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AMICUS DEMOCRATIAE:

À JUSTIÇA E DEFENSORIA PÚBLICA

ACESSO

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid Capa e diagramação: Jéssica Razia

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis López Guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

Owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

Tomás S. Vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

R573 Rocha, Jorge Bheron

Amicus democratiae : acesso à justiça e defensoria pública [livro eletrônico] / Jorge Bheron Rocha; prefacio Lorenzo M. Bujosa Vadell, Luiz Rodrigues Wambier, Pedro Estevam Alves Pinto Serrano. - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2022.

Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778 DOI: 10.53071/boo-2022-10-28-635be265a897f

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

4.204Kb; livro digital ISBN: 978-65-5908-479-1 1. Direto. 2. Defensoria pública. I. Título. CDU: 342.722

AMICUS DEMOCRATIAE:

À JUSTIÇA E DEFENSORIA PÚBLICA

ACESSO

AgrAdecimentos

O livro que ora se entrega para apreciação e críticas corresponde à versão comercial da tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) em agosto de 2022. E, como não poderia deixar de ser, ele traz em si todos os agradecimen tos que ali foram apostos, acrescidos de outros mais que o tempo e a lembrança permitem.

À partida, por óbvio, agradeço penhoradamente aos meus pais, Benedito (in memoriam) e Zélia, por todo o caminho que construíram antes de mim, por mim e para mim; e aos meus irmãos, Rocha, Mira (in memoriam), Bibia, Naninha, Eieia e Benélia, em nome de cunhados, sobrinhos e sobrinhas-netas pela solidariedade em todos os tempos. Também à família do Rio de Janeiro, André Saleh, Rosa Saleh e Andiara Saleh, sempre presentes.

Pela concretização da tese, após cinco longos anos, dentre os quais a infindável pandemia do covid-19, agradeço à orientação segura do Prof. Dr. Mar tônio Mont’Alverne, pelo acolhimento desde o ingresso no Doutorado, e pela paciência, generosidade e acuidade com que acompanhou o desenvolvimento da pesquisa. Também agradeço aos componentes da banca examinadora, Profa. Dra. Vania Aieta, Prof. Dr. Pedro Serrano, Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier e Prof. Dr. Lorenzo Mateo Bujosa Vadell, cujos dissensos, observações, críticas e sabatina valorizaram a investigação proposta e apresentada.

À Defensoria Pública-Geral do Estado do Ceará e a todos os membros da Administração, servidores, colaboradores e estagiários, torno a agradecer na pessoa da Defensora Pública-Geral, Dra. Elizabeth Chagas, pelo apoio e incentivo dispensados. Aos colegas defensores públicos do Ceará, em especial José Roberto da Rocha, José Vagner de Farias, Gustavo Gonçalves de Barros, Epaminondas Carvalho Feitosa, Raquel Mascarenhas, Carlos Alberto, Mariella Pittari, Carlos Nikolai, Emerson Castelo Branco, Noêmia Landim, Aline Feitosa, Alfredo Jorge, Gina Kerly, Delano Benevides e Leandro Bessa, em nome dos quais agradeço pela amizade e pelos diálogos frequentes, que possibilitaram enfrentar os temas aqui tratados.

Aos colegas defensores públicos do Brasil, especialmente Diogo Esteves, Cleber Alves, Gina Muniz, Eduardo Newton, Maurilio Casas, Bruno Braga, Rafaela Garcez, Ludmilla Paes Landim, Marcos Paulo Dutra, Edilson Filho, Fernando Soubhia, Alfredo Emanuel, Patrícia Magno, Felippe Borring Rocha e José

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Augusto Garcia, pelos quais transmito todo o meu afeto e toda a minha admi ração.

À Universidade de Fortaleza, que me possibilitou nestes anos um cresci mento intelectual ímpar, através das inesquecíveis lições e reflexões dos professo res, destacando Rosendo Amorim, Rafael Xerez, Filomeno Moraes, Nestor Araruna, Mônica Tassygni, Humberto Cunha e Newton Albuquerque; dos debates com colegas de sala de aula, em especial Felinto Martins, Evaldo Acioly e Juliana Cavalcante; e do apoio da equipe administrativa.

Aos meus diletos amigos, de todos os tempos e lugares, aos novos e aos antigos, em especial, Mariana Urano, Rodolfo Nóbrega, Kildare Gomes, Lucia Mugayar, Inês de Melo, Miguel Antunes, Zelia Pereira, Aline Bezerra, Yuri San tana, Simone Alves e Pedro Sá; aos amigos professores cearenses Juraci Mourão, Marcelo Lima Guerra e Juvêncio Viana; aos amigos e mestres Antonio Gidi, Alexandre Morais da Rosa, Pedro Lenza, Rosmar Alencar, Lenio Luiz Streck, Valerio Mazzuoli, Alvarado Velloso, Aldo Frignani (in memoriam), Laura Zuñiga, Geraldo Prado, Juarez Tavares e Arnoldo Camanho; aos professores de Coimbra, aos quais nunca basta agradecer tudo o que ainda trago de experiência no cami nhar da pesquisa, em especial Pedro Caeiro, Helena Moniz e Maria José Capelo.

