Tribuna do Norte - 02/01/2011

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economia

Domingo | 02 de janeiro de 2011

Tribuna do Norte | Natal | Rio Grande do Norte |

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Com a renovação nos poderes Executivo e Legislativo, lideranças empresarias e especialistas enxergam a chance de que a reforma tributária volte à pauta de discussões e produza efeitos como a redução da carga tributária no país [ PROPOSTA ]

Tempo é de esperança sobre reforma RENATA MOURA repórter de economia

s mudanças de comando nos governos e no Legislativo poderão dar novo fôlego a projetos não concretizados na “era Lula” e entre os mais polêmicos nesse sentido, sem dúvida, está a reforma tributária do Brasil. O assunto, tido como uma das grandes pendências deixadas para Dilma Rousseff, chegou a “consumir” quatro presidentes e sete mandatos, entrou no Congresso Nacional, mas acabou estagnando. A expectativa de lideranças empresariais e de especialistas no ramo tributário no Rio Grande do Norte é, no entanto, que

A

o clima de renovação faça o debate amadurecer para que o que está no campo das expectativas hoje se torne real e consiga produzir efeitos como a redução da carga tributária e das desigualdades existentes no país. Na teoria, a reforma tributária é um conjunto de mudanças na atual estrutura e na legislação de impostos, taxas e contribuições, que, se sair do papel, terá impacto para os governos, as empresas e também para o cidadão comum. Em 2008, quando o governo Lula tentou pela segunda vez avançar com o assunto encaminhando uma nova proposta ao Congresso – a PEC 233/2008 - ela chegou a ser aprovada em comissão especial mas

não houve consenso entre os estados e foi engavetada. “O que está posto e há muito se discute é apenas um mero ajuste no sistema tributário nacional que não tem encontrado eco suficiente para aprovação”, diz a advogada e ex-secretária da Receita Federal do Brasil, Lina Vieira. “A proposta adormecida precisa ir além da discussão meramente tributária e abordar a revisão do modelo de federalismo fiscal brasileiro, para a necessária recomposição do equilíbrio federativo, oferecer mecanismos de cooperação intergovernamental para a implementação de políticas nacionais de desenvolvimento e instituir regras para a redução das desigualdades

regionais”, defende. Na visão de alguns analistas, é difícil prever se a proposta irá pra frente durante o governo da presidente Dilma Rousseff. Mas o cenário, segundo avaliam, é favorável. “A presidente deveria aproveitar a força política e a legitimidade que conquistou nas eleições. Esse é o momento mais propício para tentar uma aprovação, para que o Brasil consiga crescer com uma base tributária, com uma legislação tributária mais equilibrada”, diz o advogado tributarista, José Rossiter. Há quem defenda a necessidade de mais amadurecimento das discussões. Também não há dúvidas de que muitos “nós” terão de

ser desatados antes de haver uma resolução sobre o assunto. RECEIO Um desses nós está diretamente ligado ao receio dos estados de, com a reforma, sofrerem perdas de receita, de investimentos e de mecanismos que estimulam o desenvolvimento de seus territórios. O temor existe, entre outras razões, porque a proposta que está em tramitação prevê, alterações na forma de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal imposto dos estados, e também o fim da guerra fiscal, uma disputa travada entre as unidades da federação para manter as empresas que es-

tão instaladas em seus territórios e também atrair novos negócios, mediante a concessão de incentivos. Isso, no melhor estilo do quem der mais leva. “Mas do jeito que está essa guerra ninguém ganha”, diz o mestre em administração tributária e ex-secretário de Tributação do Rio Grande do Norte, João Batista Soares. Perde o estado que “perdeu” a empresa, perde o estado que está abrindo mão de receita para conceder o incentivo e perde também a empresa, que ganha aquele incentivo mas logo logo pode sofrer a concorrência desleal de outro estado, que dará um benefício maior a um concorrente”, avalia. EMANUEL AMARAL

