1_9786559085613

Page 1

M anual de d ireito d igital

2ª Edição

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid

Capa e diagramação: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

Eduardo FErrEr Mac-GrEGor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

JuarEz tavarEs

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis LóPEz GuErra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade

Carlos III de Madrid - Espanha

owEn M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

toMás s. vivEs antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

L699 Lima, Marcelo Chiavassa de Mello Paula

Manual de direito digital [livro eletrônico] / Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima, Vitor Morais de Andrade; Prefácio Marcelo Gomes Sodré. - 2.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2023.

5.475Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-561-3

1. Direito digital. 2. Tecnologia e direito. I. Título.

CDU: 34::681.324

Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

DOI: 10.53071/boo-2023-05-17-6465385709dbe

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com

tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

in
Impresso no Brasil / Printed
Brazil

M anual de d ireito d igital

2ª Edição

PrEFácio

Ao pensar no que escrever a respeito do livro agora lançado, lembrei de duas obras muito importantes para minha formação a respeito do tema que se apresenta: o mundo tecnológico/digital. Comecemos por elas.

Em 1964, Humberto Eco lançou um ensaio para analisar a cultura de massa (surgimento da TV etc.). A ideia central era que, ao se deparar com o novo mundo que surgia, os intelectuais se dividiam em duas categorias básicas: os apocalípticos, que sempre tinham uma visão extremamente crítica e negativa das inovações; e os integrados, que, com um certo otimismo ingênuo, acreditavam no progresso e no desenvolvimento. Para Humberto Eco, os apocalípticos detinham uma certa visão aristocrática, um certo nariz empinado, apontando os riscos do novo mundo; enquanto os integrados detinham uma certa visão populista, acreditando piamente nos benefícios sem freios das novidades. Analisando com um olhar atual, talvez os dois lados tivessem razão: ao mesmo tempo que a cultura de massas alienaria as pessoas, permitindo uma disseminação – democratização - das informações, o que possibilitaria uma melhoria na vida destas mesmas pessoas. Uma das leituras possíveis da obra de Umberto Eco vai neste sentido: “Então a fórmula ‘Apocalípticos e Integrados’ não sugeriria a oposição entre duas atitudes (e os dois termos que teriam valor de substantivo), mas a predição de adjetivos complementares, adaptáveis a esses mesmos produtores de uma ‘critica popular da cultura popular’.”1 Podemos retomar o contexto deste debate quando enfrentamos as discussões a respeito das inovações tecnológicas da atualidade. Discussão difícil, mas ainda necessária.

Em 2011, Nicholas Carr escreveu um livro para buscar resposta a uma pergunta: “o que a internet está fazendo com os nossos cérebros?”2 À parte o tema central do livro, o que interessa neste momento é a constatação feita pelo autor, de que estamos em plena mutação da (i) era do livro, que se iniciou por volta de 1445 com a invenção da prensa por Gutenberg (e da leitura individual e silenciosa), para a (ii) era da internet, que se iniciou na década de 90 do século XX e está em pleno desenvolvimento. Para o autor, a civilização teria vivido, até o entorno do ano de 1445, uma cultura da palavra “oral” (missas, cerimônias, cantos etc.); depois, por 500 anos, a cultura foi transmitida por meio da palavra escrita (livro, jornais etc.); e agora está em absolutamente transformação para transmissão do conhecimento por meio digital. É pouco? Não. Na ideia do autor, nossa geração

5
1 “Apocalípticos e Integrados”, Umberto Eco – Ed. Perspectiva, 7ª ed, São Paulo, 2011, p. 9. 2 “O que a internet está fazendo com os nossos cérebros: a geração superficial”, Nicholas Carr – Ed, Agir, Rio de Janeiro, 2011.

estaria em plena mutação cultural, modificando conceitos e formas de pensar arraigadas por mais de 500 anos. Palavra falada, escrita e imagem. Para cada uma destas fazes, um tipo de cultura. Constatação: estamos vivendo um novo modelo cultural, o que significa uma mudança civilizacional.

Estes dois autores citados permitem entender a razão de vivermos uma enorme insegurança neste mundo novo que nasce: o mundo tecnológico digital. Esta insegurança tem várias dimensões: vai das nossas decisões na vida pessoal (o mundo da preservação da intimidade), passa pelas novas formas de convivência social e econômica (o mundo da sociabilidade, do mercado e da defesa da privacidade) e chega ao mundo do estabelecimento das regras de convivência (o mundo do Direito propriamente dito). O livro escrito por Marcelo Chiavassa e Vitor Morais de Andrade – dois professores e pesquisadores ligadíssimos nas mudanças no mundo atual – vem ocupar o espaço de nos dar algum alento, alguma segurança jurídica, neste universo novo de relações que já vivemos, mas ainda não conhecemos. As dificuldades são grandes. Os atores fazem um alerta preliminar na introdução do livro que não deve ser olvidado:

É particularmente complexo tentar sistematizar um conteúdo tão heterogêneo. Direito Digital não é uma disciplina propriamente dita. Não é nem de direito público e nem de direito privado. Não possui princípios próprios, não possui doutrina própria. Ela é, inicialmente, o estudo de como as tecnologias vem impactando a sociedade e como o direito deve estar atento aos novos problemas que daí decorrem.