Aos amigos da ABDPRO, que carinhosamente ajudaram na construção de muitas ideias, por todos, Roberto Gouveia, Eduardo Fonseca, Patricia Hen riques, Antônio Carvalho, Glauco Gumerato, Evie Malafaia, André Maluf e George Abboud; aos amigos do Pinga Fogo no Processo, em especial Henrique Mouta, Rodrigo Becker, Fernanda Tartuce e Dierle Nunes; aos queridos ami gos ANNEPianos, em nome de todos, Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Beclaute Oliveira e Marcos Youji Minami; e aos amigos Ana Beatriz Presgrave, Fábio Presgrave, Rodrigo da Cunha e Ana Frassetto.

À minha intrépida trupe, meus filhos queridos: Morgana, Valentina, Benjamin e Sofia. Tudo isto é também por vocês, o caminho eterno do aprendizado.

Não por último e nem por fim, mas sempre reiniciando os ciclos de companheirismo, à minha amada esposa Paula Saleh, para quem teria que escrever outra tese só para dizer o quanto de amor, dedicação e parceria existe somente no nosso olhar.

A Deus, pela oportunidade, pelo discernimento, pela resistência, pelas for ças… por tudo.

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Prefácio

iEs conocida la vocación latinoamericana de Salamanca, ciudad en la que cuentan las crónicas que se hablaba del continente americano incluso antes de que Cristóbal Colón llegara a Guanahaní y, por supuesto, de que Pedro Álvares Cabral avistara las costas del exuberante Brasil. Pero es probable que se sepa menos de la voca ción específicamente brasileña de mi Universidad, aunque cuente hasta con un activo Centro de Estudios Brasileños y con una abundante representación de estudiantes de postgrado procedentes del gigante sudamericano.

El autor de la obra que aquí se presenta es un ejemplo ilustre de esta colabora ción transcontinental, en la que no debemos olvidar la impagable colaboración de la hermana Universidad de Coimbra. No es nada extraño que los investigadores brasi leños triangulen la ampliación de sus estudios, en la medida del tiempo de que gozan y en general de sus posibilidades. Me refiero al paso por la ciudad del Mondego y por su prestigiosa universidad y a la estancia adicional en las bibliotecas de Salamanca, la bella ciudad del Tormes, tan distinta a cualquier lugar del gigante austral, pero tan acogedora como ese enorme país del que nos traen afectuosas saudades.

Así, la Universidad de Salamanca se ha convertido en un centro de formación de referencia para aquellos que tienen la disponibilidad y la valentía de adentrarse en las profundidades de la meseta, con su notable bagaje y su atrevimiento investigador. Así ocurrió con Jorge Bheron Rocha que, acompañado de su inseparable Paula, compartió conmigo animadas conversaciones en el casco antiguo en restaurantes y bares de la ciudad que nos acogía, fría solo en apariencia, e indiscutible terreno abonado para las fértiles divagaciones jurídicas que fueron llenando horas de charla.

Del esfuerzo que ya demostraba entonces Bheron tenemos una prueba fehaciente ahora en este profundo trabajo que presentó hacer unas semanas como Tesis Docto ral en la Universidad de Fortaleza, guiado por la sabia mano del Profesor Martonio Mont’Alverne Barreto Lima. Quien modestamente firma estas primeras líneas tuvo el honor de formar parte del tribunal enjuiciador que, por unanimidad le otorgó la máxima calificación.

La verdad es que no es sorprendente la calidad del estudio que presenta, pues, con anterioridad ya nos brindó juiciosas investigaciones sobre algunos aspectos es pecíficos en torno a la figura del Defensor Público y de la protección de los sujetos más vulnerables. Es loable, sin duda, el denuedo que demuestra el investigador por aprovechar su experiencia laboral y por verter su reflexión en torno a cómo puede

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contribuir la institución en la que cumple sus servicios a superar los desequilibrios de una sociedad injusta.

Me da la impresión de que ese leit motiv es una máxima que rige tanto su la bor cotidiana en la defensa de los casos que le tocan en suerte, como en sus reflexiones complementarias, que gozan de la sustantividad constitucional que el lector podrá ver en cuanto empiece a leer este libro. Es un ejemplo de compromiso práctico que condi ciona su actividad profesional, pero también sus formulaciones jurídico-constitucio nales, alejadas de las nubes de lo contemplativo y, por tanto, plagadas de propósitos concretos, apegados al mejoramiento de la condición de quienes necesitan ayuda para resolver sus conflictos jurídicos.

