ID: 47879725
25-05-2013 | Fugas
Tiragem: 41267
Pág: 16
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 26,46 x 30,34 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Passeio Alcoutim
Como uma ilha entre a serra e o rio Paz e sossego. Mas também milhares de anos de história e uma constante corrente de vida trazida pelo Guadiana. Segredos com que Alcoutim se propõe a conquistar os visitantes que aspiram a mais que sol & praia. Carla B. Ribeiro (texto) e Mélanie Map’s ( fotos)
O
s aromas doces e florais são os primeiros a receberem-nos. Não se percebe muito bem se provêm das estevas que pintam de branco vastas áreas da serra e que se intercalam com o verde do alecrim e com o violeta da alfazema, ou se das amendoeiras que pela Primavera se enfeitam de flores de um rosado pálido. É assim que a serra do Caldeirão nos acolhe, depois de virarmos costas ao mar e a todo um litoral que se vai enchendo de gente à medida que os prenúncios de Verão vão tomando forma de sol e calor. Pelos caminhos serpenteantes da serra é mais raro cruzarmo-nos com carros ou com aglomerados de gen-
te. Mais comum será avistarem-se assustados coelhitos ou majestosas águias-imperial-ibéricas. Mas também não se assuma que isto é um deserto. As pessoas estão cá. Assim como as suas histórias, que vão sendo levadas pelo Guadiana acima e abaixo. “Ainda há poucos anos até o correio chegava de barco…” Mas para as encontrar é preciso embrenharmo-nos pelos recantos que descansam à sombra de um sol impiedoso e descermos às margens que lembram episódios de fugas e de contrabando. É a navegar pelo rio acima, de Guerreiros do Rio a Alcoutim, que se compreende esta familiaridade entre os lados português e espanhol. Não é de estranhar, por isso, que as várias embarcações com que nos cruzamos exibam ambas as bandeiras hasteadas lado a lado: verde e vermelho, na vertical; vermelho e amarelo, na horizontal. “Há quem
viva de um lado e trabalhe no outro”, contam-nos. E há ainda quem se tenha apaixonado por esta dualidade ribeirinha, representada pelo namoro constante entre Alcoutim e Sanlúcar, e tenha trocado vidas mais agitadas pelo sussurrar do rio, como é o caso de José e Joana Cavaco, que criaram e gerem a empresa que hoje assume estes passeios de barco pelo Guadiana. Afinal, nestas margens é possível encontrar a tão ambicionada “paz”, como sublinha o edil de Alcoutim, Francisco Amaral. Mas também “o sossego, a calma”. Além de “cinco mil anos de história”, como frisa o vice-presidente do Turismo do Algarve, Duarte Padinha. É precisamente pela história que iniciamos esta descoberta de um Algarve muito diferente do que é publicitado um pouco por todo o mundo: sem areias brancas nem águas temperadas. Não que não
haja praias, mas os banhos são gelados (o que não é de desprezar no pico do Verão) e a areia trazida do litoral para embelezar a praia fluvial do Pego Fundo (actualmente em obras de ampliação), na ribeira de Cadavais, vai-se misturando sem preconceitos com o cascalho e a caruma largada pelos pinheiros.
Um amor ao rio Não há maneira de dissociar a história do concelho do rio que o banha. Assim também o pensou José Murta Pereira, natural de Guerreiros do Rio, que, depois de ter completado uma réplica como oferta à esposa (uma promessa que levou 30 anos para se cumprir), se dedicou a construir réplicas em miniatura dos barcos que circularam, ao longo do século XX, no baixo Guadiana nas mais variadas actividades: desde a pesca artesanal até ao transporte fluvial de minério, não esquecendo
o contrabando. De um passatempo nasceu uma colecção de 28 peças e, desta, o Museu do Rio. O espaço, na localidade de Guerreiros do Rio, explica ainda os diferentes métodos de pesca utilizados pelo Guadiana, das redes de arremesso às armadilhas, e, numa espécie de túnel, faz uma breve exposição sobre a fauna e a flora que habitam a bacia do rio. E, porque nem tudo é bonito, num canto revela-se A Face Escondida do Rio com lixo entretanto retirado do Guadiana. Os testemunhos da história voltam a afirmar-se ao longo do passeio de barco. Na margem avista-se a Villa Romana do Montinho das Laranjeiras, que, no século I d.C., já funcionava como entreposto comercial — afinal, dizem-nos os nossos anfitriões, “na Antiguidade, o Guadiana era a grande auto-estrada que unia o Mediterrâneo a Mérto-