inflamatórios e hormônios sintéticos. Sabe-se que as concentrações deles no ambiente são baixas. No entanto, por serem constantemente lançados no meio, são considerados pseudo-persistentes ¹. BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 20 A baixa e constante concentração dos CE no meio ambiente traz preocupações quantos aos efeitos crônicos provocados por esta exposição. Estudos realizados com diferentes organismos relatam efeitos que podem alterar ecossistemas e cadeias alimentares devido a distúrbios endócrinos e reprodutivos, como a feminização em peixes³, distúrbios metabólicos, incidência de neoplasias malignas e a indução de resistência bacteriana 4,5,6.

RESÍDUOS DE ANTIBIÓTICOS NO AMBIENTE COMO INDUTOR DE RESISTÊNCIA BACTERIANA O consumo irracional de antibióticos implica no maior descarte dos mesmos no meio ambiente, o que, atrelado a questões como falta de saneamento básico e à difícil remoção desses compostos nas estações de tratamento de efluentes, contribuem com o aumento da poluição ambiental. Estudo de Dinh 7 identificou presença de antibióticos na bacia do rio Sena em Paris. No Brasil, a presença de antibióticos foi detectada tanto em efluentes nas estações de tratamento como em águas superficiais em concentrações de 29,9 a 54,4 ng. L-1 8. Nessas condições, a concentração de antibióticos no ambiente é continuamente baixa (ng L-1 a μg L−1). Apesar de incapazes de inibir o crescimento ou matar os microrganismos, essas doses sub-letais geram um estresse na bactéria, o que contribui para o desenvolvimento de mecanismos para se adaptar e resistir à situação, promovendo, assim, a resistência a antimicrobianos, que pode ser transferida a diferentes espécies e gêneros bacterianos, levando ao surgimento de bactérias multirresistentes.

COMO DIMINUIR O DESCARTE DE MEDICAMENTOS NO AMBIENTE? Como a disposição de medicamentos e seus metabólitos no ambiente é variada, há a necessidade de ações integradas para reduzir a contaminação ambiental por esses produtos. Nesse sentido, a prioridade das ações está na minimização da geração de resíduos. Para reduzir a geração de resíduos de medicamentos diversas medidas podem ser tomadas. Entre elas, estão: a revisão de protocolos de tratamento por parte dos médicos e a redução de prescrições desnecessárias; o maior controle de estoque dentro das indústrias farmacêuticas para diminuir produções desnecessárias; a gestão

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PÁGINA 21 adequada dos estoques de antibióticos em farmácias e drogarias; e o fracionamento de medicamentos no momento da compra (seriam vendidos na quantidade e dose exatas para o tratamento, evitando o acúmulo e perda de medicamento no domicílio). Para além da redução do consumo, deve-se também haver melhor regulamentação e monitoramento quanto ao descarte adequado de resíduos medicamentosos. Atualmente esse descarte é entendido junto à Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 12.305/10 9 e também pela Resolução de Diretoria Colegiada da ANVISA n° 222/18 10. A RDC 222/18 10 trata especialmente dos resíduos gerados em serviços de saúde, como hospitais, clínicas, farmácias e etc. Nesta norma, os medicamentos são classificados como resíduos do grupo B (químicos), devendo ser tratado antes da sua disposição final no ambiente. A Lei 12305/10 9 considera medicamentos como resíduos sólidos ou rejeitos e não traz medidas específicas para seu descarte. No seu artigo 31, aborda a logística reversa, onde fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade do recolhimento de alguns produtos que têm impacto na saúde pública, no entanto esta medida não é obrigatória para medicamentos9. Quem regula a logística reversa de medicamentos descartados pelo consumidor é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)11. Entre empresas, ninguém pode ser obrigado a seguir uma norma ABNT 12, por isso, em apenas algumas cidades brasileiras ocorre o recolhimento de medicamentos em postos de saúde, hospitais e/ou farmácias. Ações integradas entre governo, cadeia produtiva e sociedade civil podem reduzir os riscos provenientes das ações antrópicas quanto aos contaminantes emergentes. Sendo assim, cabe ao poder público implementar políticas efetivas para coleta desses resíduos, como também monitorar o tratamento dos efluentes e água para consumo, para que as estações de tratamento utilizem técnicas efetivas para remoção desses compostos. Os profissionais da saúde devem ser responsáveis pela orientação aos indivíduos quanto ao uso racional de medicamentos e descarte adequado. Às indústrias e distribuidoras de medicamentos cabem medidas para o tratamento de seus efluentes e coleta do produto fabricado, efetivando a logística reversa. Por último, cabe à população o uso correto e o descarte consciente desses medicamentos em pontos oficiais de recolhimento.

