Tribuna do Norte - 17/02/2013

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Domingo | 17 de fevereiro de 2013

Apesar das mudanças introduzidas nos últimos tempos para modernizar as ações da Igreja e atrair fiéis, o sistema de escolha do papa ainda permanece nas mãos dos cardeais da Europa, maioria no conclave

[ RELIGIÃO ]

Um clube dominado por europeus MAURIZIO BRAMBATTI / AE

BRIAN MURPHY Associated Press

idade do Vaticano (AE) A face da Igreja Católica mudou profundamente durante a vida de Bento XVI. As comunidades católicas do Ocidente são hoje menores e mais velhas, enquanto as da África, da América Latina e de bolsões na Ásia florescem, proporcionando juventude e energia ao catolicismo. Essa transformação, no entanto, não se refletiu na composição do conclave de cardeais que elegerá o próximo papa. A composição do conclave continua - pelo menos no que diz respeito à divisão regional de cardeais - um retrato mais do passado do que um reflexo dos caminhos da Igreja nas últimas décadas. Os europeus ainda dominam o conclave. Eles representam mais da metade dos 117 cardeais que se reunirão na Capela Sistina para a votação. Mas as pressões para a Igreja Católica no século 21 - manchada por escândalos de abusos sexual e perda de influência no Ocidente - podem pesar nas deliberações e nas escolhas dos cardeais. Enquanto o conclave não começa, os católicos se questionam se o papado voltará para um italiano, se irá para outro europeu, para a África ou se atravessará o Atlântico. O papa polonês João Paulo II encerrou 455 anos consecutivos de papado italiano com sua surpreendente eleição em 1978. Ter sucessivos papas não italianos, entretanto, não significa que o momento é propício para outro papa que não seja italiano. Deve haver apoio à volta do papado para um italiano uma vez que a burocracia do Vaticano, conhecida como cúria, precisa de uma mão firme no comando. Como sempre, os italianos estão no controle da rede de escritórios e conselhos que gerencia desde as principais políticas do Vaticano à administração diária da cidade-Estado. As teorias a favor de um papa italiano sugerem que apenas uma pessoa de dentro pode guiar os aliados e influir para trazer reformas para a cúria, cujos líderes recuaram diante da tentativa de reformas de Bento XVI. Enquanto isso, o embaraçoso escândalo do ano passado sobre o vazamento de documentos no Vaticano expôs a má administração no alto nível e a resistência em pressionar para haver uma transparência financeira maior. Com vinte e oito membros, os italianos possuem de longe a maioria dos votos entre os cardeais com menos de 80 anos. Esse número sozinho é maior do que a quantidade de cardeais africanos e asiáticos combinados. Uma possibilidade italiana frequentemente considerada é o cardeal Angelo Scola, de 71 anos, arcebispo de Milão. Scola é conhecido por sua visão conservadora sobre assuntos sociais e de família. Mas ele construiu a reputação de compassivo em relação a problemas como pobreza, provavelmente influenciado por seu trabalho de formação no nordeste da Itália. Scola também parece confortável com a persona pública, necessária ao papado nos dias atuais. Ele ficou famoso por desenvolver uma forma aberta de contato com a população ao atender a qualquer pessoa que o quisesse ver, sem necessidade de marcação prévia, durante o tempo em que foi Patriarca de Veneza de 2002 a 2011. Outro candidato italiano possível é o cardeal Gianfranco Ravasi, diretor do escritório de cultura do Vaticano. Alguns outros também desportam como fortes candidatos.

C

De acordo com informações que circulam nos bastidores do Vaticano,disputas internas entre cardeais,e não só idade avançada,seriam o motivo da renúncia de Bento XVI

CONCLAVE

ANÁLISE

O processo de escolha do Papa

AS TENSÕES INTERNAS DA IGREJA ATUAL LEONARDO BOFF Teólogo, filósofo e escritor

Candidato de linhagem aristocrata Em termos absolutos apenas, os cardeais europeus podem perfeitamente bem decretar que o papado vai permanecer em seu continente se essa for a sua única preocupação. Dos 61 cardeais, mais da metade dos elegíveis para o conclave são europeus. Embora seja pouco provável que apenas a geografia seja um fator decisivo no conclave, ela não está muito longe do pensamento de muitos em relação ao aumento da confiança dos prelados vindos da África e América Latina. Se os poderosos italianos fiéis à Scola ou a outro candidato papal, por exemplo, não obtiverem apoio suficiente, eles podem lançar seu apoio a um colega europeu. Esse tipo de movimento refletiria a zona de conforto da Igreja moderna após os papado polonês e alemão. O problema é que muitas dioceses europeias, como muitas do Ocidente, foram duramente atingidas pelos escândalos de abuso sexual durante a década passada. Embora nenhum dos possíveis competidores papais europeus estejam diretamente implicados, existe a possibilidade de haver uma consideração cuidadosa entre os cardeais sobre que potencial contágio viria junto com a escolha.