La institución de la Defensoría Pública ha demostrado en muchos países del entorno latinoamericano su importancia para acometer funciones directamente derivadas de las Constituciones que han diseñado en los decenios pasados fastuosos Estados Sociales y Democráticos de Derecho, que tienen un difícil reflejo en la realidad prác tica. Esas brechas, particularmente visibles en países como la República Federativa del Brasil, son perniciosos factores de inestabilidad que debieran preocupar a todas las capas sociales. En esta perspectiva se inscribe, por tanto, la investigación a la que largo tiempo ha dedicado nuestro joven jurista, con el excelente resultado que aquí se presenta.

Con generosidad, el autor profundiza en los vericuetos de los antiguos antece dentes normativos de la institución en estudio, no sin antes enmarcar su análisis en un contexto específico, como aceptación fervorosa de un sesgo consciente y beneficioso. Me refiero a la procelosa problemática del acceso a la justicia, pero no con cualquier contenido y con efectos indiferentes, sino en una dirección diáfana, coherente con su principal inquietud, la referida a un orden jurídico y social justo.

Son palabras mayores que merecen un tratamiento cuidadoso y delicado, justa mente el que acomete el Dr. Rocha en los diferentes capítulos de su investigación, en los que enhebra razonamientos apegados a la realidad social y económica de un país de contrastes que, con su particular sonrisa, no puede dejar de mostrar también sus acérrimas dificultades. Tratar de justicia en Brasil es un propósito arduo, que supone construir un inmenso edificio constitucional volcado sin vacilación a las problemáticas reales, y dispuesto a desanudar problemas de inmensas dimensiones.

Conociendo de antemano la capacidad y la inteligencia de Bheron era muy previsible que alcanzara con éxito su objetivo. Con una escritura diáfana y ágil, va exponiendo un rosario de argumentaciones de elevado peso específico y de considerables consecuencias, si son atendidas adecuadamente.

Especialmente plausible es unir el estudio orgánico y funcional, con una pers pectiva histórica, en la que se subraya que la institución de la Defensoría Pública es un instrumento del régimen democrático. No de una democracia meramente formal,

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sino de un régimen político constitucional atento a las necesidades de sus ciudadanos en la conciliación de esos dos grandes valores que son la justicia y la igualdad, para que lo que se proclame en las normas no sean solo bellas frases inanes, sino considera ciones reales y efectivas, que impliquen un auténtico respeto de la dignidad intrínseca de los seres humanos.

Ahí es donde se produce el entronque de la perspectiva multifuncional del acce so a la justicia, que me preocupa en particular como procesalista. Las normas jurídi cas no solo deben proclamar derechos, sino que deben articular instrumentos para su eficacia. Brasil ha demostrado ser un país fecundo para ello, pero aún son necesarios esfuerzos gigantescos para que esa eficacia se refleje en la realidad para la protección de los más desfavorecidos.

Por todo ello, es motivo indudable de alegría ver salir a la luz esta magnífica obra, para provecho de la comunidad jurídica. Debo agradecer a su autor y a quien orientó con acierto la investigación desarrollada, el haber podido ser testigo privile giado de estas luminosas reflexiones, tanto como miembro del grupo de profesores que pudimos disfrutar participando en el acto de defensa de la Tesis Doctoral como desde esta inmerecida tribuna de la presentación que solo está justificada por la amistad y el cariño que me profesa Bheron.

Recomiendo al lector que permanezca atento a los nuevos trabajos que en un futuro próximo nos deparará este brillante jurista, pero de momento, si no lo ha hecho ya, me permito invitarle a que pase página y empiece a ilustrarse con las brillantes ideas que profusamente va a encontrar en los capítulos que siguen.

Sa Ràpita, 18 de agosto de 2022.

Lorenzo m. BujosA VAdeLL Presidente del Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal. Catedrático de Derecho Procesal de la Universidad de Salamanca.

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O autor concedeu a mim a honra de prefaciar o seu livro, fruto da tese de fendida junto ao Programa de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Atribuo essa escolha à generosa amizade com que me brinda. Mas, apesar dessa suspeição, procurarei desempenhar a honrosa tarefa.

Defensor Público no Estado do Ceará, Jorge Bheron Rocha se dedicou com afinco ao estudo do papel da Defensoria Pública enquanto instituição garantidora do acesso à ordem jurídica e social justas, no contexto do Estado de Direito.

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O autor inicia o capítulo primeiro tratando da conceituação ampla e subs tancial de acesso à justiça, a partir da proposta consignada na doutrina que contempla não somente o acesso ao Poder Judiciário, mas à adequada e efetiva tutela de direitos. Aprofunda sua investigação examinando as gerações e dimensões dos direitos humanos, bem como as funções por eles exercidas, buscando, a partir dessa análise, a compreensão dos delineamentos multifacetados do acesso à jus tiça.