Apesar das dificuldades, Marcelo e Vitor conseguem cumprir o prometido: levantam as principais inovações tecnológicas e seus impactos no mundo do direto, sistematizam e explicam didaticamente as normas que as regulamentam, bem como apresentam os conflitos que ainda persistem, indicando caminhos para solucioná-los. Antes de tudo, é um livro útil para todos: alunos e operadores do direito. Pode ser que do ponto de vista do quadro da ciência do Direito ainda não exista a disciplina Direito Digital, mas do ponto de vista didático este recorte é muito bem-vindo. E é a formulação de boas teorias (para explicar conflitos inusitados) que acaba por fundar uma nova disciplina.

Os principais temas atuais decorrentes das relações digitais são analisados, cabendo destacar: a regulamentação da internet; as polêmicas sobre a neutralidade da rede; as dúvidas sobre as obrigações e a responsabilidade dos novos atores sociais, em especial dos provedores; o emergente comércio eletrônico; a necessária e conflituosa proteção de dados pessoais; o desejado (e talvez impossível) direito ao esquecimento; dentre outros temas relevantes. E como eles mesmo afirmam na introdução, é um manual que perpassa vários ramos do direito:

Direito Digital é uma porta que se abre em todos os outros ramos do direito (público e privado), de natureza civil, penal, trabalhista, constitucional, administra-

6

tivo, eleitoral ou tributário, e na própria segmentação de ciência humana, com impactos na economia, na antropologia, na filosofia, na sociologia e na ciência política.

Nem todos estes ramos do direito são tratados – o universo trabalhista e tributário ficou de fora -, mas existe a promessa de atualização e ampliação constante do manual. Aliás, não poderia ser de outra forma: se o mundo digital é de uma velocidade vertiginosa, a revisão de um manual como este, que agora se apresenta, deve acompanhar os ventos e ventanias que virão. Sinto avisar os autores: o trabalho apenas começou.

Tarefa árdua abordar o mundo digital do ponto de vista jurídico. Tercio Sampaio Ferraz Junior nos lembra que “no mundo virtual, é difícil conceber o tempo como um antes e um depois”3. Ocorre que toda a história tradicional do Direito é concebida como um antes e um depois, a começar pelo núcleo do nexo de causalidade. O Direito está em transformação, correndo atrás das mudanças que a sociedade já está sofrendo.

Mais difícil ainda é sistematizar didaticamente o Direito que rege o mundo virtual, ou que tenta reger, para que alunos e operadores do direito possam atuar com algum grau de segurança jurídica. Marcelo e Vitor obtiveram sucesso nesta empreitada ao lançarem um manual sobre o Direito Digital. Como já afirmei, só não imaginem que seu trabalho está acabado. Este é um livro que vai ter muitas atualizações e edição. A teoria está sendo feita e será construída no dia-a-dia.

Marcelo, professor do Mackenzie, e Vitor, professor da PUC/SP, são mestres de uma nova disciplina que poderia ser intitulada: Direito e Inovações Tecnológicas ou Direito Digital. Tudo é novo e tudo está para ser construído. Eles têm conhecimento, competência e energia para enfrentar a tarefa que se impuseram: trazer um pouco de segurança e didatismo para alunos e operadores do universo jurídico.

Sejamos apocalípticos ou integrados com o mundo futuro, pessimistas ou otimistas, vivemos neste novo mundo digital que está em mutação constante. Conhecer e divulgar as regras que o regem é mais do que urgente, é necessário.

7
3 “O Direito entre o futuro e o passado”, Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Ed. Noeses, São Paulo, 2014.

nota à PriMEira Edição

Esta obra vem sendo desenhada há 3 (três) anos, desde 2017 especificamente, quando nos sentamos para conversar sobre o plano de aula das nossas turmas de graduação na disciplina de Direito Digital.

Apesar de esquematizarmos as aulas e trocarmos materiais que havíamos desenvolvido anteriormente, a falta de conteúdo didático e organizado a ser disponibilizado aos alunos dificultava bastante a nossa ideia de levar debates para as salas de aula.

Até mesmo para nós o desafio era parecido, na medida em que bons conteúdos organizados (e com os temas que gostaríamos de abordar) eram quase inexistentes. Foi necessário acompanhar as discussões em fóruns de tecnologia e ficar atento ao noticiário. Não à toa que grande parte do conteúdo que organizamos para repassar aos alunos era formado de notícias em jornais/revistas.

Muita coisa aconteceu nestes últimos 3 (três) anos. Mais doutrinas (e boas) surgiram nesse período, mas a dificuldade de organizar tudo isso continua existindo. Excelentes artigos e obras foram lançadas; em grande parte monografias sobre um ponto específico, e quase nada propondo a sistematização e organização do conteúdo da forma como gostaríamos.

Enquanto isso, a ideia original ganhou corpo, páginas, capítulos e novos temas. A obra ficou finalmente pronta para a finalidade que havíamos pensado, embora muita coisa ainda precisemos fazer para deixá-la da maneira como imaginamos.

Para que fosse possível atingir o resultado que hoje se vê, precisamos agradecer as pessoas que nos ajudaram direta ou indiretamente. De maneira mais próxima e direta, agradecemos ao Fernando Henrique Anadão Leandrin, a Lygia Maria Moreno Molina e Stella He Jin Kim, pelos debates e conversas que tivemos ao longo dos anos e pelas valorosas contribuições, principalmente em temas vinculados à estrutura da rede e à proteção de dados pessoais. Agradecemos, ainda, a Fabiana Reis e Alessandra Noel Miasato pela ajuda na atualização do conteúdo que ficou defasado por conta dos três anos de desenvolvimento da obra e a Maria Clara Giassetti, pelo auxílio na criação das imagens utilizadas na obra.