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PÁGINA 22 Por Mariana Dall’Agnol

Médica Veterinária, Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde, na Escola de Veterinária e Zootecnia com ênfase em Sanidade Animal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aquino SF, Brandt EMF, Chernicharo CAL. Remoção de fármacos e desreguladores endócrinos em estações de tratamento de esgoto: revisão da literatura.Eng.Sanit. Ambient. 2013. 18(3):187-204. 2. Montagner CC, Vidal C, Acayaba RD. Contaminantes emergentes em matrizes aquáticas no Brasil: cenário atual e aspectos analíticos, ecotoxicológicos e regulatórios. Química Nova, São Paulo. 2017. 40(9):1094-1110. 3. Bassstrup E, Henriksen P. Disrupted reproductive behavior in unexposed female zebrafish (Danio rerio) pairedwithmalesexposedtolowconcentrationsof 17α ethinylestradiol (EE2). Aquatic Toxicology. 2015 1. 60 (2015) 197–204. 4. Gonzalez-Pleiter M. Toxicity of five antibiotics and their mixtures towards photosynthetic aquatic organisms: implications for environmental risk assessment. Water research. 2013. 47(6):2050–64. 5. Elizalde- Velázquez A, Martines- Rodriguez H, Galar Martinz M, Dublán- Garcia O, Islas-Flores H, Rodriguez- Flores J, Gomez-Oliván LM.. Effect of amoxicillin exposure on brain, gill, liver, and kidney of common carp (Cyprinus carpio): The role of amoxicilloic acid. Environmental toxicology. 2017. 32(4):1102-1120. 6. Grenni Paola, Ancova V, Caracciolo AB. Ecological effects of antibiotics on natural ecosystems: A review. Microchemical Journa. 2018.136:25-39. 7. Dinh QT et al. Measurement of trace levels of antibiotics in river water using online enrichment and triple-quadrupole LC-MS/MS. Talanta. 2011. 85(3):1238–1245. 8. Jank L, Hoff, RB, Costa FJD, Pizzolato, T. M Simultaneous determination of eight antibiotics from distinct classes in surface and wastewater samples by solid-phase extraction and high-performance liquid chromatography–electrospray ionisation mass spectrometry. International Journal of Environmental Analytical Chemistry. 2014. 94(10):1013-1037.

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PÁGINA 23 9. BRASIL. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. 10. Brasil. Resolução N° 222, de 28 de março de 2018. Disponível em: www.planalto.gov.br. 11. Agencia Brasileira de Normas Técnicas. Logística reversa de medicamentos de uso humano vencidos e/ou em desuso. [ Acessado em outubro de 2019] Disponível em: https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=359768. 12. Blankenstein, GMP, Junior AP. O descarte de medicamentos e a Política Nacional de Resíduos Sólidos: uma motivação para a revisão das normas sanitárias. Revista de Direito Sanitário. 2018. 19(1): 50-74.

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PREVENIR COM SANEAMENTO BÁSICO OU REMEDIAR COM ANTIBIÓTICOS?

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Luciana Lopes - UAEM Belo Horizonte.