No segundo capítulo, intitulado Formação e evolução de normas voltadas para o acesso à justiça no Brasil, o trabalho se dedica, a partir do postulado teórico de Cappelletti e Garth, ao estudo dos institutos positivados no texto normativo brasileiro para “aplacar os obstáculos ao acesso à justiça erigidos pelas desigualda des sociais, culturais e de origem”.

Inicia seu percurso analisando as soluções normativas do ordenamento da Colônia e do Império, seguindo para a análise dos desdobramentos do acesso à justiça a partir da Proclamação da República, do modelo salaried staff de fornecimento do serviço de acesso à justiça e da Assembleia Nacional Constituinte, convocada pela EC nº 26/1985 para a promulgação de uma nova Constituição, sob as vestes da democracia.

No capítulo terceiro, é introduzido o tema central, tratando do acesso à justiça em cotejo com o papel da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático. Aborda a relevância das modificações trazidas pela EC nº 45/2004 ao redesenho da Defensoria Pública, notadamente do ponto de vista da sua autonomia e dos importantíssimos impactos para o aprofundamento da sua função na ordem constitucional.

Avança em seu percurso examinando a EC nº 80/2014 e a consolidação da Defensoria Pública como instituição de suporte democrático, adentrando na sua concepção como cláusula pétrea a partir da permanência que lhe imbuiu o art. 134 da CRFB/1988 e da explicitação, no texto constitucional, de seu múnus de promoção dos direitos humanos.

No último capítulo, o autor defende que:

[...] o reconhecimento explícito da Defensoria Pública como expressão (manifestação significa tiva) e instrumento (recurso apto a alcançar um fim) deve provocar alterações internas e externas tendentes à concretização deste vaticínio, sobretudo para que não sejam meras fórmulas vazias, a representar uma forma de constitucionalidade simbólica e desconstitucionalização fática

E arremata seu raciocínio afirmando o seguinte:

[...] na mesma intensidade que se defende a expansão dos instrumentos democráticos à disposição da Defensoria Pública, detentora da árdua missão de concretizar o acesso à justiça, é preciso se sublinhar que devem ser fortalecidos os mecanismos de democratização interna; afinal, as autonomias conferidas constitucionalmente precisam se colocar a serviço das pessoas e coletivi dades vulnerabilizadas de forma ampla, efetiva e adequada, em consonância com os desígnios

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do Estado Democrático

É um trabalho de fôlego, desenvolvido a partir de detida pesquisa e de reflexões sérias e comprometidas com a busca de soluções reais para as questões que se propõe a discutir no decorrer de seu primoroso texto. Além disso, a obra contém o aroma da séria, compromissada e diuturna experiência do autor, dedi cado Defensor Público que é.

Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2022.

Luiz rodrigues WAmBier Advogado. Professor no Programa de Mestrado e Doutorado do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

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A presente obra, por meio da qual o autor obteve o título de Doutor em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitu cional da Universidade de Fortaleza, sob orientação do ilustre Professor Doutor Martonio Mont’Alverne Barreto Lima – sem favor algum, um dos maiores constitucionalistas do País –, é fruto de uma comprometida e destemida incursão no tema do acesso à justiça em sua acepção plena.

Portanto, não nos deparamos, nas linhas a seguir, com um mero manual destinado à compreensão do regime jurídico-formal da assistência jurídica públi ca e, muito menos, com uma cartilha delineadora de singelas competências, atri buições e prerrogativas da Defensoria Pública brasileira. O propósito científico do autor vai muito além e faz da presente obra um marco para o direito público brasileiro.

Consciente das suas missões não só como pesquisador e cientista do direito, mas também como Defensor Público, ele se propôs, com excepcional êxito, a verificar as consequências fático-jurídicas da previsão constitucional segundo a qual a Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, relevante expressão do regime democrático e, ainda, da efetividade dos direitos fundamentais.

Com efeito, o autor, imbuído de elevado rigor científico e de forma acura da, adentrou nos aspectos constitucionais do direito fundamental à prestação de assistência jurídica integral para realizar um incomum cotejamento da necessidade de implementação efetiva da Defensoria Pública à luz de uma hermenêutica concretizadora, da necessidade de democratização do acesso ao cargo de defensor público e, ainda, do fortalecimento dos mecanismos de democratização interna corporis.

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Ademais, para além do mero cotejamento analítico da evolução institucional da Defensoria Pública desde o seu advento até, em especial, a Emenda Constitucional nº 80/2014, a presente obra é fruto de uma comprometida análise efetivadora dos desideratos constitucionais atribuídos à Defensoria Pública: constituir-se em expressão e instrumento do regime democrático, isso através da orientação jurídica pública e universal, da promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos.