É particularmente complexo tentar sistematizar um conteúdo tão heterogêneo. Direito Digital não é uma disciplina propriamente dita. Não é nem de direito público e nem de direito privado. Não possui princípios próprios, não possui doutrina própria. Ela é, inicialmente, o estudo de como as tecnologias

8

vem impactando a sociedade e como o direito deve estar atento aos novos problemas que daí decorrem.

Direito Digital é uma porta que se abre em todos os outros ramos do direito (público e privado), de natureza civil, penal, trabalhista, constitucional, administrativo, eleitoral ou tributário, e na própria segmentação de ciência humana, com impactos na economia, na antropologia, na filosofia, na sociologia e na ciência política.

Por toda essa riqueza e áreas impactadas, é praticamente impossível conseguir falar sobre tudo e nós sequer temos essa pretensão. Nossa formação – acadêmica e profissional – em direito civil, constitucional, consumidor e também em regulação de novas tecnologias, é o primeiro e principal limitador.

A obra, desta forma, é mais focada nos aspectos que nos são mais próximos, e infelizmente ignora (ao menos por ora) questões envolvendo o direito tributário e trabalhista, por exemplo.

Ainda assim, esperamos conseguir cumprir o objetivo inicial de oferecer um conteúdo organizado e qualificado, que sirva como base de apoio para, ao menos, as disciplinas que lecionamos, ou para quem deseja iniciar o estudo sobre este espinhoso mundo da Internet.

Cada capítulo corresponde a um tópico de nossos cursos de graduação. O ponto de partida, não poderia ser diferente, é a sociedade da informação e as mudanças sociais dos últimos quarenta anos.

Na sequência, a necessária compreensão sobre o histórico e desenvolvimento da Internet, além das noções basilares de seu funcionamento, passando pela gestão da infraestrutura da rede na esfera internacional e no Brasil.

O terceiro capítulo fala sobre os diferentes modelos de regulação do ambiente virtual e os marcos regulatórios brasileiros sobre a temática.

O quarto capítulo é integralmente destinado à análise do princípio da neutralidade da rede, inclusive em relação aos recentes episódios ocorridos nos EUA.

O quinto capítulo apresenta os atores da Internet, ou seja, as figuras sem as quais a Internet não existiria da forma como conhecemos hoje, que são chamados de provedores (backbone, acesso/conexão, provedores de aplicações na Internet), e a função desempenhada por cada um deles.

As obrigações e responsabilidade destes provedores é temática afeita ao capítulo sexto, inclusive com a análise da regulação norte-americana e europeia. Neste capítulo, apresentamos discussões envolvendo “fake news”, discurso de ódio, direitos autorais na Internet, dentre outros diversos temas.

O capítulo sétimo é dedicado ao estudo dos documentos digitais e das assinaturas eletrônicas (firma digital). Aqui serão abordados temas como cripto-

9

grafia, certificado digital, validade dos documentos eletrônicos e a Infraestrutura de chaves públicas brasileira (ICP-Brasil).

Comércio eletrônico é o mote do oitavo capítulo, com a análise da legislação de regência e foco nos chamados “marketplaces” que hoje respondem por grande parte do comércio eletrônico. Será analisada, ainda, a recente Diretiva Europeia sobre Marketplaces que traz regras interessantes sobre o tema.

A temática da proteção de dados (capítulo nono) e da privacidade (capítulo décimo) não podem ficar de fora de nenhum estudo que se proponha a falar sobre direito digital. A discussão é farta e cheia de problemas práticos. Nestes capítulos, debatemos temas como sociedade da vigilância, a legislação europeia e brasileira sobre proteção de dados, a evolução do direito à privacidade e a necessidade de se repensar a tutela da privacidade no ambiente digital, com importante papel a ser desempenhado pela autonomia e controle dos dados pessoais pelos respectivos titulares.

Direito ao esquecimento é o mote do capítulo onze, com a diferenciação entre desindexação, cancelamento de dados pessoais, esquecimento em senso estrito e desvinculação.

O capítulo doze analisa a questão da sucessão dos bens virtuais, inclusive com o resultado de interessante pesquisa realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie sobre leis (brasil e exterior), jurisprudência (brasileira e estrangeira) e análise dos termos de uso de algumas plataformas eletrônicas.

O último capítulo – ainda inacabado como ideia – envolve a análise de temas específicos e afetos às novas tecnologias. Até o fechamento desta edição, conseguimos concluir apenas o capítulo destinado à regulação dos drones, mas eventuais futuras edições deverão trazer novidades.

Obviamente que muitos temas não foram abordados, e nem teria como ser diferente, haja vista a velocidade com que as mudanças sociais vêm ocorrendo nos últimos anos. Até mesmo por isso que julgamos mais adequado criar um manual sobre o conteúdo básico de um curso de graduação (semestral) e introdutório aos que desejam se aventurar na área. Tentaremos suprir as lacunas no futuro, se for possível.

Por fim, agradecemos à Tirant Lo Blanch Brasil e à nossa editora Aline Gostinski, por acreditar na obra e publicá-la em um espaço de tempo tão curto.

São Paulo, 12 de abril de 2020 (Páscoa), os autorEs.

10

nota à sEGunda Edição

Dois anos se passaram desde a primeira edição. Dois anos em que praticamente o mundo parou, refém de uma pandemia sem precedentes no último século. Nesse curto (do ponto de vista histórico) período de tempo, percebemos o quanto somos (cada vez mais) reféns da tecnologia.