Repartição de recursos e temor de perdas são nós O obstáculo mais importante a um avanço da reforma tributária diz respeito à repartição dos recursos entre as três esferas de governo. Os estados também temem perder receitas. Um dos impulsos para que houvesse perdas seria uma mudança ligada ao ICMS. O imposto deixaria de ser cobrado no estado de produção das mercadorias, para ser cobrado principalmente no destino delas. A mudança beneficiaria o Rio Grande do Norte, que importa mais de outros estados do que exporta, mas significaria perda para São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, que exportam mais. “Pegando a conta do ICMS isoladamente iríamos ganhar, mas o ganho teria de vir acompanhado de instrumentos que dessem condições do estado se desenvolver e de minimizar as diferenças regionais”, diz João Batista Soares. Para compensar os estados de possíveis perdas, o governo sinalizou que iria criar uma espécie de seguro receita e também um fundo de desenvolvimento regional, já que os estados não poderiam mais fazer guerra fiscal para atrair investimentos. Mas o tamanho desses fundos e a falta de clareza sobre como iriam funcionar travaram a discussão. Para o novo secretário estadual de Tributação, José Airton da Silva, “é difícil pensar numa reforma em que estados onde já há dificuldades financeiras possam perder alguma coisa. É importante que os estados não percam”, disse.

A indústria é um dos setores afetados com a alta carga tributária em vigor do país e enfrenta, em consequência disso, dificuldades de competir com produtos importados

O ganho de ICMS teria de vir acompanhado de instrumentos que dessem condições do estado se desenvolver ” JOÃO BATISTA SOARES mestre em adminsitração tributária e ex-secretário de Tributação do RN

O PROJETO DE REFORMA TRIBUTÁRIA Confira algumas das principais medidas propostas Simplificação dos Tributos Federais: A proposta prevê a extinção,no segundo ano após a aprovação da Reforma,de cinco tributos e a criação de um novo imposto sobre o valor adicionado (IVA-F).Seriam extintas a Cofins,a Contribuição para o PIS,a CIDECombustíveis e a Contribuição sobre folha para o Salário Educação,cuja receita seria suprida pelo IVA-F. Adicionalmente,propõe-se a extinção da CSLL,que seria incorporada pelo imposto de renda das pessoas jurídicas; Simplificação do ICMS: Haveria a unificação das 27 legislações estaduais do ICMS em uma única legislação.A mudança seria feita com a extinção do atual ICMS e a criação de um “Novo ICMS”, que tem a mesma abrangência em termos de mercadorias e serviços do atual. O novo imposto continuaria sendo cobrado pelos Estados,mas as alíquotas seriam nacionalmente uniformes; Fim da Guerra Fiscal entre os estados: A forma apontada como mais segura para eliminar essa guerra é a modificação da cobrança do ICMS nas transações interestaduais,fazendo com que o imposto seja devido, principalmente,ao Estado de destino das mercadorias.Pela proposta, 2% do imposto ficaria no estado de origem e o restante no destino,uma transição que

seria gradual e que se completaria no oitavo ano após a aprovação da Reforma,com a criação do Novo ICMS. Garantia de Receita – Fundo de Equalização de Receitas: Para compensar os Estados por eventuais perdas de receitas decorrentes da Reforma Tributária e garantir que nenhum deles sairia prejudicado,a proposta prevê a criação de um Fundo de Equalização de Receitas (FER),que seria regulamentado por lei complementar; Desoneração da Folha Salarial: A principal medida proposta é a redução de 20% para 14% da contribuição dos empregadores para a previdência.Complementarmente, haveria a extinção da Contribuição para o Salário Educação,compensada pela criação do IVA-F,que implicaria na desoneração da folha em mais 2,5%. Mudança na estrutura da política de desenvolvimento regional (PDR),o que incluiria,por exemplo,a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR),a coordenação da aplicação dos recursos da política de desenvolvimento regional e a ampliação do montante de recursos destinados à PDR.

Fonte:Cartilha da Reforma Tributária 2008 (elaborada pelo Ministério da Fazenda)

Sem reforma,carga é mal distribuída Uma das consequencias mais nocivas de a reforma tributária ainda não ter saído do papel é a carga tributária mal distribuída no país. “Nossa carga é muito regressiva. Não é bem distribuída. O pobre quando compra uma camisa paga o mesmo ICMS de um rico”, exemplifica o mestre em administração tributária, João Batista Soares. A complexidade na legislação faz, segundo ele, com que o custo brasil seja alto e em consequencia disso os produtos brasileiros se tornam menos competitivos lá fora. “A carga tributária alta tem esse aspecto maléfico para a economia. Tem-se, com isso, menos dinheiro para poupar, para investir, porque o gover-