Ou seja, para além de uma abordagem dogmática dos aspectos constitucionais e infraconstitucionais que permeiam o tema, evidencia-se, exemplificativa mente, a necessidade de consolidação da democratização do controle concentrado de constitucionalidade e, ainda, a possibilidade de ajuizamento do incidente de deslocamento de competência em casos de grave violação de direitos humanos.

É nessas bases que o autor realizou, na presente obra, um acurado desve lamento dos caminhos percorridos pela efetividade do acesso à justiça no Brasil.

O acesso à ordem jurídica e social justa pressupõe, acertadamente, uma concepção de Defensoria Pública apta a efetivá-lo de forma integral, adequada e efetiva. A primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais, a afirmação do Estado Democrático de Direito, a prevalência e efetividade dos direitos humanos e a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório não se concretizam na realidade vivida por meio de meros compromissos normativos e institucionais. Referidos desafios não fogem das precisas e comprometidas análises e proposições do autor.

Apresentadas, perfunctoriamente, as linhas mestras da presente obra, insta consignarmos, por fim, que ela se coloca como fundamental para a compreensão do regime jurídico da Defensoria Pública a partir do seu reconhecimento como instituição de suporte democrático e como teleologicamente voltada à garantia do acesso à justiça em sua acepção plena. Trata-se, portanto, de leitura indispen sável para todos os operadores do direito, assim como para todos aqueles que queiram adentrar nos desafios que permeiam o acesso à justiça no Brasil, bem como exercer a cidadania em sua plenitude.

São Paulo, 29 de agosto de 2022.

Pedro esteVAm ALVes Pinto serrAno Bacharel, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris Nanterre. Professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na Graduação, no Mestrado e no Doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP.

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sumário

AgrAdecimentos

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5 Prefácio

I

7 Lorenzo M. Bujosa Vadell

II

9 Luiz Rodrigues Wambier III

11 Pedro Estevam Alves Pinto Serrano notA introdutóriA........................................................................................... 16 Capítulo 1 Acesso à ordem jurídicA e sociAL justA

17

1.1. Acesso: significados....................................................................................... 18

1.2. Direitos humanos ou fundamentais?............................................................. 20

1.3. Dimensões/gerações de direitos fundamentais

1.4. Funções dos direitos fundamentais

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1.5. O acesso à justiça multidimensional/multigeracional 30

1.6. Multifuncionalidade do acesso à justiça

35

1.7. O acesso à justiça como norma-princípio ..................................................... 37

1.8. Obstáculos ao acesso à justiça ....................................................................... 40

1.9. Ondas renovatórias do acesso à justiça .......................................................... 43

1.10. Modelos de assistência judiciária ................................................................ 44

1.11. Gratuidade da justiça, assistência judiciária e assistência jurídica ................. 45 Capítulo 2

formAção e eVoLução de normAs VoLtAdAs PArA o Acesso à justiçA no BrAsiL .... 48

2.1. Soluções normativas no Brasil Colônia ......................................................... 49 2.2. Soluções normativas no Brasil Império ......................................................... 51 2.3. Soluções normativas na Velha República....................................................... 54

2.4. Era Vargas e sensíveis alterações ................................................................... 60

2.5. Experiências do modelo salaried staff no Brasil .............................................. 64

2.6. Surgimento da carreira de defensor público no Rio de Janeiro e da assistência judiciária como órgão de estado .......................................................................... 68

2.7. A Comissão Afonso Arinos e o Anteprojeto dos Notáveis 73

2.8. Assembleia Nacional Constituinte e modelo para oferta de assistência jurídica .... 76

2.9. O texto originário da Constituição de 1988: nacionalização e federalização da Defensoria Pública

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.............................................................................................................
............................................................................................................................
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reformA e mutAção constitucionAL nA defensoriA PúBLicA

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3.1. Influxos das mudanças no regime constitucional da Defensoria Pública 86

3.2. As Emendas Constitucionais nº 19 e 41 ....................................................... 87

3.3. As autonomias e as Emendas Constitucionais nº 45, 69 e 74 .................. 89

3.4. Outras emendas constitucionais

94

3.5. A EC nº 80 e a consolidação da Defensoria Pública como instituição de suporte democrático

95

3.6. Consolidação da distinção e independência entre as instituições essenciais à justiça .................................................................................................................. 97

3.7. Assistência jurídica e Defensoria Pública como cláusulas pétreas ................. 100

3.8. Defensoria Pública como instituição de suporte democrático ..................... 104

3.9. Defensoria Pública amicus democratiae e sua atuação ..................................... 107

3.10. Aplicação dos arts. 93 E 95, II, à Defensoria Pública e aos seus membros 109 3.11. Estaria estendida aos defensores públicos a garantia da vitaliciedade? ........ 111 3.11.1. O defensor público como agente político do Estado ............................ 111 3.11.2. A atuação do defensor público: poder, extrapoder e contrapoder ......... 114 3.11.3. Defensores públicos como efetivadores da missão de ser expressão e instrumento no regime democrático ................................................................ 115 3.12. A promoção dos direitos humanos como missão constitucional expressa ..... 118 3.13. A educação em direitos como missão institucional .................................... 120 3.14. A vocação para a tutela coletiva de direitos e tutela de direitos coletivos .... 124 3.15. Defensoria Pública e justiça multiportas ................................................... 127