Alunos que não tinham como estudar sem acesso à Internet. Pessoas desbancarizadas em filas gigantescas para sacar auxílio-emergencial, enquanto não abriam suas contas digitais. Empresas e escritórios que se tornaram dependentes de plataformas de comunicação virtual. Multiplicação de assinaturas eletrônicas em quase todo e qualquer tipo de contrato. Digitalização acelerada de serviços públicos, como única ferramenta para tentar normalizar a emissão de documentos. Plataformas de streaming que bateram recordes de receitas e tomaram o espaço que antes pertencia aos cinemas, aos shows e aos teatros. Novos sistemas de transferência eletrônica de dinheiro (PIX) e multiplicação das carteiras digitais. Plataformas de marketplace que se tornaram peças centrais em um mundo onde as pessoas evitavam ir ao mercado e no qual as lojas/ shoppings não podiam funcionar. Empresas que, ao final da pandemia, aboliram de vez o trabalho presencial. Regulação da Telemedicina e do Teletrabalho, como ferramentar importantes no contexto da pandemia. Proliferação das NFTs. Debates sobre metaverso.

A tecnologia se tornou parte essencial das nossas vidas, mostrando e afirmando a sua importância indelével. O mundo provavelmente retomará a sua normalidade e perante o universo, nada de muito significante aconteceu. Para quem gosta e estuda impacto tecnológico, entretanto, muita coisa aconteceu; basicamente em todas as áreas da ciência humana.

A segunda edição deste livro traz em seu bojo boa parte dos impactos jurídicos trazidos pela pandemia, especialmente voltada na temática de privacidade e proteção dos dados pessoais. Não é, caro leitor, o que imaginávamos de uma segunda edição há 2 anos, quando falávamos em abordar outras áreas que haviam ficado de fora da primeira edição. Preferimos analisar as consequências da pandemia, que foram muitas e bastante significativas.

Neste curto período de tempo, muita coisa relevante aconteceu: vigência da ANPD, proteção de dados ocmo direito fundamental, decisões relevantes do STF a respeito de privacidade, proteção de dados e direito ao esquecimento, além de significativas alterações na temática de assinaturas eletrônicas. Tentamos contar um pouco dos impactos destes eventos nesta segunda edição.

11

Agradecemos pelo carinho com que a obra foi recebida pelo mercado e por nossos alunos, que fizeram com que ela se esgotasse por completo mesmo em um cenário tão complexo do ponto de vista social e econômico. Agradecemos, também, quem nos auxiliou com importantes feedbacks a respeito da primeira edição. Por fim, agradecimentos especiais a Alessandra Noel Miasato e Fabiana Aparecida dos Reis, que nos auxiliaram com a pesquisa e revisão de toda a obra. Esperamos que a obra esteja à altura de nossos leitores e que possa continuar a cumprir o seu papel de conduzir o estudo nessa tão complexa área da ciência humana.