falta de saneamento básico promove o aumento da incidência de doenças infecciosas em seres humanos e contribui para a disseminação da resistência a antimicrobianos¹. Somente em 2013, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 353.5 mil internações devido a doenças gastrointestinais infecciosas. Dentre esses registros, 2.193 mil pacientes foram a óbito por complicações da doença². O Grupo de Coordenação Interinstitucional (ONU/FAO/OIE/OMS) sobre a Resistência a Antimicrobianos (IACG) mencionou, em seu relatório de 2019¹, que o investimento em saneamento básico é essencial para prevenção e controle da transmissão de doenças infecciosas e da resistência a antimicrobianos ¹. A Constituição Brasileira considera o saneamento básico como um direito fundamental de todo cidadão³. Mediante a Lei nº 11.45/2007 4, o Estado brasileiro garantiu efetivar este direito por meio da implementação de um conjunto de ações e serviços, tais como infraestrutura; instalações operacionais de abastecimento de água; esgotamento sanitário; limpeza e drenagem urbana; e manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais 4. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), entre os anos de 2004 e 2016 houve uma melhora nos índices brasileiros de saneamento básico. Nesse período, a porcentagem da população brasileira com água tratada passou de 80,6% para 83,3%. Em relação, à coleta de esgoto, houve um aumento da cobertura em 13,5%². O serviço de tratamento de água e esgoto promove a melhoria e qualidade de vida da população. Evidências demonstram que o acesso ao saneamento básico está associado à redução da mortalidade infantil; ao aumento da expectativa de vida e a redução da incidência de doenças infecciosas gastrointestinais². Somente no Brasil, entre os anos de 2004 a 2016, houve uma redução de 55% da taxa de incidência de internações por doenças infecciosas gastrointestinais. Um dos fatores associados à melhora dos indicadores em saúde foi o aumento do acesso ao saneamento básico². Apesar dos avanços, 35 milhões (16.7%) (Figura 1) de brasileiros não têm acesso a água tratada em sua residência e 96.2 milhões (48%) não possuem coleta de esgoto². O BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 25 maior problema continua sendo a falta de tratamento de esgoto: apenas 74.1% do esgoto coletado passa por uma estação de tratamento antes de ser devolvido ao meio ambiente ². Ademais, é possível observar uma desigualdade significante de cobertura entre as regiões brasileiras, conforme demonstrado no Quadro 1.

FIGURA 1- CENÁRIO DO SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRO

Fonte: Adaptado a partir de Senado Notícias. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/25/brasil-tem-48-dapopulacao-sem-coleta-de-esgoto-diz-instituto-trata-brasil.

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QUADRO 1 - POPULAÇÃO COM ACESSO E DÉFICIT DE SANEAMENTO, EM PESSOAS E (%), GRANDES REGIÕES DO BRASIL, 2016

*Em relação à soma da população do IBGE dos municípios que são atendidos por água ou esgoto e responderam ao SNIS. Fonte: Adaptado de Instituto Trata Brasil. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/.

Em 2014, foi aprovado o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) que tem como objetivo universalizar o saneamento básico no Brasil. O plano prevê um investimento de R$ 304 bilhões até 2033 para conseguir alcançar a meta de fornecer serviços de água tratada e coleta e tratamento de esgoto para todos em todo o território nacional5. Corroborando com esse objetivo, o Ministério da Saúde mencionou no Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos a necessidade de ampliar o acesso à água potável e à cobertura de coleta e tratamento de esgoto para reduzir a incidência de AMR6. Para atingir essa meta, o Ministério da Saúde estabeleceu que as estratégias de intervenção devem seguir o que foi definido pelo Plansab6. Contudo, de maneira contraditória ao que foi proposto, recentemente foi aprovada a Lei 3261/2019, que atualiza o marco legal do saneamento básico brasileiro5. Em linhas gerais, a Lei proíbe o estabelecimento de contratos entre os municípios e estados para fornecimento dos serviços de saneamento básico. Agora, para realizar esse tipo de serviço, o município deve abrir licitação para contratar o serviço de empresa pública ou privada. Além disso, em casos de empresas públicas serem vendidas para a iniciativa privada, o contrato estabelecido anteriormente entre

