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CAFÉ
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SAL Andressa Cantergiani Cristiano Sant’Anna Fernando Bakos Glaucis de Morais Lucas Strey Luciane Bucksdricker Marta Montagnana Vicente Carcuchinski curadoria Tetê Barachini
Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C129 Café com sal / Andressa Cantergiani ... [et al.] ; organização/curadoria Tetê Barachini. – Porto Alegre : UFRGS, 2018. Formato: pdf Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: Internet <https://issuu.com/ttbarachini/docs/cafe_com_sal> Também disponível impresso ISBN 978-85-9489-108-2 (on-line) 1. Arte urbana. 2. Espaço urbano. 3. Fotografia : Arte. I. Cantergiani, Andressa. II. Barachini, Tetê.
CDU 7.039(816.5) Thiago Pinheiro Machado Kern – CRB 10/1714
café COM sal | Tetê Barachini
Nove horas da manhã, domingo, chegamos ao lugar da partida, rodoviária. O calor se fazia sentir e o café era bem-vindo. Nosso destino: quarto distrito, mais especificamente a Rua Voluntários da Pátria em Porto Alegre. Inquieta-nos o nome da rua? Talvez. Estranha toponímia. Pátria? Voluntários? Memórias subterrâneas emergem. Caminho Novo. Imperador Dom Pedro II. 11 de setembro. Paraguai. Escravos. Recrutamento forçado. Marinhas ausentes. Guaíba e suas águas doces. Margens afastadas. Comércio. Café com sal. Memória. Ao chegarmos à Rua Voluntários da Pátria, esta se apresenta inóspita e aparentemente desértica. Apenas uma ou outra pessoa aqui ou ali. Caminhar se faz imprescindível para praticarmos aquele lugar e assim aprender o seu espaço (Certeau), efetivando a nossa presença no ato da nossa não permanência. O percurso é extenso. A vida pulsante se apresenta silenciosa em nosso entorno. Momentaneamente somos estrangeiros naquela territorialidade polissêmica. Nosso deslocamento torna-se preguiçoso. Atento. O ‘cenário’
urbano torna-se o protagonista do cotidiano que se aproxima como um fantasma. E, aos poucos, nos apropriamos de quase tudo que se torna ‘presença’ com a nossa prática poética. Sons difusos. Moradores. Corpos. Janelas. Portas. Sem-teto. Jardins. Catadores. Maracujá. Relatos. Lixo. Publicidade. Marcas. Buracos. Objetos. Mobiliários. Sinalizações. Abandonos. Sexo. Vazios. Hotel. Abrigo. Depósito. E, a cada passo, um sabor salgado se faz presente. Suor. Café com sal. Experiência. O lugar do nosso percurso se coloca como um espaço fora de nós, distante, heterogêneo, complexo e, é preciso se ter consciência de que não vivemos em um vazio no interior do qual poderíamos situar os indivíduos e as coisas, mas sim, “vivemos no interior de um conjunto de relações que definem posiciona-
mentos irredutíveis uns aos outros” (Foucault). Perceber com a experiência da errância urbana contemporânea (Jacques) estas relações requer mais que o exercício de colocar um passo na frente do outro, pede uma profunda vontade de querer apreender o corpo, o visível e o dizível. Com nossos passos lentos, tornou-se possível a percepção daquele espaço no e pelo corpo, através das experiências conscientes e críticas de cada um dos errantes. Mas para aqueles que vivenciam a rua e nela reconhecem o seu espaço de pertencimento urbano, éramos em algum sentido apenas corpos estranhos em movimento.
Turistas insólitos desejosos de aproximação. Café com sal. Conceito. Neste espaço plural, as subjetivações de cada artista [re]significaram o espaço percorrido em experiências que têm na poética a potência de seu próprio acontecimento. Glaucis de Morais compartilhou o processo de suas ações urbanas e o espaço lhe presenteou com um diálogo profícuo. Vicente Carcunhinski encontrou seus jardins implícitos e explícitos em meio à paisagem indissolúvel. Marta Montagnana levou para a rua o seu ‘contato inerte’ enquanto provocação para aquele que habita ou simplesmente passa. Cristiano Sant Anna, a partir de suas diversas idas e vindas, cria narrativas imagéticas a partir da fala do outro. Lucas Strey, ao catar objetos encontrados ao acaso, propõe contextualizar os corpos-urbanos. Luciane Bucksdricker absorve no percurso a inquietude das denuncias silenciosas daqueles que
reclamam o seu direito de habitar a cidade. Andressa Cantergiani, com seu corpo, denuncia a espetacularização e a prática do ‘despejo’ enquanto ato perverso. Fernando Bakos recolhe durante o percurso a beleza do abandono através de imagens das ausências, espaços desocupados, ocos, esquecidos nas superfícies de divisa. Desejosos de presenças, nossos corpos absorveram criticamente as ruas precárias, densas e intensas daquela região da cidade. Saboreamos as suas contradições e propusemos mapas. Café com sal. Convite.