São Paulo, 26 de dezembro de 2022, os autorEs

12
PrEFácio ............................................................................................................. 5 Marcelo Gomes Sodré nota à PriMEira Edição ....................................................................................... 8 os Autores nota à sEGunda Edição ..................................................................................... 11 os Autores 1. sociEdadE da inForMação ............................................................................. 17 1.1. As mudanças sociais .................................................................................................. 20 1.2. A sociedade da vigilância e sociedade da classificação ................................................. 24 2. intErnEt ....................................................................................................... 26 2.1. Histórico ................................................................................................................... 28 2.2. ICANN .................................................................................................................... 32 2.2.1. Histórico 34 2.2.2. Órgãos vinculados ao ICANN ............................................................................. 35 2.2.2.1. IETF 35 2.2.2.2. W3C .............................................................................................................. 37 2.3. Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.BR) ......................................................... 37 2.3.1. Histórico ............................................................................................................. 39 2.3.2. Órgãos vinculados................................................................................................ 40 2.3.2.1. NIC.BR 40 2.3.2.2. REGISTRO.BR ............................................................................................. 41 2.3.2.3. CERT.BR ....................................................................................................... 42 2.3.2.4. CETIC.BR ..................................................................................................... 42 2.3.2.5. CEPTRO.BR ................................................................................................. 43 2.3.2.6. CEWEB.BR 43 2.3.2.7. IX.BR ............................................................................................................. 44 2.3.2.8. W3C.BR 44 2.4. IANA, DOMÍNIO E DNS ...................................................................................... 45 2.4.1. ICANN, IANA e a tutela jurídica dos domínios .................................................. 47 2.4.2. CGI.BR e a tutela jurídica dos domínios 48 3. rEGuLação da intErnEt................................................................................. 52 3.1. Principais marcos regulatórios especiais que tutelam a internet no Brasil ................... 59 4. nEutraLidadE da rEdE .................................................................................. 63 4.1. O caso EUA e a neutralidade da rede 67 5. ProvEdorEs dE intErnEt ............................................................................... 70
suMário
5.1. Provedores de backbone 71 5.2. Provedores de acesso/conexão .................................................................................... 72 5.3. Provedores de hospedagem 75 5.4. Provedores de aplicações na internet .......................................................................... 76 6. obriGaçõEs E a rEsPonsabiLidadE dos ProvEdorEs dE intErnEt no brasiL ...... 77 6.1. Obrigações e responsabilidade civil dos provedores de conexão no Brasil ................... 79 6.2. Obrigações dos provedores de aplicação no Brasil ...................................................... 80 6.2.1. Responsabilidade por conteúdo próprio 81 6.2.2. Responsabilidade por conteúdo gerado por terceiros ............................................ 82 6.2.3. Responsabilidade dos provedores de busca 95 6.2.4. Responsabilidade dos usuários pelos “posts”, vídeos, compartilhamentos e opções de “curtir” 96 6.2.5. Responsabilidade na postagem e/ou compartilhamento de conteúdo que viole direitos autorais 99 6.2.6. Responsabilidade dos usuários por “hate speech” (discurso de ódio) ................... 102 6.2.7. Responsabilidade dos estabelecimentos comerciais que permitem a seus clientes acessarem a internet através da rede wi-fi ...................................................................... 105 6.2.8. Responsabilidade decorrente de criação e compartilhamento de “notícia fraudulenta” ................................................................................................................. 106 6.3. Da requisição judicial de registros pela parte interessada .......................................... 115 6.4. Padrões de segurança e sigilo dos registros, dados pessoais e comunicações privadas dos usuários .......................................................................................................................... 115 6.5. Obrigações e a responsabilidade dos provedores de internet na União Europeia....... 117 6.6. Obrigações e a responsabilidade dos provedores de internet nos Estados Unidos da América ......................................................................................................................... 122 6.7. Obrigações e a responsabilidade dos provedores de internet na Índia ...................... 123 6.8. Obrigações e a responsabilidade dos provedores de internet na Austrália 124 7. docuMEntos diGitais E FirMa diGitaL .......................................................... 127 7.1. Infra-estrutura de chaves públicas brasileira (ICP-Brasil) e a MP nº 2200-2/2001 136 7.2. Elaboração e arquivamento de documentos eletrônicos (lei nº 12.682/2012 e decreto nº 10.278/2020) ............................................................................................................ 140 7.3. Uso de assinatura eletrônica para criação de projetos de lei de iniciativa popular ..... 141 8. coMércio ELEtrônico ................................................................................. 148 8.1. Comércio eletrônico, relação de consumo, relação cível e relação empresarial .......... 150 8.2. Decreto nº 7962/2013 e o comércio eletrônico 151 8.3. Marco civil da internet e o comércio eletrônico ....................................................... 152 8.4. Lei estadual nº 13.747/2009 de São Paulo (“lei da entrega”) ................................... 153 8.5. Breve análise do PLS 281/2012 sobre comércio eletrônico ...................................... 154 8.6. Comércio Eletrônico Internacional ......................................................................... 159 8.7. Ferramentas de tutela do comércio eletrônico pela administração pública – PROCONSP e Ministério da Justiça .................................................................................................... 168
8.8. Modalidades de comércio eletrônico e a responsabilidade civil dos players na relação de consumo ........................................................................................................................ 169 8.8.1. Compra direta em sítios eletrônicos de fornecedor brasileiro 169 8.8.2. Compra direta em sítios eletrônicos de fornecedor estrangeiro ........................... 169 8.8.3. Shoppings virtuais - marketplaces 170 8.8.4. Compras coletivas .............................................................................................. 175 8.8.5. Clubes de desconto ............................................................................................ 177 8.9. Obrigações e a responsabilidade dos provedores de internet que trabalham com a intermediação profissional em linha – regulamento ue 2019/1150 do parlamento europeu e do conselho ................................................................................................................. 179 9. ProtEção dE dados – PanoraMa GEraL......................................................... 183 9.1. Regulamento geral de proteção de dados da União Europeia (GDPR) – regulamento nº 679/2016 da União Europeia 189 9.1.1. Objetivos e aplicação extraterritorial .................................................................. 189 9.1.2. Algumas definições importantes sobre dados pessoais ......................................... 190 9.1.3. Reflexões sobre o consentimento a ser dado pelo titular dos dados pessoais ........ 192 9.1.4. Direitos dos titulares dos dados pessoais ............................................................. 193 9.1.5. Segurança na atividade de coleta e tratamento de dados pessoais 195 9.1.6. A função do encarregado da proteção dos dados ................................................ 196 9.1.7. Códigos de conduta e de certificação: governança corporativa ............................ 197 9.1.8. Transferência internacional de dados pessoais ..................................................... 198 9.1.9. Responsabilidade civil e reparação dos danos ..................................................... 199 9.2. Regulamento nº 1725/2018 da União Europeia 199 9.3. Lei geral de proteção de dados do Brasil - (LGPD) .................................................. 202 9.3.1. Aplicação 203 9.3.2. Princípios........................................................................................................... 204 9.3.3. Bases legais - requisitos para tratamento de dados pessoais ................................. 208 9.3.4. Categorias especiais de dados pessoais ................................................................ 214 9.3.5. Direitos dos titulares .......................................................................................... 216 9.3.6. Agentes de tratamento 217 9.3.7. Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) ............................ 218 9.3.8. Competências da ANPD ................................................................................... 221 9.3.9. Sanções e responsabilidade ................................................................................. 221 9.3.10. Boas práticas .................................................................................................... 222 9.3.11. Vigência 222 9.4. Cadastro base do cidadão e o comitê central de governança de dados ...................... 224 9.5. Lei do Cadastro Positivo 226 9.6. Dados abertos ......................................................................................................... 230 9.6.1. Regulação no Brasil ............................................................................................ 231 9.6.2. PL nº 317/2021, lei nº 14.129/2021 e o governo digital.................................... 234 9.7. Califórnia Consumer Privacy Act (CCPA) .............................................................. 236
9.8. Safe harbour agreement e privacy shield 238 9.9. Open banking ......................................................................................................... 241 9.10. Proteção de dados e pandemia 245 9.10.1. Ásia.................................................................................................................. 246 9.10.2. América Latina e América do Norte ................................................................. 249 9.10.3. Oriente Médio e África .................................................................................... 252 9.10.4. Europa ............................................................................................................. 255 10. PrivacidadE diantE das PErsPEctivas atuais ............................................... 259 10.1. A doutrina de Samuel Warren e Louis Brandeis diante das novas tecnologias ........ 261 10.2. A privacidade no Século XX 264 10.3. A privacidade diante das novas tecnologias ............................................................ 267 A. O Caso Target ......................................................................................................... 268 B. Privacidade e reconhecimento facial......................................................................... 270 C. IOT (internet das coisas) e os brinquedos com acesso à internet .............................. 276 D. O sistema de “score” (pontuação) chinês 277 10.4 a privacidade na sociedade da vigilância e na sociedade da classificação: o homem de vidro 279 10.5. Marco civil da internet e a tutela do direito à privacidade ...................................... 284 11. dirEito ao EsquEciMEnto.......................................................................... 289 12. sucEssão dE bEns virtuais .......................................................................... 303 12.1. Introdução e problemática 303 12.2. Análise de problemas jurídicos comuns ................................................................. 305 A. Sucessão do correio eletrônico ................................................................................. 305 B. Sucessão dos perfis em redes sociais ......................................................................... 306 C. Sucessão das músicas, vídeos e livros........................................................................ 308 D. Sucessão dos documentos na nuvem 310 12.3. As disposições de última vontade e os bens virtuais ............................................... 312 12.4. Projetos de lei sobre o tema 313 12.5. Legislações ao redor do mundo ............................................................................. 314 12.6. Conclusão ............................................................................................................. 315 13. dronEs: aEroModELos E aEronavEs rEMotaMEntE triPuLadas (rPa) .......... 318 13.1. Regulação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) .................................... 321 13.1.1. Regulação dos aeromodelos .............................................................................. 322 13.1.2. Regulação das aeronaves remotamente pilotadas (RPA) .................................... 323 13.2. Regulação do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) 325 13.3. Regulação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) ......................... 326 rEFErências bibLioGráFicas ............................................................................. 328