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PÁGINA 27 município e estado (contratos vigentes continuam válidos mesmo após a aprovação da Lei) passa para a empresa privada sem nenhuma licitação ou consulta à população5. Além de possibilitar o aumento das tarifas cobradas pelo serviço aos cidadãos5, a nova regulamentação coloca em cheque o plano de universalização do saneamento básico e de combate à resistência a antimicrobianos, pois os princípios que regem o mercado privado e o Estado são diferentes. Enquanto o principal interesse do mercado privado é o lucro, o interesse maior do Estado deveria ser pelo bem-estar da população. Nesse caso, pelo acesso universal da população aos serviços de saneamento. Sendo assim, é difícil acreditar que alcançaremos a universalização do saneamento básico por meio da iniciativa privada. Os índices de saneamento da cidade de Manaus refletem a nossa preocupação: desde os anos 2000, o serviço de saneamento da cidade é fornecido por uma empresa privada e, segundo o SNIS, somente 10%5 do esgoto é coletado e apenas 23% 5 é tratado. O enfrentamento à AMR exige uma coordenação de diversas estratégias - incluindo o saneamento básico. Assim, faz-se necessária uma presença forte do Estado brasileiro no âmbito dessa estratégia, tendo como objetivo principal a garantia do acesso da população a um serviço de qualidade. Reconhece-se avanços alcançados nos últimos anos, no entanto, é necessário que o Brasil continue investindo para alcançar a universalização do saneamento básico e reduzir as desigualdades inter-regionais, garantindo assim, aumento da qualidade de vida da população, diminuição de doenças e do uso de antibióticos e, consequentemente, da resistência a eles. Por Rafael Almeida

Médico Veterinário. Coordenador do projeto Acesso a Antibióticos e Resistência a antimicrobianos da UAEM Brasil. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca- FIOCRUZ.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. World Health Organization. No time to wait: Securing the future from drug resistant infection. [Acesso em novembro de 2019] Disponível em: https://www.who.int/.

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PÁGINA 28 2. Instituto Trata Brasil. Benefícios econômicos e sociais da expansão do saneamento no Brasil. [ Acesso em Novembro de 2019]. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/. 3. Brasil. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado; 1988. 4. Brasil. Lei nº11.45/2007, 5 de janeiro de 2007. Brasília, DF,2007. [Acesso em novembro de 2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. 5. Theintercept.com. A privatização do saneamento saiu do jeito que as empresas queriam. The Intercept. [Acesso em janeiro de 2020]. Disponível em: https://theintercept.com/2019/06/06/saneamento-privatizacao/. 6. Ministério da Saúde. Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única. [Acesso em novembro de 2019]. Disponível em: http://saude.gov.br/.

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A RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS ESTÁ NA MESA

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ocê sabia que os antibióticos são utilizados na produção de carne e outros alimentos de origem animal? Os seres humanos e os animais utilizam as mesmas classes terapêuticas de antibióticos¹. Estes medicamentos são utilizados nos animais para tratar e prevenir doenças, como também para promover o crescimento dos animais de produção². Assim como em seres humanos, o uso de antibióticos em animais, seja para qualquer finalidade, promove pressão seletiva nas bactérias e aumenta a incidência da resistência a antimicrobianos³.

QUAIS SÃO OS EFEITOS PARA A SAÚDE HUMANA? A resistência a antimicrobianos pode ser disseminada dos animais para os seres humanos por meio do contato com os animais; pelo consumo de carne ou outro produto de origem animal; e pelo despejo de dejetos da produção agropecuária no meio ambiente4,5,6,7. Dessa maneira, o Créditos: Rafael Almeida. uso do antibiótico em animais de produção pode promover o aumento da incidência da resistência a antimicrobianos em seres humanos.

FIGURA 1- DESENHO ESQUEMÁTICO SOBRE FATORES DE PRESSÃO SELETIVA E ROTAS DE DISSEMINAÇÃO DA RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS ENTRE ANIMAIS, SERES HUMANOS E O MEIO AMBIENTE.

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Fonte: WOOLHOUSE et al.,2014.

É NECESSÁRIO UTILIZAR ANTIBIÓTICOS NA PRODUÇÃO ANIMAL? O uso terapêutico dos antibióticos é necessário para garantir a saúde e bem-estar dos animais e a segurança alimentar humana³. No entanto, acredita-se que as outras finalidades de uso poderiam ser substituídas por alternativas, tais como a mudança do modelo de produção e o desenvolvimento de vacinas. Woolhouse et al.9 propõem que o uso de antibióticos para profilaxia seja substituído por vacinas. Os autores demonstraram em um estudo que a aplicação da vacina em suínos para prevenir a infecção pelo bacilo Lawsonia intracellularis resultou na redução de 80% do consumo de oxitetraciclina e promoveu o aumento da produtividade do rebanho9.