3.16. A constitucionalização dos princípios institucionais da Defensoria Pública 128 3.16.1. Unidade na missão institucional, “pluralidade” de unidades orgânicas .... 128 3.16.2. A indivisibilidade e a independência funcional .................................... 131 3.16.3. A independência funcional como princípio institucional fundamental à cooperação defensorial direta ........................................................................... 133 3.17. O necessitado constitucional .................................................................... 136 3.18. Ressignificando o público-alvo da atuação institucional ............................ 140 3.19. A Defensoria Pública e o duplo critério de aferição da vulnerabilidade ..... 143 Capítulo 4 consequênciAs no regime jurídico dA defensoriA PúBLicA AMICUS DEMOCRATIAE .... 146

4.1. Democratização do controle concentrado de constitucionalidade ............... 147 4.2. A legitimidade da Defensoria Pública para o controle abstrato de normas ...... 150 4.3. Defensoria Pública, legitimidade para o controle abstrato, teoria dos poderes implícitos e interesse público primário e secundário .......................................... 157

4.4. Legitimidade da Defensoria Pública para a arguição de descumprimento de preceito fundamental: Lei Complementar nº 132 .............................................. 159

Capítulo 3
.............................
...................................................................
........................................................................................................

4.5. A proteção dos direitos humanos na Constituição 161

4.6. Legitimidade da Defensoria Pública para suscitar o incidente de deslocamento de competência: um olhar doutrinário 164

4.7. A emenda do Teto de Gastos como suspensão da efetivação dos direitos fundamentais..................................................................................................... 167

4.8. A necessidade de conferir interpretação conforme para a implementação do acesso à justiça ................................................................................................... 170

4.9. O olhar democrático para dentro da instituição .......................................... 173

4.10. Democratização do acesso ao cargo de defensor público .......................... 175

4.11. Promoção dos direitos humanos nas provas de acesso à carreira ................ 180

4.12. Ouvidoria Externa como mecanismo de soberania popular ...................... 183

4.13. Função legislativa do Conselho Superior e participação popular ............... 185

4.14. Projetos de lei de iniciativa da Defensoria Pública do Ceará aprovados entre 2019 e 2022 ...................................................................................................... 188

4.15. Orçamento Participativo como política institucional ................................ 191 considerAções finAis ...................................................................................... 194 referênciAs BiBLiográficAs ............................................................................. 208

notA introdutóriA

Com a promulgação da Constituição de 1988, a dignidade humana e a cidadania passaram a fundamentar a própria República Federativa do Brasil, con figurada como um Estado Democrático de Direito, cujo destino último é assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais dos indivíduos e coletividades de for ma fraterna, plural e sem preconceitos. Tendo como desiderato maior a consecu ção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem desigualdades e discriminações, a Constituição Cidadã elevou o povo como detentor máximo do poder e buscou criar e fortalecer instrumentos adequados e efetivos para garantir o seu acesso à ordem jurídica e social justa.

Como um desses mecanismos, destaca-se a Defensoria Pública, modelo público de oferta dos serviços de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Ele resultou de séculos de desenvolvimento, a partir de experiências nas diversas áreas jurídicas, como a isenção de despesas, a disponibilização de patronos técnicos para os pobres e outros grupos especialmente vulnerabilizados e a procura por meios extrajudiciais de resolução de conflitos.

Sublinhe-se que, em uma sociedade solidarista, a concretização dos direitos fundamentais de cada pessoa humana interessa a todas as outras; todos são dire ta ou indiretamente beneficiados pelos serviços da Defensoria Pública. Garantir acesso à justiça por meio de uma instituição voltada a conferir assistência jurídica integral e gratuita a quem dela precise, portanto, é afirmar — e confirmar — o direito de cidadania e a própria soberania do povo.

Além de apresentar tais delineamentos iniciais, este livro se dedica a veri ficar as consequências fático-jurídicas da explicitação, operada pelo constituinte reformador, do caráter permanente e essencial da Defensoria Pública, convertida ainda em expressão (manifestação significativa) e instrumento (meio apto para o alcance) do regime democrático. Tudo isso sem desconsiderar a complexidade do acesso à justiça, da relação existente entre este e a instituição em apreço e dos seus desenhos ressignificativos.