1. sociEdadE da inForMação

A sociedade mudou muito desde a segunda metade do século XX. Este fenômeno começou a ser observado no final da década de 60 e início da década de 70, principalmente através das obras de Alan Touraine1 e Daniel Bell2, que perceberam como o acúmulo das informações propiciadas pelas novas tecnologias influenciava nas relações de poder3. Mais do que isso, perceberam uma mudança social radical, a que eles chamaram de Sociedade Pós-Industrial, na medida em que rompia com as características sociais delimitadas pela Segunda Revolução Industrial (os empregos em serviço – cientistas e engenheiros, principalmente - pela primeira vez superaram os empregos na indústria4).

Ainda faltava, contudo, um segundo elemento objetivo para que esta sociedade pós-industrial se estabelecesse como sociedade da informação (ainda que muitos autores tenham dúvidas sobre a nomenclatura desta nova sociedade5): o avanço tecnológico por intermédio de sistemas computadorizados que permitissem coletar e tratar todas as informações existentes desde o início da humanidade. Este segundo passo foi possível com o advento da Internet comercial, nos idos da década de 80.

Desta forma, parece ser possível afirmar que essa ideia da sociedade da informação se estabeleceu com suas caraterísticas atuais no final da década de 80 e início da década de 906, quando muito se debatia sobre o impacto dos rápidos e crescentes avanços tecnológicos na sociedade que seria moldada no futuro.

Este movimento, contudo, parece ter se iniciado nas grandes empresas privadas - bancos e seguradoras, principalmente - e organizações estatais, que

1 La Société post-industrielle.

2 The Coming of Post Industrial Society.

3 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios Constitucionais do Direito da Sociedade da Informação. São Paulo: Saraiva, 2015, pag. 16.

4 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios Constitucionais do Direito da Sociedade da Informação. São Paulo: Saraiva, 2015, pag. 16.

5 “O que mais chama a atenção nas tentativas de abordagem da mudança social que estaríamos experimentando é sua variedade, não havendo consenso entre diferentes autores sequer a respeito da nomeação mais apropriada para definir o fenômeno. Ao se tentar abordá-lo, a ênfase geralmente recai, – nos discursos acadêmicos ou não –, sobre efeitos de marcas ou sinais percebidos da mudança. Já se tornou lugar comum (ORTIZ, 1994; IANNI, 1996) a alusão à confusão de ênfases e de significados na nomeação da mutação social percebida: sociedade pós-industrial (BELL, 1973), terceira onda (TOFFLER, 1980), sociedade informática (SHAFF, 1986; NORA, MINK, 1980), sociedade pós-capitalista ou do conhecimento (DRUCKER, 1994), sociedade da pós-informação ou digital (NEGROPONTE, 1995), sociedade informacional (CASTELLS, 1999).” (NEHMY, Rosa Maria Quadros. PAIM, Isis. Repensando a sociedade da informação. Perspect. cienc. inf., Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 10/11, jan./jun. 2002.)