COMO REDUZIR O CONSUMO DE ANTIBIÓTICOS NA PRODUÇÃO DE CARNE? Para reduzir o consumo de antibióticos é necessário o envolvimento de diversos atores da sociedade, tais como governos, produtores, organizações não governamentais e a sociedade civil. Diversas estratégias têm sido implementadas para reduzir o consumo de antibióticos na produção animal. Países como a Suécia e Dinamarca, e blocos econômicos como a União Europeia baniram o uso de antibióticos BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 31 para promoção do crescimento10. Recentemente, o Parlamento Europeu decidiu que, a partir de 2022, será implementada uma série de medidas restritivas para o uso de antibióticos em animais de produção. Dentre elas está o banimento do uso do medicamento para prevenir infecções no rebanho, salvaguardando alguns casos específicos11. Em 2017, a OMS publicou orientações sobre o uso de antibióticos na produção animal. No documento, a instituição recomendou a redução do uso de todas as classes de antibióticos importantes para a saúde humana na produção animal. Além disso, a OMS orientou que os antibióticos não fossem utilizados para a promoção do crescimento animal ou para prevenir doenças no rebanho que não foram diagnosticadas 12.

VOCÊ COMERIA CARNE OU OUTRO ALIMENTO DE ORIGEM ANIMAL QUE FOI PRODUZIDO SEM O USO CONSCIENTE DE ANTIBIÓTICOS? Um estudo feito nos Estados Unidos da América (EUA) demonstrou que entre 1.014 entrevistados no país, 59% dos indivíduos prefeririam se alimentar em restaurantes que servissem carne produzida sem o uso de antibióticos. Além disso, mais da metade dos entrevistados concordaram que os restaurantes deveriam parar de servir carnes que foram produzidas com o uso indiscriminado de antibióticos13. A sociedade civil e grupos de consumidores têm exigido das empresas produtoras de alimentos um posicionamento em relação ao uso de antibióticos na produção de carne. Respondendo a essa demanda, cadeias de restaurante como McDonald´s têm pressionado seus fornecedores a reduzir o consumo de antibióticos na produção animal14. Recentemente, a empresa publicou uma política, baseada nas recomendações feitas pela OMS, com a estratégia que a McDonald´s adotará nos próximos anos em relação à redução do uso de antibióticos na produção animal 15.

E NO BRASIL? O Estado brasileiro possui algumas iniciativas para controlar o consumo de antibióticos para uso veterinário, tais com o programa de controle de resíduos em produtos de origem animal (PNCRC - Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes), que estabelece o limite máximo de resíduos de antibióticos permitido em alimentos de origem animal16. O Brasil também estabeleceu legislações com o

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PÁGINA 32 objetivo de regular a venda de antibióticos. Segundo o Decreto 8448/201517 e a Instrução Normativa 65/201618, a comercialização de antibióticos para quaisquer das três finalidades (terapêutica, preventiva e promoção do crescimento) deve ser realizada mediante a apresentação de uma prescrição feita pelo médico veterinário. No entanto, a retenção da receita no estabelecimento não é de caráter obrigatório17. Sendo assim, não se sabe o quanto de antibiótico é consumido na produção animal. Apesar das iniciativas, é necessário aperfeiçoar a legislação e implementar outras estratégias para reduzir o uso de antibióticos na produção animal. A UAEM Brasil destaca cinco iniciativas que precisam ser implementadas nesse sentido: Retenção obrigatória da receita veterinária no estabelecimento de venda; Abolição do uso de antibióticos na promoção do crescimento animal;3- Restrição do uso de antibióticos para profilaxia de doenças em animais de produção; Desenvolvimento de um sistema de vigilância epidemiológica para monitorar a incidência de AMR e o consumo de antibióticos em animais; Conscientização dos médicos veterinários e produtores de alimento sobre o uso racional de antibióticos. O Brasil está entre os cinco maiores exportadores de carne (bovina, suína, frango) do mundo19. Logo, o Estado brasileiro deve estar à frente de iniciativas para reduzir o consumo de antibióticos na produção animal. Em conformidade com as decisões tomadas por organismos internacionais, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou, em 2018, o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos, no âmbito da agropecuária20. O documento contém as estratégias que estão sendo adotadas no território brasileiro para reduzir o consumo de antibióticos na produção animal20. Considerando que a resistência a antimicrobianos é uma ameaça a todos os cidadãos do país, devemos acompanhar os próximos passos do Estado brasileiro e exigir que sejam implementadas estratégias eficientes para reduzir o consumo de antibióticos na produção animal.