Entre os nomes que circulam como escolhas europeias possíveis está o cardeal Christoph Schoenborn, de 68 anos, arcebispo de Viena que foi confrontado por escândalos de abuso sexual na Áustria que incluíam seu antecessor. Schoenborn, de linhagem aristocrata, estudou teologia sob o manto do futuro Bento XVI e é conhecido por sua visão estrita da doutrina da Igreja e tradições. Mas ele sugeriu, durante a crise de abuso sexual em 2010, que o Vaticano empreendesse um exame profundo de como educa seus padres. Ele também atiçou um debate amplo entre os teólogos católicos ao reconhecer a possibilidade de uma evolução divinamente guiada, conhecida como “design inteligente”, que desafia as visões tradicionais da Igreja. ÁFRICA O tamanho relativamente pequeno do bloco africano de 11 membros entre os cardeais votantes não reflete a crescente influência do continente nos assuntos do Vaticano. A previsão é de que o número de africanos católicos possa ultrapassar o de europeus até 2030, possivelmente durante o reinado do próximo papa.

Mesmo assim, o número de cardeais africanos tem permanecido estável nas três últimas décadas. A crescente comunidade católica africana destaca a tendência geral sobre o cristianismo no continente, onde os cristãos têm forte influência sobre a fé dos africanos. As dioceses africanas têm prioridades diferentes das Ocidentais. Elas envolvem questões de pobreza crônica e a tentativa de conciliar os rígidos ensinamentos do Vaticano contra contraceptivos e camisinhas com a necessidade de combater crises causadas pelo excesso populacional e pela aids. Para escolher um papa africano, seria necessário um conclave disposto a fazer uma das mais históricas decisões da Igreja. Um dos que são considerados possíveis candidatos a papa, o Cardeal Peter Turkson, de Gana, afirmou que a perspectiva de um pontífice africano “não está tão longe”. Turkson, de 64 anos, foi escolhido para liderar o escritório do Vaticano para assuntos de justiça e paz em 2009. Mas ele sofreu um grande revés no ano passado, ao ser forçado a pedir desculpas após fazer alarmantes previsões sobre o crescimento do Islamismo na Europa.

Adital - Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI,coisa que foi feito com competência por outros.Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa.A questão central é esta:qual a posição e a missão da Igreja no mundo? Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais:o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus,sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus.O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói.Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino,corre-se o risco de espiritualização e de idealismo.Se demasiadamente próxima do mudo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular ReinoMundo-Igreja.Ela pertence ao Reino e também ao mundo.Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente. Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e,por vezes, conflitantes:o do testemunho e o do diálogo.O modelo do testemunho afirma com convicção:temos o depósito da fé,dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação;temos os sacramentos que comunicam graça;temos uma moral bem definida;temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo,a única verdadeira;temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral;temos uma hierarquia que governa o povo fiel;e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo.Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação.Ele terá que passar pela mediação da Igreja,sem a qual não há salvação. Os cristãos deste modelo,desde Papas até os simples fiéis,se sentem imbuídos de uma missão salvadora única.Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo.Para que dialogar? Já temos tudo.O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade.O modelo do diálogo parte de outros pressupostos:O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma

realização secular,sempre onde há verdade,amor e justiça;o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom;o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem;Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade,amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos libertos.A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais.Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar:trocar,aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz,mais fácil e mais segura. O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição,que promoveu as missões na África,na Ásia e na América latina,sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários,africanos e asiáticos.Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação.Era o modelo,mais radicalizado ainda,de Bento XVI que negou o título de“Igreja”às igrejas evangélicas,ofendendo-as duramente;atacou diretamente a modernidade pois a via negativamente como relativista e secularista.Logicamente não lhe negou todos os valores mas via neles como fonte a fé cristã.Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza,cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender. O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II,de Paulo VI e de Medellín e de Puebla na América Latina.Viam o cristianismo não como um depósito,sistema fechado com o risco de ficar fossilizado,mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais,um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus.O primeiro modelo, do testemunho,assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais;não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados,se afastavam da instituição mas não do Cristianismo .


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