Para tanto, é importante se perquirir, dentre as alterações normativas e os ditames da hermenêutica constitucional, as consequências realmente inova doras para o ordenamento jurídico brasileiro e, em especial, para as pessoas e coletividades dependentes da atuação ampla, efetiva e adequada da Defensoria Pública. Afinal, deve-se afastar as barreiras incompreensíveis ao pleno funcio namento dessa função essencial à justiça, notadamente ante a hercúlea tarefa que lhe foi designada pelo Estado e as concepções internas que laboram para a sua transmutação total.

16

Acesso à ordem jurídicA e sociAL justA

A democracia só se perfaz com a possibilidade de todos os indivíduos serem percebidos e respeitados como pessoas cidadãs. Cidadania, por sua vez, é um conceito intrinsecamente amalgamado ao de Estado Democrático de Direito, que, sob a ótica subjetiva, tem adquirido novos contornos, principalmente a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como um dos seus fun damentos1. O cidadão, pessoa titular da dignidade no atual formato de Estado, portanto, concentra em si a plena potencialidade do humano integralmente desenvolvido e sujeito de direitos, aos quais devem ser garantidos acesso e exercício. Kazuo Watanabe2, em inovadora tese, propunha a renovação e ampliação do conceito de acesso à justiça, de forma que ele não significasse apenas assistência judiciária — e a consequente busca da realização de direitos nas esferas de pos sibilidades do Poder Judiciário —, mas sim acesso à ordem jurídica justa. Desse modo, contemplar-se-ia não só as soluções advindas do Estado-Juiz, como também aquelas obtidas nas searas alternativas.

Em uma expressão atualizada, tratar-se-ia da justiça multiportas, uma nova arquitetura para a tutela e efetivação de direitos3. Segundo Watanabe4:

A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal; e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.

Concordante com Watanabe, Grinover5 expõe que:

[...] não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de

1 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana”. Nesse sentido: “[...] o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essen cial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 97.476. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento: 15 set. 2009).

2 WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa (conceito atualizado de acesso à justiça), processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. p. 109.

3 ZANETI JR, Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Apresentação. In: Justiça Multiportas. Mediação, Conciliação, Ar bitragem e outros meios de solução adequada de conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 5.

4 WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa (conceito atualizado de acesso à justiça), processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. p. 109.

5 GRINOVER, Ada Pellegrini. O acesso à justiça no ano 2000. In: MARINONI, Luiz Guilherme (org.). O processo civil contemporâneo. Curitiba: Juruá, 1994. p. 31.

17 Capítulo 1

viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. E, segundo o mesmo autor, são dados elementares desse direito: o direito à informação; o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; o acesso a uma Justiça adequadamente organizada e formada por Juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; o direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características. Uma tarefa dessas dimensões exige, inicialmente, nova postura mental.

Logicamente, o acesso ao Judiciário faz parte de uma ordem jurídica justa; aliás, em alguns casos específica e positivamente analisados, o Poder Judicante é a única via (rectius: por meio do processo). Relembram Cintra, Grinover e Dinamarco6 que:

As pretensões necessariamente sujeitas a exame judicial para que possam ser satisfeitas são aquelas que se referem a direitos e interesses regidos por normas de extrema indisponibilidade, como as penais e aquelas não penais trazidas como por exemplo (esp., direito de família). É a indisponibilidade desses direitos, sobretudo o de liberdade, que conduz a ordem jurídica a ditar, quanto a eles, a regra do indispensável controle jurisdicional.

Em regra, o acesso aos Tribunais, porém, é apenas uma das possibilidades, e sequer é considerada a mais adequada ou efetiva.

1.1. Acesso: significAdos

Acesso, a partir da conceituação dicionarística7, consiste em possibilidade de alcance, direito de ingresso ou caminho. E tais significados são essenciais para a compreensão do que este livro qualifica como acesso à ordem jurídica justa.

De início, esclareça-se que a possibilidade de alcance da ordem jurídica justa envolve conhecimento, produção, participação e exercício, ilustrados abaixo:

a) conhecimento: difusão e conscientização dos direitos humanos, da cida dania e o do ordenamento jurídico pela Defensoria Pública, nos moldes da sua Lei Orgânica (art. 4º, III)8;

b) produção: inserção de normas justas no ordenamento jurídico, com a fixação, verbi gratia, de sentido normativo para determinada lei a partir da apresentação de recursos repetitivos, e expurgo das injustas, mesmo que isso não

6 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do pro cesso. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 31.

7 HOUAISS. Pequeno Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Moderna. 2015. p. 13.

8 No âmbito privado, isso costuma ser proporcionado pelo advogado, como mostra o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): “Art. 1º São atividades privativas de advocacia: II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”. [...] Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato. [...] § 4º As atividades de consultoria e assessoria jurídicas podem ser exercidas de modo verbal ou por escrito, a critério do advogado e do cliente, e independem de outorga de mandato ou de formalização por contrato de honorários”.