Despejo | Andressa Cantergiani deslocamentos. lugar de escuta. outros espaços. outros corpos. cidades nada. des.construção dialógica. vazio dentro-fora. quarto distrito. despejo. corpo abjeto.
Em setembro de 2017 realizei uma residência artística na cidade de Berlin. No encerramento deste período caminhei no bairro de Prenzlauerberg até o Volkspark para falar da situação em que artist-run-spaces e galerias estão sofrendo pelo mundo, especialmente nas cidades de Berlin e Porto Alegre, sofrendo como toda a população destas regiões o processo de gentrificação. Lá deixei voar a palavra art em 50 balões negros a perder de vista. Parte de uma roupa criada a partir das telas de proteção das construções, muito presente em grandes empredimentos causados especulação imobiliária.
Após caminhadas e exaustivas práticas errantes pelo 4º distrito entre janeiro a março de 2018, uma memória afetiva (re)volta. Ao vagar pelas ruas desta região da cidade, o trabalho e a situação dos bairros em que fiz minha residência em Berlin voltam em mim incessessantemente. Este fenômeno que faz parte do processo civilizatório, que é de lá, que é daqui, que são as cidades, me atravessa. A fotoperformance que apresento aqui é um desdobramento sobre o assunto. Berlin a cidade em obra constante. Porto Alegre, o interior do Brasil, a eterna obra inacabada. Uma cidade sendo costurada. A outra, retalhada. Despejo exercício em processo afetado pelo conceito operacional da gentrificação.
Escuta! | Cristiano Santâ&#x20AC;&#x2122;Anna
Escuta! é uma instalação de 36 fotografias e um áudio na parede. A cidade, à revelia dos poderes público e econômico, engendra formas próprias de viver, estabelecer trocas e dinâmicas. Pela rua, nas calçadas e paredes é possível ver o que a cidade guarda em camadas. Como poeira, resquícios arqueológicos se somam, adensam, convivem. Caminhar pela cidade é experiência. Parar é pôr-se à disposição: para a conversa, para o corte de cabelo, o almoço juntos. Na Farrapos é vivência de olhar para o outro sem preconceito. Longe dos holofotes, esse espaço opaco, visto de perto, bem de perto, revela lugar de pluralidades, afetos, convívios, negociações.
Negativos | Fernando Bakos Uma coleção de imagens de espaços negativos do percurso. Vazios que revelam sobreposições muito expandidas do tempo. Nichos arquitetônicos desarticulados e anacrônicos, suspensos de função e tempo que tornam-se sintaxe sem narrativa. Detalhes desocupados nos muros, interfaces paradoxais com a rua. Simultaneamente, inscrições de linhas dinâmicas no espaço, índices de gestos, rapidez e movimento, riscos na superficie da paisagem, interferências e traços de violência.
Inspire... então expire! | Glaucis de Morais “Vamos varrer, então”1 Inspirar Expirar Segurar com a ponta dos dedos Segurar com as mãos fechadas Soltar Afastar Inclinar “Varredeiras de piso de operação a pé”2 Abaixar Levantar Abrir as mãos Ficar na ponta dos pés Oscilar Varrer “Eu fiz o grande círculo”3 1
Com a vassoura em punho, mochila nas costas às 9h da manhã, desço as esca-
das do prédio. Saúda-me o motorista de taxi que me aguarda na frente de casa. 2
Varrer o espaço com passos hesitantes, não se impor: com o olhar percorrer os arredores, varrição de mundo em busca do outro, na tácita e incerta espera de um diálogo. Tentar ler nas entrelinhas da varredura um lugar comum.
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Sete anos, talvez menos, ele atravessa o campo de vassouras correndo em minha direção. Reorganiza-as, brinca com elas. Salta feliz a cada queda, a cada estampido da madeira contra o chão.
