Terminal Rodoviário Rita Maria

ARQ5612 - TEORIA E ESTÉTICA DO PROJETO

CAMILA GONÇALVES ABAD 12100694

JÚLIA ZIBETTI MATUELLA VEIGA 13100712

Projeto: 1976 Inauguração: 1981 Equipe: Enrique Hugo Brena, Yamandu J. Carlevaro, (colaboração: Ricardo Monti).

Primeiro terminal brasileiro a seguir as determinações do Manual de Implantação de Terminais Rodoviários de Passageiros (MITERP), o Terminal Rodoviário Rita Maria é de autoria dos arquitetos uruguaios Enrique Hugo Brena e Yamandú Carlevaro. Seu nome é uma homenagem à Rita Maria, mulher negra, filha de escravos, que morava na cabeceira da ponte Hercílio Luz, acolhia e curava os que por ali passavam. Foi projetado em 1976 em meio à ditadura militar e logo após o milagre econômico e levava consigo cunho monumental. Monumental por seu porte, por sua arquitetura, por sua localização. Monumento que vinha como protótipo das regras então implantadas no país.

Protótipo monumentado que, em sua excelência, também mostrou suas falhas. Hoje, 40 anos após a data de projeto, nos faz entender que a apropriação pelos usuários é aspecto fundamental a ser levado em consideração na concepção de uma obra arquitetônica.

Implantação Com localização privilegiada na cidade de Florianópolis, está situado na região central, à cabeceira das pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Salles, pontos principais (e únicos em via terrestre) de conexão ilha Brasil. Em consequência, é circundado pelas principais vias de acesso à cidade, no entanto, não faz boa conexão com a maioria. Sua conexão direta dá-se através da chegada e partida de ônibus, aspecto positivo e muito bem estruturado. Já as conexões a pé e via transporte público são deixadas de lado. O acesso de pedestres se dá unicamente no sentido leste-oeste pela passarela que transpassa a Av. Paulo Fontes, e pelo acesso que liga, precariamente, o Terminal de Integração do Centro (TICEN) ao Terminal Rodoviário Rita Maria. Não há conexão direta de pedestres no sentido transversal já que, além das vias de trânsito rápido cortando este sentido, os grandes recuos desconectados do entorno e um estacionamento logo à frente distanciam ainda

mais o monumento da cidade. Fica então o questionamento: se um terminal rodoviário transporta passageiros que deslocam-se através de ônibus, qual o motivo de não permitir um fluxo fácil a estes que, desprovidos de meios de transporte privados, chegam e partem da cidade?

Ainda sobre a implantação, um aspecto positivo a ser ressaltado trata sobre os recuos existentes entre a obra e as vias que o margeiam bem como a percepção da monumentalidade da arquitetura trazida por eles.

Desde os tempos da arquitetura colonial brasileira entende-se que a monumentalidade recebe maior ênfase quando destaca-se do entorno, e é assim que o terminal rodoviário se mostra a quem por ele passa. Por outro lado, este aspecto sofre pela falta de articulação das vias da cidade com seus cidadãos. Há a percepção de monumento e há também um grande distanciamento e barreiras a serem vencidas para que nele cheguemos.

Volumetria, disposição interna e fluxos O Terminal Rodoviário tem na horizontalidade o aspecto mais forte de sua volumetria. Desenvolvido através de uma forma retangular bruta, conta com dois níveis internos: o andar térreo e o mezanino. A porção térrea do edifício comporta as funções primordiais da rodoviária: de um lado o desembarque e no seu extremo oposto o embarque, separados por uma área central de serviços. Deste nível saem as escadas que dão acesso ao mezanino, projetado para abrigar as funções adicionais do complexo, como galeria de arte, administração e também área de alimentação.

A cobertura do Terminal é outra característica essencial à sua volumetria impactante. Desenvolvendo-se em um componente contínuo e padronizado, parece estar pousando sobre sua estrutura de pilares e assim conforma um amplo espaço interno livre e desimpedido.

Internamente, a circulação principal se dá por um eixo longitudinal que atravessa horizontalmente toda a extensão da rodoviária, fazendo a ligação entre o embarque, serviços e o desembarque. Cortando esse eixo há dois transversais que ligam as partes externas com ambos os portões de embarque e desembarque.

Estética Fachadas O contraste visual passado pelo Terminal ao observador que o contempla do lado de fora deve-se em boa parte à grande quantidade empregada de dois materiais bastante distintos: o concreto e o vidro. Com suas fachadas norte e sul predominantemente envidraçadas em contraposição às leste e oeste, o eixo visual longitudinal é o que carrega a ideia de permeabilidade, com aberturas (estas, relativamente pequenas se comparadas à imponência da obra) que dão acesso ao interior da rodoviária. No entanto, um desequilíbrio é facilmente percebido quando analisamos as quantidades utilizadas para cada material. A intenção de permeabilidade, como dito anteriormente, se dá pelas grandes peles de vidro fumê que fazem o fechamento da rodoviária, porém estas extensas camadas de vidro transmitem também o sentimento de invasão. Sensorialmente falando, quando estamos dentro da obra arquitetônica, sentimos como se ainda estivéssemos do lado de fora. Não há uma sensação completa de “estar dentro da obra”. Em contrapartida, quando se está do lado de fora, o vidro fumê não deixa ver o que há dentro. Assim compreendemos que sensação de “estar fora” acontece em sua plenitude, e é somada à curiosidade causada pelos vidros não-translúcidos de entender o que se passa de tal arquitetura.