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gere qualquer alteração expressa do texto legal9, visto que se trata de categorias distintas10;

c) participação e exercício: garantia de atuação ao parlamentar, inclusive com a excepcionalidade de se admitir o controle preventivo de constitucionalida de pelo Judiciário, em caso de ofensa às normas que disciplinam o processo legislativo11, conjunto de normas inseridas no texto constitucional diretamente pelo constituinte originário, que fixa e delimita a (in)competência do órgão legislativo reformador ou decorrente12.

Em segundo lugar, veja-se que o direito de ingresso na ordem jurídica justa compreende o reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da titularidade dos direitos, bem como o exercício e os instrumentos de reivindicação destes13. O melhor exemplo a ser trazido à baila aqui é o do nascituro, previsto em vários dispositivos da legislação pátria, como os arts. 2º, 542, 1.779, 1.798 e 1.800 do Código Civil e 877 e 878 do Código de Processo Civil.

Por oportuno, saliente-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança “pessoa até doze anos de idade incompletos” (art. 2º), sem fixar o marco cronológico inicial, e sublinha que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento” (art. 7º). Para o legislador, portanto, o não-nascido é bem mais que um mero objeto ou uma parte do corpo da mulher (portio mulieris vel viscerum), que, de outro lado, deve ter os seus direitos fundamentais sexuais e reprodutivos respeitados14.

Finalmente, tem-se o caminho na ordem jurídica justa, que deve ser isonô mico, ordenado e de razoável duração, haja vista que alguma desigualação pode ser necessária para se contrabalançar vulnerabilidades processuais15. A gratuidade de justiça, a dilação de prazo e a prioridade de tramitação processual são institu tos que sintetizam de modo bastante satisfatório o ora exposto.

9 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Oportuno o exemplo dado pelo autor: “No caso, ‘adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento’, por si só, não constitui o crime previsto no art. 311 do Código Penal. Só é possível atribuir pena (privativa de liberdade) quando a conduta seja dotada de lesividade, colocando em risco bens relevantes para a coletividade. A simples troca de placas pelo próprio proprietário do veículo, para evitar o pagamento de imposto, somente enseja punição administrativa, resolvendo-se, satisfatoriamente, nesta esfera. Aplicação do princípio da subsidiariedade (TJRS, Proc. n. 70016224511)”. p. 604.

10 NERY JR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro. Curso Completo. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019; MULLER, Friedrich. Teoria moderna e interpretação dos direitos fundamentais. Especialmente com base na teoria estruturante do direito. Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 7, p. 315-327, 2003.

11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 24.667. Relator: Min. Carlos Velloso. Publicação: 23 abr. 2004.

12 NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 113.

13 MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 63.

14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 124.306. Relator: Min. Roberto Barroso. Julgamento: 9 ago. 2016.

15 TARTUCE, Fernanda. Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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Esclarecidos os sentidos que permeiam o acesso à ordem jurídica justa, res ta essencial o relacionar com a teoria dos direitos humanos e fundamentais, a fim de colaborar para a compreensão do seu surgimento e fortalecimento no Brasil.

Com a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passou a se auto denominar uma República Federativa constituída em um Estado Democrático de Direito, com o fundamento basilar da dignidade da pessoa humana ressignificando todo o arcabouço normativo constitucional assentado. Para Ingo Sarlet16, esse pilar deve ser compreendido como:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, em um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

De fato, experimentam uma releitura, a partir do filtro da dignidade da pessoa humana, as três bases do constitucionalismo moderno, quais sejam, o elenco de direitos, liberdades e garantias individuais e sociais; a separação — e consequente limitação17 — de poderes e funções18; e, por derradeiro, o marco jurídico-político de organização interna19. Com isso, não se quer dizer que há um retorno à filosofia antropocentrista nos moldes iluministas, e sim a valoriza ção do fator humano na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, calcada nos valores da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça (CRFB/1988, Preâmbulo). Na lição de Immanuel Kant20:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um pre ço, pode-se pôr outra em vez dela, qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade.

16 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.

17 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 17.

18 Luís Roberto Barroso elenca “[...] três ordens de limitação do poder. Em primeiro lugar, as limitações materiais: há valores básicos e direitos fundamentais que hão de ser sempre preservados, como a dignidade humana, a justiça, a solidariedade e os direitos à liberdade de religião, expressão, de associação. Em segundo lugar, há a específica estrutura orgânica exigível: as funções de legislar, administrar e julgar devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes, mas que, ao mesmo tempo, se controlem reciprocamente (checks and balances). Por fim, há as limitações processuais: os órgãos do poder devem agir não ape nas com fundamento na lei, mas também observando o devido processo legal” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009). p. 17.

19 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 25.

20 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1986. p. 77.

20
1.2. direitos humAnos ou fundAmentAis?

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