Amala | Lucas Strey Amala é uma escultura em processo e, em algum sentido se aproxima do objet truvé dos surrealistas. O trabalho em questão surge do resultado de três caminhadas, sendo uma delas coletiva e outras duas solitárias. Na caminhada coletiva, não sabia exatamente o que pretendia obter como resultado. Fixava o olhar próximo ao chão recolhendo pequenos objetos, tais como: parafusos perdidos, teclas de computador e até um slide com nomes de escritores. Percebi que deveria mudar. Elevei meu olhar procurando por objetos maiores e mais significativos. Foi então que na segunda caminhada encontrei uma mala presa ao topo de uma grade de um terreno baldio. O encontro com a mala atribuiu sentido as minhas caminhadas. Apesar deste objeto ser extremante interessante por si só, pra mim, ainda não fazia sentido.
Esse estado de insatisfação me levou ao terceiro deslocamento. Desta vez, procurei uma parte mais movimentada e adensada do 4º Distrito de Porto Alegre. Nesse novo território meu foco estava nos corpos em movimento. Pessoas entrando e saindo dos estabelecimentos, caminhando pelas calçadas, camelos, etc. Foi então que em meio a tanto movimento vi duas pernas estaqueadas para fora de um entulho. Meio manequim feminino, praticamente novo, parecia que estava a minha espera. Entendo o corpo como um objeto que viabiliza a percepção do mundo. O corpo é um objeto diferenciado, sobre o qual não possuímos um conhecimento fenomênico, não o percebemos como um objeto de fora, pois o vivemos de dentro. Nesse sentido unir a representação do corpo na forma de um manequim a um objeto funcional como uma mala antiga, é pra mim, um contraponto a noção de corpo, de objeto e da percepção do mundo, potencializados pelo contexto do encontro com estes objetos.
Domino gratias | Luciane Bucksdricker Entrar no jogo / esconder o jogo / se jogar / abrir o jogo/ jogo do empurra / fazer o jogo / ter jogo de cintura / virar o jogo /estar em jogo / pôr em jogo / entregar o jogo / virar o jogo / jogo limpo / aparar o jogo / jogo de azar / ter o jogo na mão / jogar confete / jogar fora O sentimento da importância de ganhar no jogo, quer se trate de satisfações concretas ou na maioria das vezes ilusórias, é o mau produto de uma sociedade má. Sentimento esse naturalmente explorado por todas as forças conservadoras, que o utilizam para disfarçar a monotonia e a atrocidade das condições de vida que impõem aos outros. (Contribuição para uma definição situacionista de jogo, IS n 1, junho de 1958)
Contato Inerte | Marta Montagnana “Aqui é terra de ninguém”. De um lado, há empresas e depósitos, muitos lugares abandonados. Do outro lado tentam viver, ocupam galpões e vias, pessoas expostas em condições que se misturam ao material descartado que recolhem. Para mais além dali é o rio, que não se vê. O Guaíba que não vemos.
Bairro adentro e o povoamento se modifica, parece trazer um deserto de movimento e interações. Um lugar de ambiguidades. Minha presença se mimetizava e se dissolvia levemente diante dos contextos justapostos. O quarto distrito é também o distrito criativo.
Floresta | Vicente Carcuchinski
A potência da terra, de um punhado ou do terreno todo, é puro tempo. Em frente a cada construção, ao longo das calçadas, as composições se formando por vida, ciclos multíplices e multiplicantes. O jardim, assemblage em movimento, expressão orgânica e humana, cria imagens, sentidos, opera no infinito.
Quando criança, durante a noite eu costumava correr entre as árvores em direção ao escuro da parte mais profunda do quintal para testar a minha própria coragem. Nunca ficava lá muito tempo sozinho, e depois me ocorreu que o medo ali vinha mais de um terror em mergulhar no vazio do que dos perigos à espreita no escuro. Tateando essas memórias, me lembro da sensação de suspensão sentida ali, conduzida como uma sinfonia pelo vento atravessando os galhos, as folhas e a relva. Aqui e agora, diante de muitos jardins que encontro, capturo a luz. Para mim, é a forma possível de tentar iluminar o fluxo do tempo.
Design e editoração | Glaucis de Morais Fotografias da exposição | Cristiano Sant’Anna
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