no está cobrando uma carga tributária muito alta”, frisa ainda. O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte, Flávio Azevedo, diz que a carga tributária alta compromete a competitividade principalmente da indústria. “Como é que o empresário pode competir com produtos que vêm do exterior, com produtos que vêm, por exemplo, da China, com encargos sociais próximos de zero e também com outros países com carga tributária simplificada?”, questiona. “Nós não desejamos paternalismo. Entendemos que o governo precisa de impostos e que os impostos são importantes para gerar investimentos

públicos, que é um dinheiro que atende também a parte social, entendemos que temos que pagar, mas o problema é administrar um cipoal de leis e portarias que ás vezes nem chegam ao conhecimento das empresas, principalmente das micro e pequenas”, observa ele. O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do estado, Marcelo Rosado, opina, no entanto, que a reforma vem sendo discutida mais no sentido de proteger o estado do que de fomentar a economia. Ele discorda do fim dos incentivos fiscais. “Sem eles, as indústrias não viriam para o Nordeste. Ficariam no Sul/Sudeste, sem ter que pagar frete”.

UM PESO NAS ALTURAS A redução da carga tributária é um dos efeitos esperados com a reforma.Enquanto não chega,o peso fica nas alturas.Confira: O Brasil ocuparia o 14º lugar no ranking geral dos países com o maior percentual de carga tributária,caso integrasse o rol de membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),composto atualmente por 33 países.Confira quem está pior que o Brasil no ranking: *Carga (%) Dinamarca Suécia Itália Bélgica Finlândia Áustria França Noruega Hungria Eslovênia Luxemburgo Alemanha Rep.Tcheca Brasil

48,20 46,40 43,50 43,20 43,10 42,80 41,90 41,00 39,10 37,90 37,50 37,00 34,80 34,50

Dentre os países em estágio de desenvolvimento equivalente,o Brasil está na liderança: Brasil

34,50

Coreia

25,60

Turquia

24,60

Rússia

23,00

China

20,00

Chile

18,20

México

17,50

Índia

12,10

*Carga tributária é a relação entre o que o governo arrecada em impostos e a quantidade de riqueza produzida no país.Em outras palavras,é a arrecadação tributária em comparação ao Produto Interno Bruto (PIB).

OUTROS NÚMEROS

R$ 1,26 trilhão

R$ 2,79 bilhões

Foi quanto os brasileiros pagaram em tributos no ano passado, de 1º de janeiro a 30 de dezembro.O valor representa o que foi arrecadado pelos governos federal,estaduais e municipais.Em 2009,o total de arrecadação foi de R$ 1,09 tri.

Foi quanto os potiguares pagaram nesse mesmo período.A cifra é maior que a de 2009,quando chegou a R$ 2,59 bilhões no estado.

Fontes:IBPT/Impostômetro

BATE PAPO Lina Vieira »ex-secretária da Receita É possível superar os entraves que existem hoje para que a reforma tributária saia do papel? Seria bastante difícil, dado o grau de dissenso existente entre os diversos atores. Mas com a recente renovação no Legislativo e Executivo e o ambiente de crescimento econômico, acompanhado pelo crescimento de receitas do Estado, tudo fica mais fácil. Toda a sociedade espera que o novo governo consiga levar adiante e efetivar essa e outras reformas necessárias ao País, mesmo que paulatinas. Boa vontade e esforço político serão certamente muito exigidos. Quais são os pontos essenciais para uma possível reforma? É importante que a reforma tributária (e outras que precisarão ser realizadas para manter o País na linha do crescimento econômico) estimule a exportação, desonere os investimentos, encoraje a criação de novos empregos, assegure igualdade de competição entre produtores nacionais e entre esses e os estrangeiros. Também é importante que ela seja a mais neutra possível, transparente e harmonizada com os sistemas tributários de nossos parceiros comerciais e que promova a equidade social. O que mudaria para os contribuintes? Com uma reforma tributária que enfrente efetivamente a regressividade surgiria um sistema de quem ganha mais paga mais, e quem ganha menos, paga menos. Os impostos seriam mais justos do ponto de vista social e se promoveria o desenvolvimento econômico, uma vez que essa renda aliviada de quem ganha menos certamente iria reverter-se, em sua maior parte, no consumo, fomentando o comércio, o emprego e o lucro.


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