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PÁGINA 33 Por Rafael Almeida

Médico Veterinário. Coordenador do projeto Acesso a Antibióticos e Resistência a antimicrobianos da UAEM Brasil. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca- FIOCRUZ.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Shryock T R. Relationship between usage of antibiotics in food-producing animals and the appearance of antibiotic resistant bacteria. International journal ofantimicrobial agentes. 1999.12 (4): 275-278. 2. Allen H K, Stanton TB. Altered egos: antibiotic effects on food animal microbiomes. Annual review of microbiology. 2014(68): 297-315. 3. Bengtsson B, Greko C. Antibiotic resistance—consequences for animal health, welfare and food production. Upsala journal of medical sciences. 2014; 119 (2): 96102. 4. Aarestrup FM, Wegener HC. The effects of antibiotic usage in food animals on the development of antimicrobial resistance of importance for humans in Campylobacter and Escherichia coli. Microbes and infection. 1999;1(8):639-644. 5. Angulo FJ, Nunnery JÁ, Bair HD. Antimicrobial resistance in zoonotic entericpathogens. Revue Scientifique et Technique-Office International des Epizooties. 2004; 23(2):485-496. 6. McDermott PF et al. The food safety perspective of antibiotic resistance. Animal biotechnology. 2002. 13(1): 71-84. 7. Roe MT, Pillai SD. Monitoring and identifying antibiotic resistance mechanisms in bacteria. Poultry Science. 2003, 82(4):622-626. 8. Rushton, J. Anti-microbial Use in Animals: How to Assess the Trade-offs. Zoonoses and public health. 2015, 62:10-21. 9. Woolhouse M et al. Antimicrobial resistance in humans, livestock and the wider environment. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences. 2015, 370 (1670): 20140083. 10. Kahn LW. One health and the politic of antimicrobial resistance.[Baltimore]: John Hopkins University Press: 2016.

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DIZ QUE É VERDADE...

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ste é um espaço para matarmos a saudade de pessoas que tiveram um papel importante na UAEM Brasil, mas que, no correr da vida, tomaram outros rumos e nos deixaram morrendo de saudades. Em um Boletim que fala sobre o desafio da resistência a antimicrobianos para a saúde pública, não poderíamos deixar de ter como homenageada e entrevistada nossa querida Sara Helena. Última Diretora Executiva da UAEM Brasil, Sara militou por diversas causas em favor da saúde Sara Helena na Reunião da UAEM Brasil, Belo Horizonte, 2017. pública, entre elas a implementação de estratégias de enfrentamento à AMR. Confira abaixo nossa entrevista com ela.

VOCÊ PODE NOS CONTAR UM POUCO SOBRE SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL E SUA TRAJETÓRIA NA UAEM, INCLUSIVE EM RELAÇÃO AO TEMA DO ENFRENTAMENTO À AMR? Eu comecei na UAEM por um golpe de sorte. Eu sou de Minas Gerais e estava fazendo faculdade de direito, no entanto não me identificava como advogada. Por acaso fui com uma amiga em um evento da UAEM, na Universidade de São Paulo (USP). Ambas achamos a reunião incrível, pois aprendemos sobre o Direito Sanitário, que não é discutido na faculdade. A gente até pesquisava sobre direito à saúde, mas era voltado para o Direito Constitucional. Nesta mesma reunião eu conheci diversas pessoas, entre elas a Priscila que era diretora da UAEM. Neste evento, eles estavam tentando formar a UAEM no Brasil para além daquele grupo de pesquisa da USP. Então a gente continuou em contato com a Priscila. Estava marcada uma reunião da ONG nos Estados Unidos. Nos inscrevemos e conseguimos as vagas. Neste momento, eu pensei em toda a minha trajetória de estudante de Direito do interior de Minas Gerais que não teve contato com nada internacional e agora estava indo para uma confe-