6 OLIVEIRA, José Palazzo Moreira de. Informação, informática e sociedade. In Informação: Saber e Mudança, vol 8, nº 4, out/dez 1994, pag. 35. Também encontrado em http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/ v08n04/v08n04_06.pdf - acessado em 09.08.2017

17

visavam implementar e simplificar os processos de manipulação da incrível quantidade de dados (informação) que eles dispunham7. Com o surgimento dos computadores e das redes locais e públicas de transmissão de dados, estas empresas conseguiram mudar completamente este processo de manipulação da informação, que agora estavam confinados em banco de dados que poderiam ser acessados em qualquer local do planeta8.

José Palazzo Moreira de Oliveira, em 1994, já reconhecia9 que o desenvolvimento explosivo da tecnologia (informática) propiciava “uma das mais espetaculares transformações nas estruturas sociais” que a civilização humana já havia experimentado, ainda que não fosse possível prever, em 1994, até onde ela nos levaria.

A mudança social já identificada naquela época guardava estreita ligação com o armazenamento e tratamento de uma incrível quantidade de dados (informação) no ambiente eletrônico. Nunca antes a Humanidade conseguiu reunir e processar informação com tanta facilidade e velocidade, e isto trouxe reflexos imediatos na maneira como as pessoas passaram a se portar diante desta massiva quantidade de informações10.

Uma boa síntese desta sociedade da informação é descrita por Luís Manuel Borges Gouveia, para quem esta nova sociedade está baseada nas tecnologias de informação e comunicação que envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios electrónicos, como a rádio, a televisão, telefone e computadores, entre outros. Estas tecnologias não transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus contextos sociais, económicos e

7 OLIVEIRA, José Palazzo Moreira de. Informação, informática e sociedade. In Informação: Saber e Mudança, vol 8, nº 4, out/dez 1994, pags. 35/36. Também encontrado em http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/ v08n04/v08n04_06.pdf - acessado em 09.08.2017

8 “Os dados são mantidos em bancos de dados e o acesso aos mesmos é realizado através de estações de trabalho interligadas em rede. Este acesso pode, ainda, ser realizado por unidades portáteis conectadas ao banco de dados por linhas discadas. Utilizando-se destas possibilidades, um cliente é atendido no escritório, em sua própria organização ou mesmo em casa.” (OLIVEIRA, José Palazzo Moreira de. Informação, informática e sociedade. In Informação: Saber e Mudança, vol 8, nº 4, out/dez 1994, pag. 36. Também encontrado em http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v08n04/v08n04_06.pdf - acessado em 09.08.2017

9 OLIVEIRA, José Palazzo Moreira de. Informação, informática e sociedade. In Informação: Saber e Mudança, vol 8, nº 4, out/dez 1994, pag. 36. Também encontrado em http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/ v08n04/v08n04_06.pdf - acessado em 09.08.2017

10 “O desenvolvimento das tecnologias de armazenamento e processamento da informação tornou-se um elemento de transformação radical no relacionamento do homem com o seu meio cultural. A difusão destas tecnologias, nos mais diferentes contextos socioculturais, e suas aplicações na produção permitem caracterizar o desencadeamento de mais uma revolução tecnológica no desenvolvimento das sociedades. O processo de automação do trabalho humano foi iniciado pelas atividades mais imediatamente perceptíveis e passíveis de estudo: a modificação dos bens materiais. À medida que a sociedade tornou-se mais complexa, a automação dos processos de tratamento da informação passou a ser uma necessidade. Atualmente, o maior recurso da humanidade é o acervo de informações acumuladas. Entretanto, a crescente velocidade das inovações tecnológicas e o desenvolvimento da produção intelectual tornam o conhecimento um produto rapidamente perecível e de difícil localização. A queda dos custos e a consequente disseminação da informática e das redes de comunicação são os elementos básicos para permitir o acesso à informação a amplos setores da comunidade. O aumento do nível de conhecimento fortalece a participa- ção e a produtividade das pessoas. Esta é a transformação essencial que estamos presenciando neste final de século. É o fator que desencadeou a atual revolução tecnológica.” (OLIVEIRA, José Palazzo Moreira de. Informação, informática e sociedade. In Informação: Saber e Mudança, vol 8, nº 4, out/dez 1994, pag. 38. Disponível em: <http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/ v08n04/v08n04_06.pdf>. Acesso em: 09 de ago. 2017.).

18

políticos, criando uma nova comunidade local e global: a Sociedade da Informação.11

Nesta nova sociedade, o objeto de consumo não é um bem material, mas sim a informação12, o que se torna de fácil compreensão quando analisamos o crescimento exponencial do conglomerado do Google através do controle de informações ao redor de todo o globo terrestre13.

O século XXI tem se caracterizado pelo incremento das tecnologias de comunicação (telefone, voip, e-mails, mensagens instantâneas via aplicativos, internet, etc), que permitem a volta ao mundo em centésimos de segundos.

Os atores desta nova sociedade são exatamente os usuários destes serviços. É, portanto, um espaço democrático, na medida em que todos são leitores e distribuidores de conteúdo informacional; daí a se dizer que a Internet é um sistema que se retroalimenta dos próprios usuários, tendo como consequência que qualquer usuário pode disponibilizar e consumir conteúdo digital através da rede mundial de computadores14.

Este pretenso cenário de democracia e de igualdade na rede mundial de computadores15 pode, em contrapartida, ajudar a aumentar a desigualdade social, o que é alvo de medidas de políticas públicas ao redor do mundo. Em pleno século XXI, quem não tem acesso à Internet - seja por falta de infraestrutura adequada, seja por incapacidade de utilização destas novas tecnologias - está alijado do universo. O cenário é tão crítico que a Organização das Nações Unidas declarou, em 2011, que o acesso à Internet é um direito inerente à Humanidade, e que sua violação fere os Direitos Humanos16.