Não há um contraste entre o interior e o exterior. Já as faces laterais (leste e oeste) são de concreto e fechadas ao público, evidenciando a desvalorização das entradas alternativas em detrimento da entrada frontal principal. Como ali se localizam as escadas, banheiros e alguns serviços, o eixo longitudinal de circulação interna acaba sendo interrompido nas laterais, situação esta que obriga os usuários a se dirigirem para as entradas/saídas norte-sul. Tal desvalorização, mesmo que intencional, resulta na falta de compreensão do usuário, que muitas vezes se apropria do espaço acreditando que não haja uma função específica para aquela parte da edificação.

A cobertura plissada agrega à monumentalidade do terminal e, juntamente com elementos de alumínio de diferentes alturas, cobre também a parte externa, tanto na fachada em que os usuários acessam, como na utilizada pelos ônibus. A diversidade de alturas e pés direitos da obra permite com que se criem diferentes percepções, mostrando as intenções dos arquitetos para cada área em questão. Ao mesmo tempo em que a cobertura alta e imponente dá o caráter suntuoso do edifício, o pé direito baixo das entradas frontais cria a sensação de conforto e hospitalidade aos que chegam e partem.

Plantas baixas As duas plantas baixas do Terminal (térreo e mezanino) possuem desenho simples e funcional. Interligando os dois níveis, as escadas distribuem-se entre a área de embarque e a de desembarque, as quais tem funcionamento totalmente independente, com fluxos distintos que, em função do largo eixo longitudinal que atravessa toda a extensão do complexo, não se chocam.

A parte central do pavimento térreo separa as zonas de embarque e desembarque com um setor de diversos serviços, como bancas de revistas, lojas de conveniência, caixas eletrônicos e telefones públicos. Os espaços entre os eixos de circulação das zonas de embarque e desembarque contam com bancos para espera dos ônibus e passageiros: à sua frente localizam-se as salas de espera particular das empresas de viação e atrás a venda de passagens. No projeto original a venda de passagens ficava no corredor junto à fachada frontal, que agora encontra-se ocupado por ampliações das empresas. Na área de desembarque, junto à fachada lateral, encontram-se os serviços oferecidos aos usuários, como informações turísticas e guarda-volumes. Os banheiros distribuem-se nos dois pavimentos sendo identificáveis na parte externa por áreas de concreto aparente que se destacam das grandes vidraças.

O mezanino projetado conta com espaço cultural, galeria de arte e restaurante, funcionando como uma área de uso diferenciado dentro do Terminal, onde é possível a troca entre diferentes usuários e usos do ambiente. A ideia do mezanino torna possível manter a mesma visual em diferentes níveis e com diferentes percepções, porém sem separar os mesmos. Entretanto, grande parte do projeto original foi modificado e hoje abriga uma extensa galeria de pequenas lojas (em sua grande parte abandonadas), quebrando com o intuito do mezanino.

Estrutura e Materiais O conceito estrutural do Terminal Rodoviário é de uma simplicidade projetual que garante sua imponência no espaço, contando com formas limpas e austeras que marcam o ambiente, criando a amplidão de espaço que se pode sentir ao caminhar e utilizar o mesmo. A cobertura de argamassa armada pré-moldada apoia-se sobre três fileiras longitudinais de 14 pilares cada, dispostos dois a dois e independentes de fechamentos, que chegam a atingir até 23 metros de vão. As colunas, de formato hexagonal, afinam à medida em que se encontram com as três vigas trapezoidais que percorrem todo o comprimento do edifício. É com a escolha das formas, tamanhos e materiais dos componentes da obra que o Terminal Rodoviário mostra sua sólida e expressiva manifestação estética.

O concreto aparente, o vidro, o metal, a madeira e a borracha são os materiais base da obra, que, por seu grande contraste, conferem as diversas sensações desejadas aos usuários pela equipe de arquitetos. O concreto da estrutura traz a rigidez presente e contrasta com a grande área envidraçada das fachadas, permitindo leveza, permeabilidade e ampliação da visual. Já a utilização da madeira, juntamente ao pé direito mais baixo de certas áreas, proporciona ambientes mais intimistas face à amplitude do Terminal.

Considerações finais Ao analisar o projeto original e seu aspecto após 40 anos de sua concepção, compreendemos a necessidade de aliar ao conceito e partido de projeto as projeções de apropriação pelos usuários, bem como a sensibilidade de perceber e antecipar ações da gestão da edificação ao longo de sua vida. Deve-se compreender que a interação entre usos e usuários é dinâmica e muda conforme as necessidades dos indivíduos. No entanto, analisando seu aspecto atual, não podemos negar que a obra continua sendo sublime e trazendo sensações diferentes das trazidas em arquiteturas tradicionais. O terminal conseguiu manter-se imponente com seu pé direito exuberante e ao mesmo tempo delicado com sua cobertura que mesmo parecendo bruta, é acolhedora como o abraço da mulher que o nome cedeu à obra. Temos que entender também que, acima de tudo, sua beleza se dá não só pelo projeto repleto de ótimas intenções, mas também pelo acaso improvisado trazido pelos seus usuários. E assim, despretensiosamente, compreendemos que a arquitetura é, muitas vezes, uma beleza projetada por uns e construída por todos.

Referências MATTOS, Melissa Laus. Arquitetura institucional em concreto aparente e suas repercussões no espaço urbano de Florianópolis entre 1970 e 1985. 2009. 120f.. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

Fotografias: Camila Gonçalves Abad Diagramação: Thiago Bogut