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PÁGINA 35 rência nos Estados Unidos. Já tinha o desejo de fazer isto, então pensei que este era o momento e aproveitei a oportunidade. Fomos com a cara e a coragem. Eu e minha amiga falávamos um inglês muito rudimentar, mas a gente foi assim mesmo e valeu à pena. À primeira vista foi um choque, no entanto nós queríamos interagir e entender. Sendo assim imergimos em uma semana de intenso aprendizado. Logo após a conferência da UAEM nos EUA, eu e minha amiga decidimos montar um capítulo da UAEM na nossa cidade e deu certo, conseguimos trazer outras pessoas da faculdade para dentro da UAEM. Durante o período de trabalho me tornei líder de capítulo e representante da UAEM Brasil no Comitê Consultivo da América do Norte por um ano, e pude aprender muito com essa experiência. Em uma das reuniões da UAEM no Rio de Janeiro, conheci o meu marido, e após a saída do coordenador da UAEM, eu nós assumimos a vaga de coordenadores da UAEM Brasil que hoje é a vaga de Diretor Executivo. Ficamos 1 ano e meio dividindo esta função. Juntos, conseguimos fazer com que a UAEM Brasil se se desenvolve. Saí da UAEM há algum tempo atrás e hoje vejo que a organização cresceu e vem desenvolvendo diversos projetos. Eu também participei da Coordenação da UAEM Global e de projetos como o da resistência a antimicrobianos. Primeira vez que eu ouvi falar desse tema foi em 2016, na Assembleia Mundial de Saúde. Não compreendia muito bem o tema, pois minha formação era em direito, então eu estava aprendendo do zero a ciência em si, mas também foi um marco de aprendizado, pois entendi porque isso é importante e como isso se relaciona com a UAEM. No começo achei que a AMR era um tema que não se encaixava no nosso escopo de trabalho, mas eu estava errada. Percebi que a o trabalho da UAEM vai além de falar de acesso a medicamentos, e que deveríamos trabalhar com a participação democrática na ciência, e o tema da resistência a antimicrobianos está relacionado a isso. Antes o nosso grupo era focado em acesso a medicamentos, especialmente em HIV. E hoje, ao incorporar novos temas como o da resistência a antimicrobianos, expandimos o arco de trabalho da UAEM, mas sem perder a essência da organização.

NA SUA OPINIÃO, QUAL O PAPEL DOS ATIVISTAS DA UAEM PARA O DESENVOLVIMENTO DE ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO À AMR NO TERRITÓRIO BRASILEIRO?

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PÁGINA 36 Antigamente, a UAEM Brasil trabalhava especificamente com desenvolvimento e acesso a medicamentos, semelhantemente à UAEM América do Norte e Europa. Hoje vejo que expandimos o nosso escopo de trabalho. Ao abordar o tema da resistência a antimicrobianos, a gente discute como a universidade faz ciência, a gente fala da participação da sociedade nas universidades. O que é a cara do Brasil, da universidade pública e de universitários que trabalham nessa produção do conhecimento. E o papel da UAEM na discussão sobre AMR é ligar a sociedade às universidades. Por meio da disseminação de conhecimento podemos incluir a sociedade no debate. Esse afastamento entre a ciência e a sociedade é inviável. Especialmente em temas como resistência aos antimicrobianos, não dá para controlar a resistência sem ouvir e deixar a sociedade participar desse debate.

NA SUA OPINIÃO, QUAIS OS DESAFIOS QUE O ESTADO BRASILEIRO TERÁ PARA ENFRENTAR O AUMENTO DA INCIDÊNCIA DA AMR? Acho que o enfrentamento à AMR exige uma coordenação de tantas áreas que você tem que ter um plano, e a gente não é muito bom em fazer plano de longo prazo no Brasil em nada, especialmente coisas que envolvem educação, ciência e saúde. Então é uma coisa que precisa de um plano bem feito, democrático e que coloque todo mundo na mesma mesa para conversar. E isso é muito difícil. Sempre foi, e agora, é quase impossível. Então eu acho que esse é o maior desafio, fazer um plano que inclua todas as partes interessadas: sociedade civil, universidades, ministério da economia, etc.

