Jornal OutrOlhar | Edição 17 | Novembro 2008

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entrevista

entrevista Construindo o futuro pelas próprias mãos Michelly Oda

Daniel Leite

O trabalho em construções e o artesanato são atividades dos recuperandos

“Todo homem é maior que seu erro”. A afirmação é do advogado Mário Ottoboni, fundador da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). A entidade, criada na década de 70, tem por objetivo preparar quem foi preso para o retorno à sociedade através de meios diferentes dos praticados em presídios convencionais. A idéia surgiu no município paulista de São José dos Campos. Curiosamente, a APAC é fruto de uma rebelião ocorrida em um presídio da cidade. Diante das dificuldades, não havia, a princípio, quem quisesse assumir o controle administrativo da prisão. No entanto, um grupo religioso propôs uma nova metodologia de recuperação dos detentos, tendo como foco o ser humano. A Associação obteve resultados consideráveis, diminuindo os índices de reincidência criminal de maneira significativa. Depois do modelo bem sucedido, a entidade se espalhou por vários lugares do Brasil e do mundo. Em Minas Gerais, a iniciativa con-

seguiu maior sucesso em Itaúna, município próximo a Belo Horizonte. Foi baseada nesse exemplo a criação da APAC - Viçosa, em funcionamento desde 2005. Por aqui, assim como nas outras unidades da organização, o trabalho de recuperação dos condenados é fundamentado na ação de voluntários. O coordenador jurídico da instituição, Luciano Machado, é um deles.

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mem é maior que seu erro. Mário Ottoboni

Luciano, que também é estudante de Direito pela Universidade Federal de Viçosa, acredita que o tratamento dado pela APAC aos recuperandos, como são chamados os condenados, não é importante somente para o indivíduo, mas também para a sociedade. “Se uma pessoa retorna à comunidade pronta para o convívio social, nós conseguimos reduzir os índices

de criminalidade e, conseqüentemente, viver de uma maneira mais tranqüila. Assim, todos são favorecidos”, observou. A respeito do número de pessoas que voltam a cometer crimes, o coordenador jurídico da associação explicou por que o índice é menor entre os recuperandos da APAC do que entre os presidiários comuns. “Aqui, o tratamento é diferenciado. Nós buscamos a recuperação do indivíduo por meio da valorização humana, possibilitando o retorno da pessoa à sociedade com uma profissão digna e um bom relacionamento familiar. Nos presídios convencionais, isso não acontece, já que os detentos não recebem qualquer tipo de educação e nem sequer são tratados pelo nome”, declarou o voluntário. No entanto, Luciano fez questão de ressaltar que deve partir dos recuperandos a vontade de mudança e que são eles que determinam o sucesso do projeto. “A APAC não impõe, apenas propõe, cabendo à pessoa aceitar a nossa filosofia. Nesse sentido, eles (os recuperandos) também são responsáveis por várias ocupações,

como a manutenção do próprio espaço e atividades artesanais. Além disso, em breve teremos diversos cursos profissionalizantes na entidade, como os que serão ministrados na marcenaria e na padaria, atualmente em construção através do trabalho dos próprios recuperandos”, afirmou. Sobre o ambiente na instituição, ele definiu o relacionamento como “cordial e respeitoso”, uma vez que todos, colaboradores e beneficiários, são incentivados ao respeito mútuo. Quanto à sensação de ser voluntário da APAC, Luciano se mostrou muito satisfeito. “É muito gratificante. Principalmente para mim, que sou jovem, estou na faculdade e tenho a visão idealizada de querer mudar o mundo, mesmo não podendo fazer isso da noite para o dia. No entanto, nós podemos mudar as pessoas, o que representa o objetivo da organização”, contou. Ainda segundo o estudante, todos os cidadãos podem colaborar com a APAC, existindo apenas um pré-requisito para quem quer ser voluntário: a vontade de ajudar os outros.

Morcego de estimação vivia em gaiola Jéssica Marçal Animal de estimação todo mundo tem, seja ele gato, cachorro ou morcego. Isso mesmo, morcego. É o caso da estudante Alexandra Saraiva, de 22 anos, atual residente de Porto Firme-MG e que, aos 14 anos, criou um morcego em uma gaiola por sete meses, dentro de seu quarto, como seu animal de estimação. Alexandra se diz encantada por morcegos e acha que ele é um bicho como os outros, além de ser inofensivo. A estudante falou sobre sua experiência de convívio com este animal.

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OO: Onde e em que situação você encontrou o seu morcego de estimação? Aliás, ele tem nome?

Pâmera Mattos

AS: Meu avô decidiu trocar o forro da casa da minha avó porque ele achou que lá tinha rato, devido a uns odores e barulhos que se faziam presentes. Na hora em que a obra terminou, caiu um bicho e eu quis ver, porque achei estranho. Quando fui ver, era um morcego. Ele estava com mais medo da gente do que a gente dele e, como eu percebi que minha avó ficou irritada com o morcego, decidi pegá-lo e colocá-lo na gaiola. Eu nunca dei um nome pra ele, mas minha avó o chamava de “Coisa Feia”.

OutrOlhar: Como e quando surgiu seu interesse por morcegos?

OO: Como você fazia para alimentá-lo? Como era sua relação diária com ele?

Alexandra Saraiva: Eu estava num momento bem dramático da minha vida. Fui criada com meus avós e o pessoal pegava no pé; fui criada com avó, que tem um estilo muito diferente e que é um pessoal mais antigo em que tudo tinha que ser dentro da Igreja. Isso começou a me sufocar e a paixão por morcego, no início, foi mais pra irritar a minha avó, além de representar uma forma de fuga pra mim, já que eu estava em um momento difícil da minha vida.

AS: Eu perguntei para um professor da minha escola, o João Lúcio, que até é professor de biologia aqui em Viçosa, o que eu daria para o morcego. Aí ele falou que era pra eu dar fruta. Então, eu dava banana, amora, porque esses bichos adoram frutas vermelhas e também colocava restos de folhas, mas era mais fruta. Eu nunca coloquei bicho morto, sempre colocava fruta. O contato que eu tinha de pegada com ele era só com luva de pedreiro, que é bem grossa e resistente e, então, não tinha problema se ele me mordesse, o que nunca aconteceu.

Eles sempre colocavam a culpa em alguém e não pensavam que poderia ser uma opção eu não ter um gato ou um cachorro e sim um morcego. OO: Você cria o seu morcego até hoje? Se não, o que aconteceu com ele?

Estudante relembra momentos com morcego

OO: O que sua família e amigos acharam de você ter um morcego de estimação? AS: Meus amigos adoraram, mas meus tios acharam que eu estava ficando doida. Levaram-me em psicólogo, falaram que era revolta, colocaram a culpa nos meus pais.

AS: Não. Ele ficou só sete meses comigo e aí o João me aconselhou a soltar, dizendo que o morcego não é um animal de cativeiro. Eu nem soltei na cidade, e sim num sítio. Foi normal, como se pegasse um passarinho e soltasse. Lógico que eu fiquei “meio assim”. Depois que você solta você sente falta, tanto que a gaiola ainda ficou no meu quarto por uns meses e eu pensei até em pegar outro. Eu já tinha pegado carinho com ele e só soltei mesmo porque o João Lúcio falou que esse seria o ideal. OO: Você pensa em voltar a ter um morcego um dia? AS: No momento não, porque tenho três crianças pequenas e a gente ouve falar que morcego transmite doença, a raiva. Quem sabe depois, quando as crianças crescerem, eu tenha coragem sim.


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