11 GOUVEIA, Luís Manuel Borges. Notas de contribuição para uma definição operacional. 2014. Disponível em: <http://www2. ufp.pt/~lmbg/reserva/lbg_socinformacao04.pdf>. Acesso em: 11 de ago. 2017.

12 REIS, Margarida Maria de Oliveira. CASTRO, Gardenia de. As rupturas tecnológicas na sociedade da informação. In Revistas ACB, vol. 9, nº1, 2004 Disponível em: <https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/408/515>. Acesso em: 11 de ago. 2017.

13 “Num mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é poder”. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século XXI. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, pag. 11.

14 “A arquitetura unidirecional dos fluxos de informação dos mass media é alterada para uma arquitetura distribuída, com conexões multidirecionais entre todos nós, formando um ambiente de elevada interatividade e de múltiplos informantes interconectados. A segunda diferença ocorre nos custos para tornar-se um falante ou emissor. O ambiente das redes digitais elimina os custos de comunicação como barreiras para falar e propagar suas mensagens. Essas características, para Benkler, alteram a capacidade dos indivíduos, sozinhos ou em coletivos, tornarem-se ativos participantes da esfera pública. O exame da aplicação desse ambiente ou ecossistema de redes informacionais na produção da esfera pública sugere que a emergência dessa esfera enredada possui um potencial democrático muito maior do que a esfera pública dominada pelo mass media comerciais.” (SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Convergência Digital, diversidade cultural e esfera pública. In Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder. Orgs. Newton De Luca Pretto e Sérgio Amadeu da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008, posição 446/451- Kindle.).

15 “O uso da tecnologia eleva o padrão de vida e reduz as desigualdades; define uma nova forma de racionalidade funcional modificando os modelos educacionais e, revolucionando os transportes e as comunicações, cria novos tipos de relações e de interdependência econômica. A tecnologia, enfim, modifica a percepção do espaço e tempo.” (REIS, Margarida Maria de Oliveira. CASTRO, Gardenia de. As rupturas tecnológicas na sociedade da informação In Revistas ACB, vol. 9, nº1, 2004 Disponível em: <https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/408/515>. Acesso em: 11 de ago. 2017.).

16 ONU afirma que acesso à internet é um direito humano. G1: 03 de jun. 2011. Disponível em:<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/06/onu-afirma-que-acesso-internet-e-um-direito-humano.html>. Acesso em: 19 de ago. 2017.

19

Esta revolução tecnológica atrelada à informação – comparada em importância apenas com a descoberta do manejo do fogo e com a Revolução Industrial17 – foi destacada por Pierre Lévy em sua construção sobre a inteligência coletiva18. Para ele, a inteligência coletiva é a chave para compreendermos esta nova sociedade. Quando várias inteligências individuais são compartilhadas, “resultando em uma mobilização efetiva de conhecimento e competências”19, estar-se-á diante da chamada “inteligência coletiva”. É por meio dela que atualmente partilhamos a memória, a percepção, e a imaginação, permitindo, desta forma, uma rede de trocas de experiências e conhecimentos de forma coletiva e universal20. Assinala Pierre Lévy que “a inteligência do todo não resulta mais mecanicamente de atos cegos e automáticos, pois é o pensamento das pessoas que pereniza, inventa e põe em movimento o pensamento da sociedade.”21

Esta nova sociedade transformou o mundo e seus mais de 200 (duzentos) países e territórios em uma grande aldeia (“aldeia global”22), pois diminuiu as distâncias de deslocamento da informação, fazendo com que um evento que ocorra do outro lado do globo terrestre seja imediatamente percebido por todos. A conexão das pessoas torna a informação instantânea, gerando a sensação de que a distância entre uma parte do globo e outra seja igual àquela entre duas pessoas que conversam no mesmo cômodo de uma casa.

1.1. as Mudanças sociais

O advento dos computadores, da Internet e das novas tecnologias ligadas a eles marcaram o mundo de maneira indelével. A facilidade de armazenamento e maior processamento de dados propiciada pelo computador implicou na automação dos postos de trabalho, na facilidade de obter conhecimento e na possibilidade ímpar de reler e reinterpretar a sociedade humana (passada e presente). A Internet, por seu turno, fez o mote da obra-prima de Júlio Verne (“Volta ao mundo em oitenta dias”) ser incompreensível para a geração atual. A sociedade da informação é marcada pela facilidade e velocidade da comunicação – prati-

17 REIS, Margarida Maria de Oliveira. CASTRO, Gardenia de. As rupturas tecnológicas na sociedade da informação. In Revistas ACB, vol. 9, nº1, 2004. Disponível em: <https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/408/515>. Acesso em> 11 de ago. 2017.

18 LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2007.

19 REIS, Margarida Maria de Oliveira. CASTRO, Gardenia de. As rupturas tecnológicas na sociedade da informação. In Revistas ACB, vol. 9, nº1, 2004. Disponível em: <https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/408/515>. Acesso em> 11 de ago. 2017.

20 REIS, Margarida Maria de Oliveira. CASTRO, Gardenia de. As rupturas tecnológicas na sociedade da informação. In Revistas ACB, vol. 9, nº1, 2004. Disponível em: <https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/408/515>. Acesso em> 11 de ago. 2017.

21 LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2007, pag. 31.

22 Expressão criada pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan em sua obra “A galáxia de Gutenberg”, de 1962.

20

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.