VOCÊ ACHA QUE AS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE AFETARÃO A IMPLEMENTAÇÃO DOS TRÊS PLANOS QUE FORAM DESENVOLVIDOS NO BRASIL? Com certeza, porque tem política de austeridade que corta coisas básicas como a capacidade da universidade de desenvolver pesquisa. Então como você implementa um plano que depende de vários atores? Não é nem um investimento substancial, como construir um hospital ou comprar uma droga específica. É um investimento na rede mesmo, que já existe. Só que a manutenção dessa rede demanda um investimento constante, se cortar esse investimento você está cortando as pernas de todos esses planos, não só do plano de enfrentamento à AMR, como de todos as políticas de saúde pública. Você corta projeto de pesquisa, você corta capacidade de vigilância, você BOLETIM DA UAEM BRASIL

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PÁGINA 37 corta capacidade de resposta para uma possível emergência em saúde.

QUAL FOI O IMPACTO DA UAEM EM SUA TRAJETÓRIA PESSOAL? Eu encontrei o meu marido e casei. Então teve um impacto grande. Mas profissionalmente, eu acho que eu sou uma entusiasta da UAEM, fui uma entusiasta durante muito tempo quando estava na UAEM e continuo sendo. Se eu não tivesse presente naquele evento na USP, eu não estaria aqui. A minha trajetória profissional inteira seria completamente diferente. Primeiro que eu não falava inglês, então eu ficava, assim, aquela coisa, tinha uma vontade de participar dessas coisas, mas não sabia como, não tinha muita entrada nesse meio. Foi uma coisa que a UAEM me jogou de cabeça, você aprende fazendo. Você aprende em 6 meses o que você faria em 10 anos de cursinho. Outro ponto que a UAEM contribuiu com minha trajetória profissional foi a perda da timidez. Eu não falava em público, morria de medo, tinha vergonha, apresentar trabalho na faculdade era horroroso. Com a UAEM eu tive que falar, eu fazia palestra, conhecia gente, você não sabe quem é, de onde vem, e tem que falar com as pessoas, apresentar o seu projeto. Isso também foi uma coisa que a UAEM me deu, eu não tinha essa capacidade. E profissionalmente, eu saí da faculdade para fazer mestrado em Saúde Coletiva por causa da UAEM. Agora eu não estou mais trabalhando com a UAEM, mas o que eu quero fazer depois também está relacionado com o que eu aprendi lá. Acho que essas experiências, essas reuniões, falar com as pessoas, desmistifica um pouco. Você não fica pensando ‘será que eu vou conseguir falar?’, você fala ‘é gente’, você só tem que estar disposto a falar e a ouvir, e tentar fazer alguma coisa com aquelas informações. Acho que participar da Assembleia Mundial da Saúde também foi muito importante pessoalmente para mim. Porque também é isso, é estar lá, num lugar todo pomposo, cheio de chefes de Estado, e eles são gente também, estão trabalhando 16 horas igual a gente está. Isto tudo desmistifica, você fica mais perto dessas pessoas e vê que tem algumas entradas, tem coisas que você também não consegue fazer, porque ali as pessoas já chegam com a política feita, só vão ali bater o martelo. Eu penso que essas experiências que a UAEM me proporcionou me ajudaram bastante.

QUAL MENSAGEM QUE VOCÊ GOSTARIA DE DEIXAR PARA OS ATUAIS MEMBROS DA UAEM?

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PÁGINA 38 Acho que estar junto com pessoas que pensam igual a gente ou que tenham ideais parecidos é uma coisa muito boa. Às vezes ficava meio perdida em umas coisas mais administrativas e eu lembro, principalmente depois que eu virei a coordenadora sozinha, dedicava 90% do meu tempo às questões administrativas. E quando fazia aquelas coisas administrativas chatas, como cuidar da papelada, eu pensava ‘por que eu estou fazendo isso? Eu já estava por aqui, não tem sentido isso que eu estou fazendo, não vai mudar nada’. E quando chegava sexta feira, que era quando tínhamos reunião do Comitê de Coordenação, eu pensava: ‘vai dar tudo certo, a gente vai conseguir alguma coisa, a gente vai sobreviver’. Então acho que é essa mensagem, continuar esse contato, mesmo com a parte administrativa, mesmo que tudo isso que está acontecendo seja pesado; e é pesado, e desanima a gente, esse contato é fundamental. Se não a gente desanima mesmo. E eu acho que em tudo na vida né? Senão a gente fica desanimado, porque de coisa ruim, né, está cheio.

DIRETORA EXECUTIVA - UAEM BRASIL Luciana M. N. Lopes

DIAGRAMAÇÃO Luana Gonçalves Corrêa

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